quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3151: Unidades sediadas em Bambadinca entre 1962 e 1974 (Benjamim Durães)

1. Mensagem do dia 1 de Abril de 2007 do nosso camarada Benjamim Durães, (ex-furriel miliciano do Pel Rec, CCS do BART 2917, Bambadinca, 1970/72): (*)

Olá Luís,

Aqui estou mais uma vez para dar uma listagem de todas as Unidades que estiveram em Bambadinca sediadas.

A primeira foi o Pelotão de Caçadores 870,  em Dezembro de 1062, que teve o BCAÇ 5 como Unidade Mobilizadora e a última a chegar a Bambadinca foi o BCAÇ 4616/73, em Janeiro de 1974 e que saíu de Bambadinca em Abril de 1974.

Um abraço
Durães
01/04/2007




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca, 1971: Capa da brochura com a história da CCAÇ 12. Desenho: Furriel miliciano António Levezinho. O pessoal metropolitano da CCAÇ 12 (Maio de 1969/Março de 1971) conheceu (e esteve às ordens de) dois batalhões em Bambadinca: BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72).

Foto: ©
Luís Graça (2005). Direitos reservados


2. Unidades sediadas em Bambadinca
Por Benjamim Durães

UNIDADE DESIGNAÇÃO INÍCIO COLOCAÇÃO TRANSF EM PARA FINDA

(1) Pelotão de Caçadores 870 / Dez-62 Bedanda / Abr-63 Bambadinca Out-66 / Ago-63 Canhamina

(2) CCAÇ 526 / Mai-63 Bambadinca Mai-65 Jul-64 Bissau / Out-64 Fá Mandinga / Abr-66
Jan-65 Ponta do Inglês / Abr-65 Bambadinca / Set-65 Xime

(3) CCAV 1482 > Nov-65 Bambadinca Abr-66 Xime Jul-67 / Jan-67 Ingoré

(4) CCAÇ 1551 / BCAC 1888 > Mai-66 Bambadinca Nov-66 Fá Mandinga Jan-68
Fev-67 Xitole

(6) Pel Mort 1028 > Set-65 Fá Mandinga Nov-66 Bambadinca Mai-67

(7) BCAÇ 1888 > Mai-66 Fá Mandinga Nov-66 Bambadinca Jan-68

(8)  Pelotão de Reconhecimento, Pel Rec 1133 > Ago-66 Fá Mandinga Nov-66 Bambadinca Mai-68

(9) Pelotão de Morteiros, Pel Mort 1192  > Mai-67 Bambadinca Mar-69

(10) BART 1904 > Jan-67 Bissau Fev-68 Bambadinca Out-68

(11) Pel Rec 2046 > Mai-68 Bambadinca Mar-70

(12) Pelotão de Caçadores Nativos, Pel Caç Nat 63 > Mai-68 Bambadinca Jan-69 Saltinho 1974

Mar-69 Bambadinca
Ago-69 Fá Mandinga
Nov-70 Missirá
Jul-71 Bambadinca
Nov-71 Mato Cão
Abr-72 Missirá
Nov-72 Fá Mandinga
Manteve-se em ABR-1974

(13) BCAÇ 2852 > Ago-68 Bissau Out-68 Bambadinca Jun-70

(14) Pel Mort 2106 > Mar-69 Bambadinca Dez-70

(15) CCAÇ 2590 > Jun-69 Bambadinca Jan-70
Em Jan-1970 passou a CCaç 12

(16) Pel Caç Nat 53 > Set-66 Xime Jan-69 Bambadinca 1974
Abr-69 Canjambari
Jul-69 Bambadinca
Set-69 Saltinho
Manteve-se em ABR-1974

(17) Pelotão de Intendência, Pel Int 2189  > Nov-69 Bambadinca Set-71

(18) Pel Caç Nat 52 > Set-66 Porto Gole Mar-67 Enxalé 1974
Jun-67 Missirá
Dez-69 Bambadinca
Set-70 Fá Mandinga
Jul-71 Missirá
Abr-72 Fá Mandinga
Jul-72 Pte Rudunduma
Out-72 Mato Cão
Manteve-se em ABR-1974

(18) CCAÇ 12 > Jan-70 Bambadinca Abr-73 Xime 1974
Proveio da CCAÇ 2590 em Jan-1970 Manteve-se em ABR-1974

(19) Pel Rec 2206 > Fev-70 Bambadinca Dez-71

(20) BART 2917 > Mai-70 Bambadinca Mar-72

(21) Pel Caç Nat 54 > Set-66 Mansabá Nov-66 Enxalé 1974
Mar-67 Porto Gole
Dez-69 Missirá
Out-70 Bambadinca
Ago-71 Bafatá
Mai-72 Mato Cão
Out-72 Missirá
Manteve-se em ABR-1974

(22) Pel Mort 2268 > Dez-70 Bambadinca Set-72

(23) Pel Int 3050 > Set-71 Bambadinca Jul-73

(24) Pel Rec 3085 > Dez-71 Bambadinca Out-73

(25) BART 3873 > Dez-71 Bambadinca Abr-74

(26) Pel Mort 4575/72 >  Jul-72 Bambadinca Abr-74

(27) Pel Int 9285/72> Abr-73 Bambadinca Abr-74

(28) Pel Rec 8681/73 >  Jul-73 Bambadinca Abr-74

(29) CCAÇ 21 > Jun-73 Nova Lamego Ago-73 Bambadinca Abr-74

(30) BCAÇ 4616/73  > Jan-74 Bambadinca Abr-74 (**)


3. Mensagem de José Pina, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4616, com data 6 de Agosto de 2008.

Assunto: Correcção - Unidades sediadas em Bambadinca (1962/74)

A propósito do BCAÇ 4616, gostaria de corrigir a informação dada (**).

Ele não esteve em Bambadinca de Janeiro a Abril mas sim de Janeiro a Agosto de 1974.

Eu era Furriel e desempenhava funções na Secretaria de Comando. Portanto, posso garantir que foi mesmo assim. Em Abril ou já em Maio, não posso precisar bem nesta altura, quem saiu foi o nosso Comandante Luís Ataíde Banazol ficando as nossas tropas entregues ao segundo comandante, Major (agora Coronel) Fernando Luís Azevedo Alves Moreira.

Já agora, relativamente ao BCAÇ 4616, será bom dizer que chegou à Guiné a conta gotas, porque viu o seu embarque adiado duas ou três vezes devido à acção do nosso Comandante (Luís Ataíde Banazol) no seio no movimento dos capitães. A PIDE/DGS andava atenta e com receio que alguma coisa pudesse acontecer não permitiu que o Batalhão viajasse todo em conjunto de barco como estava previsto mas sim uma Companhia de cada vez e de avião.

Eu, que fazia parte da CCS, por exemplo, embarquei no dia 2 de Janeiro de 1974 e assim que chegámos a Bissau fomos logo para o Cumeré onde tirámos o IAO. Depois, fomos então pelo Geba acima de LDG para Bambadinca onde permacemos até Agosto, como já referi.

Os tempos por ali passados não foram maus e não se registaram grandes problemas; tanto assim, que mandei ir para lá a minha mulher. Chegou em Março, vivíamos numa casa alugada, fora do quartel, mesmo junto ao posto de sentinela virado para sul (Geba).

Curiosamente, o momento mais tenso que por lá se viveu, foi em finais de Julho ou principios de Agosto, quando as milicias africanas cercaram o quartel exigindo uma determinada quantia para deixarem de pertencer às nossas tropas. Mas, a pronta intervenção no local de Carlos Fabião (que na altura era o Comandante da Região Militar da Guiné) acabou por resolver tudo...

Para mais pormenores sobre o BCAÇ 4616 sugiro que leiam o livro Guiné Bissau: Três Vezes Vinte e Cinco (**), de Luís Ataíde Banazol.

José Pina


4. Comentário de CV

Caro José Pina:

Muito obrigado pela correcção que fazes quanto à estadia em Bambadinca, do teu Batalhão. Há sempre oportunidade de intervenção para corrigir dados menos exactos, como foi o caso detectado por ti.

Aproveito a ocasião para te propor que adiras à nossa Tabanca Grande, onde poderás contar as tuas estórias e mostrar as tuas fotografias.

Quando aparecem no nosso Blogue camaradas que estiveram na Guiné no pós 25 de Abril, convido-os sempre a contar-nos as peripécias passadas pelas NT, naqueles tempos de incertezas, quando as armas se silenciaram, mas as relações com o ex-IN ainda não estavam devidamente esclarecidas. Algumas fricções aconteceram e ainda tivemos a lamentar alguns mortos de parte a parte.

Envia-nos uma foto do teu tempo de tropa e outra de agora e começa a escrever.

Recebe um abraço em nome da tertúlia.

Carlos Vinhal
Co-editor
_____________

Notas de CV:

(*) - Reedição do poste editado no dia 20 de Abril de 2007, com revisão do texto e publicação de uma correcção enviada pelo nosso camarada José Pina, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4616, entretanto recebida na nosso Blogue.

(**) - Vd. poste de 22 Julho 2005 > Guiné 63/74 - CXVI: Bibliografia de uma guerra (8): A Guerra Colonial, o MFA e o 25 de Abril

(Fixação do texto de CV)

Guiné 63/74 - P3150: In Memoriam (7): Bacari Soncó, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52, Régulo do Cuor (Beja Santos)

Guiné-Bissau > Janeiro de 2008 > Fotografia de estúdio de Bacari Soncó, antigo comandante de milícias de Finete, na altura em que o Beja Santos era o comandante do Pel Caç Nat 52, e estava em Missirá (Agosto de 1968/Outubro de 1969), e actual régulo do Cuor.

Foto: ©
Beja Santos (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), de hoje:

Bacari , Meu Querido Irmão,
Acabo de saber que te perdemos para sempre, em 23 de Agosto.

Com o teu desaparecimento, perco o último Soncó guerreiro da minha geração.

Recordo-te intrépido, resoluto, sempre pronto para seguires a meu lado nas operações e patrulhamentos de mais elevado risco.
Recordo o que aprendi contigo acerca do nome de árvores, culturas, a história do nosso Cuor tão amado.
Recordo a reconstrução de Missirá, as nossas viagens diárias a Mato de Cão, o desvelo que tiveste quando uma mina anti-carro me ia destruindo, em Outubro de 1969.
Recordo o nosso último abraço, em Dezembro de 1991, a partir daí só escrevemos um ao outro, fugíamos do telefone, até porque um régulo não pode chorar ou emocionar-se ao telefone, a autoridade não se compadece com lágrimas.

Acontece que te enviei pelo teu sobrinho uma semana antes do teu desaparecimento a derradeira carta que terminava com a saudação de sempre:

- Recebe um abraço e beijos do teu mano, Mário.

Seguiu igualmente o livro que escrevi sobre a nossa vida no Cuor, onde tive a dita de combater a teu lado. Agora, só posso esperar que tenhas o eterno descanso ao lado dos Soncó, os mais ardorosos guerreiros da Guiné.

Recebe sem mais explicações a minha saudade e gratidão pelo que fizeste por eu ser quem sou,

Teu mano,
Mário
_________________

Nota de CV

(1) - Vd. Poste de 19 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2778: Álbum das Glórias (45): Bacari Soncó, ex-comandante do Pel Mil Finete e actual régulo do Cuor, Janeiro de 2008 (Beja Santos)

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3149: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (5): Com o Pepito na Lourinhã, capital dos dinossauros (Luís Graça)




Lourinhã > 16 de Agosto de 2008 > O Pepito, à entrada do Museu da Lourinhã, junto a uma réplica de um membro posterior de um grande dinossauro que viveu na região na época do Jurássico Superior (c. 150 milhões de anos). (Para saber nais sobre os dinossauros e a ciência que os estuda os seus fósseis - a paleontologia - consultar a página e o blogue do paleontologista lourinhanense, já de renome internacional, o Doutor Octávo Mateus. Este especialista português tem feito pesquisa de fósseis de dinossauros e outros animais do Jurássico e do Cretácico um pouco por toda a parte, desde Portugal à Mongólia, dos Estados Unidos à Angola e inclusive na Guiné-Bissau).

A região do Oeste estremenho, e em particular o concelho da Lourinhã, é uma das zonas mais ricas da Europa em fósseis de dinossauro do Jurássico Superior. O Museu da Lourinhã, fundado há duas décadas e meia pelo GEAL - Grupo de Etnologia e Arqueologia ds Lourinhã, vale bem uma visita, com tenpo e vagar. Fica aqui o convite a todos os amigos e camaradas da Guiné que se interessem por esta área (apaixonante) do conhecimento científico. O museu encerra à segunda-feira e feriados. Está portanto aberto ao fim de semana.






Lourinhã > 16 de Agosto de 2008 > Museu da Lourinhã > O Pepito, divertidíssimo, à entrada do museu, perante o olhar cúmplice (e talvez irónico) da Alice e da Isabel. O nosso amigo guineense parece querer dizer algo como: "Ó Luís, na Guiné não há disto!"; "Este fémur é mais avantajado do que o meu"; "Vou pôr uma pata destas à entrada da minha casa no Bairro do Quelelé para assustar alguns bandidos que, às vezes, furtiva e cobardemente, armados de kalash, tentam dar-nos cabo do sossego" (*)...

Lourinhã > 16 de Agosto de 2008 > Museu da Lourinhã > O Pepito fotografado numa das salas dedicadas à paleontologia. Agradeço publicamente ao funcionário do museu, e meu amigo, Simão Mateus, a gentileza e a paciência que teve comigo e com os meus amigos, guiando-nos na visita que fizemos ao riquíssimo espólio paleontológico.




Lourinhã > 16 de Agosto de 2008 > Museu da Lourinhã > A Isabel, a Alice e o Pepito. O museu tem outra parte dedicada à etnologia, e em especial às velhas profissões e ocupações do oeste, desde o segeiro ao moleiro, do petrolino ao pescador...



Lourinhã > 16 de Agosto de 2008 > A Alice, a Isabel Levy Ribeiro e a mãe desta (que voltou à Lourinhã, muitos anos depois, já que o pai foi aqui médico, no final da década de 1920, antes de ir para África, onde nasceu a Isabel).

A foto é tirada na Rua da Misericórdia, onde eu e a Alice temos a nossa casa de fim de semana. As nossas meninas posam junto à fachada manuelina, seiscentista, da antiga Igreja do Espírito Santo, padroeiro dos pescadores, hoje incrustada no corpo do edifício da Misericórdia da Lourinhã (que foi fundada no princípio da década de 1580). No tempo da Reconquista, no reinado de D. Afonso Henriques, havia um braço de mar que banhava a Lourinhã.

Fotos e legenda: © Luís Graça (2008). Todos os ireitos reservados.


1. O Pepito e a Isabel tiveram a gentileza de retribuir-nos a visita que fizémos, no passado 7 de Agosto, a São Martinho do Porto onde estão a passar férias, juntamente com as respectivas mamãs que, felizmente, ainda estão vivas e de boa saúde.

Com muita pena minha não pude voltar lá no dia 19 de Agosto, dia em em que o Pepito recebeu uma delegação dos Gringos de Guileje, com o Zé Carioca e o Abílio Delgado à cabeça. Nesse dia, o meu velho, que está numa lar, juntamente com a minha mãe, fazia anos (88).

Aproveito para desejar ao Pepito e à Isabel um feliz e seguro regresso à Guiné, país-irmão que nos é muito querido e que, infelizmente, é de vez em quando assombrado por más notícias que nos deixam preocupados.  Peço-lhe, ao Pepito, que transmita aos nossos amigos que lá estão a força da nossa amizade e solidariedade.

Foi um privilégio poder conviver, com ele e com a sua família, nestes dias de férias que estão a terminar... Para mim, foi também Aquele querido mês de Agosto (A propósito, não percam o filme de Miguel Gomes, que está por aí, em exibição, nas salas de cinema de Lisboa e Porto).
______

Nota de L.G. (em férias...):

(*) Vd. poste de:

31 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3101: Histórias de vida (13): Desistir é perder, recomeçar é vencer (Carlos Schwarz, 'Pepito', para os amigos)

Vd. último poste da série de 7 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3119: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (4): Ornitologia (Mário Fitas)

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3148: O Nosso Livro de Visitas (24): José Pedro Neves, ex-Fur Mil da CCAÇ 4745 (Guiné 1973/74)

1. Mensagem com data de 23 de Agosto de 2008 do nosso novo camarada José Pedro Ferreira das Neves, ex-Fur Mil da CCAÇ 4745/73, que esteve na Guiné entre 1973 e 1974:

Caro Luis Graça:
Quero agradecer a todos os antigos combatentes, principalmente aos que estiveram na Guiné, todos os contributos relatados neste site. Graças a si e a esses contributos tornei-me um doente saudável na consulta constante do blogue, na ânsia de encontrar relatos de antigos camaradas que comigo percorreram as matas e bolanhas da Guiné, mas nunca encontrei nenhum relato que identificasse a minha Companhia de Caçadores, independente, com origem dos Açores, da Ilha Terceira, CCAÇ 4745/73.

Agora, apresento-me, se me permitem:
Chamo-me José Pedro Ferreira das Neves, fiz o Curso de Operações Especiais em Lamego, 1.º curso de 1973 e dei instrução ao 2.º curso, também de 1973.
Fui mobilizado para a Guiné em Julho de 1973 e ingressei na CCAÇ 4745/73, (Companhia de Intervenção), em Agosto de 1973.
Regressei em Setembro de 1974 e passei à disponibilidade no dia 20 do mesmo mês.

Posto: Furriel Miliciano de Operações Especiais (nome de guerra PEDRO)

Locais na Guiné por onde andei: Binta, Nema, Farim, Mansoa, Jugudul, Polibaque (Protecção aos trabalhos de abertura da estrada, Jugudul-Bambadinca), Bula, Binar, Nhamate, Capunga, Bissau e outros arredores, que agora não me ocorrem.

O que procuro: Antigos camaradas da CCAÇ 4745/73 e outros que conheci, quando andei por terras da Guiné e alguns camaradas que fizeram o curso comigo e outros, a quem dei o curso, em Lamego.

O que já encontrei: Alguns antigos camaradas de Lamego, porque vou aos encontros, que se realizam anualmente, na nossa Faculdade Ranger.

Comentários: Penso que as dificuldades de encontrar antigos camaradas se deve ao facto, de só os graduados serem do Continente, apesar do Borges (Furriel)e de um Alferes, do qual não me lembro do nome, serem dos Açores, assim como os restantes camaradas da CCAÇ 4745/73, também conhecida, por Águias de Binta.

Vou frequentemente à Guiné-Bissau, desde 1989 (51 vezes), uma das vezes, com o tertuliano Humberto Reis, do qual me orgulho de ter como amigo e sofro, ao ver as condições de vida do povo da Guiné-Bissau, mas, isso são outras histórias.

Brevemente vou começar a contribuir, com relatos, da minha passagem pela Guiné, em parte, instigado pelo também grande amigo e tertuliano Magalhães Ribeiro, mas também, para contribuir um pouco com as minhas memórias do passado.

Antecipadamente, agradeço toda a vossa paciência para nos aturarem!

2. Caro Pedro

Primeiro que tudo, quero agradecer as tuas palavras que são para nós um incentivo.

És um tertuliano com dupla qualidade. Por um lado és um ex-combatente, e por outro, um amigo da Guiné-Bissau, atendendo ao número de vezes que já visitaste aquele país.

Não temos na tertúlia pessoas que se disponham a contar-nos estórias dos tempos, conturbados, depois de terem terminado as hostilidades com o PAIGC. A maioria de nós é um pouco mais velha que tu e regressou uns anitos antes de a guerra terminar. Sabemos por alto que nem tudo correu bem. Esperamos que sejas tu a colmatar essa falta de informação no nosso Blogue.

Esperamos de ti estas e outras estórias, assim como as tuas fotografias de então, e porque não de agora, para quem nunca mais à voltou à Guiné, possa ver como está o país actualmente.

Já reparaste que te estou a tratar por tu?

Na nossa Tabanca Grande, tratamo-nos todos por tu, como verdadeiros camaradas que somos, independentemente do nosso antigo posto militar, que hoje serve apenas como referência e não para marcar alguma hierarquia, e da nossa posição social.

As convicções políticas, religiosas e outras, não interferem nas nossas relações, nem são discutidas no nosso Blogue. As diferenças de ideias discutem-se com cortesia e aceitação das diferenças.

Na nossa página, do lado esquerdo, poderás ler as nossas 10 normas de conduta e aquilo que nós (não) somos.

Caro camarada, esperamos que envies em breve as fotos da ordem para seres apresentado formalmente à Tertúlia.

Recebe um abraço de todos os camaradas e amigos da Guiné-Bissau, tertulianos do nosso Blogue.
CV
Co-editor

domingo, 24 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3147: Tabanca Grande (83): José Manuel Dinis, Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda (1970/71)

1. Mensagem do dia 21 de Agosto de 2008, do nosso novo camarada José Manuel Matos Dinis. ex-Fur Mil CCAÇ 2679 Bajocunda 1970/71:


 Caro Luis Graça e amigos:

 Chamo-me José Dinis, integrei a CCAÇ 2679 no CTIG, durante os anos de 1970/71, como Fur Mil, Companhia que, inicialmente, desempenhou funções de intervenção no Sector Leste, baseada em Piche, onde estava o BART 2857, tendo passado ao regime de quadricula em Bajocunda, em Agosto de 1970, substituindo a CART 2438, sendo dependente do COT1. 

Integrei o 2.º Pelotão, que comandei durante cerca de 18 meses, após a transferência compulsiva do meu grande amigo, o Alf Mil Eduardo Guerra. O Grupo ficou conhecido por Foxtrot, e ganhou nomeada pela sua grande disponibilidade, entrega e arrojo. Ao nível da Companhia, regista o maior número de louvores e o menor número de porradas

 Em Piche fui dinamizador da estação de rádio ali criada, embora com a antena horizontal próxima do telhado de zinco para abafar as emissões. em virtude da falta de autorização para o efeito. 

 Em Bajocunda criei a jornal Jagudi, que expandia textos de diversos camaradas, bem como, por vezes, transcrevia artigos de orgãos da comunicação social. O Jagudi ganhou alguma notoriedade porque era lido pelo João Paulo Dinis no Pifas

 A Zona de Acção do Sector L-4 - Piche, onde fizemos intervenção, apresenta uma superfície plana de cerca de dois mil quilómetros quadrados, com a altitude média de sessenta metros, e uma cobertura vegetal dispersa, por vezes de savana, adensando-se nas proximidades dos rios. Tinha como limites a fronteira com o Senegal, entre os marcos 50 e 58, a norte, o Rio Corubal, até à Confluência do Rio Seli, o Rio Beli, até à confluência com o Rio Juba, o Rio Camidina,o Rio Cambajã, Cambajã (excl.), Canjamo (excl.), Sinchã Bebe (excl.), o Rio Délebel, o Rio Bidigr, o Rio Nhangurem, o Rio Chimanar, o Rio Rapael, o Nácia, o Bial, o Rio Corri, o Rio Nungajá, e o marco 63, regiões fronteiras à Guiné-Conakri. 

 A Zona de Acção de Bajocunda apresenta características idênticas às do Sector L-4 e estendia-se de Tabassi a Copã. Nestas regiões não havia instalações IN quer de carácter permanente, como provisório. A actividade do IN consubstanciou-se em acções contra a população(para roubar e intimidar), à implantação de engenhos explosivos em estradas e outras vias de acesso a povoações e a flagelações contra aquartelamentos das NT e aldeias em autodefesa. A única emboscada concretizada, não vitimizou o pessoal da Companhia. 

 A densidade populacional era elevada, tendo em conta a fertilidade do terreno e o clima relativamente favorável a fixação. Havia representantes de diversas raças: Fulas, em maioria absoluta, Futa-Fulas, Fulas-Forros, Fulas-Pretos, Mandingas, Panjandincas e Bambarancas. O Fula não aceita outra religião para além do islamismo. Também era notória a sua preferência pela língua árabe, mesmo deturpada. O português, como língua falada, não era da sua preferência. 

 Os fulas, ardentes propagandistas do islão, propagavam a escolaridade em árabe. A população manifestava-se algo colaborante, mas assumia uma posição neutra em relação ao IN, de maneira a, agradando a uns, não desagradar aos outros. A nossa missão era a de garantir a segurança nas regiões, através de patrulhamentos de prevenção às infiltrações do IN, assegurar a liberdade de movimentos nos itinerários, montagem de emboscadas, diurnas e nocturnas, em supostos lugares de passagem ou penetração do IN, apoios e contactos com as populações, relativamente a acções de indole psicológica ou sanitária. 

A actividade do IN surpreendeu-me por alguma passividade e, para isso, tenho a minha interpretação; Em 1969, após o nosso abandono da região do Boé, e como estruturação do IN para o objectivo da independência, alguns dos seus quadros terão rumado aos países que lhes davam formação, pelo que essa mobilização - que não posso garantir, mas parece ter acontecido - reflectiu-se na abrandamento da guerra, que se acentuou a partir dos finais de 1972. 

 Para esta caracterização apouei-me na História da Companhia. Afinal, uma boa parte das Companhias dispersas pelo território do CTIG tiveram funções semelhantes, mas nomeá-las tem a intenção de recordar ou reportar algumas das tarefas do quotidiano, alguma caracterização antropológica, alguma sensibilidade sobre o relacionamento das partes envolvidas. 

 Lanço o repto a outros mais capazes, de divulgarem os conhecimentos que tenham relativamente a estas matérias, com o óbvio fim de ajudar à melhor compreensão de factores endógenos, que influenciaram o desenrolar dos acontecimentos. 

 Pronto, fiz a minha apresentação, e peço que me considerem como membro da Tabanca Grande. Quero despedir-me com um abraço aos amigos. Cascais, 2008.08.21 

  2. Comentário de CV:

  Caro José Manuel Dinis, Estás formalmente apresentado à nossa Tabanca Grande. Não tinhas que pedir para ser membro do nosso Blogue. A nossa porta está sempre aberta para qualquer ex-combatente da Guiné e amigo da actual Guiné-Bissau. 

 Começaste da melhor maneira, apresentando-te a ti e à tua Companhia, e caracterizando a vossa Zona de Acção. Esperamos agora as tuas estórias e as tuas fotos para assim aumentar o espólio do nosso Blogue. 

 Deixo-te, em nome dos editores da restante tertúlia, um abraço de boas vindas.

Guiné 63/74 - P3146: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (12): Ataque a Mansabá

1. No dia 22 de Agosto de 2008, recebemos uma mensagem do nosso camarada Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, (, Mansabá e Olossato, 1968/70), com mais uma história da sua CCAÇ 2402 (*).

Caro Vinhal,
Julgo que ainda estás de serviço enquando os outros editores gozam merecidas férias.
Aqui vai mais um artigo em tempo de férias, este relacionado com a nossa Mansabá.

Um abraço,
Raul Albino


Ataque a Mansabá

Por Raúl Albino

Em 3 de Abril de 1969, um grupo inimigo estimado em cerca de 100 elementos, atacaram Mansabá de diversas direcções com Canhão sem recuo, Morteiro 82, Lança Granadas Foguete, Metralhadoras Pesadas, Metralhadoras Ligeiras e outras armas automáticas.

O ataque começou cerca das 23,15 horas e durou 45 minutos. As nossas tropas (ao nível do Batalhão) sofreram 1 morto, 10 feridos graves e 23 feridos ligeiros. Segundo o relatório da nossa Companhia, pertencer-nos-ia 3 feridos graves evacuados para o Hospital Militar 241, tendo posteriormente um dos feridos sido evacuado definitivamente para o HMP de Lisboa, além de 16 feridos ligeiros. A população sofreu 7 mortos, 12 feridos graves e 19 feridos ligeiros.

Foto 1 > Mansabá > Alguns dos feridos esperando evacuação para Bissau

Foram atingidos pelo impacto de granadas, 3 casernas, o edifício do Comando, o Posto de Rádio, a padaria, a cozinha, os balneários das Praças, a Messe de Sargentos, a residência dos Oficiais, o edifício da Administração, o depósito de água, um posto abrigo e a pista de aviões, tendo sido ainda atingidas 4 viaturas.

Foto 2 > Mansabá > Pode ver-se as marcas do impacto das munições na parede

Foto 3 > Mansabá > Um dos edifícios atingidos

Pelo fogo e manobra das tropas, o inimigo furtou-se ao contacto. Pela batida e informações posteriores constou-se que o inimigo empregou no ataque cerca de 6 Canhões sem recúo, 6 Morteiros 82 e vários Lança granadas foguete, Metralhadoras Pesadas e Ligeiras.

O BCAÇ 2851 era a Unidade responsável pelo Sub-Sector. A CCAÇ 2402 colaborou na defesa e reacção ao ataque com algumas limitações. É que o 3.º grupo de combate – que eu comandava – e o 2.º grupo de combate, tinham chegado a Mansabá dois dias atrás. Pelo meu lado e falando por mim, o sentimento que tive neste dia foi de frustração, pois não conhecia o sistema de defesa do quartel, não sabia para onde me dirigir quando o ataque estalou, restando-me procurar abrigo atrás de um pequeno muro que se estendia frente aos dormitórios.

A sensação principal que perdura na minha memória foi a da perfeita inutilidade da minha presença. Nunca tinha sentido isto antes nem voltei a sentir depois, porque em todos os inúmeros contactos que tivemos ao longo da comissão, sempre estiveram bem definidos os nossos objectivos e missões a cumprir, não dando lugar a situações de indefinição. Esta foi a excepção e, por essa razão, a minha narrativa deste evento é tão limitada. Resta-me referenciar as narrativas daqueles que assistiram a alguns acontecimentos, por se encontrarem nos próprios locais.

Foto 4 > Mansabá > Final da pista de aviação


Foto 5 > Mansabá > Um DO na zona de estacionamento das aeronaves


Fotos © Raul Albino (2008). Direitos reservados.
Legendas da responsabilidade do editor.


O número de feridos deste combate foi elevado, movimentando um grande número de helicópteros e aviões na pista de aterragem, para procederem à evacuação para Bissau dos elementos em estado mais grave, tanto das nossas tropas como da população. As fotografias acima dão uma imagem dessa situação de emergência.

O que acima foi descrito não passa de um relato sintético pelas razões que expus. Neste momento já possuo a narrativa do nosso comandante de então, o Cap Vargas Cardoso, que por coincidência desempenhava nesse dia a função de Oficial de Dia ao aquartelamento. Segundo as suas palavras ele sempre se mostrou muito crítico quanto à forma como o comando conduzia a sua actividade na sua área de jurisdição. Assemelhava-se a uma guerra programada que abria ao nascer do sol e encerrava a meio da tarde, coincidindo com o horário dos trabalhos de construção da estrada Mansabá/Farim, principal objectivo do BCAÇ 2851 naquela zona. O patrulhamento dos arredores do quartel estaria reduzido ao mínimo, só assim sendo possível que o inimigo tivesse conseguido instalar tamanho poder de fogo nas redondezas. Não estando autorizado para transcrever os seus textos, resta-me informar que ele participou activamente na defesa e resposta ao fogo do inimigo, contribuindo para a sua retirada.

No dia seguinte o General Spínola com alguns oficiais do Q.G. apresentaram-se em Mansabá para indagar dos factos ocorridos na véspera. Terá ouvido as exposições do Oficial de Dia e do Comandante de Batalhão, decidindo retirar-lhe o comando e enviá-lo para o Q.G. em Bissau. Que belo castigo, pensei eu na altura.

Recordo-me que nesse dia algo me pareceu estranho e não me agradou e que consistiu no seguinte: as instalações onde os oficiais dormiam e possivelmente também os sargentos, eram constituídas por uma fileira de pequenas moradias geminadas tipo bairro económico, tendo na sua frente um muro a todo o comprimento com cerca de 80 centímetros de altura (se a memória não me falha) onde me abriguei no momento do ataque. Na ponta dessa correnteza de casas ficava a que estava distribuída ao Comandante do Batalhão e possivelmente a mais algum Oficial Superior. Reparei nisso porque era ostensiva a muralha protectora dessas instalações, composta de bidões cheios de terra e chapas abertas de reforço, entre outros materiais, demonstrando ao inimigo que alguém importante ali se recolhia em pleno contraste com todas as outras moradias a ela ligadas. Já tendo conhecimento da opinião do Gen Spínola, pelas suas visitas a Có, sobre tudo o que se parecesse com bunkers, neste caso discriminatórios, previ que ele não iria gostar do que estava à vista, como eu também não gostei. Segundo me constou ele era um entusiasta das valas a céu aberto, coisa que a mim não me entusiasmava minimamente, apesar de compreender perfeitamente o seu ponto de vista.

No meu caso pessoal é interessante compreender qual foi o meu estado de espírito neste período de permanência em Mansabá. Vinha de Có, localidade sob a responsabilidade da CCAÇ 2402, onde toda a logística nos pertencia. O meu grupo chegou duas semanas depois da Companhia a Mansabá, precisamente dois dias antes do ataque. Lembro-me de estar fardado com a farda de saída e de ter regressado da messe após o jantar, único local que eu tinha referenciado até ao momento, pudera, com a fome não se brinca e ali é que estava a manduca fosse ela boa ou má.

Sentia-me perdido no quartel com tanta actividade produzida pelas várias unidades lá estacionadas, das mais variadas armas. Sentia-me pequenino, deslocado e super-protegido por tanta tropa e armamento, onde se incluíam blindados ligeiros e especialistas para tudo. Antes os especialistas éramos nós, mesmo que de muitas especialidades não percebêssemos patavina. Esta ilusão foi desfeita com este ataque, demonstrando que este potencial estava mal gerido, ou que, apesar de tudo, era insuficiente para cumprir os objectivos do Sector e garantir alguma segurança no quartel.

Uma semana depois do ataque, a C.CAÇ 2402 a três Grupos de Combate, foi destacada para o Olossato, deixando o meu grupo de Combate em Mansabá ainda por cerca de um mês, para reforço à protecção aos trabalhos da estrada (capinagem, rompimento, alfaltagem, etc.). Por curiosidade, nunca cheguei verdadeiramente a conhecer o aquartelamento, porque a minha missão coincidia com o horário da guerra, ou seja, arrancar ao nascer do sol, levar alguma porrada do inimigo (flagelações à distância) no local da obra, e regressar ao fim da tarde arrasado e esfomeado. Era comer qualquer coisa e deitar, para voltar a arrancar no outro dia ao nascer do sol. Acabei por fixar bem por onde saía e por onde entrava, que por sinal era o mesmo sítio. No próximo texto contarei melhor em que é que consistia a nossa actividade.

3. Para reavivar a pouca memória que o camarada Raúl Albino tem de Mansabá, tão pouco foi o tempo que lá permaneceu, junto duas fotos, legendadas de memória, que não estarão erradas, salvaguardando os quase 40 anos que nos separam daquele tempo.

Foto 1 > Vista aérea de parte do aquartelamento de Mansabá. Esta foto não contempla a zona dos quartos dos Oficiais, da Enfermaria, Bar e dormitórios dos Praças e as diversas arrecadações.

Foto 2 > Nesta foto vêem-se os quartos dos Oficiais, com o tal murinho que o Raúl refere, falta a fortificação dos últimos quartos que seriam dos Oficiais Superiores.
Fotos e legendas: © Carlos Vinhal (2008). Direitos reservados.

___________________

Notas de CV

(*) - Vd. útltimo poste da série de 16 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3135: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (11): Partida de Có para Mansabá

(1) - Vd. poste sobre outro grande ataque a Mansabá de 11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2526: Estórias avulsas (14): Ataque ao Quartel de Mansabá (Inácio Silva)

sábado, 23 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3145: Poemário do José Manuel (22): (...) Como os dias passam devagar / Contados a riscar um calendário...


Guiné > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Na primeira foto de cima, "eu com alguns dos nossos alunos da escola de Mampatá. O Professor Furriel Simões foi o fotógrafo".... Nas fotos a seguir, "momentos de festa e alegria com a população de Mampatá, um batuque onde se misturavam militares e nativos".

Fotos, legendas e poema © José Manuel (2008). Direitos reservados.

1. Mais um dos poemas escritos pelo José Manuel Lopes (*), em Mampatá (**), e mais três fotos (enviadas por mails de 24 e 21 de Abril de 2008, respectivamente):


Há momentos aquidifíceis de suportar
numa guerra por razões
que já perdi
por motivos
que não encontro
e assim
como os dias passam devagar
contados a riscar um calendário.

Mampatá 1974
josema
____________

Notas de L.G.:

(*) Sobre o nosso camarada José Manuel Lopes, vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

O José Manuel Lopes, natural da Régua, é um conceituado vitivinicultor, explorando a Quinta da Senhora da Graça, com sede em Senhora da Graça, 5030-429 Lobrigos (S. J. Baptista), concelho de Santa Marta de Penaguião, distrito de Vila Real, Telef. 254 811 609. Faz também turismo de habitação.

O JoséManuel, ex- Fur Mil Inf Armas Pesadas, da CART 6250 (Mampatá, 1972/74), esclareceu-me há tempo que não chegou a completar o Curso de Operações Especiais... Foi tardiamente para a Guiné, em rendição individual.

(**) Vd. último poste desta série > 22 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3084: Poemário do José Manuel (21): O recordar dos sentidos: como é bom ver, sentir, ouvir, cheirar, saborear, falar...

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3144: Dando a mão à palmatória (15): Alf Mil Rainha era comandante do Gr Cmds Centuriões (Rui A. Ferreira)

Autor: Rui Alexandrino Ferreira
Título: Rumo a Fulacunda. 2ª ed.(*)
Editora: Palimage Editores.
Local: Viseu.
Ano: 2003.[1ª ed., 2000].
Colecção: Imagens de Hoje.
Nº pp.: 415.
Preço: c. 20€.



1. Mensagem de Luís Manuel Nobreza D'Almeida Rainha, com data de 18 de Agosto de 2008, para Nuno Pestana, Palimage e Palimage Distribuição.

Assunto: Compra do Livro da Colecção Imagens de Hoje RUMO A FULACUNDA de Coronel Rui Alexandrino Ferreira

Ex.mos Senhores

Eu, Luis Manuel Nobreza D'Almeida Rainha (...), venho por este meio junto de vós para o seguinte:

Soube por intermédio de antigos Camaradas meus, ou melhor, por antigos AMIGOS de GUERRA e Camaradas, que existia um Livro que continha referências muito pouco abonatórias à cerca da minha pessoa, e cujo autor é (ou era) um Coronel Miliciano ( entrado para o Quadro), Rui Alexandrino Ferreira, denominado RUMO A FULACUNDA. Muito tenho procurado saber onde pára esse senhor para que venha publicamente desfazer tal blasfémia.

Fui Oficial Milicíano dos Comandos da Guiné Portuguesa entre 1963 e 1966. Já há algum tempo que ando a procura do Livro RUMO A FULACUNDA, como já acima referi, e por tal motivo venho junto de Vós para que me informem como o puderei obter.

Fui Condecorado com a CRUZ de GUERRA de 2ª Classe, por actos praticados em Combate, não fui para o Quadro porque não quis e o que não admito é que venha alguém afirmar e, o mais importante, publicar coisas que não são exactas.

Por tudo isto desejo uma reparação pública do sucedido.

Espero que façam o favor de me indicar a maneira como posso obter tal livro, o mais urgente possível.

Sem outro assunto me subscrevo com a maior consideração

Crachá dos Centuriões > Grupo de Comandos que combateu na Guiné sob o Comando do ex-Alf Mil Rainha (**), visado por engano pelo Rui A. Ferreira no seu livro Rumo a Fulacunda


2. Mensagem, com origem na editora Palimage, para Rui Alexandrino Ferreira, com data de 19 de Agosto de 2008.

Assunto: Fw: Compra do Livro da Colecção Imagens de Hoje "RUMO A FULACUNDA" de Coronel Rui Alexandrino Ferreira

Caríssimo Senhor Ten. Coronel Rui Ferreira

Recebi esta mensagem abaixo que lhe reenvio. Somente o Senhor Ten Coronel poderá dizer-me como proceder: creio que poderei indicar a este senhor que nos escreve como obter o livro: basta ir a uma qualquer livraria e solicitá-lo, já que as livrarias, se não dispuserem do livro, têm meios de o solicitar à distribuidora ou à editora.
Mas gostaria de saber a sua opinião sobre esta questão.

Envio-lhe agora a mensagem e ainda hoje, provavelmente, ligar-lhe-ei para conversarmos a este propósito.

Com um grande abraço,
Jorge Fragoso
Palimage
Apartado 10032
3031-601 Coimbra
http://www.palimage.pt/


3. Mensagem de Rui Ferreira, com data de 21 de Agosto de 2008, enviada ao nosso Editor Luís Graça

Assunto: Rumo a Fulacunda

Meu caro Luis

Todos os esclarecimentos para a verdade são importantes. Os que implicam com o bom nome a que todos temos direito, ainda o são mais.

E tudo isto, porquê?

Sucedeu-me, e se assumo quanto a isso a responsabilidade do que escrevi, mantendo como verdadeiro e absolutamente coincidente com a realidade, sobre a ctuação do grupo de comandos da Companhia de Comandos da Guiné, que em Dezembro de 1965, em reforço da CCaç 1420, deu de si fraca mostra do seu valor, mas lamentavelmente confundindo o grupo de Centuriões com o dos Vampiros, atribuí o seu comando ao então Alferes Rainha e não ao outro cujo nome não refiro, porque já não pertence a este mundo. (Quem pertenceu àquela Unidade sabe bem de quem se trata ou tratava).

Pela manifesta falta de rigor nessa troca de nomes de que efectivamente aquele se sente lesado, publicamente lhe peço as mais sentidas desculpas bem como lhe garanto que no próximo livro, que tenho em laboração referente à segunda comissão que cumpri na Guiné, as primeiras palavras serão para repor a verdade.

Agradeço-te publiques esta mensagem o mais rápido que te for possível.

Um grande abraço
Rui Ferreira

4. Porque a verdade deve ser reposta, sem fazer qualquer juízo de valor e sem mais comentários, aqui deixamos o pedido de esclarecimento do nosso camarada e querido tertuliano, Ten Coronel Rui Alexandrino Ferreira.

CV
_______________

Notas de CV

(*) - Vd. postes de

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)

1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1718: Lendo de um fôlego o livro do Rui Ferreira, Rumo a Fulacunda (Virgínio Briote)

(**) - O Alf Mil Luís Rainha depois do C.O.M. em Mafra, fez um estágio de Educação Física Militar e frequentou com aproveitamento o Curso de Op Especiais.
Colocado no Regimento de Cavalaria 7, em Lisboa, foi incorporado no B CAV 705/CCAV 704 e mobilizado para a Guiné.
Os primeiros mese passou-os na CCAV 704 e os restantes nos Comandos do CTIG.
Foi formado pelos então Major Monteiro Dinis, Cap Nuno Rubim, Alfs Mil Justino Godinho, Pombo dos Santos e Maurício Saraiva, Sargento Mário Dias e Furriel Miranda (participantes na Op. Tridente, com excepção dos dois primeiros) e foi contemporâneo dos Alfs António Vilaça, Neves da Silva, Vítor Caldeira, V. Briote e Cap Garcia Leandro.
Foram-lhe atribuídos dois louvores, um do Comandante da Companhia de Cavalaria 704 e outro do Comandante Militar da Guiné e mais tarde foi condecorado com a Cruz de Guerra de 2.ª Classe.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3143: Blogoterapia (62): A minha vida morreu; morreram os meus amigos (Santos Oliveira)


1. O nosso camarada Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf.ª, Como, Cufar e Tite, 1964/66 (*), mandou-nos esta mensagem em 1 de Agosto de 2008.

Vinhal

Quero dizer-te que tentei alisar, com o ferro de engomar, o documento que pretendia digitalizar, mas ele transformou-se em fragmentos de pó.

Entretanto, lembrava-me das fotos daqueles dias negros em que, exposto ao fogo, de costas para a Mata do Cachil, chorava, sentado sobre a paliçada.

Foram alguns dias assim…

Junto as fotos referidas.

Abraço, do
Santos Oliveira

2. Hesitei entre duas séries, Blogoterapia ou Blogpoesia, para publicar este trabalho.

Optei pela Blogoterapia, porque aqui se reproduz um grito de dor pela perda de dois amigos de infância. Nesta fase da vida, a amizade verdadeira se funde e mantém-se para sempre. A distância e o tempo não as apaga. Como podemos ver, nem a morte.

Quando se está longe, carente de todos os afectos, a perda de dois amigos é ainda mais sentida, mais violenta.
CV















Cachil > De costas para a mata



3. Encontrei um fragmento, quase ilegível (também pode ser por causa das lágrimas), decerto devido ao papel onde foi escrito (papel de seda) donde se consegui coligir o seguinte:

A minha vida morreu; morreram os meus amigos.

Quando empalideci, quando chorei após a notícia tão atroz, acabada de chegar, de que os meus dois únicos amigos de infância e juventude morreram num curto espaço de tempo, julguei não aguentar mais.

Ao Manuel Couto Ferreira dos Santos e ao José Nuno Guimarães dos Santos, a minha Homenagem possível, de profunda e imensa saudade.

O primeiro foi levado por um acidente e ao segundo levou-o o cancro.

Foram companheiros até a morte nos separar.
Nada mais resta, irmãos.

Jamais encontrarei amigos assim e mesmo que os encontre, jamais serão iguais a Vós.

Cachil – Ilha do Como (Guiné)
1964/65

Num escasso tempo, somente,
Amigos de toda a Vida
Partiram, sem despedida…
E a minha Alma dormente
Sentiu-se só e perdida.

A Guerra nos separou
No tempo ou no viver
E para, assim, nos perder
...E o Guerreiro chorou
Até ao amanhecer.

Quisera ter um abraço,
Sussurro ou peito amigo,
Mas só silêncio restava.

O Grupo, deu-me o espaço
De Filhos. Mas não consigo
Esquecer a quem amava

Santos Oliveira
Fur Mil AP Inf.ª/Ranger
_____________

(*) - Vd. poste de 15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3142: História de Vida (15): Para que se faça história (Jorge Fontinha)

1. Em 19 de Agosto, chegou até nos esta História de Vida do nosso camarada Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) (*).

Este é um relato do início da guerra colonial em Angola, em que as primeiras vítimas foram civis indefesos, que apenas tinham cometido o crime de ir para aquelas paragens em busca de um futuro melhor.

Seriam estas pessoas os verdadeiros ocupantes e opressores? Ou seriam também elas vítimas de um regime que não olhava a meios para conseguir os seus fins?

Podemos perdoar a quem com armas na mão combateu o inimigo armado. Não podemos nunca esquecer e perdoar o inimigo que a sangue frio assasssinou pessoas indefesas.
CV


2. PARA QUE SE FAÇA HISTÓRIA

Por Jorge Fontinha

Iniciei a minha participação no Blog como deveria. Fui militar na Guiné e não faria sentido iniciar a série Estórias de Jorge Fontinha (**), que não fosse começando por contar o meu baptismo de fogo, como tal.

Permitam-me agora e por uma só vez, voltar alguns anos atrás e contar a verdadeira história que me levaria a constituir-me voluntário para o curso de Operações Especiais que frequentei em Lamego, no 1.º Turno de 1970, com o saudoso Capitão Valente, então Comandante daquela Unidade em Penude.

Os factos que vou relatar vão por ventura fazer pensar muito boa gente, todavia eu não poderia deixá-los no esquecimento da História e sobretudo por respeito à memória do meu único irmão o FERNANDO ALEXANDRE VENTURA FONTINHA…

Assassinado em Nambuangongo em 15 de Março de 1961. Tinha dezoito anos de idade e era paralítico dos membros inferiores

A minha história sobre a Guerra do Ultramar é iniciada precisamente no início do ano de 1961.

Tinha eu 12 anos. Havia nascido no Ambriz (Angola) em 28 de Outubro de 1948. O meu pai era Guarda-Fiscal naquela vila piscatória e, no início dos anos 50, adquiriu uma fazenda que viria a explorar até ao dia 15 de Março de 1961, durante cerca de 10 anos.

Era situada no centro do triângulo formado por Zala, Quipedro e Nambuangongo, fazendo parte do Posto Administrativo desta última.

Nos primeiros meses de 1961, encontrava-me em Luanda frequentando o Colégio dos Padres da Missão de S. Paulo, bairro onde sempre residi, quando não estava na fazenda com o meu pai e o meu irmão, 6 anos mais velho que eu. A minha mãe havia morrido em 1953, vítima de biliosa, tendo sido sepultada no cemitério de Nambuangongo.

Família em Nambuangongo por volta de 1952. Os meus pais nos extremos, eu sentado no capô da viatura. O meu irmão de pé vestido de branco.

Fotos e legendas: © Jorge Fonti (2008). Direitos reservados.

Naqueles dias do início do ano de 1961, lembro-me de ouvir na rádio e opinião pública, o ataque ao Santa Maria (1) e mais próximo, o ataque às cadeias de Luanda. Lembro-me da perseguição a fugitivos da mesma e de andar, juntamente com outros miúdos, nas Barrocas do Miramar, que nós conhecíamos muito bem, a pesquisar os esgotos que ali desaguavam!... No início, para nós miúdos do Bairro, era apenas uma aventura inocente e do conhecimento de longas brincadeiras nas redondezas do Cinema Miramar, na busca constante de furar o sistema para irmos vendo os filmes por entre as árvores e arbustos.

Até que se dá o 15 de Março. Sem saber nada do que tinha acontecido na fazenda. Só lá para o dia 20 é que tive notícias. As piores.

Chegam os primeiros sobreviventes e entre eles o meu pai, meio despido e descalço, na altura com 51 anos de idade, desfigurado e desfeito no seu íntimo. Pegou em mim e esteve uma eternidade, agarrado a chorar...


Os acontecimentos

Eram cerca das 4 horas da tarde do dia 15 de Março de 1961. A essa hora o meu pai encontrava-se a descansar no quarto, quando se apercebeu que algo se está a passar lá fora. Levanta-se, vem em direcção à porta e verifica que praticamente todos os empregados europeus, nos quais se encontrava uma senhora que desempenhava as funções de governanta e seu filho de 8 a 9 anos, juntamente com o marido, motorista do camião, se encontram barricados atrás da porta que está a ser violentamente empurrada e cortada à catanada. Logo o meu pai constata a ausência do filho Fernando...

De repente, a porta desaba e por milagre ou não, um dos empregados barricados surge de catana em punho e decepa um dos assaltantes, que apenas temiam morrer dessa forma e não a tiro, que não era considerada morte... De imediato, o grupo assaltante recua assustado, dando tempo a que todos fujam em direcção à camioneta, que previamente tinha sido preparada para transportar uma carrada de madeira para a Serração que servia de apoio àquela fazenda. É quando o meu pai dá com o meu irmão a agonizar na cabine da camioneta, com uma catanada na testa e outra no peito!...

Algum tempo antes destes acontecimentos, enquanto se tratava dos preparativos do transporte de madeira, o meu irmão que era paralítico dos membros inferiores, juntamente com o motorista e outros empregados, estavam em volta do camião. A senhora governanta que era esposa do motorista, também assistia, quando se apercebe duma certa movimentação junto ao capim. Julgando tratar-se de algumas galinhas que para ai tenham ido, começa a deslocar-se para a zona. De imediato um grupo compacto de guerrilheiros da UPA, de catana em punho, se desloca em direcção ao grupo, pondo naturalmente este em fuga para o interior da casa, aí se barricando atrás da porta de madeira.

Havia todavia quem não podia locomover-se com tamanha rapidez... restou ao meu irmão tentar proteger-se no interior da cabina da camioneta. Foi a sua última morada enquanto vivo...

Naquele momento, o mais urgente seria fugir de camioneta, mesmo carregada de madeira, que apesar de tudo, andava mais rápido que os guerrilheiros!

Seguiram para Nambuangongo que distava cerca de 20Km da Fazenda, com a intenção de pedir ajuda. Nada feito, esta já estava ocupada. Restava a saída para o Onzo, tendo sido inviável lá chegar. A meio do percurso, árvores abatidas na estrada barraram o caminho. A única saída seria largar a camioneta e fugir para a mata. Foi o que fizeram. Por lá andaram 3 dias e 3 noites, até que se aperceberam da ajuda militar que se aproximava e aí saíram da mata e foram recolhidos. De imediato se dirigiram à camioneta para recolha do corpo do meu irmão. Esta estava incendiada e o corpo tinha desaparecido. Terão sido recolhidos restos mortais meses mais tarde, pelo Batalhão do Coronel Maçanita.

Refúgio em Portugal

Após estes factos, o meu pai e eu fomos para um centro de refugiados, situado na redacção dum Jornal, cujo nome me não recorda, próximo da Casa Mortuária de Luanda e refiro isto, porque em vez dos actuais apoios psicológicos, eu com 12 anos, fui convidado a ir reconhecer corpos esquartejados conforme estes iam chegando do mato...

Finalmente, nos primeiros dias de Maio chego a Lisboa, numa ponte aérea para senhoras e crianças que fizeram um percurso de 3 dias com escalas, em avião da Força Aérea.

Um abraço para a Tertúlia

Camarada
jorge Fontina

OBS:-Subtítulos da responsabilidade do editor

********************  

(1) - O ASSALTO AO "SANTA MARIA"

... Em Janeiro de 1961 deu-se o assalto ao paquete "Santa Maria", incidente que na época notabilizou a contestação ao Governo de Oliveira Salazar, e introduziu a prática, depois muito difundida internacionalmente, de sequestrar navios e aviões com fins políticos.
O "Santa Maria" havia largado de Lisboa a 9 de Janeiro de 1961 em mais uma das suas viagens regulares à América Central, fazendo escala no porto venezuelano de La Guaira no dia 20. Entre os passageiros embarcados neste porto, contava-se um grupo de 20 membros da DRIL - Direcção Revolucionária Ibérica de Libertação, organismo constituido por opositores aos regimes de Franco e Salazar, cujo comandante era o capitão Henrique Galvão, que embarcou clandestinamente no "Santa Maria" um dia depois, em Curaçau, com mais três elementos da DRIL. Galvão estava exilado na Venezuela desde Novembro de 1959, e em Julho de 1961 havia concluído os planos de assalto ao "Santa Maria". Fora escolhido este paquete por ser muito superior aos diversos navios de passageiros espanhóis que na altura faziam a carreira da América Central. O capitão Galvão pretendia deslocar-se no "Santa Maria" até à colónia espanhola de Fernando Pó, no golfo da Guiné, cuja tomada permitiria em seguida efectuar um ataque a Luanda e iniciar, a partir de Angola, o derrube dos Governos de Lisboa e de Madrid.
Horas depois da largada de Curaçau, o "Santa Maria" navegava rumo a Port Everglades, na Florida, com 612 passageiros e 350 tripulantes, sob o comando do capitão da Marinha Mercante Mário Simões da Maia, quando, precisamente à 1 hora e 45 minutos da madrugada de 22 de Janeiro de1961, os 24 homens de Henrique Galvão tomaram conta da ponte de comando e da cabine de TSF, dominando os oficiais do navio. O terceiro piloto João José Nascimento Costa ofereceu resistência aos assaltantes e foi morto a tiro. Pouco depois, o "Santa Maria" alterou o rumo para leste, procurando alcançar rapidamente o Atlântico. A 23 de Janeiro, o navio aproximou-se da ilha de Santa Lúcia e desembarcou, numa das lanchas a motor, 2 feridos graves com 5 tripulantes, comprometendo a possibilidade de atingir a costa de Africa sem ser detectado. No dia 25, o paquete cruzou-se com um cargueiro dinamarquês, traindo a sua posição, o que permitiu a um avião norte-americano localizar o "Santa Maria" horas depois. Finalmente a 2 de Fevereiro o "Santa Maria" fundeou no porto brasileiro do Recife, procedendo ao desembarque dos passageiros e tripulantes. Chegou a ser considerado o afundamento do paquete, mas no dia seguinte os rebeldes entregaram-se às autoridades brasileiras, obtendo asilo político, ao mesmo tempo que o "Santa Maria" voltava à posse da Companhia Colonial de Navegação.


Navio Santa Maria > Foto retirada do site Navios no Sapo, com a devida vénia

Os passageiros do paquete assaltado foram transferidos para o "Vera Cruz", que saiu do Recife a 5 de Fevereiro, chegando a Lisboa a 14 do mesmo mês, após escalar Tenerife, Funchal e Vigo. Por sua vez o "Santa Maria" largou do Recife a 7 de Fevereiro, entrando no Tejo, embandeirado em arco, a 16 e atracando a Alcântara...

... Independentemente dos aspectos políticos que na altura rodearam o caso "Santa Maria", este incidente acabou por fazer do navio o mais famoso dos paquetes portugueses. Embora o "Infante Dom Henrique" e o "Príncipe Perfeito" fossem mais recentes, o "Santa Maria" era um navio de prestígio por excelência, situação a que não era estranho o facto de ser o único navio de passageiros português a manter uma ligação regular entre Portugal e os Estados Unidos da América.

Coincidindo com o desvio do "Santa Maria", deflagraram a 4 de Fevereiro, em Luanda, incidentes graves, seguidos, em Março, do começo da guerra no Norte de Angola. O Governo de Lisboa decidiu enfrentar a situação, enviando a partir de Abril ràpidamente e em força importantes reforços militares. Esta decisão implicou, de imediato, a requisição de diversos paquetes e navios de carga afretados pelo Ministério do Exército para efectuarem o transporte de tropas e material de guerra. A utilização esporádica para este fim de navios de passageiros portugueses vinha já do século XIX, passando a partir de 1961 a constituir uma das principais ocupações permanentes dos paquetes portugueses...

in Paquetes Portugueses de Luis Miguel Correia, com a devida vénia

______________

Notas de CV:

(*) - Vd. poste de 11 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3129: Tabanca Grande (82): Jorge Fontinha, Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72)

(**) - Vd. poste de 18 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3139: Estórias do Jorge Fontinha (1): O meu batismo de fogo e da CCAÇ 2791 (Jorge Fontinha)

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane


1. No dia 5 de Julho de 2008, o nosso camarada Manuel Traquina, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, enviou-nos, para publicação, este relato do ataque à povoação de Contabane, ocorrido em 22 de Junho de 1968.



Companhia de Caçadores 2382 (1968/70) (*)




O Ataque a Contabane

Era o dia 22 de Junho daquele ano de 1968, a Companhia estava na Guiné havia pouco mais de um mês e, ao ser deslocada para a região de Aldeia Formosa, (Quebo) dois pelotões fixaram-se em Mampatá, os restantes bem como o Comando foram deslocados para a aldeia de Contabane. Ali parecia respirar-se a paz, a população era numerosa e bastante acolhedora, e como habitual faziam-se alguns patrulhamentos na região, que ficava a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conákri.

Naquela aldeia os militares acomodavam-se nas próprias moranças cedidas pelo chefe da Tabanca, à volta da aldeia tinham sido abertos no terreno algumas valas e abrigos, além de duas fiadas de arame farpado. Tudo parecia correr dentro da normalidade, naquela tarde eu próprio com mais quatro militares saímos no Unimog a buscar água do poço que se localizava a curta distância.

Porém já próximo do anoitecer, um dos elementos nativos que connosco efectuavam um patrulhamento, pisou um engenho explosivo, que lhe deixou um pé seriamente afectado. Este foi o primeiro sinal de que toda aquela paz não era real, o grupo recolheu à aldeia/aquartelamento, era a hora de jantar e na improvisada enfermaria o Furriel Enfermeiro Chambel com grande dificuldade, tentava encontrar uma veia onde pudesse administrar algum soro ao militar milícia, que com um pé decepado tinha perdido muito sangue.

Entretanto o Sargento João Boiça apercebendo-se da situação, corria de uma ponta à outra da aldeia, não parava de alertar todos para que de imediato se deslocassem para os abrigos, talvez ao tomar esta medida tenha evitado algumas mortes.

Tinha anoitecido e, de repente algumas explosões deram inicio a um ataque que se ia prolongar por cerca de três horas, as balas incendiarias atravessavam a palha que servia de cobertura à tabanca onde o ferido começava a receber o soro. Disse ao Chambel e ao Coelho que tínhamos que sair daqui imediatamente com o ferido, porém ele, já mais endurecido pela guerra, reunindo as suas débeis forças arrastou-se até á porta e, no escuro sem que nos apercebesse-mos desapareceu rastejando, só na manhã seguinte o voltámos a ver, quando da chegada do helicóptero que o evacuou bem como a outros feridos.

Foram cerca de três horas de bombardeamentos em que a aldeia reduzida a cinzas mais parecia um inferno, no final foi uma forte trovoada que, transformou a cinza em lama, onde quase não havia onde nos abrigar. Não tenho dúvidas de que nós os militares que naquela tarde fomos à água, passamos muito perto do local onde o inimigo preparava o ataque e, só não fomos feitos prisioneiros porque o objectivo era o ataque. Apesar do grande aparato e grande potencial de fogo, sofremos apenas três feridos dois dos quais de maior gravidade. Porém, quase todo o património da companhia ali ficou reduzido a cinza, os rádios, os géneros alimentícios, o equipamento de enfermagem, tudo ali ficou carbonizado, grande parte dos militares ficaram apenas com a roupa que tinham vestida. Na manhã seguinte um helicóptero evacuou os feridos, alguns militares apressaram-se a escrever um ou outro aerograma meio queimado e enlameado que foi entregue ao piloto do helicóptero, era a parte psicológica a funcionar, pretendiam partilhar aquele momento de desânimo com alguém do coração.

Contabane foi totalmente evacuada de população e militares, saímos dali moralmente destroçados, alguns apenas de calções, sapatilhas e a sua G3, mas vivos para suportar muitos outros ataques e emboscadas durante os vinte e dois meses que se seguiram. Já no termo da comissão viemos encontrar na cidade de Bissau o milícia que ao pisar a armadilha foi amputado de um pé, e que naquela cidade tentava sobrevier como engraxador de sapatos.

Neste agora passado dia 22 de Junho ao completarem-se quarenta anos sobre este ataque, quero homenagear os dois camaradas mortos não neste ataque, mas noutros que se seguiram, Furriel Ramiro de Sousa Duarte e o Soldado Elidio Fidalgo Rodrigues, pertencentes a esta Companhia, quero também saudar todos os militares da 2382, estou convencido que todos os que viveram este acontecimento o recordam e jamais esquecerão aquelas horas difíceis ali vividas.

Manuel Batista Traquina
Ex-Fur Mil
________________

Notas de CV:

Vd. postes de:

2 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1970/72)

2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida

13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)

Guiné 63/74 - P3140: Os nossos regressos (14): O meu regresso e o 25 de Abril (Juvenal Amado)


1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, (Galomaro, 1972/74) com data de 9 de Agosto de 2008

Caros camaradas Carlos, Virgilio, Luis Graça e toda a Tabanca Grande

Integrado em Os Nossos Regressos, cá vai a minha visão pessoal sobre o meu próprio regresso.

As fotos da despedida do Batalhão não são muito boas mas não tenho outras. Na verdade os meus apelos aos meus camaradas para me enviarem fotos originais não tem na maioria dos casos tido muitos bons resultados. Dizem que não sabem onde isso pára, ou safam-se dizendo que a mulher é que guardou isso. Mas eles não se livram de mim assim facilmente, pois agora peço às suas esposas.

Um abraço e bom fim de semana é o que eu desejo para toda a Tabanca.
Juvenal Amado

Foto 1 > Ainda no Xime

Foto 2 > De regresso a Bissau numa LDG, sob protecção aérea

Foto 3 > Regresso a Bissau, a bordo da LDG

Foto 4 > Ainda bordo da LDG

Foto 5 > Cumeré > Despedida do BCAÇ 3872

Foto 6 > Cumeré > Despedida

Foto 7 > Cumeré > despedida das tropas

Foto 8 > Ainda a cerimónia de despedida do BCAÇ 3872

Foto 9 > Ilha da Madeira à vista


2. O meu regresso
Ppor Juvenal Amado

Na euforia da partida, quase não me lembro de entrar no Niassa.

Lembro-me de descer para os porões, onde os beliches chegavam aos quatro andares e de tão chegados uns aos outros, deram-me uma sensação de claustrofobia. Escolhi um de cima, para não ter que ficar com o nariz quase enfiado, no colchão do beliche superior. Dormíamos vestidos e calçados. A humidade era extrema. Pegava-se a nós e tudo ficava pegajoso.

Triste tratamento para quem dias antes na parada do Cumeré, tinha recebido os mais rasgados elogios, pela a nossa entrega na defesa do famoso Portugal, indivisível do Minho a Timor. (Não esquecer a passagem pelo Pilão).

Da cerimónia da despedida, recordo-me do chamamento dos mortos da 3489, (Cancolim) 3490 (Saltinho) e da CCS, uma vez que a 3491 (Dulombi) não teve mortos a lamentar felizmente. Esse momento foi sentido por todos camaradas, pois os mortos embora sendo respeitante a cada Companhia, eram também do 3872 e diziam respeito a todos nós. (A leitura do nome dos nossos mortos, é repetida num momento de profunda emoção todos os anos, quando nos juntamos e confraternizamos).

A minha bagagem era pouca. A mala dei-a ao meu camarada Aljustrel. Assim para além dos sacos com a farda, que ia entregar em Lisboa, os meus pertences resumiam-se a um pequeno saco de viagem, com uma garrafa de whisky, uma manta e uma espada Fula que ainda hoje tenho.

O cruzeiro

Para quem teve a sorte de viajar no Niassa, sabe a que me refiro. As escadarias para os porões tinham vomitado que, praticamente, não havia onde pôr as botas. O cheiro era nauseabundo.

O nosso amigo Alfredo Chapinhas enjoou praticamente desde que pôs os pés no barco. Era acarretado todos os dias, por mim e pelo Ivo, até cá cima. Embrulhávamo-lo numa manta e comprávamos-lhe batatas fritas salgadas e sumos, pois diziam que fazia bem. Ele bem se esforçava por comer, mas era difícil.

Eu e o Ivo felizmente não enjoamos e bebíamos cerveja de manhã à noite. Ficávamos praticamente todo o dia aconchegados, no lado do convés protegido do vento.

O mar esteve sempre muito agitado. Nós apreciávamos o navio de guerra que nos fazia escolta a partir de certa altura da viagem. Este estava hermeticamente fechado e as vagas varriam-no da proa à popa. Furava as ondas na vez de as subir e descer, como acontecia com o nosso.

Poucos se arriscavam a ir tomar o pequeno almoço ao refeitório, na proa do Niassa. Um dia o Ivo eu e o Aljustrel teimamos. Vamos lá ver quanto tempo aguentamos. Ao descermos as escadas, para além de nos desviarmos do vomitado, tivemos também que nos desviar dos que vomitavam, nesse preciso momento. Os lavatórios das mãos estavam indescritíveis. Por fim chegamos à mesa, nem me arrisquei a sentar no banco corrido. Estar ali, era como subir e descer três andares constantemente, num elevador completamente doido.

Não sei quem é que fugiu primeiro, mas a verdade ninguém lá ficava muito tempo. A partir daí, ia um à vez buscar as sandes à entrada e fugia logo dali.

Entretanto chegamos à Madeira, onde saíram os homens das companhias independentes, que viajaram connosco. Uma das Companhias levava uma Nossa Senhora de Fátima num andor. Já tinha despertado a nossa atenção, quando embarcaram para a Guiné.

Os oficiais e sargentos desembarcaram para visitar a ilha, mas nós não. Servimos para a tal defesa da Pátria, mas uns mais que os outros. Fomos transportados como gado e também desrespeitados como indivíduos, sem qualquer direitos.

A viagem com mais vomitado, menos vomitado decorreu calma. Dois dias antes de chegarmos a Lisboa, as gaivotas apareceram de volta do Niassa e nunca mais nos largaram. Foi uma enorme alegria.

Dia 4 de Abril de 1974

O Niassa está parado, para nosso desgosto, à entrada da barra. O amanhecer limpo mostra a beleza dos arredores de Lisboa. Lá estava a ponte que dentro de bem pouco tempo mudaria de nome felizmente.

O sol, sobre a cidade branca, dá-nos as boas vindas. Enquanto a partida foi a preto e branco, a chegada é a cores, tal é a luz que se abate sobre nós.

O barco leva uma eternidade a atracar. À medida que os rebocadores o fazem chegar ao cais, vamos tentando freneticamente ver onde estão os nossos familiares.

Os meus lá estavam. Um enorme chapéu de praia multicolor era o sinal. Tinha uma tarja escrita Alcobaça. Já tinha sido esse o mesmo sinal para o desembarque do meu irmão uns anos antes, quando este regressou de Moçambique.

O Comandante manda desembarcar. Abraço os meus pais irmãos, sei lá já quem lá estava. Quase não conheço a minha irmã mais nova que estava uma mulher. A felicidade é tal que salto de uns para os outros. Ainda tenho tempo para os apresentar a alguns camaradas.

Dali é direito ao RALIS. Temos que entregar os fardamentos. Os nossos trastes eram cuidadosamente inspeccionados e eu ainda estava a ver que tinha que ir à Feira da Ladra, comprar algumas peças de fardamento que me faltavam. O assunto foi resolvido com cinco escudos dados ao 1.º sargento (também eram muito bons nisto). Os sacos desapareceram como por magia e o meu número mecanográfico riscado da lista.

A 4L verde escuro, só de três velocidades, é a mesma que 27 meses me tinha levado a Abrantes, naquela triste madrugada.

Vou ao lado do meu pai. Já não sou um civil fardado, mas por impossível que pareça, não estou confortável na minha nova roupa. Os meus olhos enchem-se de paisagem verde e fresca. Quem entra em Alcobaça, vindo de Lisboa pela n.º 1, passa a Benedita, Évora e a partir de Capuchos, têm uma vista panorâmica sobre a vila, (hoje cidade) onde sobressai o Mosteiro com a sua imponência.

Alcobaça está praticamente na mesma. Os sons e cheiros, vejo de passagem algumas pessoas que conheço. Mais tarde vou cumprimentar o resto dos familiares e pessoas amigas.

Nessa noite, vou ter dificuldade em adormecer e quando acordar, não saberei bem onde estou.

Na esplanada do café Trindade, local de encontro dos jovens, recebo a primeira certeza. Já não tinha ali amigos, mas sim conhecidos, os meus amigos, tinha-me despedido deles à saída do Niassa. Ainda hoje os mantenho.
- Olha o Juvenal já cá está. Não nos vais contar estórias da Guiné pois não?

Em resultado do meu silêncio ainda acrescentou:
- Ainda bem, estava a ver que tinha que gramar com mais um herói.

Quem falava assim, nem militar tinha sido ainda. O trabalho de desinformação tinha sido competente. Aquele jovem que não sabia o que era andar debaixo de calor atroz, que quando tinha sede abria a torneira e bebia, não tinha que afastar merda de macaco e beber através de um lenço, o paludismo era-lhe vagamente familiar, que não tinha sofrido ataques nem tinham morrido camaradas ao pé dele, dava-se ao luxo de duvidar da veracidade dos meus testemunhos.
Era mais um candidato a ir bater com os costados em África e estava completamente convencido que aquilo eram só tangas. Este episódio fez-me calar muitos anos. (Ainda hoje não vou a festas onde se lancem foguetes).

Tinha um mês de férias para gozar. A seguir o meu lugar na Fábrica de Vidros Crisal de Alcobaça esperava por mim. A pouco e pouco a vida foi retomando o seu caminho.

O meu irmão mais novo seria o próximo.

... e o sonho tornou-se realidade

Eram talvez sete horas da manhã e sou acordado pela minha mãe que tinha ido ao pão:
- Filho, há uma revolução em Lisboa, a rádio está transmitir apelos à calma e só dá música Militar.

O meu pai no corredor dava pulos de contentamento. Era o 25 de Abril. Depois do Adeus... Grândola Vila Morena.

Muito honra Alcobaça, ter tido pelo o menos três jovens soldados na coluna do Salgueiro Maia. Já no 16 de Março vários jovens desta bela cidade estiveram envolvidos no levantamento.

A partir daí foi a festa de uma vida.

Uma flor em cada arma. Fim da guerra já. Nem mais um soldado para as colónias.

Quem nada tinha, tudo passou a querer. Assistiu-se ao aparecimento de democratas de longa data por todos os lados. Os mais interessantes eram os da União Nacional. Diziam que tinha sido obrigados, muitos deles a denunciar os vizinhos, colegas de trabalho etc. Fraquezas que nós percebemos.

Formam-se partidos por todo o lado e de todas as formas. Há alguns que têm tantas siglas, como tem o nosso NIB bancário hoje. Aliás as siglas passam a fazer parte do nosso dia a dia, RGE (reunião geral de estudantes), RGT (reunião geral de trabalhadores), MRPP-PCPTML, OCMLDP, MDP-CDE, PCP, LCI, LUAR, PS, PPD, CDS, os Estanilistas, Maoistas e os da 4.ª Internacional, etc. Havia para todos os gostos e ocasiões, mas nenhum se assumia de direita, não fosse ser conotado com o anterior regime. Peço desculpa aos que não são mencionados e são muitos.

As rádios transmitiam os cantores, poetas e músicas que antes só ouvíamos às escondidas, muitas delas em estações de rádio clandestinas. Todos sentiam obrigação de se envolverem. Os plenários sucediam-se uns aos outros, marchas onde o Povo estava sempre ao lado do MFA.

Talvez pela primeira vez na minha vida de adulto, tive verdadeiro orgulho naquela farda que também eu tinha envergado quase 3 anos. Os novos heróis eram humildes capitães, (os generais apareceram depois). Todos formados nas agruras da guerra colonial. Na maioria ganharam a ânsia de liberdade nos duros combates nas matas da Guiné, onde os soldados portugueses se bateram com bravura.

Dois Povos a Mesma Luta. A nossa Bandeira já não era a da opressão, mas da festa e da liberdade.

A famosa aliança POVO-MFA. A libertação dos prisioneiros políticos. O regresso dos exilados.

Importou-se palavras de ordem do Chile de Salvador Allende e Victor Jara, O Povo Unido Jamais será Vencido.

O antigamente espreitava, mascarado de democrata. A Espanha Franquista arreganhava os dentes para a nossa democracia emergente. Cá dentro tinha os seus apoiantes. Que mau exemplo que nós éramos

O 28 de Setembro 1974, Maioria silenciosa

Nas primeiras eleições fui delegado de um partido à secção de voto numa aldeia chamada Vimeiro. Lá ia levando uma carga de pancada por ter denunciado que os indivíduos da mesa de voto estavam a favorecer uns certos partidos. Para além disso as pessoas levavam folhetos com os emblemas, em quem tinham sido instruídas para votar. Começava bem a democracia.

Nas eleições seguintes aconteceu-me o mesmo em Turquel, onde era mais uma vez delegado. Fugi deitado no fundo de um carro. Companheiros que estavam noutras secções de voto foram barbaramente espancados.

O 11 de Março 1975, as nacionalizações, Reforma Agrária e o Verão Quente ... Os governos sucediam-se, o espectro do sangrento golpe fascista no Chile em 11 de Setembro de 1973 pesava sobre a nossa nova democracia.

Também eu fui candidato, delegado sindical e membro de comissão de trabalhadores. Vivi 48 horas em cada 24, tal era a rapidez em que tudo mudava.

O 25 de Novembro de 1975. Disseram, que foi para pôr Portugal novamente nos carris. Como se vê não conseguiram, a não ser para alguns. A cauda da Europa continua a ser a nossa posição, ultrapassados que fomos até pelos países de Leste da finada URSS.

Primeiros lugares talvez em Festivais de Verão, custo de vida sempre a subir, desemprego, desaparecimento da classe média, etc.

A Festa durou até às tantas e foi bonita a festa pá.

Juvenal Amado
06.08.008