quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3520: Bibliografia de uma guerra (38): Tempo Africano, de M. Barão da Cunha. (Beja Santos).

"O livro "Tempo Africano" merece ser lido e meditado"

Mário Beja Santos




Tempo Africano
Manuel Barão da Cunha
il. Neves e Sousa.
Didáctica, 1971
174 p.


Trabalhei de 1983 a 1985 com o Dr. Manuel Barão da Cunha, no Gabinete da Defesa do Consumidor. Ele era Deficiente das Forças Armadas, estava na reforma, iniciara uma nova carreira na Administração Pública. A guerra da Guiné era para mim muito difusa, muito mais distante do que próxima, mesmo com os meus soldados feridos ou vindos para Portugal, após a independência. Nessa altura, escrevi no Jornal de Notícias o "SPM 3778" e prosa solta no Diário de Lisboa e na Liber 25. Ele ofereceu-me dois livros "Radiografia Militar" e "Aquelas longas horas", tudo escrito a quente, em conjunturas distintas.
Recebi o convite para ir no passado sábado, 22 de Novembro, à Galeria Municipal Verney, em Oeiras, assistir ao lançamento de "Tempo Africano", editado pela Câmara Municipal de Oeiras, com prefácio de João Aguiar.
Casa cheia, com muitos Meninos da Luz, camaradas militares do autor, admiradores de Oeiras e arredores, como eu. Ambiente de comoção, até por está patente uma bela exposição de pintura de Neves e Sousa, com motivos alusivos à guerra que travámos em África, algumas ilustrações aparecem no livro.
"Tempo Africano" é uma revisitação ao que Barão da Cunha já redigira entre 1974 e 1975, entre memórias e artigos publicados.
Segue-se a recensão, Manuel Barão da Cunha foi dos primeiros a escrever sobre a Guiné, ele combateu ali de 1964 a 1965.
Um abraço do
Mário Beja Santos



A obra aparece dividida em andamentos, momentos cronológicos estruturados em diálogos entre um veterano da guerra e um jovem sedento de curiosidade, pronto a perceber a experiências vividas pelo primeiro.
Pedro Cid vai ser o alter-ego de Barão da Cunha. Tudo começa em Angola, em Janeiro de 1960, Pedro é um Dragão irá comandar mancebos naturais ou residentes em Angola. Descreve a Francisco a vida em Luanda, recorda todos os outros camaradas, Pedro viveu os acontecimentos de Fevereiro de 1961, com os ataques a Luanda e periferia. Ele foi um observador privilegiado, irá a Nambuangongo com os seus Dragões, cumprirá outras dolorosas missões, vamos ouvi-lo exaltar o comportamento de muitos dos seus soldados. Tem 23 anos, é um jovem alferes que participa no contra-ataque na região dos Dembos. Lutou-se com espingardas Mauser, com poucas viaturas em sem rádios. O jovem alferes vê aqueles naturais, brancos, mestiços e pretos, a combater com denodo, sente a ligação entre os militares e o terrunho.

Regressa a Portugal, trabalha em Lamego nas operações especiais, em 1964 parte para a Guiné na Companhia de Cavalaria 704. Primeiro na intervenção à volta de Bissau, o PAIGC já está muito activo, procura a destabilização na península.
Seguem-se as grandes operações: ias das ao Morés, o dispositivo de dissuasão de um dos maiores santuários do PAIGC já está montado, Barão da Cunha participa numa operação com cerca de 80 horas e temos aqui páginas vigorosas dos combates travados.
Um exemplo:
“Nessa noite seriam eles a atacar. Aproveitaram um violento tornado e, ... os soldados enterrados na lama; a arma apoiada na terra molhada; o camuflado pegado ao corpo a água a cair do capacete e a entrar pelo pescoço, escorrendo, lenta e friamente, costas abaixo; os homens cegos pela chuva, pelo cansaço; surdos pelos tiros, pelas explosões; sem saberem uns dos outros, sem se ouvirem; os rádios sem falarem que não havia mãos de sobra para os gatilhos; e eles a avançarem, na escuridão da noite, através de lençóis de água. Parecia que o céu se tinha aberto que enviava sobre nós toneladas de água, toneladas de metralha, toneladas de inimigos. Onde um caía, apareciam logo 2 ou 3. Nasciam da noite, negros como ela. E balas traçavam a escuridão. Os elementos e os inimigos em fúria abatiam-se sobre nós. Os soldados choravam e praguejavam. Também havia que rezasse. As mãos premiam gatilhos, mudavam carregadores, lançavam granadas.
De repente, um very-light vermelho riscou a noite. E como tinham vindo, desapareceram: o tornado e o inimigo. Um silêncio pesado permaneceu, na mata, nos abrigos e nos cérebros dos soldados”.

Barão da Cunha não esconde a admiração pelos diferentes protagonistas: o apoio incansável da aviação, a presença do capelão, de soldados da sua companhia, de milícias que com ele combateram na região de Bajocunda, quando a sua companhia passar para quadricula, no Leste, onde, entretanto, se começa a dar a desarticulação do território devido à ofensiva do PAIGC.

A personagem “Mamadu” evidencia o espírito de lealdade dos fulas com os portugueses. Depois é o regresso, é a exaltação daqueles jovens que se transformaram em jovens, o sentido do dever cumprido.
Pedro Cid irá voltar a Angola entre 1969 e 1971, será outra experiência que marcará profundamente no seu tempo africano.
A vários títulos, “Tempo Africano” merece ser lido e meditado. É o itinerário de um oficial do quadro permanente que começa como alferes em Angola, vive os acontecimentos de 1961, combate na Guiné e regressa a Angola. Procura ser sincero na captação do heroísmo e tenacidade dos combatentes angolanos, não esconde a pujança do PAIGC em 1964 e o modo como desarticulou a vida económica e social daquela região, “a mais antiga colónia do mundo moderno”.
Toda a sua reflexão irá repercutir-se no que escreveu sobre a génese e a vivência do 25 de Abril. “Tempo Africano” é um primeiro depoimento, agora depurado por muitos acontecimentos datados que amareleceram ou definharam. É uma memória do que aconteceu há quase 50 anos, mantém-se a constância do olhar e a passagem do testemunho para as novas gerações.
__________
Notas de vb:
1. Artigos da série em
2. E do Mário Beja Santos em

Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, com data de ontem, 25 de Novembro de 2008:

Amigão,

Aí vai estória! (*)

Embora seja preguiçoso,  não terei qualquer problema em escrever cinquenta ou mais.

A História da minha vida está recheada de estórias e as da Guiné constituem um Capítulo. Tenho sido sempre um contador de estórias e que o digam os alunos e principalmente as alunas. Estórias do Tribunal, estórias dos Clientes, estórias do Ensino, estórias da Guiné..!... 


Estórias... Aliás, a maior parte das que mandei para o Blogue, já as havia contado. Agora só as passo a escrito.

Lembro-me que, em 1995, o meu filho me obrigou a concorrer ao Concurso "Quem conta um conto..." da RTP 2, que ganhei e que para a prova de selecção enviei a triste estória de um regressado da Guiné.

Escrever para o Blogue implica porém um redobrado cuidado para não ferir susceptibilidades nem motivar estéreis polémicas... Muitos dos intervenientes das estórias que conto oralmente já morreram, alguns foram fuzilados e outros surgem aí, agora retratados como modelos de competência, sabedoria, bondade, integridade...


Por exemplo, o nosso Major Eléctrico, hoje um simpático velhinho... Se fosse possível perguntar aos meus soldados africanos a causa do acidente que sofreu, todos responderiam que foi um valente feitiço deitado pelo Nanque, após uma visita a Fá, na qual tratou muito mal o Alfero...

Claro que podia escrever sobre essa visita e a consequente sessão de "mau olhado", concorrida e muito aplaudida...

Mas valerá a pena? Até onde será permitido levar o meu corrosivo sentido de humor, sem ofender a memória dos mortos e a consideração dos vivos?

Desculpa o desabafo!

Como sempre um Grande, Grande Abraço, extensivo aos Amigos Co-Editores, Briote e Vinhal.

Jorge Cabral





Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > As voltinhas do Geba Estreito... tinham alguma analogia com o sono do Alfero...

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.


2. Estórias cabralianas (42) > As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa

Texto e foto (de cima): © Jorge Cabral (2008). Todos os direitos reservados.


Eram calmas as noites do Alfero? Deviam ser, pois assim que pôs os pés em Missirá, cessou imediatamente a actividade operacional dos seus vizinhos de Madina. Chegou-se a pensar que o Comandante Corca Só (**) entrara em greve, mas no Batalhão [, BART 2917,] acreditava-se num oculto mérito do Cabral. Aliás, estando ainda em Fá e esperando-se um ataque a Finete, o Magalhães Filipe [, ten cor, cmdt do BART 2917,] para aí o mandou, sozinho, reforçar o Pelotão de Milícias. Lá passou oito dias, dormindo na varanda do Bacari Soncó, que o alimentou a ovos cozidos...

Perante tal reforço, os Turras não se atreveram... Eram Amigos do Cabral ou temiam-no?

Em Bambadinca, as opiniões dividiam-se, correndo de boca em boca diversos episódios. Que perseguira os Turras pela Bolanha gritando "Não tenham medo, sou o Cabral”. Que lhes ofereceu arroz em troca de um porco. Que estivera com eles bebendo num Choro Balanta, em Mero...

Mentiras? Sei lá! Não faço História. Conto estórias...

Mas sendo Missirá agora um oásis de Paz, porque é que o Alfero dormia mal as noites e era obrigado a recuperar de dia, com prolongadas sestas? De uma dessas noites lembra-se bem o narrador,  até pelo inusitado desfecho...

O jantar fora pé de porco com esparguete, pois estavam reduzidos às conservas e, devido à avaria simultânea do Unimog e do Sintex, faltava quase tudo, até batatas.

O Alfero enjoara e só comia Pão. Pão com whisky, claro... A carência absoluta não tinha tirado a alegria e o serão decorrera animado. Só muito tarde recolheu ao abrigo – condomínio, onde morava, mais três famílias, com mulheres e crianças. Entrou, meteu-se debaixo do mosquiteiro e preparava-se para iniciar o sonho que programara – Santo António em Alfama.(Acreditem ou não o Alfero aprendera a programar os sonhos).

Porém ainda não passara a Sé e a noite prometia, batem à porta. É o Guilherme com uma Mensagem. Decifra? Não decifra? Mais de noventa por cento não interessavam nada... Resolve decifrar... "Info não sei quantos blá, blá, blá, Comandante Gazela... a norte rio, etc., etc.” Querem que eu saia?

Então, e o meu sonho? Não, não me mandam sair! Bissau informa o Agrupamento, este, o Batalhão que informa o Alfero, que se informa a si próprio...

Volta ao sonho, são quase duas horas e já cheira a sardinhas, mais uma vez alguém à porta. O Milícia Cherno vem pedir, calculem, um livro da terceira classe.

A esta hora? Lá o despacha e regressa a Alfama. Emborca o primeiro copo e, zás, ao fundo do abrigo começa a algazarra.
– Alfero! Alfero! - É a Binta que grita.

O soldado Daíro, seu marido, está a bater-lhe! E lá vai o Alfero:
– Não podias guardar para amanhã?

Acalmados os ânimos, pensa o Alfero poder saborear ao menos uma sardinha e continuar o sonho. Mas não, pouco tempo depois, assoma o Demba. Quer patacão. De Tombali chegou o seu Paizinho.

Desiste de sonhar! O sol está a nascer. O galo que aqui reside já cantou! E mais uma vez, batem à porta. Quem é?
–  Sou eu, ó meu Alferes – responde o cozinheiro.– É para saber o que faço para o almoço.
–  Faz piças fritas! Piças fritas, ouviste! E olha que as quero bem tostadas!

Atarantado, desapareceu num ápice o cozinheiro...

Descansem as almas mais sensíveis... O almoço foi... pé de porco, mas com arroz.

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Estórias cabralianas > 13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

"De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho.

"A noite de véspera do meu regresso foi lá passada. Que melhor despedida podia eu, então, ter programado?"(...).



(**) Vd. poste de 22 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2294: De Madina para Missirá... com amor: a mina da despedida (Luís Graça / Humberto Reis / Beja Santos)


(...) "Na véspera de sair do destacamento de Missirá, com os seus homens do Pel Caç Nat 52 – para ser colocado em Bambadinca, sede do BCAÇ 2852 (1968/70) – o Alf Mil Mário Beja Santos é vítima de uma mina anticarro, no percurso de regresso a casa, na estrada Finete-Missirá, perto de Canturé... Ele e mais duas secções...

"Não foi às cinco na tarde, como no trágico poema de Garcia Lorca (...), mas já ao anoitecer, no Cuor, a norte do Rio Geba, na Guiné, às 18h, do dia 16 de Outubro de 1969...

"Diz a lenda que a mina era para o Beja Santos e trazia um bilhete do Corco Só, o comandante da base do PAIGC em Madina/Belel... Nunca ninguém leu o alegado bilhete, pregado numa árvore e que se terá volatizado... Mas se o Corca Só fosse um verdadeiro cavalheiro e conhecesse os romances e/ou os filmes da série James Bond - o que era de todo improvável - teria escrito, ao melhor estilo da luta de libertação, o seguinte bilhete: De Madina para Missirá... com amor .(...)"

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3518: História de vida (18): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70); hoje cor ref, DFA



Meia evacuação, ou... uma grande salganhada


Hugo Guerra
ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), hoje Coronel, DFA, na reforma


Às tantas. Até nisto fui exagerado. Fui evacuado por duas vezes e meia.

A meia evacuação

E tenho que começar pela meia evacuação para se perceber como aconteceram as outras duas. Foi assim:


Em Julho de 1969, já eu estava na Chamarra, fora, portanto de Gandembel e Ponte Balana, quando vim de férias à Metrópole. Tinha 24 anos, acabados de fazer, e já tinha dois filhos.

Mal acabei de regressar a Aldeia Formosa/Chamarra recebi uma carta da minha mulher, que teve o efeito duma mina anti-pessoal. Dizia-me ela que tinha encontrado o amor da sua vida e que ia viver com ele para Moçambique, pois fora mobilizado para uma comissão naquele Serviço que fazia os filmes, das festarolas que aconteciam em Angola e Moçambique, onde vim a trabalhar mais tarde.

Isto não me podia estar a acontecer e ainda hoje culpo estes acontecimentos de tudo o que vem a seguir.

Como não podia ficar parado a assistir de longe a este percalço, meti-me a caminho e fui falar com o General Spínola, pedi-lhe 8 dias para voltar a Lisboa e esclarecer aquele pesadelo, e que de imediato me foram concedidos.

A minha ligação de amizade com os Páras e o Coronel Diogo Neto, a quem pedi uma boleia no 1º avião que saísse de Bissau, colocou-me em Lisboa na noite seguinte.

Esclarecida a situação, para mim completamente surrealista, pois mais parecia estar a viver um pesadelo, fui às Urgências do HMP [Hospital Militar Principal, à Estrela] em desespero de causa, mas com a ideia que tinha duas coisas a fazer: (i) Cumprir o que tinha prometido ao General Spínola; e (ii) fugir de tudo isto - os meus 24 anos e a época em que vivíamos, não eram compatíveis com a visão marialva da vida que tinha levado até então.

Fui muito bem atendido no HMP e drogaram-me o suficiente para chegar a Bissau, como era meu desejo. Podia ter acabado ali a minha comissão mas o orgulho ferido e a vergonha eram muito fortes e pensava que o melhor era pôr a distância entre mim e toda esta porcaria.

Lá embarquei num avião militar que fez escala em Cabo Verde e, como ia cheio de comprimidos, adormeci profundamente num banco de madeira que por lá havia e esqueceram-se de me acordar.

Só passado mais de meia hora deram comigo e lá segui, com uma carta do HMP para baixar de imediato ao HM 241, à Psiquiatria. 18 de Julho de 1969. Como o percurso foi ao contrário chamo-lhe meia evacuação.

Vamos à seguinte

Na Psiquiatria em Bissau vi os apanhados do cacimbo e outros que se faziam a isso.
Não era bonito de ver essa golpada, quando mesmo ao lado tínhamos verdadeiros heróis, todos esfarrapados e já com peças a menos, que só eram evacuados se houvesse a certeza que não morriam pelo caminho; eu estive lá a estabilizar e como queria regressar ao meu pelotão, o Pel Caç Nat 55, os médicos devem ter percebido que eu já não batia certo e despacharam-me mesmo para Lisboa.

Passados dias vim então, evacuado para a Psiquiatria do HMP.

Na Psiquiatria onde fiquei internado em camarata, pois claro, com janela virada para o Jardim da Estrela onde as moto-serras começavam o seu chinfrim às horas em que conseguia adormecer (durante a noite os pesadelos eram mais que muitos), dizia eu, na Psiquiatria, éramos atendidos por Psiquiatras novatos, muito junto uns as outros, de modo que uma consulta era muitas vezes partilhadas com os vizinhos do lado.

Acho que a medicação também devia ser standard , o que nos fazia parecer um bando de doidinhos.

Cansado disto e porque mais uma vez me encontrava em Lisboa onde me sentia altamente traumatizado e desconfortável, pedi para tratar-me em ambulatório, gozei uns dias de férias no Algarve e, ainda sem os 12 meses cumpridos, pedi outra vez que dessem alta e mandassem de volta à Guerra.

Fui a uma Junta Médica e consideraram que eu estava no meu melhor e apto... para todo o serviço militar. Mais tarde e, na sequência deste filme, a doença foi considerada como adquirida em Serviço de Campanha.

Ter ou não 12 meses cumpridos em zona de 100% era importante por ser norma, não sei se escrita, que o pessoal nessas condições fazia o resto da Comissão em Portugal. Nem disso quis saber...

E só regressei a Bissau depois do Ano Novo, 1970, Janeiro, porque as meninas do Depósito Geral de Adidos, com peninha de mim foram escamoteando o meu regresso até passar as Festas Natalícias.

Terceira e última

Cheguei a Bissau em Janeiro, salvo erro a 18, e queriam ficar comigo na cidade. Bati o pé, fiz birra e lá marchei para S. Domingos, zona calma onde os periquitos faziam a sua adaptação ao clima e ao barulho da guerra.

Foi aí que dormi pela primeira vez numa cama normal com lençóis e tudo. Trocava todo o meu vencimento da Guiné por garrafas de whisky, que bebia até esquecer... mas as o 1º da CCS não se esquecia e lá vinha fazer contas comigo. Levava as garrafas, ainda intactas, e passados dias eu já estava a refazer o stock.

Fiquei a comandar o Pel Caç Nat 60 e ainda tenho algumas lembranças de coisas que por lá aconteceram. Adiante.

No dia 13 de Março de 1970, ia comandar um patrulhamento até à fronteira e eis senão quando detectámos uma primeira mina reforçada, mas em tal estado de conservação que não houve qualquer problema para a levantar.

Tinha no Pelotão um Primeiro Cabo, de nome Seleiro, já com um longo historial de levantar minas e, depois de a vermos, concordei que ele a levantasse, o que foi feito sem qualquer problema. Passámos o detonador para a bolsa do enfermeiro e continuámos a progressão.

Como eu era sempre o terceiro ou quarto homem depois das picas, vi perfeitamente que os picadores tinham localizado qualquer coisa. Montada a segurança lá chamei de novo o Seleiro para conferenciarmos sobre aquela.

Depois de nos certificarmos que estava isolada, tinha que decidir se abortava a operação, rebentando a mesma e regressando a São Domingos, expostos a alguma emboscada do IN. Se fosse entendido desactivar a mesma, poderíamos ir ao objectivo e no regresso levantá-la sem qualquer perigo.

Um e outro rastejámos até à mina que parecia nova e eu comecei a dizer ao seleiro que a queria levantar. Ele acabaria a sua comissão dois meses mais tarde.

Comecei a suar por todos os poros e depois de olhar bem aquela malvada, disse ao Seleiro que não era capaz. Ele disse-me que não havia crise e tomou o meu lugar.

Deitado no chão a cerca de 5 metros, acompanhei todos os seus movimentos com angústia e só relaxei um pouco quando ele, de joelhos e com a mina na mão, prestes a desarmadilhá-la me chamou:

- Meu Alferes, olhe aqui.

Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto…

Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo.

Quarenta e oito horas depois chegámos ao aeroporto de Figo Maduro e, como já foi dito por um camarada nosso, fomos colocados dentro de ambulâncias militares e sem qualquer barulho para não acordar a cidade, levaram-me a mim para o HMP na Infante Santo e o Seleiro foi levado para o Anexo, em Campolide.

Fiquei num quarto com mais dois camaradas que estavam lá a repousar, duma operação a uma hérnia um, e de um quisto qualquer, outro.

Só passados cerca de 10 dias a minha família foi avisada e nada disseram aos meus Pais. Afinal ainda podia morrer. Recordo-me de ver dois vultos aos pés da minha cama e ouvir a voz da minha irmã mais velha dizer, lamuriante:

- O meu irmão era tão bonito.

Imagino o aspecto que teria todo queimado e cheio de cicatrizes na cara, cabeça e membros. Nessa altura já o médico me tinha dito que tinha ficado sem o olho esquerdo e começaria os tratamentos a seguir à Páscoa quando estivesse mais estabilizado. Só ao fim de dez ou quinze dias comecei a poder comer porque até aí os dentes abanavam todos.

Em meados de Abril já fazia a pé o caminho para as diversas clínicas que passei a frequentar e apanhei o primeiro susto quando tiveram que me amputar os restos do olho.

Foi horrível mas acho que foi o Luís (Graça) que pediu algumas vivências de camaradas da Tabanca que tivessem frequentado o HMP, tout court.

Não sei se esta parte da Guerra é publicável, mas eu limito-me a contar a minha história, como a vivi e sobrevivi.

A verdade é que com isto tudo estava outra vez em Lisboa e, assim que achei que estava operacional, em Agosto outra vez, pedi para me mandarem à Junta Médica (JHM) e fiquei livre da minha guerra de G3.

Assim pensava. Em Outubro já estava em Angola a tomar conta da Fazenda Tabi, em zona de guerra, perto do Ambriz e fiquei naquele belo País até Abril de 1974. Foi o tempo para lamber e sarar as feridas.

Um abraço do
Hugo Guerra

__________


Notas de vb:

1. Artigos do Hugo Guerra em

Guiné 63/74 - P3443: Guiné/Vietname. Por favor, deixem-me sair de Gandembel (Hugo Guerra)

2. E da série Histórias de vida em:

17 de Novembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3464: Histórias de Vitor Junqueira (10): Santa Paz

Guiné 63/74 - P3517: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendonça) (17): Está-me a faltar a "memória colonial"

Pensar em voz alta


Torcato Mendonça


ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo (1968/69) e
Ex – Militar Preguiçoso; Guerra e Paz e outras Questões



Talvez nem seja “ Um Pensar em Voz Alta”. Digamos, ser mais a constatação de que me está a falhar a “memória colonial”.

Eu esclareço. Melhor, tento esclarecer: sinto dificuldade em escrever, ou através da memória, relatar acontecimentos de uma parte do meu passado. Depois há um quase despir, uma exposição pública de acontecimentos e sentimentos outrora vividos.
Claro que vistos com os “olhos” de hoje, cortando aqui e acolá, não relatando tudo. Ainda o nome, o verdadeiro nome, o dar a conhecer-me em excessivo protagonismo. Mau, bom, nem mau ou bom? Efectivamente não sei. Talvez dispensável, na forma como o tenho feito. Curiosamente chegam ecos e isso desagrada. Efeitos da época do ano!? Ou deixar andar e continuar. Talvez seja preferível assim.

Por isso:
Hoje quando me levantei, oito horas, mais minuto menos minuto, estava um frio dos diabos. Ainda por cima aquela hora é madrugada para mim.

Sabia ter trabalhos urgentes e fui à agenda. Perseguem-me, há muitos anos, tais objectos, mudando logicamente de ano para ano. Porventura, no berço em vez de pandeireta brincava com uma agenda. São elas que determinam muito dos meus dias. Curiosamente, os meus suportes de “memória colonial” são dois objectos desses, milagrosamente sobreviventes ao tempo e ás andanças.

Hoje, ainda por cima em madrugada gelada, lá fui eu e confirmei as tarefas. Não gostei. Ainda por cima numa 2ª feira, dia de caminhar pausadamente. Depois de “tratar” de mim para enfrentar o vento frio da manhã e antes de sair abri o blogue (vicio ou hábito repetido quotidianamente). Antes de começar o dia – zás, blogue e gmail …. Achei engraçado o post sobre o proselitismo. Ainda por cima escrito pelo nosso camarada Beja Santos. Antes de ler fui fazer um café de “plástico” e, calmamente, enquanto beberricava a mistura de arábica ou robusta mais aditivos, devorei a prosa. Copiei a informação.
Geralmente, aqueles posts com muita informação guardo-os, bem como outros com determinada informação. Eu gosto. Outros parecem que não. Haja Deus. Ainda bem que não gostamos todos do mesmo.
Mas parei a reflectir sobre a minha “escrita” para o blogue. Ia escrevendo ou anotando com a “velha” pena e o tempo passou rápido. Atrasei-me.
Agora teclo, resumidamente, aquele amontoado de palavras. Mas cada vez sinto mais dificuldade em “escrever”, em sentir a descrição daqueles acontecimentos. Ou será por não os descrever completamente?
As “Estórias do José “pararam em Fá Mandinga, aonde o malandro do José se acoitou, e ficaram por lá (1).

Já fiz duas ou três tentativas para o fazer sair. Vãs tentativas! Mas tem que sair. Só que, por vezes, vejo-o tão bem instalado…Falo com ele, promete, qual político, mas cumprir nada! Políticos! Perdão, gente que não quer trabalhar… ou, mesmo suportando veementes apelos para trabalhar, parece sentir que perdeu a memória de “guerreiro de fim de império”. Esgotou-se ou será amnésia temporária? Esperemos que seja a ultima ou, isso sim, preguiça!

Depois sinto haver algo mais importante. Leio e gosto imenso de muitos e variados posts ou textos. Até pela sua diversidade temática: - da culinária, à introdução da G3, da cópula de um senhor Sargento a virar bebé, ou um Comandante de Batalhão a mostrar a eficácia do bem varrer (à vassoura…) e tantos, tantos outros que, certamente no futuro serão determinantes para se compreender a Guerra Colonial para mim, do Ultramar para outros e, curiosamente de Libertação para alguns. Há cada uma…

Apesar disso há assuntos que gostava de tratar. Melhor, talvez ver tratados por outros. Um exemplo ou dois: - a introdução da G3. Parece ter ficado tal assunto melhor esclarecido. Pessoalmente lembro-me de em 1961, quando ainda recebia instrução com a Mauser e Manelicher, terem vindo as G3 e as FN. Se foram ou não para a Guiné desconheço. Só as vi, se bem me lembro. Um parêntesis: podem questionar sobre a minha idade. Tinha 16 (dezasseis anos). Outras vidas. Tal assunto da G3 ficou esclarecido. Isso é que interessa.
Melhor ainda, outro, mais importante, está esclarecido por quem, de certeza aqui ou desde que se saiba quem tal afirma, ser, alguém incapaz de contrastar: o nosso Camarada Mário Dias. São Homens de Vidas e memórias importantes.

Gostei. A Fling existiu! Agora pode é não valer a pena tratar, neste blogue, da história da “chamada luta de libertação”. Íamos longe e infringíamos regras. Até se podia (não pode) falar de um ataque ou algo de semelhante á casa do Presidente da Guiné-Bissau. Ou de eleições e outros assuntos. Mas…

Preocupa-me mais o Povo afável e bem disposto daquele País. Tenho aqui um recorte do DN: - a história, breve, de Amadu Candé, 28 anos, Guineense da zona de Bafatá. Tentou durante 16 meses emigrar clandestinamente, por cinco vezes para a Europa. Foi sempre preso em Espanha.
Quantos “Amadus”, quantos africanos sofrem, esperam e desesperam para sair de sua Terra? Pensam erroneamente encontrar fora de África o direito a viverem uma vida mais digna. Contudo é lá, no seu Continente, no seu País na sua Terra que podiam encontrar o direito a uma vida melhor.

Porque não então? Só levemente: - porque alguns dos seus dirigentes têm fraca qualidade ou preferem actuar…não se pode criticar? Ponto!

Só lá? Claro que não! Há dias, sábado "Expresso", uma referência a um Povo que “não se governa nem se deixa governar”…com outra conjugação verbal…

Voltava ainda ao proselitismo e questionava: quantos prosélitos (católicos claro) haveriam, houve ou haverá na Guiné?

Quando lá cheguei, passado um tempo, disse para mim mesmo: o que andámos nós a fazer por esta terra durante cinco séculos?

Tanta questão…Penso em Voz Alta…penso e vai ou não pelo ciberespaço….vidas…
Ontem arquivei o texto. Falei sobre África com quem não conhece guerra lá ou noutro lado. Pessoa de paz, de saber, de querer e gostar conhecer o que se passa naquele Continente e neste nosso Mundo. Valeu a pena. Falar com amigos, vale sempre a pena. Aquele é especial e aprendo. Continuo e quero continuar a aprender. Ainda sou um jovem e mesmo que não fosse…
Hoje rebusquei este texto devido ao post do Mário Dias e nota do Luís Graça.
Termino fazendo uma pergunta:
- Onde estava você no 25 de Novembro…?
__________

Notas de vb:

1. As páginas do Zé Maria estão a meu cargo. Não estás esquecido, caro Torcato.

2. Da série em

Guiné 63/74 - P3516: Em busca de... (54): Companheiros da CCAV 677/BCAÇ 599 (Resultados) (Santos Oliveira)

Texto cronológico elaborado por Santos Oliveira, a pedido do editor CV.

1. Mensagem original de José Matos, com data de 21 de Novembro de 2008

Caro Luis Graça

O meu pai (José Matos) esteve na Guiné em 1964-66 na Companhia de Cavalaria n.º 677; Batalhão de Caçadores n.º 599. Era Furriel Miliciano e gostava de saber de colegas que estiveram com ele nessa Unidade e que o conheceram. Será que podia publicar este post no blogue?

José Matos


2. Mensagem dos editores para a tertúlia em 23 de Novembro

Caros camaradas
Mais um pedido de um filho de um nosso camarada que quer saber onde param os seus companheiros da CCAV 677/BCAV 599 (*), que esteve na Guiné entre 1964/66.

Se alguém tiver uma pista, pode-a mandar directamente ao José Matos ou para nós.

Muito obrigado e continuação de bom Domingo.

Um abraço do
Carlos Vinhal

(*) Por lapso escrevi BCAV 599, quando devia escrever BCAÇ 599


3. Mensagem do tertuliano Afonso Sousa para Santos Oliveira, no mesmo dia

O Santos Oliveira talvez possa ajudar!

Um abraço


4. Mensagem do nosso camarada Mário Bravo com data de 23 de Novembro de 2008

Meu Caro
Estive na Guiné, entre Novembro de 1971 e Setembro de 1973. Por esta razão não possuo qualquer tipo de informação.

Cumprimenta
Mário Bravo


5. Mensagem de Santos Oliveira para os editores, com conhecimento a José Matos

Camaradas

A Comp.ª Cav 677 esteve colocada em S. João e foi Comandada pelo Cap Pato Anselmo, depois pelo Alf Ranito e finalmente pelo Cap Fonseca.

Vou tentar descobrir os seus nomes completos e o de outros Camaradas a fim de poder estabelecer contactos.

Darei notícias em breve.

Abraço
Santos Oliveira

Nota: Rectificação de nomes dos CMDTS: Capitão António Luis Monteiro Graça (agora Coronel) regressado por doença, teve como CMDT Interino O Alf Ranito Baltazar, que o foi até à chegada do Cap Eurico António Sacavém Fonseca (agora Coronel).


6. Mensagem do tertuliano Carlos Silva para os editores

Amigo Vinhal

Contacta o Santos Oliveira, porque ele deve ter estado com o Zé Matos e conhece muita malta do BCaç 599 e BCaç 1860

Um abraço
Carlos Silva


7. Mensagem resposta de CV

Obrigado Carlos
O Santos Oliveira já se disponibilizou para estabelecer contactos.
Sois umas máquinas.

Obrigado
Carlos


8. Mensagem de CV para Santos Oliveira

Camarada
Por favor faz um registo das mensagens subsequentes para termos um dossiê para futura publicação. Eu vou tentar fazer o mesmo, mas é melhor dois que um.

Um abraço e bom Domingo
Carlos Vinhal


9. Mensagem de CV para Santos Oliveira, dando conhecimento de uma mensagem do nosso amigo tertuliano Abreu dos Santos.

Caro SO
Para o teu dossiê.

Um ab
Carlos Vinhal

Mensagem original de Abreu dos Santos

Boa noite, Carlos Vinhal,

A CCav 677, subunidade independente mobilizada pelo RC7-Ajuda (embarque 08Mai64 [salvo erro, no "Ana Mafalda" (*)], desembarque 13Mai64), no dia seguinte à chegada foi colocada em Tite «na função de intervenção e reserva» do BCaç 599 [por lapso, no v/P3504 referido como BCav 599]. Foi seu primeiro comandante, o capitão de cavalaria António Luís Monteiro da Graça*; em 24Abr65 ficou aquartelada em São João, passando em Set65 a reportar ao BCaç 1860 (recém-chegado a Tite); foi seu segundo comandante o capitão de cavalaria Eurico António Sacavém da Fonseca. E em 26Abr66 embarcou em Bissau de regresso a Lisboa [salvo erro, no "Carvalho Araújo" (*)].

Em 24Abr94, decorreu em Tondela o 3.º Convívio daquela CCav, à qual pertenceram: FERNANDO SILVA, residente em COIMBRA; ORLANDO OLIVEIRA, residente no Porto; e JOSÉ FRANKLIN COIMBRA ALMEIDA, (endereço e contacto desconhecidos).

Cumprimentos,
Abreu dos Santos

* (autor de «Vem Comigo à Guerra do Ultramar», ed. 2007; vd http://lanceiromor.googlepages.com/vemcomigo%C3%A0guerradoultramar)


Resposta de CV

Caro Abreu dos Santos
Muito obrigado pela sua ajuda, sempre oportuna e esclarecedora. Fui induzido em erro, pois associei, sem verificar, uma CCAV a um BCAV.
Vou proceder à urgente e devida correcção.
Obrigado também pelo resumo da CCAV 677 e informação sobre o livro do Coronel António Luís Monteiro da Graça.

Receba um abraço
Carlos Vinhal
2008/11/23



10. Mensagem de José Matos para Santos Oliveira

Caro Santos Oliveira

Confirmo os dados que enviou. De facto, a sua descrição é precisa. O meu pai deixou um vasto arquivo fotográfico desses tempos, que poderei partilhar. Gostava, no entanto, de contactar pessoas que o conheceram pessoalmente, porque não tenho muita informação desse período da vida dele e ele também não falava muito disso.. Mas enfim agradeço toda a informação que possa prestar. Resido na zona de Aveiro e não sei se não haverá nenhum camarada desse tempo por aqui...

Um abraço
José Matos

11. Mensagem do dia 24 de Novembro do nosso camarada José Martins:

Caros camaradas

Seguem elementos solicitados em 21/11/2008

Companhia de Cavalaria 677
Unidade Mobilizadora: Regimento de Cavalaria 7 – Lisboa
Embarque: 08Maio64
Desembarque: 13Mai64
Regresso: 26Abr66

Comandantes:
Capitão Cavalaria António Luís Monteiro da Graça
Capitão Cavalaria Eurico António Sacavém da Fonseca

É colocada em Tite com a função de intervenção e reserva do Batalhão de Caçadores 599 em 14Mai64, com um pelotão destacado em Fulacunda.
Realizou operações nas regiões de Jufá, Bária, Budugo, Gamol, Jabadá e Brandão, e destacou pelotões para reforço das guarnições de Jabadá e Enxudé.
Assumiu, em 24Abr65, a responsabilidade do subsector de S. João.
Voltou a Tite em 06Abr, seguindo para Bissau para efectuar o regresso.


12. Mensagem de Santos Oliveira do dia 24 de Novembro para José Matos, com conhecimento aos editores

Caro José Matos

Pelo carácter de urgência que é custo da colaboração, solicitam-se os seus Endereços (postal e telefónico), dado que os Camaradas José Franklin e Fernando Rodrigues assim o solicitam; sabem que o Fur Mil José Matos, seu pai, já faleceu e é (era) de Estarreja. Lembram-se bem dele e contam que era muito divertido. Um dos episódios era que colocava uma bandeira dentro do copo do vinho e dizia que era para Portugal esquecer a Guerra em que se meteu.
Já tiveram o seu Encontro deste ano e sabem que o próximo se vai realizar em Fátima, em data a determinar, mas pensam que vai coincidir com um dos feriados de Junho. Os próximos Organizadores já estão identificados. Um deles é, precisamente o Orlando Oliveira, com quem está combinado falar logo à noite e sendo que o 2.º é Fur Mil António Correia Rodrigues, a quem irei contactar pela noite.

Nada mais, no momento, a não ser aguardar os elementos solicitados a fim de serem transmitidos ao conjunto dos interessados.

Abraço solidário, do
Santos Oliveira


13. Caro Matos

Tenho na minha lista nomes de dois Camaradas que mais ou menos habitualmente nos honram com sua presença nos Almoços do BCaç 599.

São eles:
Fernando Rodrigues da Silva e José Franklin Coimbra Almeida

Entretanto foi-me facultado via Mail mais o nome de Orlando Oliveira (abrev), que é Orlando A.Barbosa Oliveira

Todos pertencem à CCav 677, que, como já o disse, esteve em S. João, sob a dependência Operacional de TITE, inicialmente com o BCaç 599 (tal como eu) e depois havendo transitado para o BCaç 1860.

Já agora um esclarecimento para a minha curiosidade: o senhor seu Pai está vivo e de boa saúde, ou já nos deixou como se depreende?

Entretanto, sobre a disponibilidade que tem com os Documentos e Fotos do seu Pai, não fui mandatado para tal, mas sei que o Blogue teria muita honra em recebê-los se os puder partilhar. Por isto, o meu obrigado.

Acerca do assunto principal, creio poder dar mais informações nos próximos dias. Um pouco mais de paciência.

Um Abraço solidário, do
Santos Oliveira


14. Comentário de Santos Oliveira inserido na mensagem anterior

Por esta sequência o que foi colhido e escrito acerca da busca dos Camaradas do falecido Fur Mil José Augusto de Matos.

Foram agora estabelecidos contactos telefónicos vários de que destaco o do 1.º Cabo Escriturário Orlando Oliveira que prestou todos os esclarecimentos à minha solicitação; só não possuia a Lista dos Camaradas que havia sido passada ao Fur Mil António Correia Rodrigues.

Contactado, deixou vir ao de cima toda a velha Camaradagem (até dá saudades!!!) e prontificou-se, a seu tempo, a fornecer a Lista de quantos têm estado presentes nos seus Convívios, manifestando , inclusive, vontade de que estivessemos presentes já no próximo, que se irá realizar em Fátima, ainda sem certezas na data, mas com a previsão de 7 de Junho de 2009.

Esta mensagem irá ter a sua transmissão simultânea e não encerra o caso até que o Filho do Nosso Camarada José Augusto de Matos, de Salreu-Estarreja, assim o dê por terminado. Ainda haverá muito caminho a percorrer, não só com as Histórias de transmissão oral, como com as fotos ou outros docimentos, que venham a ocupar o lugar no Blogue que seria o do seu Pai.

Um abraço sincero e os votos das maiores venturas, do
Santos Oliveira


15. Mensagem de José Matos para Santos Oliveira em 24 de Novembro

Caro Santos Oliveira

Obrigado por todo o empenho nesta questão e pela rapidez que fez os contactos. De facto, o meu pai já faleceu há muito tempo, mais precisamente há 20 anos, mas teria todo o gosto em falar com os tais colegas dele, pois interesso-me pelo assunto e gostaria também de partilhar o espólio fotográfico que o meu pai deixou, como também ouvir as histórias desse tempo.

Dessa forma envio então o meu contacto. Podem também contactar-me por mail.

Um abraço
José Matos


16. Mensagem de Santos Oliveira para os editores do Blogue com data de 25 de Novembro.

Vinhal
Imediatamente após o envio do Doc da cronologia da busca, recebi resposta ao Mail de pedido de contactos.

Liguei de imediato ao José Matos, falamos longamente (até cerca da meia-noite) e notei a ansiedade do nosso novo amigo. Não sabendo quais as condições para o ingresso de filhos de camaradas, omiti o assunto, mas renovei o pedido de que pudessemos obter fotos e outros documentos que pudesse e quisesse disponibilizar.

Ficou combinado que sim. Se houver que dizer algo mais acerca do assunto aqui passo a iniciativa para o Blogue.

Vou ter que regularizar os contactos do José Matos, conforme ficou combinado com os antigos camaradas do seu Pai e por manifesto desejo deles. Praticamente, além da listagem que o camarada António Correia Rodrigues irá enviar em devido tempo, fica completa esta missão.


17. Comentário de CV

Mais uma vez ficou demonstrada a solidariedade entre os terulianos da nossa Tabanca Grande e os filhos dos camaradas que nos solicitam apoio.

No título deste poste faço só referência ao Santos Oliveira, porque foi ele que mais uma vez tomou a iniciativa de proceder a buscas e a realizar os contactos conducentes a encontrar os camaradas do José Matos (pai), combatente da CCAV 677, que infelizmente faleceu já há cerca de 20 anos.

Como já não é a primeira vez que o Oliveira actua desta forma, pedi-lhe para elaborar um dossiê com a troca de mensagens, para publicação, quando houvesse resultados.

Temos que lhe deixar um agradecimento público pelo seu trabalho, feito quase no anonimato, investigando, telefonando, enviando mensagens e, sempre dando conhecimento aos editores e aos interessados.

Não podemos contudo deixar de lembrar os outros camaradas intervenientes neste poste, a saber Abreu dos Santos (Tertuliano sempre atento e oportuno nas suas críticas) Afonso Sousa (sempre disponível para ajudar), Carlos Silva, José Martins (outro dos nossos indefectíveis colaboradores que já devia ter um estatuto especial no nosso Blogue)e Mário Silva (o nosso médico do Porto).

A todos o nosso muito obrigado, e ao José Matos (filho) as maiores venturas no encontro dos camaradas de seu pai.
_______________

Notas de CV:

- Foram omitidos na edição, os números telefónicos, endereços electrónicos e endereços postais das pessoas contactadas ou a contactar. Estes elementos chegaram ao conhecimento dos interessados.

Vd. poste de 23 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3504: Em busca de... (53): Companheiros da CCAV 677/BCAÇ 599, Guiné, 1964/66 (José Matos)

(*) Em tempo

De acordo com informações prestadas pelo nosso camarada António Rodrigues, a CCAV 677 foi para a Guiné e regressou, no navio UÍGE.

Guiné 63/74 - P3515: Memórias literárias da Guerra Colonial (10): Cristóvão de Aguiar na Biblioteca-Museu República, 5ª Feira, às 19h

Título: Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial, 2ª ed Editora: Dom Quixote, Lisboa Colecção: Autores de Língua Portuguesa Ano de edição: 2008 Preço com IVA: 12,00 € 

 A Conferência de Cristóvão Aguiar, com a apresentação do seu livro Braço tatuado – retalhos da guerra colonial realiza-se às 19h00 da próxima 5ª feira, 27 de Novembro, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, Lisboa. 

Este evento, que se integra num ciclo de conferências sobre as "Memórias Literárias da Guerra Colonial", esteve inicialmente previsto para 30 de Outubro, não se tendo realizado por doença do escritor. 

 Sobre o escritor e o seu livro, vd. Blogue Podium Scriptae > Braço Tatuado Blogue Podium Scriptae > Guiné O blogue é apresentado nesttes termos: "Charlas de literatura, oficiais e oficiosas, sobre o Escritor Cristóvão de Aguiar. Justiça, Arte e Cultura em geral, sendo certo que o conteúdo deste blogue é da inteira responsabilidade do cidadão José Manuel de Aguiar".


Blogue Podium Scriptae, de José Manuel de Aguiar. Em entrevista ao Correio da Manhã, Revista Domingo, de 9 de Março de 2008, Cristóvão de Aguiar faz declarações perturbadoras e eventualmente polémicas:

  (...) O episódio do espancamento e morte do guia é real? [Pergunta o jornalista, Isabel Ramos] 

  Sim. Em cada operação havia sempre um guia indígena que normalmente não sobrevivia. Na minha companhia o capitão matava o guia no fim da operação. E mandava dizer para o Quartel Geral que o guia tinha tentado fugir. 

  Mas no livro são três soldados que matam o guia, um dos quais lhe chama, a si, terrorista... 

  Eu dei-lhe uma bofetada e ele chamou-me terrorista e olhe que chamar terrorista [a um oficial] num teatro de guerra como a Guiné podia ser muito grave. Ele, realmente, depois de ter morto o guia, disse-me que era a maneira de pagar-me a bofetada que lhe tinha dado. 

  E o episódio das crianças ?

É verdadeiro, mas eu não assisti. Dois guerrilheiros foram capturados com a família. Mataram o homem e a mulher. Os filhos ficaram a aguardar novas ordens. Não mataram as crianças a frio. Trataram-nas bem, como se, realmente, quisessem adoptá-las, trazê-las para a Metrópole, e no fim degolaram-nas. 

  (...) Pensou alguma vez que ia morrer na Guiné ? 

  Os três primeiros meses são cruciais. É quando se enfrenta o espectro da morte, mesmo se ñão tiver acções de fogo. Pensa-se: 'Será hoje ? Será amanhã?' . Depois a pessoa deixa de se importar, tanto lhe faz. Cinco ou seis meses antes de acabar a comissão o medo volta. No fim pensa-se: 'Já que cheguei até aqui, quero voltar à minha terra'. (...) 

 No romance, os militares pertencem a um CCAÇ 666 (que nunca existiu, no TO da Guiné). O nosso camarada José Martins, entretanto, conseguiu com o seu olho clínico identificar, a partir da leitura do livro (e da consulta do 8º Volume, Tomo II da CECA, Fichas História das Unidades, Guiné, pag. 342), a subunidade a que pertenceu o Alf Mil Luís Cristóvão Dias de Aguiar, e que era a CCAÇ 800 (Contuboel, 1965/67):


 Unidade Mobilizadora: RI 15 – Tomar. A subunidade foi formada com data de 1 de Janeiro de 1965, conforme Ordem de Serviço nº 2 de 4 de Janeiro de 1965 do Regimento de Infantaria 15 de Tomar. Destinava-se, inicialmente, ao arquipélago de Cabo Verde, tendo a partida prevista para a data de 13 de Abril de 1965. 

 Comandante: Capitão Inf Carlos Alberto Gonçalves da Costa, sustituído em Setembro de 1965 pelo Capitão Miliciano de Cavalaria António Tavares Martins (que tinha vindo da CCav 489/Bcav 490. 

Nota do editor vb). Constituíam o quadro de Oficiais subalternos os Alferes Milicianos: João Belchurrinho Baptista, Luís Cristóvão Dias Aguiar, João Faria Cortesão Casimiro e João Baptista Alves.

Partida: Embarque em 17 de Abril de 1965; desembarque em 23 de Abril de 1965; Regresso: Embarque em 20 de Janeiro de 1967 (...). A CCAÇ 800 actuou sobretudo no subsector de Contuboel, a nordeste de Bafatá.

 __________ 

  Notas de vb: 

 1. Postes relacionados em:




 2. Cristóvão de Aguiar nasceu na ilha de São Miguel em 1940. Frequentou Filologia Germânica, em Coimbra, curso que interrompeu para tirar o Curso de Oficiais Milicianos (COM). 

 Em 1965 partiu para a Guiné, deixando publicado o livro de poemas, Mãos Vazias. Regressado em 1967, concluiu o curso, leccionou em Leiria e regressou a Coimbra para apresentar a sua tese de licenciatura, O Puritanismo e a Letra Escarlate

 Foi redactor da revista Vértice e colaborador, depois do 25 de Abril, da Emissora Nacional com a rubrica "Revista da Imprensa Regional" e leitor de Língua Inglesa na Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra (FCT/UC). 

 A experiência da guerra forneceu-lhe material para um livro, incluído inicialmente em Ciclone de Setembro (1985), de que era uma das partes, e autonomizado mais tarde com o título O Braço Tatuado (1990) e que reeditou em nova versão.

 Da sua obra, por diversas vezes premiada destacamos: Raiz Comovida I - A Semente e a Seiva (1978), Prémio Ricardo Malheiros da Academia das Ciências de Lisboa, Relação de Bordo I - Diário ou nem Tanto ou talvez Muito Mais (1964-1988), Grande Prémio de Literatura Biográfica da APE/CMP, Raiz Comovida: Trilogia Romanesca (2003), Trasfega - Casos e Contos (2003), Prémio Literário Miguel Torga/Cidade de Coimbra e Nova Relação de Bordo - Diário ou nem Tanto ou talvez Muito Mais (2004) e Marilha (2005), os quatro últimos publicados na Dom Quixote. 

 Em Setembro de 2001 foi agraciado pelo presidente da República com o grau de Comendador da Ordem Infante Dom Henrique. Texto extraído das Publicações D. Quixote . Com a devida vénia.

Guiné 63/74 - P3514: Controvérsias (12): A G3, a FLING, o PAIGC, o Pdjiguiti, São Domingos, Tite e outras lendas (Mário Dias)

Guiné > Bissau > Anos 50 > Praça do Império > Monumento Ao Esforço da Raça > O Mário Dias, sentado no local onde, à noite, com luz eléctrica apenas das 18h às 24h, a malta nova se juntava e fazia serenatas. Era então Governador Raimundo Serrão (1951-53). O Mário esteve na Guiné até 1966, sendo por isso uma testemunha privilegiada não só do desenvolvimento económico e social da Província (com destaque para o crescimento urbano de Bissau) como do início da luta armada, que manda a verdade historiográfica deve ser atribuído à FLING e não ao PAIGC.

Foto: © Mário Dias (2006). Direitos reservados


1. Mensagem de Mario Dias com data de hoje:

Assunto- Novo comentário em Guiné 63/74 - P3503: Controvérsias (11): O início.... (**)


Caro Luís:

Nesta saudável polémica, que visa o esclarecimento de factos ocorridos nos primeiros anos da guerra, há dois assuntos cujo contributo pretendo dar com o simples intuito de repor a verdade pura e simples, sem juízos de valor nem "diz que diz" pois não é essa a minha forma de estar na vida. Limito-me a relatar ocorrências em que participei ou das quais obtive conhecimento directamente dos intervenientes por me encontrar "no terreno", como agora se diz.

Tenho-me abstido de comentar quanto sucedeu na Guiné depois de 10 de Fevereiro de 1966, data em que de lá saí. Não vi, não sei, não comento. Deixo isso para os que por lá andaram e sigo com muito interesse as narrativas publicadas no blogue e, embora tenha a minha opinião sobre certos acontecimentos, não os comento porque não os presenciei.

Feito este preâmbulo vamos aos assuntos:

1- ARMAMENTO DAS NT COM G3

As primeiras unidades militares armadas de G3 na Guiné surgiram em (meados de) (?) 1961. Não sei nem acho relevante para o assunto em questão - existência de unidades militares armadas de G3 em 1961 - a forma como foram obtidas: legais, ilegais, compradas, emprestadas, subtraídas, ou como queiram. O facto é que estavam lá e foi esse o cerne do início desta polémica pois houve quem achasse impossível uma vez que a G3 (que eles conheceram mais tarde) só a partir (dos finais) (?) de 1962 passaram a ser fabricadas em Portugal.


2- INÍCIO DA LUTA ARMADA

Esta questão já tem sido debatida em vários locais pois é comummente aceite a versão do PAIGC de que o início da luta armada ocorreu em 1963 com o ataque a Tite.

É falso. O PAIGC pretende os louros de ter iniciado o que se passou a designar por luta de libertação. Mas não foi assim. Em Julho de 1961, a FLING (Frente de Libertação e Independência da Guiné, liderada por François Mendy e sediada no Senegal) atacou com armas de fogo o quartel de S.Domingos onde se encontrava instalada parte (julgo que apenas um pelotão) da Companhia de Caçadores 5, destacada na Guiné.

Não se tratou de "simples escaramuça" em clima de "sublevação social" e não "reivindicação da independência", como diz o nosso camarada Santos Oliveira no seu texto P3503. Foi um ataque deliberado a um quartel e a uma unidade militar feito por um movimento que também lutava pela independência mas cuja existência o PAIGC procura ignorar e até negar.

Falei com alguns dos militares pertencentes a essa unidade destacada em S.Domingos e um furriel, cujo nome já não me recordo, contou-me até uma cena com algum humor protagonizada por um 1º cabo, um "calmeirão enorme", que ao ser atingido por um tiro de caçadeira no ombro disse: "já caí de asa".

Quanto à posterior ocorrência de incidentes em Guidaje, conforme já relatei, não me recordo deles e, por isso, nada posso acrescentar.

Sobre a opinião expressa no P3503 de que antes de 1963 se vivia na Guiné um clima generalizado de "sublevação social" o que tenho a dizer é que enquanto vivi na Guiné entre 1952 e 1966 apenas assisti e me recordo dos incidentes do Pidjiguiti que foram uma alteração da ordem pública provocada por uma greve de marinheiros e estivadores da Casa Gouveia (***). Nem o PAIGC nem qualquer outro movimento independentista estiveram por detrás desses acontecimentos. Não foi o início da guerra conforme várias vezes tive oportunidade de afirmar.

Nunca dei conta, mesmo depois do que se afirma ter sido o início da luta armada (1963-ataque a Tite) da existência de um "clima de sublevação social". Havia algumas desavenças, por vezes violentas, entre etnias e tabancas provocadas quase sempre pelo furto de vacas ou semelhantes mas que não se podem considerar como fruto da pretendida "sublevação social". Desacatos acontecem um pouco por todo o lado sem motivo aparente.

E por hoje basta.

Um abraço do
Mário Dias

__________

Notas de L.G.:

(*) Mário Dias foi para a Guiné, ainda adolescente, no ínício da década de 1950. Na vida civil, foi emppregada da casa comercial francesa NOLASCO, em Bissau, nos anos cinquenta; fez depois o serviço militar (1959/61), tendo frequentado o 1º Curso de Sargentos Milicianos, realizado na província, onde travou conhecimento e e fez amizade com alguns futuros dirigentes e militantes do PAIGC; trabalhou, depois da tropa, num sindicato para voltar ao Exército, mas desta vez como sargento comando, com curso tirado em Angola. Esteve no TO da Guiné, de 1963 a 1966. Deixou definitivamente a Guiné em 1966. Ingressou na carreira militar, passoiu novamente por Angola, etc. Estava no 25 de Novembro de 1975 no regimento de Comandos da Amadora - faz hoje 33 anos... Deixou o exército em princípios de 1980.

Vd. postes de:

9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXII: Memórias do antigamente (Mário Dias) (1): Um cabaço de leite

19 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - LDXVI: Memórias do antigamente (Mário Dias) (2): Uma serenata ao Governador

15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau


(**) Vd. poste de 23 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3503: Controvérsias (11): O início da guerra (Tite, 23 de Janeiro de 1963) e a estreia da G3 alemã, em 1961 (Santos Oliveira)

(***) 15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXV: Pidjiguiti, 3 de Agosto de 1959: eu estive lá (Mário Dias)

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3513: Blogues da nossa blogosfera (5): Quem quer calar o portal Guerra do Ultramar ? (José Martins / Luís Graça)

O portal Guerra do Ultramar: Angola, Guiné e Moçambique (conhecido por Ultramar Terraweb), criado pelo nosso camarada António Pires, ex-Fur Mil, Chefia do Serviço de Material, Quartel General, Região Militar de Moçambique, Nampula e depois Niassa (1971/73), ficou inactivo a partir de 23 de Novembro, portanto, ontem.

Fomos alertados para a situação, por um mail de hoje, matutino, do nosso camarada e amigo José Martins. Eis o comunicado assinado pela "equipa Terraweb" (que gere, de resto, mais 6 páginas, incluindo a Confraria dos Amigos dos Anos Sessenta, confraria essa de que o António J. Reis é o Grão-Mestre da Chancelaria).


À terceira vez, percebemos o "recado"!

Comunicado único

Caros Antigos Combatentes, Companheiros, Camaradas e Amigos,

Iniciámos este projecto em Março de 2006, com a intenção de criarmos um elo de ligação entre todos aqueles que estiveram na Guerra do Ultramar e, após aquele conflito, se dispersaram pelos cinco cantos do mundo.

De alguma forma, modéstia à parte, o site http://ultramar.terraweb.biz conseguiu "juntar" muitos antigos camaradas, por interpostas pessoas, filhos ou netos de antigos combatentes que há muito anos não se viam ou falavam, através desta fabulosa ferramenta de informática, que é a internet.

E, também, passou a ser um veículo de informação do que aconteceu e do que está acontecer.
Talvez aquela informação seja uma incomodidade, mas trata-se da verdade nua e crua, por isso...
Quando se incomoda..., o incómodo torna-se um alvo a abater, por essa razão depusemos as "armas", não por um de acto de cobardia, mas para salvaguarda de coisas e bens envolvidos.
O site http://ultramar.terraweb.biz manter-se-á online sem qualquer actualização a partir desta data. Ficará como uma referência ou "memorial", como lhe queiramos chamar, a todos os Combatentes da Guerra do Ultramar e aos ex- Militares que estiveram nas restantes ex- províncias ultramarinas.

Um BEM-HAJA a todos aqueles que colaboraram com as suas informações, as suas imagens e tudo o demais que enriqueceu o nosso e vosso site. O nosso OBRIGADO!

O fórum http://ultramar.forumeiros.com/ manter-se-á receptivo a toda a matéria relacionada com anúncios de "Procura de Camaradas", "Encontros Convívios" e "Notícias", para tanto, é necessário efectuar-se um registo, que será solicitado quando clicar em "Registrar-se", existente no endereço supra mencionado, para que o futuro membro possa então inserir o que pretende.

23 de Novembro de 2008

A equipa do Terraweb


2. A primeira reacção que recebemos, logo foi a do José Martins:

NÃO NOS OBRIGUEM A IR PARA A RUA GRITAR!!!!!!!!!!!!!

QUEM QUEM CALAR OS COMBATENTES???????????????????

A QUEM INTERESSA O SILÊNCIO????????????????????????

QUERERÃO REESCREVER A HISTÓRIA????????


Caros camaradas de armas ( e agora de resistência).

Recebi um mail que me surpreendeu. Foi ao abrir do computador. Respondi, surpreso, e continuei a navegação.

Passo seguinte: http://ultramar.terraweb.biz/.

Resultado reproduzido abaixo. [Comunicado já acima reproduzido]

ESTA PÁGINA, QUE É UMA PÁGINA ÚNICA NA HISTÓRIA DE PORTUGAL, NÃO PODE MORRER. SE ESTA ACABAR, AMANHÃ ACABARÃO TODAS AS OUTRAS PÁGINAS E BLOGUES.

VAMOS EM FRENTE. A AMIZADE, A CONFRATERNIZAÇÃO E A TROCA DE EXPERIÊNCIAS E SAUDADES, É TUDO O QUE NOS RESTA.

VAMOS CONTINUAR EM FRENTE.


Com a leitura deste comunicado, eu só poderia ter [esta] reacção.

José Martins

3. Falei esta tarde com o José Martins, que era de resto um colaborador, relativamente assíduo, do sítio Ultramar Terraweb. Ele não sabia as razões, que a equipa do Terraweb não quis (ou não pôde) explicitar, e que levaram a esta inesperada decisão. Intimidação ? Ameaça ? Chantagem ?

A equipa do Terraweb é parca em explicações. Primeiro insinua e depois deixa claro que está a ser perseguida:

"(...) E, também, passou a ser um veículo de informação do que aconteceu e do que está acontecer. Talvez aquela informação seja uma incomodidade, mas trata-se da verdade nua e crua, por isso...
~
Quando se incomoda..., o incómodo torna-se um alvo a abater, por essa razão depusemos as "armas", não por um de acto de cobardia, mas para salvaguarda de coisas e bens envolvidos".


Que "coisas e bens" podem estar envolvidos ? Terá havido alguma ameaça judicial ? Se sim, por que razão ? Só vejo, eventualmente, uma plausível: queixa-crime por alegada violação de direitos de autor (de imagens, vídeos, textos...).

Não descortino outras razões: quem está interessado em silenciar um portal, como este, que estava prestes a atingir as 300 mil páginas visitadas ?

Gostaria de falar com o António Pires e dar-lhe pessoalmente uma palavra de solidariedade e de consolo. Não tenho o seu contacto telefónico. Ele tem aqui o meu: 21 471 0736. Talvez ele possa, off-record, contar-nos o que se passou. Talvez nós próprios possamos ajudá-lo a ultrapassar esta crise. Se o encerramento da página se confirmar, ficaremos todos muito mais pobres e vulneráveis.

PS - Se algum dos amigos e camaradas da Guiné que colaboram, com alguma frequência (ou que já colaboraram) com o sítio Guerra do Ultramar, tiver alguma informação adicional sobre este estranho caso, entre por favor em contacto connosco.

Guiné 63/74 - P3512: Da Suécia com saudade (8) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (8): Proposta de Bordel Móvel de Campanha...


O último tiro

José Belo


imagem da cidade de Estocolmo. De Estocolmo para amigos . Com a devida vénia.

Caros Amigos e Camaradas

Envio-vos, hoje, uma das armas secretas, por muitos de vós desconhecida, por infeliz menos colaboração por parte do Estado-Maior do Exército dos tempos de Salazar.
O muito nosso......B.M.C., surgido de uma proposta (escrita, autenticada e enviada por correio aéreo) por alguns Alferes das Compªs 2381 e 1792, aquarteladas em Aldeia Formosa, 69/70.
O desgaste físico e psíquico provocado pelas contínuas colunas de abastecimento de Buba-Aldeia Formosa-Gandembel acabaram por tornar alguns destes alferes menos crentes e respeitosos, quanto ao que era planeado pelos nossos Excelentíssimos Hierarcas, em Lisboa, quanto ao moral das tropas nos matos africanos.
É claro que no nosso papel histórico de cruzados da civilização ocidental, tivemos o cuidado de ler a proposta a ser enviada para o Estado-Maior do Exército a um senhor Capelão, de passagem, que se fazia acompanhar por ilustre clérigo, professor de Deontologia Militar na Academia Militar, e que luzia sempre um imponente emblema da Legião Portuguesa no seu vestuário de Sacerdote.

A proposta por nós enviada descrevia detalhadamente o quadro orgânico, os meios de transporte aéreos, fluviais e terrestres, a estruturação dos diferentes departamentos, as verbas, os apoios clínicos e mesmo um forte dispositivo de segurança garantido por um serviço inter-armas que englobava tropas especiais.
Creio mesmo que tivemos a falta de humildade de sugerir um comandante, na pessoa de um senhor Comandante de Batalhão, que então era conhecido como "o da paulada".
Inexplicavelmente não veio a merecer a ponderada consideração por parte do E.M.E.
Durante longas semanas esperámos a "real porrada", mas, estranhamente a resposta dos Hierearcas nunca chegou a Aldeia Formosa (ainda hoje me pergunto quem teria por lá recebido e lido (!) a nossa carta).

As letras B.M.C. da nossa arma secreta mais não eram que as iniciais de BORDEL-MÓVEL-de CAMPANHA!
Micas, Dádás, Dáduxas, e mesmo uma Lola, para dar um ar mais cosmopolita, lá vinham mencionadas no quadro orgânico quanto ás suas especialidades profissionais .

Um abraço do J. Belo.

Estocolmo 23 Nov./08
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Notas:

Vd. último poste da série de 18 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3472: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (7): Zés Marias, feridos no corpo e na alma

Guiné 63/74 - P3511: O meu baptismo de fogo (23): Uma vacina para o enjoo... (António Paiva)

1. Primeira colaboração, para o nosso Blogue, de António Paiva (*), ex-Sold Cond no HM 241 de Bissau, 1968/70, enviada no dia 22 de Novembro de 2008. 

 Inserimos este baptismo que foi não de fogo real, mas um baptismo com contornos quiçá mais violentos, naquela casa de horrores que era o HM 241. Não devia ser fácil ser condutor de ambulância. CV 

  O meu Batismo ou vacina para o enjôo 


 Dia 9 de Junho de 1968, pelas 7 ou 8 horas da manhã chego à Guiné a bordo de um 707 da TAP. Daqui me levou para um mundo desconhecido, com destino ao Hospital de Bissau. Posso dizer que parti com um pouco mais de alegria do que muitos, porque ia dentro de mim a convicção de que voltava. 

 Nesse voo com 181 militares, três iam destinados ao HM 241. Da parte da tarde os outros foram chamados para serem levados ao seu destino. Não tendo eu sido chamado, fui perguntar ao sargento a causa. Prontamente me respondeu: 

- Tu ficas. Chegaste adiantado mais de um mês, talvez vás para o mato substituir um condutor que morreu. 

- Estou lixado, vou para o lugar do morto. 

 Devem imaginar o que senti e o que pensei. Passei a noite nos Adidos, deitado no chão, agarrado às coisas que levei comigo e com toda a roupinha no corpo. Fui um petisco para os mosquitos, que não me largaram toda a noite. 

De manhã, não sei se me levantei ou se já estava em pé, podia ir à cidade. Pelas 10 horas lá fui eu numa boleia. Chegado a Bissau fiquei só, não sabia para que lado me virar, mas fui andando por ali de rua em rua vendo o que ia ter durante os 24meses seguintes. Almocei no Hotel Portugal. 

 Em voltas e reviravoltas voltei a apanhar boleia e regressei aos Adidos pelas l6 horas, sendo informado de que o sargento tinha andado à minha procura. Fui ter com ele que estava de mau humor e que mandou levarem-me ao Hospital. Cheguei pelas 17 horas e perguntei onde me devia dirigir. Indicaram-me a Formação, depois daí a caserna onde encontrei cama e armário para mim. Assentei praça no mundo das agonias 

 Depois de tudo arrumado no seu lugar, porque os mosquitos se tinham requintado comigo na noite anterior, dirigi-me ao Posto de Socorros a ver o que me dariam para alívio das borbulhas e comichões. Entro e, para principio, não estava mau. Do lado esquerdo estava uma maca tapada e ao centro um ferido a ser assistido pelo enfermeiro de serviço. Ficámo-nos a conhecer e eu disse-lhe ao que ia. Indicou-me que o álcool era o melhor, fez-me um favor, mas tive de lhe pagar com outro. Pediu-me que visse o número que tinha o morto, a etiqueta estava no pé, daquele lado, indicou-me com o dedo. Parte de fraco não quis dar, fui, o lado era o outro, tremi de alto a baixo, serrei os dentes, os olhos fecharam-se ao encontro da escuridão e o estômago comprimiu-se, tentando expelir o que continha. 

 Foi a vacina contra o enjoo, podia ter sido mais suave, mandam as regras que... primeiro se esfrega o local suavemente com álcool ou éter e depois se espeta. Mas será que a GUERRA tem regras? Claro que não! Ela é selvagem, desumana e destruidora, pondo aos nossos olhos a miséria causada pelo seu resultado. Era triste e horrendo o que por ali se via, mas a minha missão ia ser longa e a vacina, algumas semanas depois a retardador, ia produzir o seu efeito. Se ia ser o prato de todos os dias, valia mais passar fome. 

 Um abraço a todos António Paiva
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Guiné 63/74 - P3510: Blogoterapia (76): Só nós aguentávamos 2 anos a beber água podre e a comer arroz com estilhaços de chouriço (Paulo Raposo)

1. Mensagem do Paulo Raposo, com data de 18 de Novembro de 2008, comentando o poste de P3463 (*):


Meu caro Luís.

Obrigado, és da corda.

O soldado é uma pessoa singular, quando estou em Paris, entro nos Museus, com desconto devido ao meu cartão da Liga, como sócio combatente. Vétérant de Guerre.

O soldado tem de ser Honrado, tal como ele é, quer pelos seus, quer pelos inimigos.

Batemo-nos em África e na Índia uma luta que não era nossa. Foi a parte quente da guerra fria entre Rússia e América.

Nós mais uma vez é que levámos nas orelhas. Quem é que hoje aguentava 2 anos sem fins de semana, a beber água podre e comer arroz com estilhaços de chouriço?

Toda a gente se pergunta hoje, como é que nós, um punhado de rapazes, aguentámos uma luta de desgaste em tantas frentes.

É triste ver os dirigentes politicos desde o 25 de Abril a ter vergonha do grande Soldado Português que somos nós.

Não percebo. Uma coisa é o fim e o triste fim, outra é Honrar os nossos. Aquando da 1ª guerra foi o mesmo. As tropas expedicionárias foram entegues de bandeja aos ingleses sem critério enquanto os senhores em Lisboa discutiam política. Tratantes. Com remorsos levantaram monumentos aos mortos por todo o país. Mas não se limparam.

Assim estamos hoje.

Isto tudo para dizer, que aparecem no Blogue muitos testemunhos em que parece que nós eramos o mau da fita e os outros os bons.

Nós somos os bons e a geração de OURO. Se não fosse a porcaria da política, as nossas relações com as populações de África eram das melhores.

Dizem-me que hoje ainda, em Goa, a população vive com ar mais digno do que no resto da Índia.

O que será, talvez, é propaganda, para esconder a incompetência dessa malta.

Vai um abraço forte de um dos muitos soldados portugueses.

Paulo
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Nota de L.G.:

(*) 17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3463: Os nossos regressos (17): Estavam lá todos, a família, os amigos, mas não o meu pai... (Paulo Raposo)

(...)"2. Comentário de L.G.:

"O Paulo Enes Lage Raposo, que hoje vive em Montemor-o-Novo, onde criou, desenvolveu e dirigiu um belíssimo empreendimento hoteleiro (o Hotel da Ameira), foi Alferes Miliciano de Infantaria, com a especialidade de Minas e Armadilhas, na CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 (Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70).(Escrevo "dirigiu", no passado, por que acho que já passou a gestão para um dos filhos...).

"Durante a sua comissão, o Paulo esteve em Mansoa e sobretudo na zona leste (Galomaro e Dulombi), a sul de Bafatá. Uma nota trágica da sua comissão é a perda de 17 dos seus camaradas na travessia do Rio Corubal, em Cheche, na sequência da retirada de Madina do Boé, em 6 de Fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios).

"Desde Abril até Setembro de 2006, o nosso blogue publicou o testemunho escrito que o Paulo elaborara em 1997 e que só era conhecido de alguns amigos e camaradas da sua companhia e do seu batalhão. É um documento policopiado, de 65 páginas, com o seu "testemunho e visão da Guerra de África", mais concretamente sobre a história da sua vida militar, desde a sua incorporação, como soldado cadete, em Abril de 1967, na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, até à sua mobilização para a Guiné, como Alferes Miliciano da CCAÇ 2405, onde teve como camaradas os membros da nossa tertúlia Rui Felício, Victor David e Jorge Rijo (este último reformou-se dos seguros, e não temos sabido nada dele uma vez que o endereço de email não é mesmo" (...).

Guiné 63/74 - P3509: Visita do Ministro...para inglês ver...(António Matos)



Um Comandante de Batalhão com a vassoura na mão


Em Junho de 1972, o na altura ministro da defesa, Sá Viana Rebelo, deslocou-se à Guiné e especificamente a Bula no que eu suponho ter sido um "apalpar" da situação militar portuguesa perante a exigência do General Spínola na modernização do equipamento face ao avanço tecnológico demonstrado pelo IN. Para além disso inaugurou a estrada Bula-Binar ( na modalidade scut !! ).



o então Alf Mil António Matos, aguarda o Governador e Com-Chefe, General Spínola.

Nessa ocasião eu estava de oficial de dia à unidade o que me permitiu ver, "do alto estatuto de individualidade importante", a cretinice dos "yes men" na mais estrita subserviência na defesa dos tachos que possuíam ainda que não conseguissem descortinar, por detrás dum famoso monóculo, a crítica de que eram alvo.


o Ministro da Defesa Nacional, General Sá Viana Rebelo, em visita a Bula.

Nesse dia, até o comandante (pasme-se!) pegou numa vassoura para mostrar ao Comandante-Chefe como aquele quartel era exemplar ....
Não fui inquirido sobre qualquer tipo de questão e não sei o que, em privado, teriam discutido.
Sei que a partir daí ..... tudo ficou como até aí !
Foi, pois, como hoje se diz, mais do mesmo.
E no ano seguinte, Spínola (e Kaúlza) abandonam os respectivos territórios.


António Matos

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Notas:

1. António Matos foi Alf Mil da CCaç 2790, Bula 1970/72

2. Artigos relacionados em

20 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3488: O PIFAS - Programa de Informação das Forças Armadas (António Matos)

Guiné 63/74 - P3508: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (3): Chegada a Bula


1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 22 de Novembro de 2008:

Vinhal
Cá vai mais um capítulo

Um abraço
Luis S Faria


Chegada a Bula

Terminada fase do IAO no CIM em Bolama e chegados a Bissau, o destino da CCaç 2791 passou a ser Bula, ao que me lembro depois de algumas indefinições.

Com armas e bagagens lá nos íamos acomodar ordeiramente nas Berliets Tramagal e demais viaturas que compunham a coluna auto que nos devia transportar ao futuro incerto. Estava preparado para o que desse e viesse, mas… será que os chefes já endoidaram?? Não é que dão ordem para que durante a viagem só os graduados levem munições?! Afinal que raio de guerra era esta? Se fosse preciso lutava-se à coronhada, à pedrada e por lá pouca pedra havia, ou ao foge-que-t’agarro?? Ou afinal a guerra tinha acabado sem que déssemos conta e as bocas de que o sector de Bula (01 A ) era meio f…, eram só para enganar piriquitos?? Pois se andamos a mentalizar o pessoal para não facilitar nunca e estar sempre com os sentidos em alerta, apanhamos agora com uma ordem destas!? É, os Chefes estão loucos, de certeza! Era para rir ou chorar??
Mas como nas F.A. as ordens eram para cumprir e não questionar, há que obedecer. E vai daí, lá foi a rapaziada com as suas G3 novinhas, mas aliviados daquele peso extra das balas, ao que parecia inúteis, ocupar o seu lugar nas viaturas. E chegou-me a explicação de tal ordem : …é que podia algum Soldado precipitar-se… e, deduzi eu, dar um tiro num turra que não era turra! Ok, afinal não era por ter acabado a guerra! Fiquei menos descansado! (julgo que nunca irei esquecer esta estória que mais deveria ser história).

E lá fui percorrendo aqueles quilómetros de estrada, com a arma preparada e o corpo pronto a saltar, sempre na expectativa de uma eventual emboscada. Para trás foi ficando Bissalanca, Comandos… e chegamos ao rio Mansoa. À espera (?) estava uma jangada, creio que da Marinha, que nos transportou para a outra margem, João Landim. Lá desembarcados, ficamos a aguardar até que chegasse escolta. Ah, afinal a situação não estava assim tão fácil, pensei! E lá chegou a escolta, se bem me recordo 2 Panhard e 3 Unimog, com os veteranos do BCAV 2868. F… esta merda deve estar mesmo f…, para termos uma escolta destas! Fiquei apreensivo. E o meu lema impunha-se: FACILITAR NUNCA, em nada!

A coluna arrancou em bom andamento, com as Panhard nos extremos e os Unimog da velhice intercalados com as nossas viaturas. Reparei nos desmatados de segurança, nos aquartelamentos de João Landim, Mato Dingal. Chegados à estrada de Teixeira Pinto, viramos à direita e a breve trecho começa a aparecer o aglomerado de Bula e depois à esquerda, o Quartel.
Para mim tudo isto era uma sensação nova. Os nativos juntavam-se a observar, curiosos, a velhice que passava atirava-nos com aquela axincalhadora frase salta periquito, salta,que mais tarde também viríamos a usar.
Passamos a Porta de Armas e perante o gáudio dos veteranos e com os salta pira à mistura, formamos e lá fomos à nossa vida, isto é, instalar-nos e fazer o reconhecimento logístico. Claro que nesse primeiro reconhecimento, só deu para ver a parada com o ecrã de cinema, ladeada pelos dormitórios, messe e bar, um abrigo e pouco mais. Mas as instalações eram satisfatórias. E o nosso chuveiro? Espectáculo!

Era já noite e estava estendido na cama quando dois ou três rebentamentos fortíssimos me fizeram saltar, agarrar a G3 e correr para o exterior. Eh pessoal, são eles, é ataque c…! E foram realmente eles, os veteranos, que fizeram fogo com os dois obuses, aproveitando para nos praxar e ao mesmo tempo bater a zona. Posteriormente, no mato, este barulho da saída dos projécteis passou a ser música regeneradora de esperança.

Estávamos a 31 de Outubro de 1970 e a partir desse dia iria passar por situações muito complicadas e por muitos e bons momentos, recordados ainda hoje com saudade.

Um abraço a todos
Luís S Faria

Foto 1 > Estrada Bissau – João Landim

Foto 2 > Rio Mansoa - João Landim

Foto 3 > João Landim -jangada

Foto 4 > Bula – rua principal – com Urbano (Fur Enf)

Fotos e legendas: © Luís Faria (2008). Direitos reservados

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Nota de CV:

Vd. postes da série de:

3 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3397: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (1): A ida, do RI5 a Bissau

19 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3480: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (2): IAO, Bolama, Outubro de 1970

Guiné 63/74 - P3507: Historiografia da presença portuguesa em África (10): Bolama, 1930: a nova igreja e o proselitismo católico (Beja Santos)


Boletim O Missionário Católico, 1930, p. 30 > A notícia da construção, em 1930, da nova igreja de Bolama. Era então governador o Major Leite de Magalhães. Mandam-se recados para Lisboa, para o Governo da Ditadura Nacional (que abrirá o caminho ao Estado Novo): Não obstante o extraordinário desenvolvimento da Guiné, "mercê da ocupação total efectiva [sic] do seu território, e da criteriosa administração que tem tido", um duplo e "gravíssimo perigo" ameaça os seus povos: a propaganda do maometismo e do protestantismo... E cita-se o ponto de vista de um alto funcionário da colónia francesa vizinha: "Desde o dia em que a Guiné seja conquistada pelo maometismo, deixará de ser portuguesa"... (LG)
Imagens: © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados

1. Apontamento, com interesse historiográfico para o conhecimento da presença portuguesa na Guiné-Bissau, na época colonial (*), enviado em 29 de Setembro último, pelo nosso camarada Beja Santos:

Para conhecer alguns ínfimos (mas preciosos) pormenores da nossa Guiné, vale a pena percorrer «O Missionário Católico - Boletim Mensal dos Colégios das Missões Religiosas Ultramarinas dos Padres Seculares Portugueses».

Acabo de adquirir na Feira da Ladra um volume com boletins de "O Missionário Católico" referente a 1930 a 1931. Há imagens de edifícios, documentos, relatos de viagens, análises de missionários, por exemplo, que só podemos encontrar nesta publicação que apareceu com a Ditadura Nacional e procurar entender o novo surto de estímulo missionário.

Fala-se numa Guiné como terra prometedora para a missão de novas almas. Escreve-se:
(...) "Apenas sobe o ponto de vista religioso se encontra ainda pouco menos do que abandonada. Até há pouco tempo tinha somente um missionário em Bissau; hoje em, Bolama, conta com mais outro... a população da Guiné é dócil e em grande parte cristã (!!!). A tradição dos antigos missionários (que muitos houve outrora por lá, sobretudo na região de Cacheu) ainda perdura. A Guiné é terreno preparado para a evangelização cristã... o governo estabeleceu já vários postos agrícolas em diversos pontos da Guiné, mas isso não basta. É preciso estimular o indígena ao trabalho e levá-lo a procurar o seu próprio bem-estar e interessá-lo pelo desenvolvimento da riqueza pública. Certamente que uma larga rede de missões espalhadas pela província viria auxiliar o desenvolvimento progressivo da daquela nossa importante colónia." (...).
A Guiné estava sem uma igreja desde 1908. Graças a subscrições entre fiéis foi inaugurada em 1930 uma igreja em Bolama, tendo ao lado uma casa paroquial.

Em 1991, assisti aqui a uma missa falada em crioulo, é um interior singelo, tem um corpo com cerca de 11 metros, estava cheia e o batuque vibrou em momentos de grande significado. A igreja de Bolama perdeu importância com a mudança da capital para Bissau, em 1941, e com o aparecimento da Catedral, na Avenida da República.

Beja Santos

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3454: Historiografia da presença portuguesa (9): Carta da Guiné, 1843