terça-feira, 14 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3316: O meu baptismo de fogo (9): Missirá, Cuor, 6 de Setembro de 1968 (Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, )1968/70), enviada em 10 de Outubro de 2008, como colaboração para a série O meu baptismo de fogo (*):

Carlos Vinhal, Camarada e amigo,

Correspondendo ao teu amável pedido, aqui tens a minha versão corrigida e aumentada à volta do baptismo de fogo que experimentei pelas 2,30h da madrugada de 6 de Setembro de 1968. Recordo-te que tens aí fotografias do Pel Caç Nat 52, tiradas em 1966 (talvez as primeiras fotografias do nosso pelotão), material referente ao Padre Marcelino Marques de Barros e também a recensão de um livro do Comandante Teixeira da Mota. Recebe um abraço do Mário.


2. O meu baptismo de fogo em Missirá
por Mário Beja Santos

Sobre o assunto, já escrevi alguma coisa no blogue (**) e vem uma referência no livro Dário da Guiné 1968-1969, Na Terra dos Soncó, páginas 62 a 65, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2008.

Vamos aos factos. Chegado a Missirá em 4 de Agosto, procurei conhecer o meio envolvente e cumprir escrupulosamente a nossa mais importante tarefa: montar diariamente segurança às embarcações no Geba Estreito, a qualquer hora (o mesmo é dizer em conformidade com as marés).

Quanto ao primeiro objectivo, o mês de Agosto pautou-se por vários patrulhamentos tanto à volta do Geba como na aproximação do Rio Gambiel, já junto da área de influência do PAIGC, sempre à procura de sinais da sua presença, fomos inclusivamente patrulhar e detectar zonas de cambança. Certamente que estas informações foram transferidas para Madina no mercado de Bambadinca, onde igualmente se soube que passara a ser praticamente impossível emboscarmos a caminho ou no regresso de Mato de Cão, tínhamos elaborado mais de uma dúzia de itinerários diferentes. Havia, pois, toda a conveniência em eu ser rapidamente intimidado com um flagelação eloquente. Eu estava à espera. Contudo, fomos todos apanhados de surpresa, como se impunha.

Foi um fogo intimidador, com canhão sem recuo, morteiros, bazucas e armas automáticas. O grupo flagelador concentrou-se em frente à porta de armas e alvejou selectivamente. Teve sorte, arderam logo duas moranças, os primeiros minutos estiveram praticamente por conta do grupo que veio de Madina.

Eu estava a ler As Sandálias do Pescador, um best seller de Moris West, para a altura uma novidade, era um Papa que vinha da Rússia e que no final transformava a vida da Igreja Católica. O primeiro rebentamento danificou a casa do meu vizinho, o Padre Lânsana Soncó, o almani de Missirá. Depois, estalejaram as costureirinhas e ouvi uma morteirada ao longe. Cheio de pudor, vesti o casaco de pijama e fui para um abrigo onde o Padre Lânsana desfazia os cibes em vez de foguear para fora...

As lembranças mais fortes que ficaram destes primeiros minutos foram a neblina de pólvora e a visão de um ataque em meia-lua que permitiu, naquela noite escura, referenciar as posições do grupo de Madina e reagir à altura. Recordo também a condução firme de Saiegh, ele foi a alma da resposta, era indubitavelmente um grande militar.

Perdemos 3 moranças e tivemos um ferido grave que se transformou em ligeiro: o soldado milícia Mamadu Djau, um gigante de mais de 1,90 m meteu um tiro no pé, recusou ser evacuado e, por mais inacreditável que pareça, recuperou-se na enfermaria de Bambadinca. Ficámos todos a conversar até ao amanhecer, quando se fez a patrulha de reconhecimento, que não trouxe grandes novidades a não ser a identificação do armamento dos flageladores.

Como sempre acontece nestes momentos, retemos para toda a vida pormenores insignificantes: uma camisa pendurada numa porta que ficou reduzida a um passador; o ar embaraçado de Cherno Suane que andou uma boa meia hora a esgravatar no solo o prato de morteiro que se afundou com o coice do tiro na terra amolecida...

A flagelação não nos intimidou, voltámos no dia seguinte a Mato de Cão, os patrulhamentos recomeçaram, sem nenhum abatimento. Saboreamos vitórias e derrotas, nós e os de Madina estávamos ali para durar.

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Notas de CV:

(*) Vd. último poste da série: 13 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3305: O meu baptismo de fogo (8): Mansoa, 1 de Abril de 1971 (Germano Santos)

(*ª) Vd. poste de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1165: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (16): O meu baptismo de fogo

Guiné 63/74 - P3315: Memórias literárias da guerra colonial (6): Capitães do Vento e O Último Inferno, de Leonel Pedro Cabrita


Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > Memórias Literárias da Guerra Colonial > 16 de Outubro de 2008 > 19h00 > Leonel Pedro Cabrita apresenta duas obras de ficção inspiradas na sua vida como capitão miliciano em Angola: Capitães do Vento e O Último Inferno.

Na sua página pessoal, Leonel Pedro Cabrita apresenta assim o seu percurso de vida:

(i) Local de nascimento: arredores de Tunes, em 1948 (Era um centro ferroviário que cresceu no entroncamento da linha do Barreiro com o troço que liga Vila Real de Santo António a Lagos);

(ii) Filho de ferroviário, à semelhança de 90% da população local, aí cresceu e completou o ensino primário;

(iii) Em Faro conclui o 7º ano do Liceu, dividindo as actividades escolares com o futebol, que praticou no Sporting Clube Farense durante seis anos, dando corpo a uma inclinação para as actividades desportivas, que viria a abraçar mais tarde;

(iv) Um simples mas afiado expediente burocrático do regime da altura impediu-o de ingressar na Universidade. Porque a guerra estava primeiro (numa altura em que esta já agonizava, prenunciando o 25 de Abril de 1974) foi incorporado em Mafra em Abril de 1970, vindo a ser arvorado Capitão Miliciano com 23 anos de idade;

(v) Comandou a Companhia de Caçadores 3441, em Angola, contabilizando 1400 dias de serviço militar, uma saga relatada no livro Capitães do Vento (Roma Editora) e complementada num outro trabalho, O Último Inferno (Prefácio Editora);

(vi) Regressado de África em 15 de Janeiro de 1974 procurou recuperar o tempo perdido na guerra, tentando ingressar na Universidade. O 25 de Abril e o PREC da altura adiaram mais uma vez este intento, que viria apenas a concretizar-se em Dezembro de 1974;

(vii) Em 1978 terminou o curso do INEF, hoje Faculdade de Motricidade Humana.

Entre outros trabalhos, publicou em Dezembro de 2003 Capitães do Vento (Roma Editora); e em Outubro de 2006 O Último Inferno (Prefácio Editora).

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Nota de vb:

Vd. último poste desta série:

8 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3283: Memórias literárias da guerra colonial (5): Olhos de Caçador, de António Brito, ex-pára-quedista, Moçambique, 1969/71

Guiné 63/74 - P3314: Estórias de Guileje (15): Coisas daquela guerra que era uma loucura e deixou muita gente maluca (Luís Candeias)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> Aspecto da construção, em 1968, de uma abrigo-caserna... Foto do saudoso Cap Ref José Neto (1927-2007).




Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Dois homens de Guileje e membros da nossa Tabanca Grande: à direita, (i) o Cor Art Ref Coutinho e Lima, que vai lançar muito proximamente o seu livro com o seu depoimento sobre a sua (polémica) decisão de retirar as NT e a população civil de Guileje, em 22 de Maio de 1973, na altura em que era major e comandante do COP 5; e à sua esquerda, (ii) o ex-Fur Mil Op Esp José Casimiro Carvalho, da CCAV 8350 (aqui, na foto, agradecendo ao seu antigo comandante, em seu nome pessoal e da sua família, a decisão de abandonar Guileje, decisão essa que terá salvo a vida a muita gente).
Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Luís Candeias, com data de 15/1/08. Não estava esquecida, aguardava apenas... melhor oportunidade editorial:

O Luís António Ricardo Candeias (1) foi Fur Mil Inf (BII 18 e BII 19, Ponta Delgada e Funchal, 1973/74). Não chegou a ser mobilizado para o ultramar. Mas ouviu histórias (e estórias) da Guiné, como estas que aqui nos conta. (Guileje era já, de resto, fértil em histórias, estórias, historietas, anedotas, no meu tempo, Junho de 1969/Março de 1971, em Bissau ou na Zona Leste)...

O Luís Candeias é natural da Ilha de Santa Maria, Região Autónoma dos Açores, onde é controlador de tráfego aéreo. É amigo do nosso amigo e camarada Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), miseravelmente denunciado por alguém de Bambadinca, um civil ou um militar, preso por pacifismo (?) pela PIDE/DGS no dia 1 de Janeiro de 1971, levado de helicóptero para Bissau e expulso do exército (2)... (LG)
Boa noite, Luís

Ao ver estas informações sobre os torpedos bengalórios (3), lembrei-me que, quando vim do Funchal para Ponta Delgada, encontrei aí vários Sargentos recém regressados da Guiné.

Recordo-me bem do Tavares de Melo, do Sabino e de um outro que acho que se chamava Oliveira. Este último era um senhor baixinho, de cabelo muito ralo, que tinha vindo de Guilejee onde tinha feito uma comissão numa altura em que tiveram que abandonar o aquartelamento várias vezes, só com a G3 (4).

Nas nossas conversas na Messe de Sargentos, contava-me ele que viviam permanentemente nas valas. Era na vala que ele tinha a máquina de escrever e que tratava das burocracias. Várias vezes ouvi-o muito zangado dizer que tinha arranjado umas rampas para lançamento de morteiros em cimento, onde colocavam as granadas de morteiro e ligavam os fios. Aquilo parece que permitia uns disparos diferentes que deixavam baralhadas as hostes contrárias.

Este facto ter-lhe-à merecido uma proposta de louvor que ficou em águas de bacalhau na sequência da revolução de Abril e a sua zanga vinha daí. O General Spínola que lhe prometera o louvor, não o chegou a dar e ainda por cima parece que levaram umas porradas por terem abandonado o aquartelamento para salvar a pele (5).

Também convivi de perto no Funchal com um capitão Faria, recém regressado da Guiné, e que acho que era este Capitão Sousa Faria, da CCAÇ 2548 aqui referido.

Tenho bem presente é que ele se fartava de me dizer que teve lá com ele um Furriel Enfermeiro que é meu conterrâneo (Valter Tavares) que ele dizia que era maluco.

Ao contar isso ao Valter e tentando entender o porquê daquela coisa do maluco porque o Valter que eu conheço não é maluco, contou-me que tinha sido por um disparo acidental da sua G3 dentro da caserna, numa operação de limpeza da arma.

Se a memória não me engana, isto aconteceu em Pirada.

Coisas daquela guerra que era uma loucura e que por isso deixou muita gente também maluca.

Um abraço

Luís Candeias
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Notas de L.G.:

(1) Sobre o Luís Candeias, vd. postev de 8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2421: Em busca de... (15): Pessoal da companhia madeirense que esteve em Jemberem (1973/74) (Luís Candeia, amigo do Arsénio Puim)

(2) Sobre o Arsénio Puim, vd. postes de:

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1763: Quando a PIDE/DGS levou o Padre Puim, por causa da homília da paz (Bambadinca, 1 de Janeiro de 1971) (Abílio Machado)

5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1925: O meu reencontro com o Arsénio Puim, ex-capelão do BART 2917 (David Guimarães)

12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2433: Em busca de ... (16): Pessoal da CCAÇ 4946/73, madeirense + Arsénio Puim, ex-capelão, açoriano, BART 2917 (Luís Candeias)

16 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2444: Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, CCS/BART 2917, hoje enfermeiro reformado e um grande mariense (Luís Candeias)

(3) Sobre os misteriosos torpedos bengalórios, vd. postes de

19 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2061: A odisseia esquecida de Gandembel / Balana (Nuno Rubim / Idálio Reis)

13 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2436: Diorama de Guileje (2): a casota do gerador Lister... Agora só faltam os torpedos bengalórios (Nuno Rubim)

15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2441: Diorama de Guiledje (3): Torpedos bengalórios (Idálio Reis /Nuno Rubim)

(4) Só pode ser a açoriana CCAV 8350, os Piratas de Guileje, que abandonaram Guileje no dia 22 de Maio de 1973, por decisão do comandante do COP 5, o então major Coutinho e Lima, juntamente com a população local e outras sub-unidades adidas.

Vd. Postes do José Casimiro Carvalho:

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

Vd. postes de ou sobre o Coutinho e Lima:

7 de Outubro de 2008 >Guiné 63/74 - P3277: Memórias literárias da guerra colonial (4): A retirada de Guileje - 22 de Maio de 1973 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)

10 de Abril de 2008 > 10 de Abril de 2008 >Guiné 63/74 - P2744: Fórum Guileje (14): Folclore (Cap Inf José Belo) ou Gratidão (Cor Art Coutinho e Lima) ? A homenagem da população local

23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2673: Uma semana memorável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (10): Guiledje: Homenagem ao Coronel Coutinho e Lima

27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)

(5) Sobre as estórias desta série, vd. postes já publicados anteriormente:

14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2473 - Estórias de Guileje (2): O Francesinho, morto pela Pátria (Zé Neto † )

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gandembel (ex-Fur Mil Art Paiva)

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)

29 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2489: Estórias de Guileje (4): Com os páras, na minha primeira ida ao Corredor da Morte (Hugo Guerra)

30 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2492: Estórias de Guileje (5): Os nossos irmãos artilheiros Araújo Gonçalves † e Dias Baptista † (Costa Matos / Belchior Vieira)

31 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2493: Estórias de Guileje (6): Eurico de Deus Corvacho, meu capitão (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2523: Estórias de Guileje (7): Um capitão, cacimbado, e um médico, periquito, aos tiros um ao outro... (Rui Ferreira)

18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2552: Estórias de Guileje (8): Como feri, capturei e evacuei o comandante Malan Camará no Cantanhez (Manuel Rebocho, CCP 123 / BCP 12)

23 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha)

7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2905: Estórias de Guileje (11): A besta do Celestino (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

(Por lapso, houve um salto na numeração dos postes, de 11 para 13)

12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2934: Estórias de Guileje (13): Com os páras, no corredor da morte: armadilhe-se o moribundo (Hugo Guerra)

6 de Setembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3176: Estórias de Guileje (14): O meu (in)subordinado de transmissões (Zé Carioca)

(6) Vd. poste de 15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim: O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P3313: Grandes acidentes (1): Oito mortos do Pel Mort 980, em 5 de Janeiro de 1965, no Rio Cacheu (Virgínio Briote)

Batalhão de Cavalaria 490. História da Unidade.
Guiné. Fevereiro 1963/Agosto 1965.


Com a História do BCav 490 nas mãos, oferta do Carlos Silva (que mantém um blogue com muita informação útil, especialmente sobre o Sector de Farim), ao folheá-la deparei com o relatório de um acidente de que, lembro-me agora, ouvi falar em finais de Janeiro de 1965.

Eram ainda os primeiros anos da Guerra na Guiné. Os meios escasseavam e a improvisação impunha-se mais que nunca.

Pelo interesse de que se reveste, transcrevo na íntegra o relatório assinado pelo Alf Inf José Pedro Cruz, que, se a memória me não atraiçoa, foi mais tarde Cmdt da CCav 489 e, posteriormente (talvez Set/Out 65), vim a encontrar no Xitole, como Cmdt de uma CCaç (de que já não me lembro o número).

vb

Revisão e fixação de texto: Carlos Silva e Virgínio Briote.
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Cópia do relatório do acidente, que se transcreve abaixo.


Batalhão de Cavalaria n.º 490

Pelotão de Morteiros n.º 980

Relatório do acidente que teve lugar em 5/01/1965

O Pel Mort 980 era constituído por 33 homens, incluindo o cmdt de Pelotão e os Furriéis (3), comandantes de Secção.

O Pelotão participava na Op Panóplia que se realizava na Península de Sambuiá, entre o rio do mesmo nome e o rio Talicó.

Para dar cumprimento à missão, o Pel embarcou na LFG Orion às 05h00 como estava previsto e foi transportado por este meio na direcção E-W pelo rio Cacheu. Como fora planeado, o navio passou pelo local de desembarque, local esse que fora reconhecido na véspera, até um ponto antes de Bigene. Aí, o navio inverteu a marcha e, como também fora planeado, foi então que o Pel desembarcou para o bote de borracha pertencente ao Exército no qual se faria o desembarque na Península de Sambuiá.



A LFG Orion no Cacheu. Foto do Lema Santos, com a vénia devida.

Embarcaram para o barco de borracha do Exército, 25 homens entre os quais se encontrava o Cmdt do Pelotão. Embarcámos também para esse barco todo o material e armamento necessário para se realizar o desembarque.´

Como seria mais seguro não embarcaram todos os homens nesse barco, que tem uma lotação aproximada de 30 homens, tendo o Comandante do navio posto à nossa disposição um barco de borracha pertencente à Marinha, no qual embarcaram simultaneamente os restantes homens do Pel Morteiros (8) assim como o restante material.

Os dois barcos seriam rebocados pela Orion"«, de maneira a estarem permanentemente encobertos das vistas de possíveis sentinelas existentes na Península onde se efectuaria o desembarque, junto ao rio Cacheu. Segundo notícias, essas sentinelas existiam. Os barcos onde eram transportados os homens do Pel Mort seriam afastados da Orion ao passarmos pelo local onde se realizaria o desembarque.

Antes do navio se pôr em marcha, foi passado um cabo por baixo do barco onde eram transportados os 25 homens, amarrado a um ferro existente no fundo do mesmo.

O navio recomeçou a marcha e, depois de ter navegado durante alguns minutos, o cabo que fora passado para rebocar o barco maior, rebentou pelo que o navio se afastou um pouco. Foi posto o motor do barco a funcionar e a recolagem fez-se sem qualquer incidente ou dificuldade.

Foi então que se passou um cabo mais forte para dentro do barco de borracha, ficando os próprios homens que o tripulavam a agarrar nesse cabo, sendo nessa altura avisado pelo Cmdt da Orion e depois por mim que, em caso de emergência, o cabo devia ser largado imediatamente. Foi nessa altura que eu chamei a atenção dos homens para a conveniência de se chegarem o mais possível para a ré, pois o barco rebocado teria a tendência a baixar a proa. Os homens assim fizeram.

A marcha recomeçou, não podendo eu avaliar a velocidade da Orion, pois ela, necessariamente, difere bastante (aparentemente), devido às diferenças de tamanho da Orion e do barco rebocado.

Depois de se navegar nestas condições alguns metros, notei que o barco de borracha deixava entrar água pela proa. Coisa sem importância, pois isso seria natural devido à ondulação provocada pela deslocação do navio rebocador.

Foi nesse momento que à ré do barco de borracha alguns homens se levantaram, talvez assustados pela água que saltava para dentro do barco. Mandei-os sentar imediatamente, mas o barco já se encontrava desiquilibrado de um dos lados e, sem nos dar tempo a qualquer reacção, afundou-se rapidamente.

Alguns homens que se encontravam dentro do barco sinistrado não sabiam nadar e, então, o pânico foi enorme.

Nadei para junto do barco que se encontrava voltado e icei-me para ele. Seguidamente e auxiliado pelo Soldado nº 1069/63 (1), fui aconselhando calma e ajudando alguns homens a içarem-se para para o barco voltado. Foi feito todo o possível para salvar o maior número de homens. Alguns não chegaram a vir à superfície uma única vez, talvez devido ao grande peso do equipamento, armamento e munições. Entre estes, dois eram bons nadadores.

Verifiquei então que se aproximava rapidamente um barco de borracha da Marinha, tripulado pelo próprio Cmdt da Orion, a qual se encontrava parada, afastada do barco sinistrado cerca de 80 metros.

Depois de se efectuar o transporte de todos os sobreviventes para bordo do navio, efectuaram-se pesquisas em todos os sentidos e recolheu-se todo o material que se encontrava a boiar.

Verifiquei imediatamente que tinham desaparecido no desastre alguns homens do meu Pelotão e varadíssimo material.

Ao subir para a Orion fui informado que dois homens se salvaram por terem ficado agarrados ao cabo do reboque, o que prova que o mesmo cabo não foi largado como foi aconselhado aos homens para o fazerem em caso de emergência.

Conclusões

1. O desastre deu-se, em grande parte, devido ao pânico de que os homens se apossaram.

2. O pânico foi devido à entrada da água pela proa do barco. Pânico natural, por muitos não saberem nadar.

3. Que a água entrou devido à ondulação provocada pelo deslocamento do barco rebocador e ainda devido à tendência do barco em baixar a proa, visto o cabo do reboque não ter sido passado por baixo do barco mas sim por cima, indo agarrado pelos próprios tripulantes do barco rebocado.

Recomendações

1. Tanto quanto possível evitar, nas operações em rios, homenss que não saibam nadar.

2. Nunca rebocar um barco com o cabo de reboque passado por cima do barco rebocado e agarrado pelos próprios homens do mesmo barco.

3. Sempre que possível, evitar reboques por meio de navio de peso elevado e de elevada velocidade.

No acidente pereceram os seguintes homens:

1.º Cabo n.º 1295/63- Arlindo dos Santos Cardoso
1.º Cabo n.º 2143/63- João Machado
Soldado n.º 2481/63- António Ferreira Baptista
Soldado n.º 2517/63- António José Patronilho Ferreira
Soldado n.º 2540/63- António Domingos Félix Alberto
Soldado n.º 2594/63- Joaquim Gonçalves Monteiro
Soldado n.º 3021/63- João Jota da Costa
Soldado n.º 3029/63- António Maria Ferreira

Quartel em Farim, 10 de Janeiro de 1965

O Comandante do Pel Mort 980

José Pedro Cruz
Alf Inf


Comentário do Comandante do BCav 490

Concordo com as conclusões e recomendações apresentadas. No que respeita à escolha dos homens que saibam nadar, creio que infelizmente é bastante teórica pois na maior parte dos casos terão que ser utilizados os efectivos disponíveis. Aliás, não basta saber nadar, pois como se verificou dois dos desparecidos eram até bons nadadores. A única solução parece-me que será dotar as Unidades de meios próprios para desembarques.

No caso presente é possível que o acidente se tivesse evitado se não tivesse havido necessidade de tomar medidas motivadas pela grande vulnerabilidade do barco de borracha.

O barco tem sido utilizado inúmeras vezes, nomedamente no percurso Farim-Binta e na travessia do rio Cacheu em Farim, deslocando-se pelos próprios meios e transportando até cargas mais elevadas, sem que a sua estabilidade desse lugar a reparos.

Quartel em Farim, 10 de Janeiro de 1965

O Comandante do BCav 490
Fernando Cavaleiro
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Nota:

1. Não consegui identificar o Nome deste Soldado.

Guiné 63/74 - P3312: Unidades que passaram por Sedengal (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Martins, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5 - Gatos Pretos, Nova Lamego e Canjadude, 1968/70, com data de 10 de Outubro de 2008, com mais um valioso trabalho de pesquisa, que só a sua carolice permite concretizar:

Bom dia Camaradas
Em anexo segue a pesquisa sobre Sedengal

Um abraço e bom fim de semana.
José Martins

2. O presente texto teve início com a publicação do Post P3251 (*), publicado em 30 de Setembro de 2008, no blogueforanadaevaotres.blogspot.com, sob o tema “Notícias sobre o ataque a Sedengal em 21/12/1970".

O poste, da autoria do Coronel Matos Gomes, solicitava informações sobre o que escreveu Josep Sanches Cervelló, professor universitário em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa.

Dia 21 de Dezembro de 1970, ataque do PAIGC ao aquartelamento Português de Sedengal, que causou onze mortos.

Pretendi colaborar nesta procura, tendo concluído que não só não havia registo do facto em si, mas também não constavam mortes neste dia, ocasionados por um ataque ao aquartelamento em questão.

Depois foi apenas necessário estender um pouco mais a pesquisa e, porque a história tem que ser contada por quem a viveu, aqui deixo a referência às unidades militares que passaram por Sedengal e, por arrastamento, àquelas que passaram por Ingoré que, questões de ordem militar, optaram por ser o local onde foi colocado, em tempo oportuno, a unidade que superintendia a acção das forças na zona.

Se observarmos o mapa da antiga Guiné Portuguesa, bem no norte junto à fronteira com o Senegal, nas coordenadas de 12º 24’ N e 15º 55’ W, encontramos Sedengal, cuja convenção nos indica ser Sede de Posto Administrativo, conforme carta geral da província, que pode ser observada no Blogue de Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Na mesma página da net, procurando a carta correspondente a Sedengal, elaborada com base numa fotografia aérea datada de Março de 1953, observamos tratar-se de uma localidade que possuía Posto Sanitário, Posto Telefónico e Posto Alfandegária, dada a sua localização junto à fronteira.

O registo mais antigo, na época contemporânea, da presença de forças militares naquela localidade reporta-se a 03 de Abril de 1961, ainda não se tinham iniciado as hostilidades na província, onde se encontrava um pelotão da 1.ª Companhia de Caçadores Indígenas, aquartelado em Nova Lamego, na zona leste.

A 1.ª Companhia de Caçadores Indígenas fazia parte do dispositivo militar da Guiné e era constituída por militares do recrutamento provincial, enquadrada por oficias, sargentos e praças especialistas oriundos da metrópole tendo existência anterior a Janeiro de 1961. Em 01 de Abril de 1967 foi redenominada CCaç 3, mantendo a mesma estrutura de comando.

A 23 de Agosto de 1961, é efectuada uma reestruturação no dispositivo militar existente, regressando esta companhia a Bissau, mas deslocando o pelotão de Sedengal para Ingoré.

Ingoré é considerada, nos mapas já referidos, como um centro comercial ou uma localidade de menor importância, tendo apenas um Posto Sanitário. Esta povoação localiza-se em 12º 23’ N e 15º 37’ W, ligando a Sedengal por uma estrada principal aberta, normalmente, todo o ano.


Foto Google

Nas pesquisas efectuadas não encontramos dados que nos permitam afirmar a continuidade de tropas em destacamento permanente, quer em Sedengal quer em Ingoré. Registamos que a CCaç 252 [mobilizada no RC 3 – Estremoz - embarque em 01 de Agosto de 1961 e regresso em 06 de Novembro de 1963] actuou em acções de soberania e de contacto com as populações, com efectivos e em períodos variáveis, na região de Ingoré.

Esta subunidade, CCav 252, que actuava sob a orientação do BCaç 239 [mobilizado no BC 9 – Viana do Castelo - embarque em 28 de Junho de 1961 e regresso em 24 de Julho de 1963] deixou Ingoré em 28 de Julho de 1963 por entrada em sector de outras unidades.

Nessa data, 28 de Julho de 1963, assumiu a responsabilidade do subsector de Ingoré, então criado, a CCaç 462 [mobilizada no BC 10 – Chaves - embarque em 14 de Julho de 1963 e regresso em 07 de Agosto de 1965], que destacou um pelotão para Sedengal. Esta subunidade estava integrada no dispositivo e manobra do BCaç 507 [mobilizado no RI 2 – Abrantes - embarque em 14 de Julho de 1963 e regresso em 29 de Abril de 1965].

A CCaç 462 é rendida, por troca em 12 de Novembro de 1964, pela CCav 567 [mobilizada no RC 3 – Estremoz - embarque em 29 de Outubro de 1963 e regresso em 27 de Outubro de 1965], que mantém um pelotão a guarnecer o destacamento de Sedengal

O Sector O1 (Oeste) com sede em Bula e a que pertence o subsector de Ingoré e, logicamente, o destacamento de Sedengal, está sub a responsabilidade do BCav 790 [mobilizado no RC 7 – Lisboa - embarque em 23 de Abril de 1965 e regresso 08 de Fevereiro de 1967], que, em 20 de Outubro de 1965 recebe, por troca com a CCav 567, uma das unidades pertencentes ao seu comando original, a CCav 788 [mobilizado no RC 7 – Lisboa - embarque em 23 de Abril de 1965 e regresso 08 de Fevereiro de 1967], que assume a responsabilidade do subsector de Ingoré e destaca forças para Sedengal.

Em 19 de Outubro de 1965 é criado o Sector O1-B, com sede em S. Domingos, que passa a abranger a área onde se encontra Ingoré e Sedengal, sendo o comando assumido pelo BCaç 1894 [mobilizado no RI 15 – Tomar - embarque em 30 de Julho de 1966 e regresso em 09 de Maio de 1968], para cuja dependência passa a CCav 788 até à sua substituição

Foto Google > Comando de Sector O1 Bula – coordenadas 12º 06’ N e 15º 42 W - Comando de Sector O1 B S. Domingos - coordenadas 12º 24’ N e 16º 12 W

A substituição da CCav 788 ocorreu em 11 de Janeiro de 1967, com a entrada no subsector da CCav 1482 [mobilizada no RC 7 – Lisboa - embarque em 20 de Outubro de 1965 e regresso em 27 de Julho de 1967], que assumiu o comando e enviou um pelotão para guarnecer Sedengal.

A CCaç 1590 [mobilizada no RI 15 – Tomar - embarque em 3 de Agosto de 1966 e regresso em 09 de Maio de 1968], que fazia parte do BCaç 1894 [mobilizada no RI 15 – Tomar - embarque em 30 de Julho de 1966 e regresso em 04 de Maio de 1968], é atribuída ao mesmo para reforço e execução de operações no seu sector, ficando instalada em Ingoré entre 03 de Dezembro de 1966 e 04 de 04 de Maio de 1967.

Mais tarde, em 13 de Julho de 1967, rende a CCav 1482 e assume a responsabilidade do subsector de Ingoré, com o destacamento de Sedengal, guarnecendo o mesmo com um pelotão.

Esta subunidade recebe a CCaç 1801, entre 04 de Novembro de 1967 e 11 de Dezembro de 1967, para efectuar a instrução de aperfeiçoamento operacional e operações sob a orientação do BCaç 1894.

A CCaç 1801 [mobilizada no BC 10 – Chaves - embarque em 26 de Outubro de 1967 e regresso em 20 de Agosto de 1969], regressa a Ingoré para reforçar o BCaç 1894, para actuação nas operações realizadas, e depois integrado no dispositiva de manobra do BCaç 1913 [mobilizada no RI 15 – Tomar - embarque em 27 de Setembro de 1967 e regresso em 16 de Maio de 1969], quando em 23 de Abril de 1968 assume a responsabilidade do subsector de Ingoré, destacando um pelotão para Sedengal.

A CCav 2540, pertencente ao BCav 2876 [mobilizadas no RC 3 – Estremoz - embarque em 19 de Julho de 1969 e regresso em 04 de Junho de 1971], entram em sector em 01 de Agosto de 1969, tendo a CCav 2540 sido destacada para Ingoré, com um pelotão destacado em Sedengal.

Em 10 de Maio de 1971, a CCav 3364, integrada no BCav 3846 [mobilizadas no RC 3 – Estremoz - embarque em 3 de Abril de 1969 e regresso em 08 de Março 1973], substituem no sector e subsector de Ingoré, as unidades antecedentes, sendo destacado, como do anterior, um pelotão para Sedengal da CCav 3364.

As unidades referidas no anterior, são substituídas pelo BArt 6522/72 e pela sua 3.ª Comp/BArt 6522/72 [mobilizadas no RAL 5 – Penafiel - embarque em 6 de Dezembro de 1972 [3.ª Companhia em 7, 11, 14 e 15 de Dezembro de 1972), por via aérea e regresso entre 30 De Agosto e 03 de Setembro de 1974], em Ingoré, a 13 de Fevereiro de 1972, depois de terem efectuado o treino operacional e a sobreposição. A 3.ª Comp/BArt 6522/72. Destacou um pelotão para Sedengal.

Em 13 de Março de 1973 a 3.ª Comp/BArt 6522/72 foi colocada em Sedengal, assumindo a responsabilidade do subsector, então criado, destacando dois pelotões para reforço de Ingoré.

Sedengal – Vista aérea actual - Foto Google

O destacamento de Sedengal foi desactivado e entregue ao PAIGC em 30 de Agosto de 1974, tendo as tropas regressado a Bissau para aguardar embarque de regresso.


José Martins
Fur Mil Trms Inf
CCaç 5 - Gatos Pretos
Nova Lamego e Canjadude
Junho de 1968 a Junho de 1970
CTI Guiné
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Nota de CV

(*) Vd. poste de 30 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3251: Em Busca de ... (41): Notícia sobre o ataque a Sedengal, em 21/12/1970 (Cor Carlos Matos Gomes)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3311: O Nosso Livro de Visitas (35): Fernando Nunes, ex-Fur Mil Art da CART 2732, Mansabá, 1970/72 (Carlos Vinhal)

1. Perdoem-me os camaradas por estar a utilizar abusivamente tempo de antena no nosso Blogue, mas fiquei cheio de contentamento quando vi um comentário ao meu poste 3293 (*), do meu camarada, amigo e companheiro do 3.º Pelotão da CART 2732, Fernando Nunes. Para completar a minha alegria só falta vir ao nosso contacto o outro camarada, o Correia que tinha (terá) morada em Lisboa.

Nos primeiros 5 ou 6 meses de comissão, não lhes fiz companhia no mato por estar impedido na Secretaria do Comando e, mesmo durante o resto do tempo que permanecemos em Mansabá, salvei-me de algumas operações em que o Nunes, o Correia, o Alf Bento e todos os bravos rapazes do meu Pelotão participaram estoicamente ao longo dos 22 meses ali passados.

Para não julgarem que eu era um desenfiado, esclareço que acumulava alguma actividade operacional, as minas e armadilhas da Companhia (com a colaboração do camarada Sousa), impedimento na Secretaria e gestão dos bares.

Aqui fica a transcrição do comentário do Nunes:

Amigo Vinhal... não dormiste descansado nessa noite de 21 de Abril de 1970... dizes tu...
E eu tambem não, claro!
Mal chegamos... nem nos deram tempo para respirar um pouco...
Mas o pior estava para vir... longos 23 meses... esses que passamos juntos.

Fernando Nunes
Ex-furriel miliciano ... do nosso 3.º pelotão.

Tantas histórias para contar!!! Verdadeiras histórias de um passado longínquo... mas tambem tão próximo!



GAG2 - Funchal - Madeira, 07ABR70 > Nunes, Vinhal e Correia, aquando da entrega do Guião da CART 2732

Guião da CART 2732, cuja divisa era "Nam Acham Quem Por Armas Lhe Resista"

Em minha casa > 28SET06 > O Nunes, à esquerda e o Ornelas, que vive no Porto Santo. Enquanto as mulheres dormitavam, falou-se de guerra até de madrugada.

CV
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Nota de CV

(*) Vd. poste de 11 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3293: O meu baptismo de fogo (7): Mansabá, 21 de Abril de 1970 (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P3310: Estórias de Mansambo I (Torcato Mendonça, CART 2339) (13): Encontro em Bissau: o nosso homem de Missirá...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça... e o seu periquito de estimação.

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.

Texto enviado em 19 de Setembro de 2007, pelo Torcato Mendonça , Fundão. Faz parte de um lote de escritos, a que ele deu o nome de Estórias do José, o seu alter ego. Por razões de conveniência editorial, parte destas estórias estão a ser publicadas sob a série Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1). Esta corresponde à nº 9 (Encontro com o homem de Missirá), das Estórias de José...

O Torcato Mendonça, juntamente com o Carlos Marques dos Santos, tem sido um dos incansáveis construtores do campo fortificado de Mansambo a alimentar o nosso blogue... Um especial Alfa Bravo para os dois: O Torcato, ou o José - já não sei muito bem - entrou na nossa Tabanca Grande pela mão do Carlos, tertuliano da primeira hora... Um e outro precisam agora de mais cuidados com a saúde. Alegra-me saber que os nossos dois amigos e camaradas estão bem e recomendam-se!...

2. Estórias de Mansambo > Encontro, em Bissau, com o homem de Missirá

por Torcato Mendonça Fim de Julho ou já início de Agosto [de 1968], eu e o Capitão Miliciano Vaz, do Xime (2), sentados a uma mesa do bar de Sta. Luzia, em Bissau, bebíamos algo matando a sede e desgastando, o mais possível, a passagem do tempo.

Íamos, dentro de breves dias, de férias.

Conversa trivial que não recordo. Talvez sobre fotografia. O Cap Vaz era excelente fotógrafo. Tive ocasião de o constatar quando a minha Companhia recebeu, da dele, o treino operacional. Fizemos várias operações juntos. De guerra não falávamos certamente, pois dessa, aos poucos, nos íamos tentando libertar.

Acalmávamos, assim, a ansiedade da partida próxima para a Metrópole. Se nessa altura soubéssemos as virtudes da água pú… De repente, aparece junto de nós um Alferes. Alto, aparência de recém-chegado à Guiné, cara de pouca barba, olhar por detrás de óculos de intelectual da época.

Disparou a pergunta, após o cumprimento:
- Estão na zona de Bambadinca?
- Estamos - respondeu o Capitão Vaz, convidando-o a sentar-se.

A conversa não foi longa. Ele ia para Bambadinca e queria informações. Gracejando, demos as informações possíveis. Ele agradeceu, despediu-se e saiu.

Olhamos um para o outro e nada dissemos. Volteamos os copos, pensando certamente nas nossas gentes lá no mato.

Quanto ao Alferes periquito, pareceu-me mais homem de secretária do que de combate.

Olhei para o Capitão e disse:
- Para onde irá? Creio que o Alferes do Pel Caç de Missirá/Finete acabou a comissão. Talvez o vá substituir. Está lá o Zacarias Saiegh.

Bom combatente, excelente condutor de homens, este guineense com sangue libanês era um Furriel Miliciano, nosso conhecido. Falei com ele várias vezes e fizemos operações juntos. Recordo uma na zona do Enxalé. Operação Gavião, juntamente com a 2338 e o Pel Caç Nat 53. Tratou-se da destruição Sinchã Camisa, Madina e Belel. As nossas tropas sofreram um morto, Tura Baldé, picador no Xime. O IN sofreu vários mortos confirmados. O pior, além das várias flagelações sofridas, foi os ataques de abelhas.
- Baguera, baguera!!! - era o grito a avisar a vinda dos terríveis insectos.

Com tecto baixo, não podia haver evacuações. Alguns militares estavam em perigo por alergia às picadas. Felizmente uma coluna auto, vinda do Enxalé, esperou-nos na zona de São Belchior. Assim foram transportados os feridos e os mais debilitados. Mais uma vez, no decurso desta operação, constatei a maneira de comandar e combater do Saiegh. Excelente (*).

Voltando a Bissau:

Passaram depressa os poucos dias e embarcámos para a Metrópole. Mais depressa me pareceram passar os dias de férias. A Bissau regressei e rapidamente fui para o mato.

Voltei a ver o tal Alferes. Estava em Missirá. Porte altivo, passada longa, meia verde por cima da calça camuflada, aspecto decidido. Não parecia o homem que encontrara em Bissau.

Falámos algumas vezes e fizemos operações juntos. Bom combatente, determinado a comandar os velhos militares do 52.

As aparências iludem.

Quase quarenta anos depois, volto a dele ouvir falar. Hoje, leio, e releio, o que ele escreve sobre a sua guerra e as leituras de então. Soube, agora, ter sido conhecido como Tigre de Missirá (3)...Oh Beja Santos, quem tal alcunha te deu lia Sandokan ou foi homenagem ao teu espírito e acção combativos? Os Espíritos do Cuor te protejam.

A minha Companhia acabou, tempos antes da chegada do Beja Santos a Missirá, com as idas ao Mato Cão e à margem direita da Geba. Concentrámo-nos mais com a intervenção e construção de Mansambo.

Sobre a margem esquerda, as populações do Nhabijões sempre jogaram com um pau de dois bicos, naquele tempo... Sabia-se e, se dúvidas hoje houverem, pergunte-se aos que ainda estão vivos. Será assunto a merecer outro tratamento. Claro que cambavam o rio e estavam bem informados.

Grande parte dos carregadores, da minha Companhia, na [Op] Lança Afiada (4) era balanta, dos Nhabijões. Contratados de propósito. Os Fulas não queriam. Mas eles foram. Caímos na primeira emboscada e ei-los, sem ordem de ninguém, a colocarem-se junto das armas cujas munições carregavam. Outros apontavam para certos locais… Bom treino recebido... das NT, não claro!

Relembro, tempos antes, uma ida minha lá. O velho chefe de aldeamento respondeu sempre em balanta, por dignidade, às questões por mim colocadas. Numa, se bem me lembro, dizia-me o intérprete:
- Ele diz : 'Se vem homem do mato e ele não deixa levar mantimentos ou avisa tropa, leva… Se tropa sabe, 'leva' também... Que fazias tu?
- Eu ? ...Bem...eu...

Eu parti cigarro com ele e…
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(*) Nota do autor – O Zacarias Saiegh regressou a Bissau e continuou como militar. Mais tarde ingressou na 1ª Companhia de Comandos Africanos.

Era Capitão Comando do Exército Português, quando a Guiné se tornou independente. Acabou por ser fuzilado. A minha singela, mas sentida, homenagem a um Grande Combatente (5)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. estórias já publicadas:

14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães

16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1666: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (2/3): O Zé e o postal da tropa

25 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1785: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 239) (4): Burontoni, mito ou realidade ?

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1892: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): O Casadinho e o Bessa, os mortos do meu Gr Comb, os meus mortos

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1929: Estórias de Mansambo (6): Matilde

17 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2055: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça) (7): Eleições à vista...

21 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2122: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça) (8): Marcha, olha para mim, com ódio, peito erguido, cabeça levantada...

28 de Setembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2139: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Amigos mais velhos

15 de Dezembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2353: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): Devolvam o bode ao dono... e às cabras de Fá Mandinga, terra de Cabrais

12 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2527: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (11): Na Bor, Rio Geba abaixo, com o Alferes Carvalho num caixão de pinho...

18 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2960: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (12): Eu, virgem, me confesso

(2) Cap Vaz, comandante da CART 1746 (1967/69) que será substituída, como unidade de quadrícula do Xime, pela CART 2520 (1969/1970), contemporânea da minha CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

Há tempos o Humberto Reis fez-me vir à memória a imagem desses velhinhos da CART 1746 que lá estavam lá, no cais do Xime, com um grande lençol branco onde estava escrito: "O que custa mais são os primeiros 21 meses"... Justamente quando nós - CCAÇ 12 e outros periquitos desembarcámos da LDG, na manhã de 2 de Junho de 1969)... Na mesma LDG, vinha a CART 2520 que veio substituir a CART 1746... (Gilberto Madaíl, uma conhecida figura pública ligada ao mundo do futebol, foi alferes milicianos nesta unidade).

(3) Sobre o Tigre de Missirá, vd. postes de:

26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P911: Uma mina para o 'tigre de Missirá' (Luís Graça)

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1076: O álbum das glórias (Beja Santos) (4): eu e o coronel Cunha Ribeiro, o nosso 'major eléctrico'

9 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1161: O nosso Major Eléctrico, 2º comandante do BCAÇ 2852 (Beja Santos)

28 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2138: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (3): Op Pato Rufia (Xime, Setembro de 1969)

(...) O actual Coronel na reforma Ângelo Augusto da Cunha Ribeiro, que foi segundo comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), a partir de Setembro de 1969, altura em que substitui o major Viriato Amílcar Pires da Silva, transferido por motivos disciplinares, era um homem muito energético, hiperactivo, falador, conhecido, entre as NT, como o Major Eléctrico... Foi ele que deu o nome de guerra, Tigre de Missirá, ao Beja Santos (...).

(4) Total dos efectivos empregues (n=1291) na Op Lança Afiada, que decorreu durante 10 dias: a) Militares: 36 oficiais; 71 sargentos; 699 praças; b) Milícias: 106; c) Guias e carregadores 379. Comandante: Coronel Hélio Felgas.

Vd postes de:

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(5) Sobre o malogrado Zacarias Saiegh:

Zacarias Saiegh, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 52, ainda no tempo do Beja Santos, e depois Alferes, Tenente e Capitão da 1ª Companhia de Comandos Africanos. Participou no 25 de Abril de 1974. Mas foi posteriormente executado, no seu país, em Portogole, a 18 Dezembro de 1978, quatro anos depois da independência, segundo informações recolhidas no livro Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo, Ed. Prefácio, 2007.

De origem sírio-libanesa, já foi aqui evocado várias vezes, nomeadamente pelo Mário Beja Santos que com ele privou, em Missirá, a par do Torcato Mendonça, entre outros:

Vd. posts de:15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLIII: O Malan Mané estava vivo em Novembro de 1969 e eu abracei-o (Torcato Mendonça

(...) O Zacarias Saiegh [da 1ª Companhia de Comandos Africanos] foi meu amigo. Era um homem extraordinário, ele e outros que foram meus camaradas e foram fuzilados. Nunca os esqueço e não sei perdoar (...).

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1008: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (2): o saudoso Pimbas, 1º comandante do BCAÇ 2852

(...) Segundo informação do Beja Santos, o Pel Caç Nat 52 esteve um ano sem alferes, sendo comandado por Zacarias Saiegh, então furriel miliciano, que mais tarde ingressou na 1ª Companhia de Comandos Africanos, aonde chegou ao posto de capitão. Comandou esta lendária companhia, depois da morte em combate do Capitão João Bacar Jaló, tendo sido fuzilado pelo PAIGC após a independência: vd post de 23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

19 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1038: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (6): Entre o Geba e o Oio, falando do Saiegh e dos meus livros

(...) Saiegh na véspera, depois do jantar, dera-me um sinal de cortesia levando-se ao seu abrigo para bebermos um uísque. Olhando à volta do seu ambiente privado, vi frascos que me lembraram aqueles que se encontram nos laboratórios de biologia. Vendo-me intrigado, sopesando as palavras mas atirando-as a frio, esclareceu-me:
- São restos dos meus despojos. Aproveito sobretudo orelhas.

Aclarei a voz e fui cortante:
- Saiegh, ainda nada sei desta guerra, mas asseguro-lhe que a partir de hoje não haverá despojos humanos, nem relíquias nem troféus. Não trago ódios nem os vou despertar. Recordo-lhe que esta disposição é irrevogável.

Os olhos de Saiegh cuspiram fogo, mas ele conteve a dimensão da chama. Com o tempo, virei a saber que este descendente de sírio-libaneses também se movia por razões raciais, independentemente dos seus interesses económicos têm sido profundamente afectados pela luta de guerrilhas. O nosso conflito estava armado, mas passados estes anos todos reconheço que ele me deu uma colaboração exemplar, apagando-se progressivamente do mando e da decisão militar. Irei chorar amargamente no dia em que soube do seu fuzilamento (...).


16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1081: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (11): Matar ou morrer, Saiegh ?

(...) Em meados do mês de Agosto, regressávamos do abastecimento em Bambadinca quando o Saiegh me mostrou triunfante, enquanto esperávamos a piroga, as insígnias em plástico que ele concebera para o Pel Caç Nat 52: era uma coisa assim apiratada com caveira e tíbias, um verde fluorescente e a frase "Matar ou Morrer". O meu olhar gelou e o Saiegh não resistiu a dizer-me: - Já vi que não gosta. Será por a iniciativa ser minha? (...).

30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2317: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (11): O fantasma de Infali Soncó

(...) O encontro com o Saiegh é muito agradável, tão agradável que vamos a pé pela estrada de Santa Luzia, onde nos despedimos prometendo eu uma visita a Fá, dentro de semanas. Tal nunca veio a acontecer, estou a despedir-me do Saiegh pela última vez, guardo o seu sorriso e a sinceridade da sua estima, tudo me vem à lembrança no dia em que soube do seu fuzilamento, oito anos depois (...)..

Guiné 63/74 - P3309: Em busca de... (44): Camaradas do BCAÇ 1861, Buba, 1965/67 (Boaventura Alves Videira)



1. Mensagem de Boaventura Alves Videira, Enf no BCAÇ 1861, Buba, 1965/67, com data de 9 de Outubro de 2008, enviada através do endereço do nosso camarada Júlio César.

Caros amigos

O meu nome é Boaventura Alves Videira, Enfermeiro do BCaç 1861, Buba, 1965/67.

Procuro ex-combatentes deste Batalhão de Caçadores para aumentar o número de camaradas nos nossos encontros anuais.

Se és do BCaç 1861, Buba 1965/67, entra em contacto comigo pelo seguinte endereço:

Boaventura Alves Videira
Praça da República, 26
4815-475 Vizela
Telemóvel 964 534 332

Junto uma foto daquele tempo para avivar algumas memórias.

2. Hoje, dia 13 de Outubro, foi enviada a seguinte mensagem à Tertúlia:

Caros camaradas e amigos tertulianos
O nosso camarada Boaventura Videira, procura companheiros do seu Batalhão (BCAÇ 1861) para participarem em futuros Encontros da Unidade.

Quem estiver em condições de dar pistas a este nosso amigo, poderá fazê-lo das formas solicitadas ou para o endereço do nosso tertuliano Júlio César. Como é natural, nós também podemos canalizar as vossas ajudas.

Votos de uma boa semana para todos.

Um abraço
Carlos

Guiné 63/74 - P3308: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte III) (Carlos Silva / Gabriel Moura)

1. Última parte do trabalho do nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil At Armas Pesadas da CCAÇ 2548, Jumbembem, 1969/71, baseado numa brochura do seu amigo e camarada Gabriel Moura, publicado no seu SITE http:/www.carlosilva-guine.com/


6.3 - Saída dos Militares do Aquartelamento para capturar os terroristas

por Gabriel Moura

Eram grupos sem qualquer comando organizado e preparado, por vezes, sem armas. Só quando estavam já no mato em perseguição dos atacantes é que se lembravam: Esqueci-me da G3?!... Eram os furriéis, os sargentos, os alferes, os tenentes, os cabos, os soldados, de cuecas, de chinelos, com armas ou com o "mata mosquitos"; todos procuravam, à medida que o tempo ia permitindo, abrir mais a "pestaninha", contra atacar, correndo com os atacantes, indo até às tabancas próximas à caça de muitos que na fuga e dispersão se desorganizaram ou ficaram feridos, com parte dos pés desfeitos, braços meios amputados, rostos semi desfigurados, barriga com as tripas na mão, etc... pelas balas ou granadas.

Eram apanhados às dezenas, escondidos no capim ou na palhota. Foi uma caça que se prolongou até de manhã, onde o nascer do dia permitiu seguir rastos de sangue e localizar os atacantes feridos e outros que foram capturados e levados para a prisão de Tite, que "encheu até ao tecto", só aos poucos foram "despachados" para Bissau e outros destinos, ilha das galinhas [era o que constava lá por Tite] no Arquipélago de Bijagós ou, quem sabe, nem lá chegaram! [é a vida! quando há guerra!!!]

Foi uma desorganização que "organizou" o maior e mais eficaz "contra-ataque" jamais pensado e daí ter-se conseguido dar uma "reviravolta à situação inicial" [que se não fosse eu ter aguentado os atacantes durante aquele tempo todo, não permitindo a concretização dos seus intentos, até à reacção destempada de alguns meus colegas, nada disto era possível. Teríamos sido, na maior parte mortos ou capturados com a maior das facilidades do mundo. Disto não tenham dúvida, e podem "puxar" por qualquer fio da meada que irá dar ao mesmo... sorte ou intervenção divina? medo? coragem? heroísmo? penso eu que!...].

Durante toda a manhã, a confusão foi grande, onde o Major Pina, nas suas funções de Comandante, começava a amealhar os "louros", pois era esta a sua grande preocupação, preparar terreno para justificar e arranjar todo o conjunto de situações que lhe dessem dividendos [a ele e a seus pares: capitão Barreiros, capitão Morgado, alguns tenentes, alferes e sargentos, furriéis e alguns "pinga amores", soldados, que na ajuda a "vestir as calças dos superiores" - que estavam muito transtornados, iriam receber também algumas benesses].

Uma das tarefas, ordenadas pelo Pina e seus pares, foi: encher sacos e mais sacos com terra [pois eles estavam na arrecadação vazios e dobradinhos, só sendo utilizados depois do ataque, como se costuma dizer: "depois da casa roubada, trancas na porta"] para fazer trincheira na frente do aquartelamento, principalmente, em frente da caserna dos oficiais e serviços do comando, camarata, etc... onde eles poderiam levar com um balázio na noite seguinte, pois agora já estavam a perceber que a "sorte lhes tinha desviado as balas", mas quem sabia que na próxima noite seria assim?

Tudo ficou a trabalhar com um frenesim incalculável levados pela mola do medo. Nem sequer foram capazes de avaliar a medida do ataque e do contra-ataque, pois logo viam que era impossível na próxima noite eles [nacionalistas] reunirem elementos que lhe permitisse novo ataque [embora que, se eles soubessem da nossa verdadeira realidade - meia dúzia de "chicos espertos" com armas brancas, num ataque relâmpago, capturavam o Pina e meia dúzia de oficiais, obrigando o aquartelamento e render-se].

Mas, quem "tem cu, tem medo", ainda bem para nós que também tínhamos cu!

Por outro lado, era simples perceber de que, ao ser o primeiro ataque ao exército português, eles, certamente, o PAIGC teve maior cuidado de preparar todos os seus melhores seguidores e em maior quantidade dessas forças, provavelmente agora muito desfalcada.

Guiné > Região de Quinara > Sector de Tite > 1961 > 1963 > 1964 > Mascote do BCaç 237 – Contemporâneos do Gabriel durante algum tempo

Foto: © Gabriel Moura

Os tempos que vieram a seguir demonstraram, exactamente, este raciocínio e todo um conjunto de premissas que levou a desencadear a luta terrorista na Guiné até 1974 [que o digam os militares que foram e estiveram em combate em diversos pontos da Guiné, nos anos de 1963/4/5 ... até 1974. Evidentemente, com envolventes específicas, atendendo a cada momento e situação. Relevo aqui, o Batalhão 237-599 - Tite, que nos foram substituir, não só porque "conviveram" com a realidade de Tite, região sul da Guiné, mas também, porque são "testemunhas directas" do palco de guerra e guerrilha em Tite, durante e após a nossa saída da Guiné, [até à nossa desmobilização, passaram 2 anos e 5 meses de serviço cumprido no Ultramar, a juntar ao tempo militar antes de embarcarmos, não esqueçam, no caso dos militares rasos, soldados e cabos, eram das recrutas de 1958, 59 e 60, o que faz, em tempo de serviço obrigatório, de mais de 6 anos, nalguns casos, saúde perdida, famílias desfeitas, sem trabalho, sem dinheiro, sem qualquer apoio social, até hoje!].

Quem Ganhou

Poesia - Gabriel Moura,1961/2/3

Eu, não sabia porquê, tinha um pressentimento. Seria medo, seria a força de uma certeza, onde a hora e o dia de um ataque dos "Terroristas" teria que acontecer.

Tite era a prisão e comando operacional do sul da Guiné - Bissau no período de 1961/63.

Todo aquele ataque, naquela madrugada, em noite escura, onde eu representava o destino de uma força colonial imposta contra uma força e resistência de um grito lançado por entre o capim seco, onde as chamas que o devoravam queimavam aqueles corpos cobertos de suor "catinga" se lançavam numa luta que iria marcar a sua história, onde o povo guineense seria devorado e ainda mais martirizado até a independência final.

Se os tiros me tivessem morto, eu não teria dado o alarme e resistido (pois era o único militar que patrulhava aquele caminho em frente do aquartelamento, estupidamente iluminado por luzes, onde só eu era visto e nada via para o mato ).

Que ganhei, comendo pó, debaixo do fogo vindo do mato ou, passado cerca de meia hora da minha resistência já com os carregadores descarregados, o fogo dos meus camaradas que na confusão e ainda sob os efeitos do sono disparavam para tudo que mexia no chão.

Tite não caiu. Mas quem ganhou ? Os Mortos ?!..


Até a nossa saída Outubro de 1963, onde no nosso aquartelamento passou de cento e poucos homens para três vezes mais, com a vinda do Tenente Coronel Hipólito e seus pares, reforço das Companhias Açorianas que vieram para participar em campanhas militares no sul da Guiné. [ver relação de alguns militares da Guiné Bat Caç 237 e Bat Caç 599, em anexo motivada pelos "encontros" na metrópole].

Ninguém poderá dizer, em verdade, que não fomos "corajosos" ao penetrar pelo mato dentro sem qualquer estratégia, sem munições [ou quase] sem armas [ou quase] desconhecendo por completo em que medida os atacantes tinham preparado o ataque [não porque não existisse armamento adequado, mas porque o terreno das bolanhas não permitia e, por outro lado, com a mente dos "leaders", com relevância para alferes Caetano, o dito comandante do Pelotão de Morteiros 19, achavam sempre que podiam resolver aquilo "à vassourada"].

Mas, o que estava em causa, e na mente de cada um de nós era a "força da razão", empurrando-nos para uma aventura em que eles, sob o efeito causado pelo choque, nem sequer tiveram tempo para reflectir sobre os diferentes cenários de guerra que poderiam envolver-nos, quando começaram a sair grupos de militares penetrando no mato em várias direcções.

É claro que, alguns oficiais e sargentos procuraram "conduzir" os militares, não só porque se armavam em mais espertos e conhecedores das "tácticas" de guerra [pois não eram eles que davam a recruta aos militares, transmitindo aqueles superiores conhecimentos?] Como a rígida estrutura hierárquica impunha, o major manda no capitão, o capitão manda no tenente....o furriel manda no cabo, o cabo manda no soldado, os militares rasos só servem para " carne de canhão", dizíamos nós.

Temos contudo de admitir, que nalguns casos, foram capazes de proporcionar alguma "ordem" na desordem e na euforia que grassava em todos, após o efeito do medo, e que todos estavam convencidos que aquilo era mesmo, como quem "limpava cus a meninos".

Por isso, alguns corriam pelo capim fora atrás dos pretos como quem anda a apanhar galinhas lá nos logradouros ou quinteiros da casa lá da terra.

Parecerá que foi uma situação caricata [e foi mesmo!.] mas temos que enquadrar todo este cenário de guerra numa situação que era nova quer para nós quer para os nacionalistas, onde a surpresa criou nas pessoas atitudes e comportamentos desviantes do previamente montado ou no nosso caso, podemos dizer que foi uma espécie de "teste anárquico" aos conhecimentos adquiridos e interiorizados na recruta [que para alguns já lá iam mais de dois anos ... militares de 1958/59/60 e graduados que apenas se lembravam da teoria e pouco mais. ]. Para alguns, a arma tremia mais do que o cigarro na boca, outros que só tinham ido em comissão de serviço para subir de posto ou sacar as vantagens de vária ordem.

Se conjugarmos isto com o pânico originado pelo ataque e na "estrita medida do tempo", originou reacções as mais díspares que se possa imaginar.

Viam-se militares que, no dia a dia, nos fomos habituando a catalogar de "enrascados", "medricas", "não faz mal a uma mosca", etc, o que no decorrer destas situações eram os que se portavam com mais "bravura e arrojo", em contra partida, outros que tinham criado a imagem do "mata sete e enterra oito", "a onça", os maus, alguns deles nem do aquartelamento saíram, que apesar de tudo sempre tinha algumas "chapas de zinco" no telhado, enquanto no mato, as árvores podiam ser refúgio não só de macacos, mas também de terroristas e lá fora era um frio de rachar! estão a perceber o trocadilho? e, se não for bem um trocadilho, pode ser visto como o "trocadilho" enfim, muitos arranjaram mil e uma desculpas de se porem ao fresco para Bissau ou até uma ida à metrópole ver a "família"...

O que se passou a seguir ao ataque ao aquartelamento de Tite foi como aquele ditado: " casa roubada, trancas à porta. ".

Foram uns dias carregados de uma forte emotividade, não só pelo nosso camarada morto e dos feridos mas, também, por tudo que envolvia as circunstâncias que estiveram na base deste desfecho e no que, de facto, representava em termos do perigo em que estivemos expostos.

É claro que, como de costume, o comandante e os outros oficiais mais responsáveis, ou não, "deram a volta ao texto", como se costuma dizer e passaram a actuar como se de facto tivessem sido eles os grandes "salvadores da pátria" e; por outro lado, aproveitaram-se para fazer com que os que não tinham culpa no cartório e foram os "únicos" a evitar um " massacre histórico ... " às tropas Portuguesas na Guiné-Bissau, ficassem comprometido e mais agradecidos, cegamente aos nossos superiores, por nos deixarem, pelo menos, trabalhar no arranjo e defesa do aquartelamento como "autênticos escravos", do medo e da ignorância.

Reforçaram-se as vedações, passou-se a patrulhar noite e dia, caminhos, tabancas, capim e tudo o que parecia suspeito [até debaixo da cama da Mariama, alguns procuraram encontrar o inimigo], foram montados pelos sapadores minas anti-pessoais e outras nos diversos pontos em volta do aquartelamento [que o diga o Jorge e todos que faziam parte dos sapadores].

Foram delineadas diversas estratégias de defesa e ataque e formas de actuar totalmente diferentes das que até ali se procediam. Os militares, em geral, como sempre não foram ouvidos nem achados sobre a forma, meios a utilizar no combate aos "terroristas".

A descrição do acto de despedida do corpo do Veríssimo para Bissau e a evacuação dos feridos, revestiu-se de carácter doloroso para todos, tendo sido, certamente, em particular para uns mais do que para outros, o que originou autênticos gestos de solidariedade e de revolta onde os extremos foram, de facto, sintomas de exagero no conceito de culpabilização sobre os "terroristas" que se tornaram para alguns ainda mais odiados do que a imagem incutida até aí.

É evidente que a relação destas emoções e reacções tenebrosas têm que ser entendidas no contexto, não só cultural das pessoas envolvidas mas, também, na formação e esclarecimento social e humano a que éramos excluídos. Por muito que se tente ver todo um conjunto de formas mais ou menos exageradas de procedimentos levados a cabo pelos militares contra os nacionalistas e populações autóctones, só pode ser vista à luz de todo um contexto de difícil discernimento, quer intencional, quer humano, quer circunstancial que nos envolveu.

Dizer que o militar A ou B tomou atitudes desumanas perante os Guineenses pode ser visto de forma a encontrar as explicações sobre esses comportamentos; quer no que já referi, quer no medo provocado pelos acontecimentos que de dia para dia iam aumentando o nível de guerrilha no mato.

A permanência em terras da Guiné era outro factor que nos arrastava para um stress, medo pelo não regresso à nossa pátria, à nossa família, etc ... Tudo isto conjugado com as reacções provocadas pelo dever e obrigação imposta pelos que detinham o poder e a conveniência da perpetuação das coisas e da "honra", fazia com que nos tornássemos ainda mais destituídos da "razão" [Movimento Nacional Feminino e outras acções que nos arrastavam como folhas secas caídas em capim].

Foram muitas as situações que se vão seguir até ao nosso embarque e saída no Paquete Índia, do Porto de Bissau com destino ao continente. A situação de guerra generalizada pelos nacionalistas Guineenses, tornou-se extremamente violenta, com emboscadas e ataques por todos os lados de norte a sul da Guiné ...

A vantagem que o Comando de Tite tinha sobre todas as outras tropas no terreno era o conhecimento que possuímos de muitas povoações, não só daquelas que fazia parte da quadrícula militar [a primeira conforme o Cor. Tavares de Pina refere, de todo o sul da Guiné] mas, também, outras povoações na Região Sul. Pois o Pina, como Comandante operacional da região Sul da Guiné e a sua "vocação psicossocial ", fez com que nós tivéssemos uma visão única no panorama da Guiné.
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A publicação do Gabriel Moura, pode ser consultada no Arquivo Histórico em Sta. Apolónia – Lisboa
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Ataque ao Aquartelamento de Tite – 23-01-1963

Referências Bibliográficas


Sobre o começo das hostilidades ou início da luta armada pelo PAIGC em 23-01-1963 com o ataque ao Aquartelamento de Tite, situado no Centro-Sul da Guiné, por estranho que pareça, não encontramos qualquer narração escrita de forma desenvolvida sobre os factos que se passaram, quer do lado português, quer do lado do movimento nacionalista.

Da bibliografia aqui indicada, apenas se encontram breves referências alusivas a tão importante facto histórico no seguinte sentido:

1 - ".... Em Janeiro de 1963, foi a sede do Batalhão atacada com armas automáticas e de repetição e granadas de mão. Deste ataque resultou 1 morto e 1 ferido das NT e 8 mortos confirmados e vários feridos graves IN. Depois deste ataque foram intensificados os patrulhamentos de que resultou a morte do Papa Leite, elemento IN que actuava na área e que facultou a recolha de valiosíssimos elementos da Ordem de Batalha IN..."

In, Carta de 7-07-1981 do Ten. Cor. Manuel José Morgado, enviada ao Director do Arquivo Histórico Militar, em resposta ao assunto " História das Unidades ".

Resumo da Actividade do BCaç. nº 237/BCaç. nº 599 - Maio de 1963 a Maio de 1965 [Caixa nº 123 - 2ª Div/4ª Sec., do AHM]


2 - A propósito da detenção de alguns dirigentes do PAIGC em Conakry, por alegado contrabando de armas, diz Luís Cabral:

“... O Aristides respondeu em poucas palavras, justificando o nosso acto pelo interesse da luta comum e pedindo-lhe [ao Ministro da Defesa da República da Guiné-Conakry, Keita Fode] que transmitisse o nosso reconhecimento ao presidente pela sua fraterna compreensão. Quanto ao regresso do Amílcar, falando com toda a franqueza, não acreditávamos que ela pudesse ter lugar antes da nossa libertação, mesmo com a mensagem.

Era lógico que ele fosse aconselhado a reflectir muito sobre a questão pois, se havia razões para estarmos ainda detidos, essas razões seriam certamente mais válidas em relação a ele, como primeiro dirigente do Partido.

Entretanto, nas diferentes zonas do interior do país, ao tomarem conhecimento da nossa detenção, os combatentes decidiram juntar o pouco material de que dispunham e agir prontamente contra as posições colonialistas, onde isso fosse possível.

A 23 de Janeiro era realizado o primeiro ataque das forças nacionalistas do PAIGC, contra o quartel de Tite, sede administrativa da circunscrição de Fulacunda...”

In, Cabral, Luís – Crónica da Libertação, O jornal, 1ª edição 1984, pág. 144

3 - ".... 23 Janeiro de 1963 - O PAIGC assalta o quartel de Tite e inicia a guerra na Guiné.

Cabral tentou ainda fazer-se ouvir, com apelos ao diálogo, mas é pelo efeito das armas que a minúscula Guiné se torna a segunda frente de contra-ataque português...."

In Antunes, José Freire, A Guerra de África 1961-1974, volume 1, Temas & Debates, Outubro de 1996, pág. 34.

4 - António E. Duarte Silva, citando Amílcar Cabral " O Desenvolvimento..." Cit. Obras...Vol. II, pág.37, sobre este facto salienta:

"...b) O início da luta armada

A luta armada de libertação nacional começou efectivamente em 23 de Janeiro de 1963 com o ataque, por uma centena de guerrilheiros ao quartel de Tite, na margem sul do Rio Geba, onde estava instalado o comando de um batalhão português:

"vindos das florestas, das zonas pantanosas e das tabancas distantes surgiam então os combatentes do nosso partido. Não vinham mais com as mãos vazias. Vinham armados com material eficiente, com uma coragem e uma disciplina a toda a prova, assim como do conhecimento das condições concretas e dos objectivos da nossa luta e, como sempre, com o apoio incondicional do nosso povo. (...)
Em Julho de 1963 a guerra atingiu as florestas de Oio, a norte do Geba, de modo que, ao chegar-se ao final de Agosto de 1963, a situação na enorme região que abrange Bissorã, Binar, Encheia, Mansoa, Mansabá e Olassato, não era muito diferente da existente em grande parte do sul da Província: populações fugidas, tabancas abandonadas ou destruídas, estradas obstruídas, a vida administrativa e actividade comercial profundamente afectada..."

In Silva, António E. Duarte, A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Edições Afrontamento, Março de 1997, pág. 47

5 - "... Na Guiné, as acções de guerrilha foram iniciadas pelo PAIGC em Janeiro de 1963, com um ataque ao quartel de Tite, a Sul de Bissau, junto ao rio Corubal [1], embora outras pequenas acções tivessem ocorrido antes. As operações estenderam-se rapidamente a quase todo o território, em contínuo crescendo de intensidade, que exigiu o empenhamento de efectivos portugueses cada vez mais numerosos..."

In Afonso, Aniceto, Gomes, Carlos Matos, Guerra Colonial - Angola, Guiné, Moçambique - Ed. Diário de Notícias, em fascículos.

[1] - Lapso dos Autores, porquanto, Tite situa-se a poucos quilómetros da margem esquerda do rio Geba. Enquanto o rio Corubal é um afluente da margem esquerda do rio Geba e desagua próximo das povoações de Ganjaurá, Ganturé e Ponta do Inglês, situadas a Norte de Fulacunda.

6 - ".... O Partido procurou, deste modo, responder às reivindicações destes estratos, que pretendiam ascender a um patamar superior na hierarquia social. A mobilização dos camponeses iniciou-se após os acontecimentos do Pidjiguiti, altura em que foi decidida a preparação para a luta armada.

O primeiro ataque armado eclodiu a 23 de Janeiro de 1963, contra as instalações de um aquartelamento das Forças Armadas Portuguesas, em Tite...."

In Pinto, Jorge, Paulo, Manuel, Duarte, Paula - Guiné Nô Pintcha! - Para uma análise Socio-económica da Guiné-Bissau, Edições Universitárias Lusófonas, Outubro de 1999, pág. 33

7 - ".... Em 23 de Janeiro de 1963, o PAIGC desencadeia a luta armada na Guiné-Bissau. Três dias depois, o governo de Salazar fixa os vencimentos dos elementos das Forças Armadas em serviço nas Províncias Ultramarinas.....

23 de Janeiro de 1963 - Início da luta armada, com ataque ao Quartel de Tite, no Sul da Guiné-Bissau. Chegam a Conakry os primeiros recrutas a fim de receberem treino militar..."

In Cabral, Amílcar - Sou um simples africano, Fundação Mário Soares, 2000, págs. 32 e 83.

8 - “ ... A Guiné apresentava características diferentes. De acordo com o censo de 1960, a sua população era de aproximadamente 500.000 habitantes, cerca de dez vezes menos do que a de Angola, estando concentrada no delta costeiro ocidental e dividida em vinte e oito grupos etnolinguísticos distintos. O PAIGC [Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde], fundado em Lisboa em 1956, arrancou para a luta armada em 23 de Janeiro de 1963 com um ataque ao Quartel de Tite.

O seu líder era Amílcar Cabral, engenheiro agrónomo licenciado em Lisboa e aí convertido à doutrina marxista-leninista.


As condições topográficas da província e o apoio de Conakry aos terroristas do PAIGC fizeram da guerrilha da Guiné a mais dura de todas as que se travaram nas frentes do Ultramar. Afectado por convulsões internas [como as que originaram o assassínio de Cabral em 1973], sem nunca ter conseguido resolver o problema da rivalidade existente entre guinéus e cabo-verdianos, o PAIGC, em 1974 e ao invés do que proclama a versão oficial estava disposto a entender-se com os portugueses e a abandonar o mato....”

In, Santos, Bruno Oliveira – Histórias Secretas da PIDE/DGS, Nova Arrancada, 2ª edi. 2000, pág. 93

9 - ".... O primeiro ataque armado eclodiu a 23 de Janeiro de 1963, contra as instalações de um aquartelamento das Forças Armadas Portuguesa, em Tite..."

In Atlas da Lusofonia, 1º Vol. – Guiné-Bissau, Ed. Instituto Português da Conjuntura Estratégica e do Instituto Geográfico do Exército, Maio 2001, pág. 25

10 - "....Bat. Caç. nº 237 - Síntese da Actividade Operacional

Após o início das primeiras acções contra as NT, com o ataque ao aquartelamento de Tite, em 23 Janeiro de 1963, comandou e coordenou a actividade operacional das suas forças numa série de acções ofensivas nas áreas do Quitifane, Cantanhez, Quinara e Jabadá - Gã Chiquinho."

In Estado-Maior do Exército - Comissão para o Estudo das Campanhas de África - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974] - 7º Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné, 1ª edição, Lisboa 2002 - p. 40
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Nota de CV

Vd. postes de:

11 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3294: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte I) (Carlos Silva / Gabriel Moura )

12 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3298: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte II) (Carlos Silva / Gabriel Moura)

Guiné 63/74 - P3307: Convívios (89): Encontro anual dos Combatentes da Guiné da freguesia de Guifões, Matosinhos (Albano Costa)

1. Mensagem do nosso camarada Albano Costa, ex-1.º Cabo da CCAÇ 4150, Cumeré, Bigene e Guidaje, 1973/74, com data de 9 de Outubro de 2008, dando notícia do Encontro Anual dos ex-Combatentes da Guiné da freguesia de Guifões, Matosinhos, uma freguesia e um concelho, erspoectivamente, que deram muitos combatentes, não só para a Guiné como para as outras frentes da guerra colonial/guerra do ultramar.

Caros tertulianos

O 5 de Outubro é sempre a data em que os guineenses de Guifões se juntam para celebrarem a sua passagem pela Guiné-Bissau. Este ano fizeram o seu XIII Encontro-Convívio e mais uma vez tiveram a companhia do Sr. Presidente da Junta de Freguesia, Carmin do Cabo, que fez a sua comissão em Angola, acompanhado de sua esposa.

Os ex-combatentes e respectivas famílias deslocaram-se, como já vem sendo hábito, em dois autocarros, num passeio agradável, para manter a coluna sempre bem unida, não fosse o IN obrigar ao teste do balão. (Nestes dias vai sempre mais um copo e não queriamos que a festa fosse estragada).

O almoço-convívio é sempre o ponto mais alto da confraternização e deu para sentir como todos desfrutaram das iguarias, assim como de um bom pé de conversa. O resto da tarde foi passada em franco convívio e ao final do dia foi distribuída uma lembrança pelo Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Guifões a cada ex-combatente e uma rosa a cada senhora presente. Antes do regresso à base, foi servido um arroz de feijão vermelho com pataniscas de bacalhau e caldo verde. Para terminar, foi cantado o Hino Nacional, seguido do bolo e do respectivo champanhe.

Com a garantia de até para o ano.
Albano Costa

Foto 1 > O Joaquim D'Assunção Machado, ex-Pára-quedista da CCP 123, que fez parte da Operação Mar Verde, à conversa com o Presidente da Junta de Guifões, Sr. Carmin do Cabo

Foto 2 > O Joaquim Almeida (mais conhecido pelo Custóias) com o seu neto, que quis sentir de perto o que tem levado o avô a participar nestes encontros da Guiné. Ambos estiveram presentes no III Encontro Anual do Blogue, em Monte Real (2008). O Custóias é um frequentador assíduo dos encontros semanais da Tabanca de Matosinhos.

Foto 3 > O Albano Costa com a esposa, Eduarda, satisfeitos na companhia da família guineense

Foto 4 > Já a meio da tarde não podia faltar uma jogatana de cartas, em que participam, da esquerda: Laurindo (Sangonhá), D'Assunção Machado (ex-Pára-quedista, CCP123), Filipe (Bissau), Brás (Mansabá) e Vitor Alho (Jumbembem) que esteve no conflito de Maio de 1973 em Guidage, onde a companhia dele teve um morto, que teve de ser sepultado lá, o Geraldes.

Foto 5 > Foto de família, com os presentes no Encontro


Fotos e legendas: © Albano Costa (2008). Direitos reservados