Assunto - Poste 5417
Amigo Luís Graça
Confesso ter ficado surpreendido e desagradado com a leitura do poste 5417 do Victor Alfaiate [VA] (*). Surpreendido porque julgava que já tudo tinha sido dito acerca do Guileje e que a nova edição de comentários apenas se iria dar quando o documentário "A Guerra" do Joaquim Furtado abordasse o tema.
Surpreendido pelo ataque directo que o VA me dirige. Surpreendido porque, quando em Setembro de 1974 o encontrei fortuitamente no Restaurante das Marés onde trabalhava, me contou uma outra visão dos acontecimentos.
Surpreendido finalmente pelo facto dos editores do blogue não me terem dado conhecimento de um texto a todos os títulos ofensivo e que me era especialmente dirigido, procedimento contrário ao que têm feito habitualmente.
Desagradado pelo chorrilho de considerações que o seu autor faz, confirmando o ditado: "Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão".
Podia rebater o seu post ponto por ponto mas, porque a paciência também tem limites, vou apenas pegar nos que me parecem mais evidentes. Assim:
Artilharia: Substituição e regulação
Não foram "os senhores de Bissau" que ordenaram a substituição da artilharia de 11,4 [pela de] 14, foi o próprio Maj Coutinho e Lima [CL], conforme ele o descreve no seu livro "A Retirada de Guileje", a páginas 25.
Ao ler-se o livro com atenção chega-se à conclusão que, primeiro deixou ir para Gadamael as peças de 11,4, ficando completamente indefeso, só depois recebeu as de 14.
Se a troca foi mal concebida, mal planeada e pior executada, (uma das peças até vinha inoperativa) não foi certamente por culpa da Força Aérea [FAP].
E a regulação? No seu livro CL escreve várias vezes que a regulação não foi feita por culpa da FAP
Para a regulação do tiro a observação aérea é uma mais valia mas não é imprescindível (as guerras não param para se regular a artilharia,... ou param?).
Ainda assim podia ter sido feita, os aviões da FAP só tinham a limitação de aterrar em Guileje, podiam voar sobre o quartel, como sempre o fizeram (dizer o contrário é uma mentira baixa, mesquinha).
As peças chegaram a 18 de Maio [de 1973], o Comandante ausentou-se entre 19 e 21Maio, abandonou o quartel em 22 (pag 71 do livro do CL).
Quando é que pediu a regulação de tiro?
A regulação não foi feita mas também não foi pedida. (O livro do CL que é tão exaustivo no escalonamento de mensagens, não mostra qualquer pedido)
FAP: Apoio de fogos
No que respeita aos apoios de fogo, quando os Fiats chegavam a um quartel em dificuldades e ao ser estabelecido o contacto rádio, o que o piloto precisava saber era:
- de onde vinha a direcção do ataque,
- com que tipo de arma,
- há quanto tempo tinha ocorrido.
- se havia tropa fora, no mato.
Este cheklist sempre foi usado com sucesso em toda a Guiné, por todos os aquartelamentos (Guileje incluído) e, inclusive muitos dos nossos tertulianos que estiveram directamente envolvidos em acções semelhantes, sabem do que me refiro.
A história de os aviões voarem alto ou baixo não tem a ver com o medo dos pilotos como é insinuado pelo VA e, volta não volta, por outros TEPONs (Técnicos de Porra Nenhuma), mas sim por causa do armamento que levam.
E não venham com a estafada de que não foram apoiados, pois entre 19 e 21 de Maio a FAP (com seis pilotos) efectuou 16 missões no Guidaje e 14 em Guileje, 8 das quais no dia 21.
Dizer "bombardeiem todas as matas à volta do quartel" revelou no mínimo a incompetência de quem deu essa informação pois é por demais evidente que os aviões levando 4 bombas não podiam satisfazer um pedido semelhante.
Tal como as cerejas nos bolos, este disparate é inclusive confirmado pelo próprio Major CL no seu livro (página 177) quando afirma que "quem tenha feito este pedido demonstrou não fazer a mínima ideia do que estava a solicitar". (Obrigado, CL, a verdade a vir ao de ciima).
É no mínimo aberrante (para não dizer estúpido) dizer a um piloto que voa a 700 km/h e que tem por baixo, 360 graus à sua volta, uma mata verde de quilómetros de extensão, para que "descubra de onde sai o ataque".
Memória (ou falta dela)
E não, em 18 Maio o Guileje não estava "quente" como insinua o VA, havia nuvens que tapavam toda a região.
Não me lembro que o diálogo do "largos e estreitos" e por aí fora tenha existido, penso fazer parte da imaginação do VA, a qual, já constatei, tem evoluído ao longo do tempo.
Aliás, quando diz que até hoje estava convencido de ter falado com um Tenente Coronel, está-se a esquecer do nosso encontro em Setembro 74.
A talhe de foice acrescento que, para mim e na área da guerra, Coronéis, Majores, Furriéis ou Soldados, eram apenas combatentes, todos tratados da mesma maneira e com a mesma consideração.
Guileje, Gadamael e Guidaje
Quanto à raiva por ter deixado as loirinhas geladas e o ar condicionado de Bissau, o VA está enganado, não foi por isso, que em Bissau nem havia ar condicionado, foi por saber que naquele mesmo momento em que dizia disparates via rádio, havia militares portugueses a morrer em Guidaje, sem abrigos, sem munições, ...sem apoio.
E, para que se respeitem os mortos, registe-se que no cerco de Guidaje morreram 22 militares e em Gadamael, como resultado posterior à fuga de Guileje, outros 24 ("Os anos da Guerra Colonial", Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso).
Eu sei que usar vidas para efeitos estatísticos não é muito apropriado, mas, ...., quantas baixas houve em Guileje?
Quanto ao famoso "cerco" das centenas/ milhares de guerrilheiros em volta de Guileje, basta ver as fotos da "retirada", que o CL, ingenuamente, inseriu no livro.
Se o apoio da FAP ao Guileje não foi conseguido, isso deve-se única e exclusivamente aos que, "metendo a cabeça na areia", não souberam encaminhar os aviões para os objectivos.
Por último e conforme o livro do CL, páginas 31 e 32, para além das colunas de reabastecimento, é um facto comprovado que a actividade operacional do quartel do Guileje era ZERO.
Só para os que querem compreender, os aviões não defendem os quartéis, a defesa dos mesmos tem de ser feita pelos seus próprios militares, à distância, uma guarda avançada. Os aviões podem dar apoio essa defesa mas precisam de Informação.
O efeito Durão
A chegada do Cor Durão iria mudar tudo.
Faço a pergunta, terá sido por isso que resolveram sair a correr, antes que o homem chegasse?
De uma coisa tenho a certeza, no dia seguinte à chegada do Cor Durão os Grupos de Combate estariam todos no mato. (Eu disse no mato, não disse ao fim da pista...)
Uma última ressalva, esta em abono do VA; não era com ele que os pilotos deviam trocar informações mas sim com quem estaria a comandar o quartel.
Uma pergunta que pode ferir susceptibilidades, mas como disse o VA, os toiros pegam-se pelos cornos, quem comandava "de facto" o Guileje? O Major? O Capitão? Algum dos Alferes? O Furriel Alfaiate? Ninguém?
Histórias de Guileje
Ainda um derradeiro tópico dirigido ao Victor Alfaiate:
Em vez de querer assumir o comando do Guileje, falando do que não sabe, porque não conta antes para o blogue as histórias que me contou, a fuga, os recuerdos que trouxe e que acabou por deixar na mata, o encontro com as abelhas, o pisteiro da cadeira de rodas deixado a morrer no meio do mato...
Estou certo que todos os tertulianos iriam gostar de ler.
Com a surpresa do que acabei de ler no post 5417 é isto que se me oferece dizer.
António Martins de Matos
[Fixação / revisão de texto / título / subtítulos / bold: L.G.]
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Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5417: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (15): Ainda e Sempre Guileje (Victor Alfaiate, ex-Fur Mil Trms, CCAV 8350, 1972/74)
(...) Comentário do António Martins de Matos, do memso dia:
Caros amigos
Acabei de ter conhecimento deste post.
Confesso desde já ter ficado surpreendido pelo conteúdo, mais pelo facto de alguém me querer ofender e à organização a que pertenço, mais ainda por não ter sido alertado pelos editores do que se estava a preparar.
Penso ter o direito a uma resposta, a qual espero enviar até ao final da tarde.
um abraço
António Martins de Matos (...)