quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3448: A guerra estava militarmente perdida (30)? Nem perdida, nem ganha. António Matos.

As minhas razões

António Matos

ex-Alf Mil
CCAÇ 2790
Bula 1970/72



Como combatente não-voluntário que fui;
Como indivíduo que andou os 24 meses da praxe no mato;
Como alferes de um grupo de combate que nem sempre teve os deuses consigo que lhe tivessem permitido não deixar mortos alguns camaradas de armas;
Como operacional que sempre foi aos locais onde me mandaram ir (mesmo que, porque estávamos em guerra, muitas vezes tivesse que me travar de razões com o IN);
Como elemento das forças militares que desenvolveu operações em conjugação com outras forças (pára- quedistas, comandos, nativos) e que nunca deixámos de examinar, in loco, o evoluir da situação militar;
Como homem que viveu e partilhou os dramas dos dois lados duma guerra;
Se calhar com mais outras 27.000 razões, tenho sempre grande dificuldade em aceitar a opinião de que a guerra estava perdida.


ATENÇÃO! Não me movem sentimentalismos de falso patriotismo nem vedetismo de Rambo nova geração!
Não fui militarista porque a tanto me impedia a maneira de ser e de pensar.
Também não fui objector de consciência sob cuja capa se esconderam muitos cobardes!
Fui o que foram 99% dos camaradas; arregimentado por circunstâncias bélicas próprias de um país em desdita que cumpriu uma determinação nacional sem a questionar demasiado, não por cega obediência ao status quo, mas sim porque a vida tinha um determinado rumo onde a deserção não tinha cabimento perante os projectos futuros.
Reconheço o direito a essa opção por outros e tenho grandes amigos entre eles.

Tenho discutido este tema – Guerra perdida, sim ou não? - E, olhos nos olhos, nunca ouvi nenhum deles afirmá-lo!
Claro que ao ter para mim que a guerra não estava perdida não estou a dizer que estava ganha!
Era uma situação de altos e baixos, ora agora havia mais intensidade no norte ora agora no sul; agora em Bula, amanhã também em Nhacra.
Parece-me ter sido o habitual efeito de yo-yo duma guerra de guerrilha.
Perante este tipo de conflito, a solução passa invariavelmente pela política e diplomacia.
A história não está feita, é muito cedo.
O historiador não pode ser um dos seus intervenientes. Isso desvirtua sistematicamente a realidade. É preciso distanciamento. Tudo o resto são meras estórias (!) para que as próximas gerações se possam debruçar e escrever a página que falta sobre a tragédia que esta foi para os países envolvidos.
Eles dirão de sua justiça...

___________


Notas:

1. Artigos do Autor em


2. Artigos da série em

3. Título do editor.

Guiné 63/74 - P3447: Em bom português nos entendemos (6): Histórias... ou estórias de guerra ? Venham elas... (J. Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves (ou Joaquim Alves, tout court), que vive em Marinha Grande e trabalha (ainda ?) em Monte Real, Leiria:

Caros Luís, Virgínio e Carlos:

Apenas uma pequena "achega" ao tema da "história e estória". (*)

Embora tenha votado no sentido de julgar que história é termo correcto, não pelos meus "doutos conhecimentos" da língua portuguesa, mas porque julgo ser essa a grafia correcta e tenho para mim que é preciso defender a nossa língua que tem sofrido verdadeiros atentados, quero afirmar que não é assunto que me "tire o sono".

Quero eu dizer que a Tabanca Grande, para mim, pode continuar a publicar histórias e estórias, que eu continuarei a lê-las com o mesmo gosto com que as tenho lido até aqui.

O que é preciso é "que as haja", para lermos e recordarmos, para fazermos as pazes com o passado e darmos memória para o futuro.

O meu filho Pedro, que tem 14 anos, tem uns jogos de guerra no computador e volta e meia pergunta-me coisas sobre armas de guerra, sobre a guerra, sempre com alguma "admiração" por eu ter estado na guerra.

É lógico que lhe vou dizendo que a guerra nada tem de heróico, e que pelo contrário, é "actividade" a evitar sempre.

Mas a cabeça dos rapazes nestas idades é povoada de muitas coisas, não só das raparigas, mas também das aventuras, dos radicalismos e por aí fora, pelo que a guerra é algo, infelizmente, muito "chamativo".

No outro dia fiz o Pedro ouvir o ataque que, salvo o erro, o António Graça Abreu gravou e está publicado no blogue, e que está longe, apesar de tudo, de representar verdadeiramente todo o medo, o horror, a surpresa, a incompreensão, que um primeiro ataque desse tipo provoca na gente que lá esteve.

Ficou a olhar para mim, com um ar sério e admirado e disse-me:
- Ó pai, era mesmo assim? Vocês tinham medo, não tinham?

Lá lhe respondi qualquer coisa a propósito, mas percebi que uma parte do seu "fascínio" pela guerra tinha desaparecido.

E dei graças a Deus, por isso!

Por isso é importante continuarem as histórias e as estórias, para que os vindouros saibam do que falamos, quando falamos da guerra.

Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves
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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Missirá > 1971 > Jorge Cabral, comandante do Pel Caç Nat 63. Um exemplar, se não único, pelo menos raro, raríssimo, da fauna dos milicianos que passaram pela Guiné... Encontrei-o, deslocadíssimo, no Museu da Farmácia, com o seu inseparável cachimbo de Sherlock Holmes, 3ª feira passada, na festa do lançamento do livro do nosso camarada Beja Santos...

No final, fomos jantar à Trindade, eu, a Alice, o Humberto Reis, o Carlos Silva, o Humberto Reis, o Vacas de Carvalho, mais três queridos algarvios, o Henrique Matos (o 1º comandante do Pel Caç Nat 52), o João Reis (que passou por esta unidade, como furriel miliciano, antes do Beja Santos), e o José António Viegas (que passou também por Missirá, mas na qualidade de Fur Mil no Pel Caç Nat 54).

À mesa com o Jorge Cabral, ficou assente que o próximo (ou um dos próximos) livro(s) a ser(em) lançado(s), com a chancela do nosso blogue, serão as Estórias Cabralianas. Agora toca a contactar editores, patrocinadores, distribuidores, que leitores já cá temos... E a arranjar um local, adequado, condigno, apropriado, para o lançamento do livro: Maxime, é a minha sugestão; Elefante Branco, é a alternativa apresentada pelo J.L. Vacas de Carvalho... É pena já não haver o Bolero, que era o eleito do Jorge...

Vejo que o Cabral está a levar a sério, pela primeira vez na vida, um desafio, este desafio: só faltam nove estórias (sem h) para a meia centena, a meta do nosso contrato... Aproveitou para comentar comigo a "onda de devaneio" que está a atingir a Tabanca Grande, com o preciocismo de debates como o da história / estória... Receia que o blogue descambe para a pornografia, com mais este debate sobre o sexo dos anjos... Procurei tranquiizá-lo a este respeito (ou falta dele)...

Aproveitou o ensejo para lançar um aviso à cibernavegação, o de que as suas estórias continuarão a ser estórias, sem h... Com h seriam histórias, mas muito pouco ou nada cabralianas... Aqui fica a sua posição, veemente, pública e notória, sobre tão momentoso problema linguístico que, a avaliar pela sondagem em curso, é mais uma questão fracturante para a nossa Tabanca Grande.

Registo as suas pré-ocupações (a nosso respeito). Garanti-lhe que, se for necessário recorrer aos seus serviços jurídicos, não teremos pejo em abrir os cordões à bolsa. Mostrou-se sensibilizado e pronto, em tempo de vacas magras e tetas vazias, a fazer um desconto especial aos amigos e camaradas da Guiné. (LG).

Foto: © Jorge Cabral (2006). Direitos reservados


1. Estórias cabralianas (*) > Pilão: os 10 Quartos (**)
por Jorge Cabral



De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho.

A noite de véspera do meu regresso foi lá passada. Que melhor despedida podia eu, então, ter programado?

Para sempre ficou marcada na memória a cena dessa noite. No chão a ressonar e de pistola à cinta, um grande fuzileiro e, encostado a ele, todo enrolado em panos, um bebé. Na cama, ela, semi-adormecida, ordenando uma actuação silencios...

Esta a minha última imagem da Guerra e da Guiné, a qual merecia, penso, um Postal Ilustrado. Naquele dia comprara para os meus sobrinhos um pijama chinês e uma boneca. Pois não é que lá deixei o respectivo embrulho ?!...

Em Julho de 2004, fui a Bissau e muito estranhou o Senhor Reitor, que eu quisesse visitar o Cupilon. Mas quis. E visitei. E lá permaneci a olhar as mulheres e os homens. Qual delas terá brincado com a boneca? Qual deles terá usado o pijama? Ter-me-ei mesmo esquecido do embrulho? Ou, sem total consciência, ofereci na altura duas prendas ao Futuro?

Jorge Cabral

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Estórias Cabralianas > 4 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3399: Estórias cabralianas (40): O meu sonho de empresário (falhado): a construção de uma tabanca-bordel (Jorge Cabral)

(**) Originalmente publicado em 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3445: Tabanca Grande (96): Ten Cor Art José Francisco Robalo Borrego, ex-1.º Cabo do Gr Art 7 e Furriel QP do 9.º PELART (1970/72)

Ten Cor José Francisco Robalo Borrego, que pertenceu, como 1.º Cabo, ao Grupo de Artilharia n.º 7, de Bissau e, como Furriel do QP, ao 9.º Pel Art, Bajocunda (Guiné 1970/72)


1. Mensagem com data de 10 de Novembro de 2008, do Ten Cor José Francisco Robalo Borrego

Caros companheiros Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote

Assunto: O Bom Humor em Tempos de Guerra

Em primeiro lugar as minhas felicitações pela criação do blogue colectivo, o qual permite comunicarmos as nossas histórias passadas, há muitos anos, mas que se encontram bem arquivadas e conservadas nas nossas memórias.

Após a Recruta básica no Batalhão de Caçadores n.º 6 em Castelo Branco (Julho-Setembro de 1968), quis o destino que a minha Especialidade fosse Artilheiro de Campanha 10,5 e não Atirador de Infantaria, ou seja, estive na Guiné entre Julho de 1970 e Outubro de 1972, tendo lá chegado a bordo do paquete Alfredo da Silva, como 1.º Cabo Apontador de Campanha 10,5 (obus de Artilharia) e, graças a Deus, a minha actividade operacional não foi muito arriscada, quer nas colunas que tive de realizar, quer nos poucos ataques que sofri nos aquartelamentos onde estive colocado. Para tudo é preciso sorte!

A minha unidade era o Grupo de Artilharia n.º 7, de Guarnição Normal, estacionado em Bissau (Santa Luzia), perto do QG/CTIG e do Batalhão de Intendência. O Gr Art n.º 7, em 1970, tinha vinte e tal pelotões de obuses 10.5, 11.4 e 14 disseminados pelo TO da Guiné, actuando sobre as linhas de infiltração do IN e de reacção rápida aos ataques sobre os nossos aquartelamentos.

Após a minha promoção a Furriel do QP de Artilharia (Janeiro de 1972), marchei para o Sector do BCAV 3864 (1971/73) (Pirada) com destino ao 9.º PELART (Bajocunda), ficando adido à CCAV 3462 do referido Batalhão.

Foi lá que conheci o meu amigo João José Coelho Teixeira Lopes, Fur Mil, Comandante de uma Secção do 9.º PELART, sendo hoje um distinto médico.

Em Bajocunda tenho uma história engraçada, que passo a descrever.

Soldado Herodes

Quando me apresentei no Pelotão, verifiquei que fazia parte do efectivo um cão chamado Herodes criado pelos soldados, presumo, amarelo e branco. Não se sabendo bem porquê, o bicho ausentou-se durante três ou quatro dias e quando regressou à base, vinha todo sujo, num estado lastimável. Como era considerado soldado havia que proceder ao levantamento do respectivo processo disciplinar por ausência ilegítima. Vai daí, peguei numa folha de trinta e cinco linhas e na qualidade de graduado mais antigo redigi a punição que foram, salvo erro, cinco dias de prisão, tendo em conta o bom comportamento anterior.

Como o referido soldado não sabia ler nem escrever, colocou a pata sobre o papel, depois de molhada, através de uma almofada de carimbo azul que pedi emprestada na Secretaria da Companhia. Como a punição era mesmo para cumprir o Herodes ficou preso junto ao nosso abrigo.

Ao segundo dia de privação da liberdade o aquartelamento foi atacado e, como não houve tempo de o soltar, o desgraçado gania de medo com o barulho dos rebentamentos. No fim das hostilidades, foi libertado, porque tivemos compaixão dele. O Herodes, assim que se apanhou solto, fugiu para debaixo das camas e esteve lá uns dois dias que nem comer queria! Coitado, não merecia tanto castigo, teve azar!...

Ainda dentro do Sector do BCAV 3864, o 9.º PELART foi transferido para Paunca, em Abril ou Maio de 1972, onde se encontrava a CÇAC 11, constituída por elementos africanos, à excepção dos graduados e das praças especialistas que eram todos europeus.

O meu companheiro de pelotão e de tabanca era o já aludido, anteriormente, Fur Mil Teixeira Lopes que me dizia:
- Ainda te hei-de ver em primeiro-ministro - isto pelo facto de eu estudar muito nas horas vagas, o que muito ajudava a passar o tempo, aliás, posso dizer que comecei os meus estudos na Guiné, já que até aí não tinha tido possibilidades na vida.

“Enquanto se Luta, Constrói-se” era uma das máximas do general António de Spínola.

Nesta localidade, passaram-se duas histórias que o meu companheiro, Teixeira Lopes, pode confirmar.

Primeira História ou Galináceo, espécie em perigo de extinção

Existiam muitas galinhas, embora de pequeno porte, e como a nossa alimentação não era muito famosa, resolvi apanhar umas aves, com a cumplicidade do Teixeira Lopes, que consistia no seguinte: deitava um carreirinho de arroz em frente à porta da tabanca que se prolongava para o interior da mesma; o animal na boa fé entrava e depois era só encostar a porta pelo interior e a presa não tinha salvação.

Como o efectivo das galinhas começou a diminuir fomos avisados pelo nosso Comandante de Pelotão, Alferes Mendes, que já havia queixas da população e o melhor era deixarmos as galinhas em paz, assim fizemos em nome do bom senso e da boa vizinhança e também porque já andávamos com imensa azia de tanto churrasco, preparado por um soldado do Posto Rádio!

Segunda História ou Era mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha

Numa bela noite de Abril ou Maio de 72, dois burros da população resolveram lutar e, já de madrugada, o burro perdedor aflito com os ataques do seu adversário fugia num galope acelerado até que encontrou um buraco para se esconder e esse buraco, vejam só, foi a nossa tabanca, cuja porta estava aberta por causa do calor. Depois foi o bom e o bonito para tirar o burro que mais profundamente penetrou na tabanca.

De marcha-atrás era impossível, porque o outro burro mordia-lhe; sair de frente também era difícil, devido à exiguidade do espaço da tabanca para fazer a manobra. Por fim, ao cabo de uma ou duas horas, lá conseguimos resolver a situação. Nessa noite não chateou o IN, mas chatearam os burros!

Finalmente, de 19 de Agosto a 21 de Setembro de 1972, ainda fiz uma perninha na CART 3417, pertencente ao COP 7, onde se encontrava o 29.º PELART em Ganjuará (Península de Gampará) na confluência dos rios Geba e Corubal a norte de Fulacunda, felizmente sem problemas.

Companheiros, presentemente sou Tenente-Coronel do SGE, presto serviço no Ministério da Defesa Nacional e tenciono passar à reserva em 16-11-2008.

Junto duas fotos: 1.º Cabo (Gr Art N.º 7 – Guiné); Ten Cor (actual)

Despeço-me com muita amizade e elevada consideração com abraços a todos os ex-combatentes: Portugueses e Africanos.

Lisboa, 10 de Novembro de 2008
José Francisco Robalo Borrego

2. Resposta enviada ao nosso novo camarada em 12 de Outubro de 2008

Caro camarada:

Na qualidade de relações públicas da Tabanca Grande, estou a responder-te em nome dos editores do Blogue.

É um prazer receber na nossa Tabanca mais um Oficial Superior do Exército, onde contamos já com a colaboração do Cor Ref António Marques Lopes, Ten Cor Rui Alexandrino Ferreira, Cor Ref Hugo Guerra, Cor Pereira da Costa e Cor Ref Coutinho e Lima. Contamos ainda entre os nossos amigos o Cor Cmd Ref Carlos Matos Gomes. Espero não ter cometido a falta grave de esquecer alguém.

Estamos curiosos pelo conteúdo das tuas histórias pois tiveste um percurso militar digno de registo. Na mesma comissão chegaste como 1.º Cabo e saíste como Furriel do QP. Fizeste mais alguma comissão de serviço ou foste salvo pelo 25 de Abril?

Com respeito às nossas normas de conduta, podes consultá-las no lado esquerdo da nossa página assim como aquilo que nós (não) somos

Consideramo-nos camaradas em toda a acepção da palavra e não levamos em conta os postos militares e a posição na sociedade civil. O respeito é a nossa divisa, tanto na discussão das ideias, como na diferença das convicções religiosas, políticas e outras. Assim o tratamento por tu é normal dentro da nossa Caserna.

Caro Robalo Borrego, entra, instala-te e começa a conhecer as pessoas e os cantos da casa.

Agora um apontamento de ordem mais pessoal. A dada altura do teu mail, dizes que fizeste uma perninha na CART 3417. Esta Companhia é-me particularmente familiar, porque foi a minha Companhia (CART 2732) que a acompanhou no IAO, em Mansabá. Por outro lado, há um acontecimento trágico registado no dia 28 de Agosto de 1971, dia em que o CMDT da 3417 que tinha saído sozinha, pisou uma mina AP na zona de Manhau. Foi o meu Pelotão que o foi evacuar ao mato, vindo na minha viatura no regresso ao Quartel sempre assistido pelos enfermeiros. Como a meio da tarde ainda não tinha sido evacuado para o MH 241 por meio aéreo, fizemos uma directa em coluna auto até Bissau, onde o deixámos para tratamento. Nunca mais soube nada desse, na altura, jovem capitão.

Caro camarada, recebe um abraço de boas-vindas da tertúlia e dos editores em particular.

Carlos Vinhal

OBS:-Como brevemente vais passar à situação de Reserva, se mudares de endereço, não te esqueças de nos informar da alteração.
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Nota de CV

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3390: Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)

Guiné 63/74 - P3444: (Ex)citações (6): A segunda morte do Soldado Milhões (João Tunes)

A partida para a guerra (excert0): uma das mais emblemáticas fotos do Joshua Benoliel (1873-1932), o maior fotojornalista português das duas primeiras décadas do Séc. XX. Vd. Arquivo fotográfico do Arquivo Municipal de Lisboa.


Do blogue do nosso camarada João Tunes, Água Lisa, com a devida vénia:

Terça-feira, 11 de Novembro de 2008 > ATÉ O SOLDADO MILHÕES FOI GASEADO PELO ESQUECIMENTO

Pelo irrelevo que é dado à efeméride até parece que Portugal não participou na 1ª Guerra Mundial de que hoje se comemoram os 90 anos do armistício que lhe deu termo. O que é sobretudo chocante se tivermos em conta que não só milhares de soldados portugueses ali combateram como foram muitas as nossas baixas e as sequelas, entre mortos, feridos e uma enorme quantidade de compatriotas que tiveram o destino de carpirem todas as suas vidas o martírio dos gaseados.

Mas julgo que, no caso, não é propriamente a desmemória a funcionar. O que, diga-se, é mal que, em Portugal, cresce nas nossas esquinas da lembrança histórica. E, no entanto, ao contrário de outras guerras a que metemos armas (como a colonial), saímos dela do lado dos vencedores. O que, tendo em conta o automatismo do celebracionismo do sucesso que é marca dos tempos, transforma esta omissão numa espécie de paradoxo.

(...) Depois, se a ideia da participação na Guerra foi mal parida, todo o salazarismo foi, numa espécie de vingança póstuma do Sidónio abatido, um reencontro ideológico e diplomático com a nova Alemanha construída a partir dos escombros da sua derrota, particularmente como revanche da humilhação do Tratado de Versailles, para mais uma Alemanha despossuída de colónias em África.

E, então, durante toda a ditadura (particularmente, desde que foi afastado o seu chefe militar primeiro, Gomes da Costa, o qual havia combatido na Guerra), a memória da participação portuguesa na 1ª Guerra Mundial foi relegada ao título de fenómeno inconveniente de um passado, o republicano, que havia que esquecer ou menosprezar. Até hoje. Que atingiu inclusive a lembrança do lendário Soldado Milhões (*), essa espécie de Zé Povinho soldado e que foi alçado a figura mitificada que durante muito tempo simbolizou as virtudes da valentia militar dos nossos beligerantes nas trincheiras da Flandres, desfilando com bigode e medalhas nas cerimónias evocativas mas pouco assistidas, o qual não só já se finou como levou consigo as últimas lembranças tangíveis de que Portugal participou e venceu numa das Guerras Mundiais, nunca o tendo celebrado com palmas e louros (...).

Selecção e negritos: L.G. (**)

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Notas de L.G.:

(*) Excerto da
Wikipédia > Batalha de La Lys

(...) O Soldado Milhões

Nesta batalha [de La Lyz] a 2ª Divisão do CEP [Corpo Expedicionário Português]foi completamente desbaratada, sacrificando-se nela muitas vidas, entre os mortos, feridos, desaparecidos e capturados como prisioneiros de guerra. No meio do caos, distinguiram-se vários homens, anónimos na sua maior parte. Porém, um nome ficou para a História, deturpado, mas sempiterno: o Soldado Milhões.

De seu verdadeiro nome Aníbal Milhais, natural de Valongo, em Murça, viu-se sozinho na sua trincheira, apenas munido da sua menina, uma metralhadora Lewis, conhecida entre os lusos como a Luísa. Munido da coragem que só no campo de batalha é possível, enfrentou sozinho as colunas alemãs que se atravessaram no seu caminho, o que em último caso permitiu a retirada de vários soldados portugueses e ingleses para as posições defensivas da rectaguarda.

Vagueando pelas trincheiras e campos, ora de ninguém ora ocupados pelos alemães, o Soldado Milhões continuou ainda a fazer fogo esporádico, para o qual se valeu de cunhetes de balas que foi encontrando pelo caminho. Quatro dias depois do início da batalha, foi encontrado por um médico escocês, que o salvou de morrer afogado num pântano.

Regressado a um acampamento português, um comandante saudou-o, dizendo o que ficaria para a História de Portugal, "Tu és Milhais, mas vales Milhões!". Foi o único soldado português da Primeira Guerra a ser condecorado com o Colar da Ordem da Torre e Espada, a mais alta condecoração existente no país.(...).


(**) Vd. postes anteriores desta série:

28 de Outubro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3375: (Ex)citações (5): Os nossos soldados eram miúdos, de 19, 20, 21 anos. Admiráveis. Iam matar e morrer (A. Lobo Antunes)

10 de Outubro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3291: (Ex)citações (4): Pinto Leite, em Bambadinca, dois dias antes de morrer em desastre de helicóptero: Não há solução militar

16 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2951: (Ex)citações (3): A guerra de África acrescentou 15 anos ao regime de Salazar (André Gonçalves Pereira)

1 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2908: (Ex)citações (2): Conto histórias da vida, o que foi, o que será, sou 'kora djalô', tocador de kora (José Galissa)

2 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2324: (Ex)citações (1): Um pouco de humor de vez em quando também nos faz bem (Henrique Matos)

Guiné 63/74 - P3443: Guiné/Vietname. Por favor, deixem-me sair de Gandembel. Hugo Guerra.

Mensagem do Hugo Guerra, a pedir que o deixem sair de vez de Gandembel






Caro Camarada
Há dias li aquela entrada no blogue do António Matos em que ele faz a descrição de como se safou nas 16.000 minas que colocaram entre Bula e São Vicente.

Penso que o comentário é teu (vb) e escrevi, também, um comentário no qual me referia á comparação que fazias com o Vietnam e remetia para uma reportagem dum jornalista do Diário Popular publicada em Março de 1969.


Só que a data que disse não estava correcta, eu disse 19 de Março e é 17 de Março de 1969, pág 8..... Daí este esclarecimento.
Como o meu comentário não foi publicado e não sei se virá a ser, junto estas duas fotos da pág do Diário Popular que fui hoje buscar à Biblioteca Naacional.

reportagem do Diário Popular com data de 17 de Março de 1969 sobre Gandembel, assinada pelo jornalista César da Silva.
Na foto de cima do lado direito eu estou no meio do Alferes Barge e do Capitão Barroso de Moura , Cmdt da 2317.
Quem for capaz de ler o texto verá que a foto foi tirada em Ponte Balana no dia seguinte à Missa de Natal de 1968, celebrada pelo Bispo de Madarsuma, em Gandembel.....

Eu estava lá (Ponte Balana) nesse mês e também estive no seguinte quando mandei enterrar dezenas de cunhetes de munições num buraco na areia junto ao pilar da Ponte e quando fiquei com os polegares cheios de bolhas a imaginar que conseguia deitar abaixo uma árvore enorme , fora do arame e no caminho para Aldeia Formosa ,enchendo-a de tiros de Breda.

Estas cenas e outras parecidas, pois toda a gente estava autorizada a "despachar" munições passou-se em cima dos dias do encerramento ...

Peço desculpa, se não me lembro bem do nome dos meus 6 filhos mas que eu estava lá ...estava.


Gandembel/Ponte Balana Dez 1968.

Um abraço grande e, por favor, deixem-me sair de Gandembel.

Hugo Guerra
__________

Notas:

1. Caro Hugo, a comparação que eu arrisquei foi isso mesmo, um excesso da minha parte. Não estive em Saigão, nem em Da Nang sequer. Estive na Guiné, como dezenas e dezenas de milhares de Portugueses. E todas as comparações são falíveis. Terá havido Vietname pior para quem esteve meses e meses em Guileje, Gadamael, Gandembel, Madina do Boé, Jabadá, Guidage e em tantos outros locais?

2. Hugo Guerra foi Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 50 (
Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70) e é hoje Coronel DFA.

3. artigos relacionados em


Guiné 63/74 - P3442: O Tigre Vadio, o novo livro do nosso camarada Beja Santos (7): A leitura de António Valdemar



(No caso de o visionamento do vídeo apresentar problemas > Watch in high quality )

Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio (*) > Excerto da apresentação do livro e do autor por António Valdemar, jornalista, olissipógrafo, escritor. Começou por dizer que era amigo do autor, e que se recusava a falar das questões militares que o livro do Beja Santos necessariamente levanta. Fez questão de sublinhar que, por razões políticas e ideológicas, era contra a guerra colonial. Interessa-he sobretudo a dimensão humana da experiência narrada pelo autor e a qualidade da sua expressão literária.

Conhecido redactor e crítico literário do Diário de Notícias, António Valdemar, açoriano de origem, natural de São Miguel, começou a sua carreira, em 1957, no jornal República. Esteve depois ligado ao grupo fundador de A Capital. Desempenhou o cargo de chefe de redacção de A Vida Mundial e exerceu de 1968 a 1980 a chefia de redacção, em Lisboa, de O Primeiro de Janeiro. Dirigiu, durante seis anos, a galeria Diário de Notícias, no Chiado, onde organizou dezenas de exposições de escultores, pintores e ceramistas.

Tem, além disso, experiência de actividade docente: por exemplo, leccionou jornalismo no Instituto Politécnico de Santarém; e orientou em vários locais do País cursos de Comunicação Social e de Cultura Portuguesa (Séc. XIX e XX).

É autor de, entre outras, as seguintes publicações: "Ser ou Não Ser Pelo Partido Único», «Garrett, vida e Obra», «Chiado: o Peso da Memória» e «Nemésio, sem limite de idade».

Pertence desde 1993 à Classe de Letras da Academia das Ciências, de que é sócio efectivo, sendo o único jornalista que, nos últimos 20 anos, integra esta instituição. Recebeu este ano a Medalha de Honra da Sociedade Portuguesa de Autores, de que também é colaborador.

Foi condecorado, em 1991, no Dia de Portugal, em Tomar, pelo Presidente da República, Mário Soares com a Ordem de São Tiago; e, em Maio de 2000, pelo Presidente da República Jorge Sampaio, com o Grande Oficialato da Ordem de Mérito.


Vídeo: © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo (4' 06') alojado em: You Tube >Nhabijoes


A qualidade de primeira água da escrita de Mário Beja Santos, realçada por António Valdemar, pode ser ilustrada e avaliada por inúmeras descrições de acontecimentos, vigorosas, de grande fôlego e tensão dramática, com recurso a parágrafos longos, como esta com que começa o segundo volume (de resto, já aqui reproduzida no poste de 13 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2102: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (1): Mamadu Camará, a onça vigilante):

(...) AGOSTO DE 1969

Mamadu Camará, a onça vigilante

Fogo de Santelmo, fogo de Madina

A partir do meio da tarde, o céu fez-se chumbo, o ar esfriou, ficámos à espera que chovesse, contrariados no meio das obras à volta do arame farpado. Quando parecia que o chumbo passaria a negro, o negro da nuvem espessa que se encaixara como uma abóbada sobre Missirá deixou imprevistamente que os raios e coriscos se acendessem e, como uma faca que rasga a seda, estoiraram estrepitosamente em Missirá, em todo o Cuor. O anoitecer fez-se dia com aquela iluminação de teatro, espectral. A chuva abundante caiu dos céus, ficou a empapar-se às nossas botas, o sibilar da trovoada gigante levou-nos a fugir para casa. É nesse entretanto da fuga precipitada para as moranças que começa uma flagelação com morteiros e costureirinhas. Do pânico da chuva passou-se rapidamente para a resposta, corríamos nus, em roupa interior, encharcados, enlameados. Quem limpava as armas pô-las em funcionamento, quem fazia a contabilidade mudou de armas, quem cozinhava foi logo responder com metralhadoras, e todo este fogo de resposta amorteceu o som das obusadas que espalhavam o metal destruidor, salpicando a terra. Os colhidos de surpresa, as mulheres e as crianças que cultivavam e brincavam, atiraram-se para as valas. No morteiro 81, encadeado por aquele maldito fim de tarde desorientador, pois falsa era a noite e o falso era o dia, com precioso auxílio do Queirós, eu punha e tirava cargas das granadas, procurando atinar com as distâncias. Era uma estranha flagelação, era um fogo espúrio, como se estivessem a testar-nos para o tiro a tiro. O Queirós gemia, segurando o tubo sem a braçadeira, o braço em chaga. As explosões chegavam espaçadas, como a lembrar que há muitas maneiras de fazer flagelação. É então, entre esse dia e essa noite de Santelmo e do fogo de Madina que sou disparado a coice, saio do abrigo de morteiro com forte encontrão, alguém me projecta ao solo. Uma explosão ao pé soergue-me e ao intruso que me arrancara do morteiro 81. Eu desfiro palavrões mas o intruso grita de dor. Desprendo-me do fardo, o Queirós a tudo assiste aparvalhado, ponho-me de pé e vejo Mamadu Camará jazente e depois de tronco arqueado, com o rosto riscado pelo sofrimento. É o Queirós, que sai do atordoamento, que explica o transcendente daqueles instantes: "Meu alferes, o Camará viu o rebentamento, quis salvar-lhe a vida". (...)

In: Mário Beja Santos: Diário da Guiné: 1969-1970: O Tigre Vadio. Lisboa: Círculo de Leitores; Temas & Debates. 2008. pp. 21-22.

Eventualmente menos feliz, na opinião de alguns leitores do blogue (e do livro), foi a decisão de manter as mais de 100 "leituras de guerra" e as cerca de 20 referências discográficas, que engrossam o volume (de 440 pp.) e "cortam o fio à meada"...

Mesmo sabendo que o autor era, em Missirá, em Bambadinca, em Nhabijões ou no Udunduma, um trabalhador incansável, um homem solitário, um líder nato, um leitor compulsivo e um grande melómano (conheci-o em Missirá, antes da sua morança arder, ao som da sinfonia nº 9, de Dvorák, Do Novo Mundo...), tem-se a ideia de que o nível do seu consumo cultural (nomeadamente, quantidade e qualidade de leituras) era de todo humanamente incompatível com a vida intensa de um operacional na Guiné, para mais comandante, durante muitos meses, de 3 pelotões de soldados e milícias africanos e responsável por duas tabancas (Missirá e Finete) com população civil (velhos, mulheres e crianças), a par da sua gigantesca produção epistolográfica (estimada, por exemplo, em meio milhar de cartas e aerogramas, escritos só para a sua noiva e depois mulher, e de que eu sou o fiel depositário).

Mesmo que estas referências bibliográficas e discográficas, mais a transcrição das cartas e dos aerogramas à noiva, familiares e amigos, ocupem talvez cerca de 2/5 do Diário da Guiné - quanto a mim uma proporção eventualmente excessivo - , a verdade é que esta obra (em dois volumes) é um documennto excepcional e imprescindível para a compreensão socioantropológica da minha geração, da nossa geração, de homens (e de algumas mulheres), portugueses, que fizeram a guerra colonial na Guiné (e que depois liquidaram o império e restabeleceram a democracia).

O mais importante, quanto a mim, foi o homem e a sua circunstância, foi a coragem do Beja Santos (um oficial miliciano atípico, culto, de formação católica e educação universitária, seguramente um outlier em relação ao perfil-tipo dos oficiais e sargentos milicianos que eu conheci na Guiné) em assumir a sua a condição humana, a sua historicidade, a sua portugalidade, a sua coragem física e moral, a sua apetência pela liderança, a sua participação naquela guerra, e inclusive a sua recusa, pública, do estatuto de herói (Houve muitos outros, com muito menos méritos humanos e militares, que foram medalhados, incensados, mitificados no TO da Guiné).

Ele fez a guerra e contou-a em primeira mão. O seu comportamento operacional não o julgo, o seu talento literário, esse, tenho que o reconhecer e reconhecê-lo, com muito apreço e uma pontinha de orgulho, por tê-lo entre nós.

Como fundador, editor e administrador deste blogue, como amigo e camarada da Guiné, como antigo residente de Bambadinca, Nhabijões e Udunduma, congratulo-me também por este dia e pelo seu significado. Esta também é (ou foi a nossa festa). E na altura dos agradecimentos, o Mário não se esqueceu dos amigos e camaradas da Guiné, não se esqueceu do nosso blogue, da nossa Tabanca Grande, afinal os seus primeiros leitores e críticos, que o ajudaram , apoiaram e estimularam nesta gigantesca Operação Macaréu à Vista I e II.

Por razões de agenda, eu não tinha tido o privilégio de assistir, em 6 de Março passado, ao lançamento do 1º volume do Diário da Guiné. (LG).

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 12 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3441: O Tigre Vadio, o novo livro do nosso camarada Beja Santos (6): Notícia do lançamento (Lusa) + Fotos (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P3441: O Tigre Vadio, o novo livro do nosso camarada Beja Santos (6): Notícia do lançamento (Lusa) + Fotos (Luís Graça)


Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Cerimónia do lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio (*) > No anfiteatro do museu > Da esquerda para a direita, o jornalista e escritor António Valdemar, a Dra. Guilhermina Gomes, representante da Editora (Círculo de Leitores e Temas & Debates), o Gen Ref Mário Lemos Pires, e o autor, o nosso querido amigo e camarada Mário Beja Santos. O embaixador da Guiné-Bissau chegou ligeiramente atrasado, tendo-se depois sentado à mesa e feito uma pequena alocução no fim.



Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > O Gen Lemos Pires, que esteve na Guiné, no período de 1969/70, como chefe da Rep Apsico, foi o principal apresentador do livro, tendo-se debruçado sobre os aspectos militares, humanos e operacionais, da actuação do autor, que alferes miliciano, comandante do Pel Caç Nat 52, e de mais dois pelotões de milícias, de Finete e de Missirá (cerca de 100 homens em armas). A seu lado, o embaixador em Lisboa da República da Guiné-Bissau, Constantino Lopes, um antigo Combatente da Liberdade da Pátria, que esteve preso no Tarrafal, de 1962 a 1969, e que é hoje o único herdeiro e proprietário da Ponta do Inglês (exploração agrícola, de 50 hectares; o seu pai, Luís Lopes, tinha por alcunha o Inglês).



Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > António Valdemar, amigo pessoal do autor, apresentou a obra, valorizando em especial os seus aspectos literários. Disse publicamente que, como homem de esquerda, era contra a guerra, em geral, e contra a guerra colonial, em particular. A seu lado, a Dra. Guilhermina Gomes, representante dos editores (Círculo de Leitores e Temas & Debates), que abriu a cerimónia, com um especial agradecimento à Associação Nacional de Farmácias, pela disponibilização do magnífico espaço que é o Museu da Farmácia, sito num palacete da Rua Marechal Saldanha, nº 1, ao Bairro Alto.


Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > Emocionado, Beja Santos agradeceu a presença de tantos amigos e camaradas que ali se deslocaram, e fez questão de sublinhar o significado da presença do embaixador guineense em Portugal, Constantino Lopes. Este, por outro lado, reafirmou o desejo profundo dos guineenses de viverem em paz e de ganharem o direito a completar a sua luta de libertação.



Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > Sessão de autógrafos: em primeiro plano, o escritor e os membros dos da nossa Tabanca Grande, Carlos Silva, que mora em Massamá-Queluz, e Carlos Marques dos Santos, que veio de Coimbra, com a sua esposa, a nossa amiga Teresa.



Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > O Benjamim Durães, residente em Setúbal, que foi Fur Mil da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).



Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > O Raul Albino e o nosso (elegantíssimo) co-editor Virgínio Briote. O Raul foi Alf Mil da CCAÇ 2402, unidade a que pertencia originalmente o Beja Santos e o Medeiros Ferreira (este não compareceu ao embarque para a Guiné, tendo pedido asilo político na Suiça; o Beja Santos, por sua vez, foi transferido para o Pel Caç Nat 52). Contou-me o Raul que há dias encontrou na rua o seu antigo camarada Medeiros Ferreira, hoje uma conhecida figura pública, mas que não teve lata de lhe falar... "Foi pena" - comentei eu. "Ele deveria de gostar de saber tuas notícias tuas".



Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > Um dos maiores representantes, na diáspora, da cultura guineense actual, o mestre, tocador de Kora e cantor (didjiu) Braima Galissá, mandinga do Gabu. (Recorde-se que o didjiu era, no passado, o tocador e cantor que ia, de tabanca em tabana contando estórias e transmitindo as últimas notícias)…Foram os seus tetravós que inventaram este instrumento único que é o Kora. Na festa do Beja Santos, ele tocou, cantou e encantou. Temos registos em vídeo da sua audição, e que ele nos autorizou a reproduzir no nosso blogue. Será também futuramente um dos membros da nossa Tabanca Grande.



Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > No hall do museu da Associação Nacional de Farmácias(riquimamentre revestido a tapeçarias de Portalegre, assinadas por conhecidos artistas plásticos portugueses como o Manuel Cargaleiro ou o Cruzeiro Seixas), três camaradas nossos fazem horas: Carlos Marques dos Santos (de costas), o António Santos, à sua direita, e o Belarmino Sardinha.


Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > Representantes femininas da FAP - Força Aérea Portuguesa, que estiveram no teatro de operações durante da guerra do ultramar / guerra colonial. Este grupo de camaradas nossas fez doações ao Museu, de grande valor museológico, documental e simbólico. Tal como o Beja Santos que ofereceu um aerograma, enviado à noiva, Cristina Allen, onde são referidos alguns dos medicamentos que lhe foram prescritos, por ocasião de um internamento no Hospital Militar de Bissau.

Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > O Carlos Marques dos Santos, ex-Fur Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/70), cumprimentando, a enfermeira pára-quedista, do 1º curso, Zulmira André, que conheceu bem o TO da Guiné.



Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > Em primeiro plano, o antigo major Cunha Ribeiro, hoje Coronel, rijo nos seus 84 anos... Ei-lo aqui, o nosso querido Major Eléctrico, segundo comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/72), à fala com o nosso camarada J. L. Vacas de Carvalho. Em segundo plano, à esquerda, o Cor Art Ref Coutinho e Lima, antigo comandante do COP 5 (Guileje), e membro da nossa tertúlia, que vai também fazer o lançamento do seu já anunciado livro de memórias, em 13 de Dezembro próximo. A seu lado, um Alferes Miliciano que também passou por Bambadinca em 1970 e que foi depois transferido para o Batalhão de Comandos Africanos. (Desculpa, camarada, mas não registei o teu nome).



Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > O primeiro comandante do Pel Caç Nat 52 (Porto Gole e Enxalé, 1966/68), Henrique Matos, com o Queta Baldé. Depois desta cerimónia, estive o grato prazer de ir à Cervejaria Trindade jantar com o Henrique e mais um grupo de camaradas: o Humberto Reis, o Carlos Silva, o Jorge Cabral, o João Reis (Pel Caç Nat 52) e o José António Viegas (Pel Caç Nat 54). Estes dois últimos, mais o Henrique, vieram de propósito do Algarve para assistir à cerimónia. Vão também entrar na nossa Tabanca Grande.



Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > O Queta Baldé, a "memória de elefante" do Beja Santos, e o Cherno Suane, guarda-costas do autor quando comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70).

Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



1. Com a devida vénia, reproduzimos aqui um excerto da notícia da Lusa, publicada no Marão on line, Diário regional de Trás-Os-Montes, Douro, Tâmega e Sousa, onde o nosso camarada Mário é colaborador regular (igualmente reproduzida no sítio PNETliteratura, do Grupo PortugalNet):

Marão 'On Line'> 12 de Novembro de 2008 > GUERRA COLONIAL: Lançado segundo volume de memórias de Beja Santos sobre a guerra na Guiné-Bissau:


Mário Beja Santos, ex-combatente no Ultramar português, lançou terça-feira, em Lisboa, o segundo volume de memórias da guerra, no qual conta episódios que marcaram a sua passagem pela Guiné-Bissau.

Diário da Guiné - O Tigre Vadio é um testemunho e não me refugiei num heroísmo que nunca tive”, disse o autor do livro que, emocionado, recordou as histórias de pessoas que lhe morreram nos braços enquanto estava na guerra.

Beja Santos é um reconhecido especialista em questões de política do consumidor e colaborador do Marão Online e do Repórter do Marão há quase 20 anos, meios onde publica regularmente artigos sobre assuntos de consumo, saúde e cidadania.

Nas palavras do jornalista António Valdemar, que fez a apresentação do livro, a obra de Beja Santos tem “um forte conteúdo humano, narrado com a verdade de quem esteve presente em todos os momentos”.

Neste livro, com 440 páginas, o autor relata acontecimentos da guerra entre 1969 e 1970 e, segundo o prólogo escrito pelo próprio, Tigre Vadio foi, de todas, a operação “mais sangrenta” em que esteve envolvido.

Mário Beja Santos garantiu, na apresentação do livro, que vai continuar a escrever. “A memória está viva e vou procurar ser digno dela, trabalhando-a o melhor possível”, afirmou.

O primeiro volume do Diário da Guiné diz respeito aos anos de 1968 e 1969 - Na Terra dos Soncó. Ambos os volumes foram publicados pelas editoras Círculo de Leitores e Temas e Debates.

Beja Santos, assessor principal da Direcção-Geral do Consumidor, foi autor de programas televisivos, colaborador da rádio e da imprensa e é professor do ensino superior.

O lançamento do livro, a que assistiu o embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa, integrou-se na celebração do Dia do Armistício, em que o Museu da Farmácia homenageou o soldado português.

Na homenagem estiveram presentes representantes da Força Aérea Portuguesa, que ofereceram várias farmácias portáteis utilizadas na guerra colonial.

Aproveitando também o 90.º aniversário do Armistício da Grande Guerra Mundial 1914-1918, seis enfermeiras pára-quedistas ofereceram uma farda utilizada quando vinham a Portugal.

Lusa

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior > 11 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3440: O Tigre Vadio, o novo livro do nosso camarada Beja Santos (5): As primeiras imagens do lançamento (V. Briote)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3440: O Tigre Vadio, o novo livro do nosso camarada Beja Santos (5): As primeiras imagens do lançamento (V. Briote)


O Tigre Vadio



As primeira imagens da apresentação do novo livro do Mário Beja Santos,no Museu da Farmácia, em Lisboa, para os que não puderam estar presentes


à entrada do Museu, na Associação Nacional das Farmácias, encontrei, vindos de Coimbra, o Carlos Marques dos Santos e a mulher, Teresa


No anfiteatro, logo no início, um aspecto geral da assistência. Iria ficar praticamente cheio, mais lá para o fim, que o Mário Beja Santos bem mereceu (e já agora, todos nós também...)

o General Lemos Pires, numa intervenção que mereceu o apreço geral, em pouco mais de meia hora, sintetizou os motivos porque acha que a obra do Mário (os dois volumes) merece ser lida. Ele esteve na Guiné nesse período (1969/70), era o chefe da repartição da APSICO. E acrescentou alguns pormenores com interesse, nomeadamente o caso do heli caído em Mansoa, que vitimou o piloto e acompanhantes, entre os quais se encontravam os deputados da então chamada "ala liberal". Ele próprio acompanhou os deputados que acabavam de fazer uma visita ao reordenamento de Nhabijões, em Bambadinca. No regresso a Bissau, seguia noutro heli, cujo piloto, mais experiente, conseguiu sair da zona do tornado.



Mais um pormenor da assistência, a que não faltou o Dr. João Cordeiro, Presidente da Associação Nacional de Farmácias (com o livro na mão, na fila atrás do casal Luís Graça e Alice), que gentilmente disponibilizou o espaço e instalações. Ainda na mesma fila, logo à direita, os nossos camaradas Carlos Silva e Humberto Reis


O jornalista e escritor António Valdemar, que iniciou a sessão do lançamento, a representante da editora, Guilhermina Gomes, o General Lemos Pires, o Embaixador da República da Guiné-Bissau e o Mário Beja Santos.



Encerrou a sessão o Sr. Embaixador da República da Guiné-Bissau, natural da Ponta do Inglês, no Xime, que deixou mensagens com significado: que o seu País está consciente que basta de guerras e conflitos; que as eleições em marcha têm decorrido sem incidentes; que lhe têm chegado, de participantes do Simpósio Internacional de Guileje, algumas propostas com interesse, nomeadamente a reconstrução de escolas e edifícios públicos; e, finalmente, que mais do que evocar tempos de conflitos, é importante levar à prática projectos de cooperação entre os dois Povos.
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Nota de vb: artigo relacionado em

11 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3435: O Tigre Vadio, o novo livro do nosso camarada Beja Santos (4): Pequena homenagem ao Tigre de Missirá (J. Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P3439: Falando sobre o seu amigo Gregório (António Santos)


1. Mensagem do nosso camarada António Santos, ex-Soldado do Pel Mort 4574, Nova Lamego, 1972/74, com data de 10 de Novembro de 2008

Saúde para todos.
Caros camaradas e amigos da tabanca.

No ultimo sábado, momentos depois do Carlos introduzir o poste em assunto na nossa tabanca, e porque eu estava online a escrever no meu blogue precisamente um texto em que relato que o Gregório vai à minha procura ao quartel novo, pois sabia da chegada dos periquitos, onde eu estava incluído mas, eu nem sequer pensava que ele estivesse naquelas paragens tão a Leste.

Precisei de dar uma espreitadela à tabanca, quando me deparo com esta notícia (*). Primeiro inundou-me uma grande alegria pois pensava ser o meu amigo a entrar em contacto, mas depois de ler, a maior tristeza com a perca deste amigo da adolescência.

Conhecemo-nos por volta dos treze anos e apesar de não estar em contacto com ele desde a Guiné, fiz varias diligências para o encontrar, mas tal não foi possível. Há vários anos, não me lembro de quantos, andava eu na labuta diária numa das ruas em Lisboa e pareceu-me ver o meu amigo a conduzir um autocarro da Carris. Foi tudo muito rápido e no meio da confusão do trânsito de Lisboa, fiquei perplexo pois se não era ele, seria um sósia, tal era a parecença. Passado algum tempo, (como a noção do tempo, agora é tão diferente da nossa adolescência), entrei em contacto com a Carris na Pontinha e foi-me dito que o seu nome não constava dos quadros da empresa!!! Por coincidência, um vizinho actual empregou-se há cerca de dois anos na mesma Carris. Claro que oencarreguei de tirar a limpo a situação mas, deram-lhe como resposta que a carris tinha mandado para a reforma a malta com 55 anos.

Que descanses em paz amigo.

Quanto ao pedido da filha do Gregório, infelizmente só posso ajudar com o envio de mais duas fotos tiradas na mesma altura em Nova Lamego, pelo que estas três fotos são o total que tenho em minha posse e curiosamente as únicas tiradas connosco e que chegaram até aos dias de hoje, (não digo o mesmo de tantas outras).

O porquê de só três? Porque o teu pai pertenceu a uma companhia de intervenção que parava pouco no mesmo local. Nas fotos aparece também o Graça, (hoje meu compadre), embora não conheças os locais, descrevo onde foram tiradas. A que já conheces do blogue é à porta do famoso cine Gabú, onde vimos alguns filmes. A do memorial, que se situava exactamente no meio do quartel velho que era a pensão onde ele morava na época e, finalmente a terceira, é dentro do quartel novo junto a uma caserna. Depois deste dia das fotos encontramo-nos varias vezes mas nunca estava o fotografo por perto. Quando foi para mais longe, só o via quando me visitava.

Carlos, se a filha do meu amigo estiver interessada nos meus contactos, estás à vontade.

PS: Aproveito o mail para enviar uma terceira foto minha que parece que é muito igual a de Farim.

Cumprimentos,
António Santos

Gabu > O trio de amigos no quartel velho

Gabu > O trio de amigos no quartel novo

António Santos junto ao momumento que assinala(va) o V Centenário da morte do Infante D.Henrique.

2. Comentário de CV

Infelizmente não temos o contacto da filha do nosso camarada Gaudêncio, pelo que fica a esperança de que ela nos leia e entre em contacto connosco. Tenho preparadas, para lhe enviar, as fotos que ficam neste poste, em tamanho ligeiramente maior.

Vamos aguardar o seu contacto. Caso queira o contacto do António Santos, será disponibilzado, segundo a sua vontade expressa.
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Nota de CV

(*) Vd. poste de 8 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3425: O Nosso Livro de Visitas (40): A.Gaudêncio, filha do nosso camarada Gregório Gil Gaudêncio

Guiné 63/74 - P3438: Histórias de Vitor Junqueira: (9): O Líbio e o alferes gazeteiro


1. Em 9 de Novembro de 2008, o nosso camarada Vitor Junqueira, Alf Mil Inf da CCAÇ 2753 - Os Barões - Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72, deixou este comentário no P3411:

Carlos,
Muito obrigado pelo teu esclarecimento.

E, sendo assim, prepara-te que aí vai aço! Quero dizer, ainda hoje vou alinhavar mais uma história - com agá e deixemo-nos de tretas -, que te enviarei para publicação, se achares que tem merecimento para tal.

Sabes Carlos, eu não consigo escrever nada em que não ponha um pouco da pessoa que eu sou. Por vezes, uma ponta de ironia ou o linguajar da minha infância, dão aos meus escritos um certo colorido que, ao relê-los (quando o faço), pergunto a mim próprio: Quem é que pode interessar-se por esta porcaria!? E zás, reciclagem com eles! Têm escapado aqueles que, a seguir ao impulso da escrita, seguem imediatamente para o correio. Nesse caso, não há recuo possível! Quanto aos temas, só tenho uma preocupação, a de que tenham subjacente a verdade.

Amigo Carlos, não respondas a este e-mail porque não é necessário. Estou a ouvir-te neste momento.

Até breve,
VJ

2. Caro Vitor, não te respondi, como querias, mas publicamente te digo que vales tanto pela tua coragem, honestidade intelectual, que a outra não é discutível, e franqueza, que só me ocorre dizer que te admiro por seres quem és e como és.

Não deites para o caixote aquilo que expontaneamente te sai pela ponta da caneta. Promete.

Aos restantes companheiros, não me canso de repetir que qualquer trabalho que venha de quem quer que seja, com a qualidade do Vitor ou parecido com aquilo que eu prórpio escrevo, menos boa, mas genuíno, é sempre bem-vindo e será publicado de certeza. Não se acanhem camaradas perante a qualidade de alguns prosadores e escrevam o que sentem e o que lhes vai na alma. Estamos aqui para receber e publicar as vossas histórias, mesmo sabendo que os seus autores jamais serão candidatos ao prémio Nobel da literatura.

3. No dia 10, recebemos do Vitor Junqueira esta reflexão sobre a época de Natal que se aproxima, seguida de duas curiosas histórias.

O Líbio e o Alferes gazeteiro…
Vitor Junqueira

Estimados amigos e camaradas,
Estamos quase chegados ao mês do Natal, como se diz por aqui e em muitos outros sítios. Por um lado é bom. Significa que estamos cá, com mais ou menos achaques completámos outra longa viagem de 365 dias em volta do sol, à velocidade de 29.784,2 Km/seg. Vamos entrar numa quadra que, além de festiva, todos dizem que é mágica, sem que ninguém saiba explicar exactamente porquê. É como o próprio tempo, sentimo-lo, mas quem é capaz de o definir? E como ele corre! Ainda ontem estávamos em fim de Festas e ei-las de novo à porta. Aí reside o por outro lado da questão; para os homens e mulheres da minha geração, torna-se cada vez mais pesado o sentimento de que no contador da vida, a cada Natal que passa, mais um ano é retirado ao nosso prazo de validade. Damos connosco a afirmar com toda a naturalidade: Para o ano, se eu cá estiver... É duro mas é assim mesmo e não há volta que se lhe possa dar. Quem correu, já não tem muito para caminhar.

O Natal toca-me, mexe comigo, como se diz nesta nova linguagem que todos andamos a aprender. Vêem-me à memória recordações de infância, tantas. Repousando ao ar do borralho, o alguidar das filhozes da minha mãe, confeccionadas com muita abóbora menina e açúcar, a tigela com o pão de ló bem batido, de onde eu fanava bocadinhos de massa na ponta do dedo enquanto ela untava a forma. O pirum bêbado, a desfazer-se na assadeira em leivas de carne, batatinhas novas a boiar na sua gordura olorosa. O presépio, construído com tabuinhas das caixas de sabão offenbach e musgo arrancado aos troncos das oliveiras. Até o Menino Jesus deitado nas palhinhas era bem mais simpático do que um empregado Seu que para aí anda, a quem chamam Pai Natal. Empanturra os putos com consolas e telemóveis que eles já têm, Barbies, skates, BTT’s e mais uma montanha de lixo. Coisas pelas quais perdem todo o interesse, mal acabam de as desempacotar. Pode-se dizer que hoje em dia, o êxtase da criançada dura aqueles poucos instantes que levam a abrir os presentes. É o preço a pagar por vivermos numa sociedade consumista. O meu Menino Jesus porém, era bruxo, adivinhava sempre o que eu queria. Tanto me contentava com uma bola, como recebia com enorme excitação, uma caneta de tinta permanente, uma mala nova para os livros ou umas reluzentes botas de ensebar com orelha e rasto de pneu. E a dose de felicidade era tamanha que durava o ano inteiro.

Foram Natais bem mais felizes, os da minha meninice. Como numa conta de somar, junto-lhes a lembrança daqueles que vivi com os meus filhos quando eram pequenos. Quantas saudades, chega a doer! Hoje, depois de tanto peido de cigano e cornadas da vida, é-me cada vez mais difícil libertar a tal criança que supostamente nos acompanha do nascimento até à cova. O Natal já não tem força para me aquecer a alma, talvez a amorne. Entre a excitação e uma espécie de melancolia pegajosa difícil de sacudir, fico apenas contente, é quanto me basta. Evoco memórias de familiares e amigos que já lá vão, dos camaradas dos tempos de emigrante e da tropa. Em breve chegarão à minha caixa do correio os postais da praxe. Eu não escrevo, prefiro o telefone. Mas não para mandar aquelas mensagens predefinidas, idiotas. Uma praga para uns, uma mina para as operadoras. Na noite de consoada, recebo e faço meia dúzia de telefonemas. Gosto de ouvir a voz dos amigos que o são de verdade, sem motivo nem explicação. Daquele amigo em particular que, em dado momento, nos caiu no goto e, passada uma eternidade, continuamos a achar que só por capricho do destino não é nosso irmão de sangue.

Tenho um amigo assim, o alferes Quintas, gazeteiro encartado, o maior que passou pelo exército português, zeloso quanto ao bom estado de conservação da primeira camisa que a mãe lhe deu, contestatário militante, exímio jogador de King, lerpa, sete e meio e montinho, discípulo de Bacco, amparo de solteiras, viúvas, divorciadas e mal casadas.

Mas, permitam-me que antes vos fale de outro amigo e colega (de escola), Kahled o Líbio.

Estava eu a iniciar o primeiro ano do curso superior de pilotagem da Escola Náutica e tendo as aulas começado havia umas duas semanas, aparece na turma um matulão de vinte e poucos anos a falar com sotaque fortemente abrasileirado. Cabelo curto e ligeira carapinha, tez de um moreno carregado e dentes resplandecentes, parecia o Omar Sharif dos velhos tempos. A sua simplicidade, o olhar franco e leal, conquistaram de imediato o resto da turma. Muçulmano fervoroso, frequentava as aulas com assiduidade e nos intervalos, falava-nos da família, dos lugares por onde passara e dos amigos que lá ficaram. O pai tinha desempenhado as funções de Adido Comercial da Líbia no Brasil, nos últimos nove anos, até à sua recente transferência para Lisboa. Tinha dois irmãos, o Sam um pouco mais novo, que enveredou pelo curso de máquinas marítimas e um outro, ainda chavalo com cerca de doze anos de quem não recordo o nome. Relativamente aos costumes, o Kahled era exemplar. Único vício patente: o do tabaquito. Não dizia palavrões, não bebia álcool nem comia carne de porco. Quanto a sexo, seguia à risca os ditames da sua religião. Porque segundo os mandamentos, sexo era uma coisa muito séria e a pila, não era propriamente uma chouriça que se pendurasse em qualquer fumeiro. Estávamos no mês de Outubro. Pois bem, antes do Natal, já o Kahled tratava pelo nome as putas todas do Bairro Alto, comia lentriscas grelhadas acompanhadas com Reguengos e iniciava as suas incursões predadoras pela margem sul, por tudo quanto era bas-fonds onde cheirasse a bichana. Da nacional, porque na altura ainda não se consumia chicha do leste ou sul americana! Não raras vezes, utilizava nesta incursões a viatura CD, onde se fazia transportar com os comparsas para além das galdérias e muito álcool. O que pode explicar nunca terem ido todos parar à choldra. Ou seja, aquilo que os liberais brasileiros não almejaram em nove anos, o tresmalhe de uma boa ovelha, os portugas conseguiram em poucas semanas. Claro que, com o andar desta carruagem, outra coisa não se poderia esperar que não fosse o completo desinteresse pelo curso. Faltas às aulas, as manhãs na choça a curtir a ressaca das noitadas e as tardes passadas a preparar a caldeira para a soiré, acarretaram chumbo atrás de chumbo. O Kahled nunca mais passou do 1.º ano. Um dia de finais de Julho, tendo eu concluído o curso, dirigi-me à escola a fim de tratar da documentação para o meu primeiro embarque. Encontro o Líbio no bar a despejar umas bejecas para cima de um lastro à base de amendoins bem torradinhos.

- Ora viva, Kahled! Estás bom, meu? O que é que estás aqui a fazer?

- Ói cara, tudo jóia. E você?

- Numa boa. Vim pedir a certidão para a capitania. Mas ainda não me disseste porque é que não estás a gozar umas merecidas férias!?

- Fiz hoje o exame de Márinhária – a disciplina mais acessível do curso –. Assim já vou podê mi mátriculár no segundo ano!

- Oh pá, parabéns. Então e a nota, já saiu?

- Saiu não, mas mi correu muito bem, estou contando com uma boa nota.

Uns dias depois volto à Escola para levantar a certidão. Passo pelo bar e encontro o Khaled nos mesmos preparos.

- Olá, companheiro! Tratando da matrícula

- Não, não. Chumbei.

- Não passaste???

- Nããão, o cara mi fodeu!!!

Nota: O “cara” era o comandante Marques da Silva, o mais estimado e justo professor daquela escola. Foi durante mais de trinta anos capitão da pesca do bacalhau tendo comandado algumas das velhas glórias nacionais nas suas derradeiras deslocações à Terra Nova, enquanto navios pesqueiros à vela.

O José Manuel Coutinho Quintas, era um dos alferes de uma companhia a banhos na zona de Bula. Natural de uma aldeia próxima de Barcelos, já era casado e pai de um filho ou dois quando foi bater com os costados na Guiné. Baixote, vivaço, simpático, era o protótipo do bom malandro. Tinha um defeito, estava sempre no contra, pelo menos no princípio. Esperto que nem um rato de celeiro, não tinha dificuldade em enfileirar argumentos para justificar a sua pouca ou nula adesão à causa. Porque a sua mãe não o tinha criado para ir morrer em África, porque aquele país era deles e nós não passávamos de reles ocupantes, à força etc., etc. Possuía retórica extensa, fecunda, e não via com bons olhos aqueles que não comungavam do seu ponto de vista. As críticas e aleivosias que tive que aturar àquele desgraçado!

Fiel aos seus princípios, decidiu em dada ocasião em que estava escalado para uma segurança nocturna nas imediações do quartel em Bula, que o seu sangue, nessa noite, não seria pasto para mosquitos. E vai daí, deu parte de doente. Ficou no quarto e ordenou ao impedido que fosse à messe de oficiais aviar o tratamento adequado à sua situação clínica: uma bifana no pão, uma sandocha mista de queijo e fiambre e duas cervejolas! O coronel não sei quantos, com todo o respeito, chefe daquela guerra, entra no bar e topa o soldado junto ao Balcão.

- O que é que o nosso pronto está aqui a fazer?

O soldado, coitado, todo tremeliques, não sabendo o que fazer com o taleigo onde levava a medicação, responde:

- Meu comandante, eu estou aqui por mandado do nosso alferes Quintas.

- ????

- Então mas não é o pelotão do alferes Quintas que está escalado para ir emboscar?

- Era, meu comandante. Era, mas o nosso alferes está doente.

Ao coronel não passou despercebida a volumosa receita acabada de aviar. Vira-se para o médico que ao fundo da sala seguia a conversa enquanto se batia estoicamente com um interminável crapaud e dá a seguinte ordem:

-Ó Dr, vá lá ao quarto do nosso alferes, veja o que é que ele tem e apresente-me um relatório.

O médico, por mais camarada que desejasse ser, não pôde senão atestar em letra de relatório a saúde de cavalo de que gozava o alfero.

Processo disciplinar em cima e, catrapus, dez dias trancadito no quarto findos os quais, o Quintas recebe guia de marcha e vai de vela até ao K3.

Travámos conhecimento num fim de tarde em que regressava do mato. Roto de cansaço, negro da fuligem do capim e das tabancas a arder, farto de tiros e tiras, avisto-o junto ao quarto dos alferes, à paisana, envergando calções e uma imaculada T-shirt branca. Com um pé em cima de um mocho acompanhava-se à viola, cantando qualquer coisa que soava assim:

Oh when the sens
Oh when the sens
Oh when the sens, oh ma-tchi-ni


- Quem é o artista? Perguntei ao portalegrense 1.º sargento Leão, Leanito para os amigos, já falecido, que me esclareceu.

Na semana seguinte, fomos ambos fazer uma operação. A coisa esteve preta! À chegada, atira-se para o chão à frente da porta da secretaria e diz:

- Oh Junqueira, tu és louco, pá!

Foram cócegas para o meu ego e, o início de uma amizade tão forte quanto improvável.

O Quintas vive na Suiça onde depois de vinte anos a trabalhar na Swatch, se tornou proprietário e gerente do melhor restaurante da região. Veio visitar-me este verão, como faz sempre que vem a Portugal. É um daqueles manos com quem contacto na noite da consoada.

Quando lá forem, batam ao ferrolho e digam que vão da minha parte. Vão conhecer o significado da palavra hospitalidade em Quintanês.

Aqui vai o endereço:

Zé Manel Quintas,
Restaurant Griland
Route Cantonale, 26
1964 Conthey

Obs: Isto fica em Sion a cerca de 150 Km de Genève.

Já agora, toparam a ligação entre estes dois retalhos de vida?
Cá para mim, acho que ambos si foderam!

Espero que tenham apreciado, até breve
VJ

OBS:-Itálicos e negritos da responsabilidade do editor
____________________

Nota de CV

(1) Vd. postes da série de:

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1083: Histórias de Vitor Junqueira (1): Os Barões da açoriana CCAÇ 2753 (Madina Fula, Bironque, K3, 1970/72)
e
Guiné 63/74 - P1084: Histórias de Vitor Junqueira (2): O guerrilheiro desconhecido que foi 'capturado' no K3 por um básico da CCAÇ 2753

23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Histórias de Vitor Junqueira (3): Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoriana CCAÇ 2753 pela região de Farim

27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74: P1215: Histórias de Vitor Junqueira (4): Irmãos de sangue, suor e lágrimas

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1224: Histórias de Vitor Junqueira (5): Não ao politicamente correcto

5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1403: Histórias de Vitor Junqueira (6): A açoriana CCAÇ 2753: uma família, uma unidade feita à medida

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1567: Histórias de Vitor Junqueira (8): Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753

(2) Vd. poste da última participação do Vitor Junqueira no nosso Blogue com data de 5 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3411: O meu baptismo de fogo (22): A minha primeira vez... (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P3437: O meu enquadramento sócio-político-financeiro, religioso e académico na Guerra do Ultramar (I). António Matos.

Também fomos meninos.
Os nossos tempos antes da mobilização.




O menino que queria ser professor de ginática

Em 1961, altura das primeiras levas de soldados para o ultramar, eu vivia no Porto e frequentava o liceu Alexandre Herculano.
Fiz lá o meu 1º ano, o 2º e o primeiro período do 3º.
Não terminei lá esse 3º ano pois o meu Pai, secretário de finanças, fora transferido para Barcelos fixando residência na Póvoa de Varzim por força da existência do liceu.
Aí continuei até ao 5º ano...
Nova transferência e, de trouxas às costas, lá nos mudámos novamente, agora para Guimarães.
Não nos ficámos por aí, mas para efeito desta narrativa é já o suficiente.
Claro que o Porto não aparece de geração espontânea! Já vínhamos de Amarante, que antes tinha sido Esposende, e antes Tabuaço, e antes...já não me lembro.
Pois bem, situemo-nos no Porto, então.
Morávamos na Rua Pinto Bessa paredes-meias com Campanhã.
Dessa estação de caminho de ferro partiam comboios atolados de militares e várias vezes nos dirigíamos lá para os ver.
Pessoalmente não tinha noção do que aquilo se tratava embora soubesse que havia uma guerra.
Ainda nesses anos de Porto houve uma 1ª exposição fotográfica sobre os horrores dessa guerra onde eram mostrados corpos mutilados a golpes de catana e outras cenas macabras.
A ela não tive acesso, julgo que por ser criança.
Certo dia, lembro-me, ouvi uma conversa entre o meu saudoso Pai e um qualquer amigo, à soleira da porta, num dia de domingo de muito calor, em que o Pai dizia:.... do mal, o menos, pelo menos esta guerra não será para os nossos filhos pois são muitos novos...
Hoje, com a idade que tenho, sou amiudadas vezes assaltado pelo sentimento de pena pelo sofrimento que eles e todos os pais tiveram enquanto durou a expectativa dilacerante de ter os filhos numa guerra!
No nosso caso (havia-os bem piores) parecíamos os irmãos Ryan!!! Éramos 2 ao mesmo tempo a bater com os costados no ultramar; o mais velho em Angola e eu na Guiné. Enfim...
Naquela altura, no Porto, as minhas preocupações de criança eram outras.
Excelente nos estudos (mais tarde transformei-me em burro), tinha na componente desportiva, o meu objectivo final.
Inscrito na ginástica do Futebol Club do Porto (que me perdoem os tertulianos benfiquistas, sportinguistas e os outros, mas o FCP é uma nação, não é?) pertencia à classe pré-aplicada superiormente ministrada pelo Professor Puga.
A paixão por essa disciplina tem sido uma constante na minha vida ainda que por vicissitudes várias, não só a não tivesse continuado como, inclusivamente, ia "espreitando" outras modalidades às quais aderia de forma automática.
Daí que pratiquei muito judo, muito karaté, hóquei, ciclismo, natação, futebol e finalmente, quando o desporto sentado me seduziu, dediquei-me ao karting que ainda hoje pratico com afinco paralelamente a 1 hora diária de ginásio para não deixar entorpecer as pernas por completo.
Mas voltemos a recuar ao tempos de jovem...
Pertencia a uma família pequeno-burguesa tradicional, conservadora no paradigma mas muito liberal na prática onde a tradição ainda mandava que nos juntássemos todos ao mesmo tempo à mesa para as refeições (hoje não é bem assim, pois não?) e onde os luxos se resumiam às férias que passávamos sistematicamente no Algarve (a minha saudosíssima Mãe era de Silves) durante todo o verão e à mesa farta de que desfrutávamos com a habilidade nata que possuía.

Aliás, a vida de "saltimbancos" a que a profissão do Pai nos impunha, levava a que a Mãe se especializasse nas tradições gastronómicas das diversas regiões o que me apraz relembrar os célebres pratos de domingo os quais, ao longo dos tempos foram mudando mas que eram as Tripas à Moda do Porto, os Arroz de Cabidela, os Rojões, a Lampreia à Bordalesa, o Cozinho à Portuguesa, etc., etc., etc.
Sinal dos tempos, hoje, ficamo-nos pelo chá e torradas para não irmos demasiado pesados para a cama...
Éramos uma família católica praticante.
Missa todos os domingos, comunhão assídua, preceitos religiosos do conhecimento de todos.
O conceito de solidariedade, recordo, estava muito enraizado nos nossos pais. A visita a hospitais e a amigos que estivessem doentes era uma constante.
Politicamente, não éramos entendidos e talvez por isso não sentíssemos a sua necessidade.
Tínhamos outras preocupações. Naquela altura eram os estudos e o facto de eu pertencer sistematicamente ao Quadro de Honra (um belo incentivo da época) levava-me a encará-los à séria.
Perante bons resultados, íamos passear até à estação dos comboios! Fantástico!
Não tínhamos carro nem viríamos a ter tão cedo!
Os avós paternos, em Vila Real, levavam-nos a Trás-os-Montes com grande assiduidade e essas viagens eram memoráveis!
Regra geral eram feitas de camioneta e as célebres curvas do Marão faziam-nos passar aquelas 2 ou 3 horas de viagem em constantes vomitadelas que quando chegávamos, parecíamos paus de virar tripas!
Eram tempo em que ainda se tomavam purgas! Era famosa a de óleo de rícino!!! BAAAHHHH!!!!!
E os estudos continuavam...
Por razões várias, o entusiasmo dos primeiros tempos ia-se esfumando e o prazer das récitas criavam em mim um fascínio extraordinário.
Foi uma altura em que repensei os meus objectivos pois a atracção pelo teatro era evidente.
Não o quis o destino (destino? o que é isso?) e, contra todas as expectativas daquele Pai que uns dias antes respirava fundo porque aquela guerra não era para os seus filhos, via-se agora privado da presença de dois deles.

É nesta realidade muito pouco ou nada ficcionada que me dou conta que também estou num sítio onde tenho prioritariamente que defender o corpo e ajudar todos aqueles que me foram confiados a fazê-lo também.
Vejo-me na necessidade de entrar na verdadeira intimidade com alguns deles que, fruto do seu analfabetismo, me pediam para lhes escrever os aerogramas para as namoradas e depois ler as respostas....
Vejo-me na necessidade de acalentar os sonhos de todos aqueles (eu levei uma Companhia de Açorianos) que só pensavam em acabar a tropa para irem para o Canadá e pr'América...
Vejo-me na necessidade de fazer o papel do forte para não decepcionar o soldado que via no alferes a salvação da pátria....
Vejo-me na necessidade de aceitar a candidatura dum soldado a guarda-costas do alferes porque isso era importante para ele...
Vejo-me na necessidade de chorar como os outros....
De rir, apesar de tudo......
De perceber o meu papel naquela guerra, e que me desculpem os puristas, mas nunca o percebi!
Nunca tive a ideia de que estava a defender uma pátria!
Tive, isso sim, a ideia, persistente, de que à primeira distracção me enfiavam um tiro entre os olhos!
Tinha, por isso mesmo, a fé inabalável de que não o iriam conseguir e que tudo faria para inverter a situação!
Vejo-me, porém, corroído por dentro com a questão das minas!
Achava aquilo desumano e estúpido mas não era motivado por sentimentos de objector de consciência o que me levava a encarneirar como os outros....
Vi o "Nino" Vieira a passar-me nas barbas e a impotência pela falta de poder de fogo a falar mais alto!!!!!
Vi um futuro homem do 25 de Abril a entrar triunfante em Bula a toques de buzina de pópó, pópópó porque trazia um indígena (guerrilheiro?) sem uma perna!!!!!!!
PORRA! Vi demais para ficar com um ódio imenso à realidade bélica e tentar não pensar muito naqueles tempos.

Considero, no entanto, muito útil que venhamos aqui fazer os nossos relatos (ainda que acordemos alguns monstros que nos torturaram) para que um dia não apareça um caramelo que desvalorize tudo isto à semelhança daqueles que negam a existência do holocausto....

Já chega por hoje.

António Matos

ex-Alf Mil CCAÇ 2790

Bula, 1970/72
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Notas
:

1. Sublinhados e títulos do editor

2. Artigos do Autor em