Revolta do Gueto de Varsóvia - Foto do Relatório Stroop por Jurgen Stroop para Heinrich Himmler, de Maio de 1943. A legenda em alemão diz: "Retirados à força dos covis". Pessoas reconhecidas nesta foto: (i) O rapaz da frente não foi reconhecido, algumas identidades possíveis: Artur Dab Siemiatek, Levi Zelinwarger (junto à sua mãe Chana Zelinwarger) e Tsvi Nussbaum; (ii) Matylda Lamet Goldfinger; (iii) Leo Kartuziński - recuado com um saco branco no ombro; (iv) Golda Stavarowski - também recuado, primeira mulher da direita, com uma mão levantada; (v) Josef Blösche - Soldado das SS com uma submetralhadora
Fonte: Foto e legenda: Wikimedia Commons (com a devida vénia...) (*)
1. Uma das primeiras operações (a segunda, depois de uma ida ao Óio) que o Amadú fez, integrado no Grupo Fantasmas, do Alf Saraiva, foi no meu conhecido Buruntoni, no Xime, em 11 de Novembro de 1964.
Na véspera, o grupo deslocara-se de barco, de Bissau até ao Xime. A 11, andaram toda a noite, a corta-mato, com um guia local. Como era quase inevitável, nas matas do Xime, o guia perdeu-se. O objectivo era um acampamento da guerrilha. Chegaram ao Buruntoni por volta das 7h00, quando o sol já ia alto… Deparam-se, entretanto, com um “rapazito de 8 ou 9 anos” (p. 91).
“Interrogado, disse que ia para o campo de lavra dos pais. Sobre o acampamento da guerrilha que procurávamos [, em Darsalame Baio, not do V.B.], disse que ficava na outra margem do rio Buruntoni”…
O grupo seguiu até à margem, com o Alf Saraiva continuando a fazer perguntas ao miúdo que, aterrorizado (como é fácil de imaginar), não teria outro remédio senão colaborar...
E é aqui que eu leio uma das belas e sublimes páginas do livro, reveladoras da grandeza humana do Amadú, futa-fula, muçulmano, bom crente. Vale a pena transcrever (coma devida vénia ao autor e ao editor):.
(…) Sobre o local onde costumava ficara a sentinela, o rapazito disse que ficava atrás de nós. Então, o alferes deu instruções para voltarmos atrás, para ver se conseguíamos apanhar a sentinela.
O Alferes Saraiva passou para a frente e fomo-nos aproximando do local, onde julgávamos que ela estava. Vimo-la numa árvore. O alferes abriu fogo e ele caiu imediatamente. Corremos para ele, e quando lá chegámos já estava moribundo. Com a arma do sentinela nas nossas mãos, continuámos a marcha para o Xime, até que demos com uma tabanca abandonada que se chamava Gundagué Beafada. Perto deste local encontrámos a tropa de Bambadinca que estava com a missão de nos recolher. Encontrei alguns companheiros da minha incorporação e, quando estava a abraçá-los, vi o alferes, de arma ao ombro, e o menino com a mão na nuca, de olhar fixo no alferes. Cheguei-me para junto do alferes e ele disse-me:
- Amadú, que vamos fazer ao puto ?
- Levá-lo, meu alferes ?!
- Ele é turra, Amadú!
- O meu alferes tem mais formação e conhecimento que eu, mas parece-me que com esta idade, o menino não é inimigo nem amigo.
- Então, por que vivia no mato, Amadú ?
- Porque que os pais vivem no mato, meu Alferes!
- E tu, o que queres fazer com ele, Amadú ?
- Deixamo-lo no quartel de Bambadinca.
O capitão da companhia de recolha estava junto de nós. O alferes perguntou se eles queriam ficar com o miúdo. Negativo, respondeu o capitão. O alferes ficou a olhar para mim e eu disse:
- Levamo-lo connosco para o quartel. Se o meu alferes não quiser que ele fique no quartel, eu fico com ele na minha casa.
- Não tens mulher, como é que vais tomar conta dele ?
- A minha irmã toma conta!
- Tens a certeza, Amadú ? Fica à tua responsabilidade.
- Inteiramente, meu alferes.
Agarrei no menino e começámos a andar até ao Xime e depois para Bambadinca. (…) (pp. 91/93)…
Enquanto regressam, ainda nesse dia, a Bissau, tomando um barco que estava prestes a partir, por volta das 18h, e chegando a Brá já depois da meia-noite, o Amadú escreve:
(…) Eu estava muito satisfeito comigo próprio e com o alferes. Assim que ele aceitou o meu pedido de ficar com o miúdo, que se chamava Malan Nanque, um companheiro europeu do meu grupo, o Mendes, que tinha apanhado uma maleta com cortes de fazenda, ofereceu-ma para fazer roupa para o rapazito. Quando chegámos a Bissau, levei-a ao alfaiate, e os cortes de tecido deram para 3 calções e 2 camisas. Ainda lhe comprei um par de sapatos e uns chinelos.
Agora que estou a escrever e a a recordar este episódio, tenho os olhos húmidos. Estou a ver o miúdo à frente da arma com a mão na nuca, a tremer todo, a olhar para o matador. Ele, o menino, tinha acabado de ver o alferes matar a sentinela e devia pensar que agora era a vez dele (pp. 93/94).
Em nota de pé de página, é contado o desfecho, mais ou menos feliz, desta história de compaixão humana, que merece figurar numa antologia de histórias de guerra:
O rapazito, Malan Nanque, beafada, mudou de apelido para poder frequentar a escola. Passou a ser meu sobrinho e viveu com a minha família em Bafatá. Durante muitos anos ninguém, da nossa família soube que o Malan Djaló tinha sido capturado pelos Fantasmas, numa manhã de Novembro de 1964. (**)
Anos depois, em 1973, levei-o a ver a mãe, em Bissau. Mas Malan continuou a viver na nossa casa. Uns anos mais tarde, já com, a Guiné independente, deu aulas de português em quartéis do PAIGC. Casou, teve um filho, adoeceu e morreu pouco tempos depois no hospital de Batafá. O único filho que teve, uma menina, também sobreviveu pouco tenpo. Morreu, ainda não tinha dois anos. (Nota 59, pp. 93/94).
Extractos de: Amadu Bailo Djaló - Guineense, comando, português. Lisboa: Associação de Comandos. 2010. (***)
________________
Notas de L.G.:
(*) A foto da ignomínia... Uma das fotos mais tristemente famosas da II Guerra Mundial... de todas as guerras. Lembrei-me de imediato desta foto, ao ler a história (comovedora) de que o Amadú foi protagonista num sítio que eu conheci muito bem (eu, o 1º Cabo Galvão, e outra malta da CCAÇ 12, da CART 2520 e do Pel Caç Nat 63), Gundagué Beafada:
Vd. poste, da I Série, 10 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXVIII: Violenta emboscada em L (Op Boga Destemida, CCAÇ 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63, em Gundagué Beafada, Fevereiro de 1970)
(**) Vd. último poste da série >18 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5670: O segredo de... (11): Um ataque a Bissau, uma bravata do Hoss e do Django (Sílvio Fagundes Abrantes, BCP 12, 1970/71)
(***) Sobre o Mauricio Saraiva (1939-2003) e o seu Grupo Fantasmas, vd. o poste do Luis Rainha, de 31 de Marco de 2010, no blogue Comandos Guine 1964 a 1966
(…) Não querendo menosprezar ninguém, até porque sou Comando CENTURIÃO, quero aqui afirmar que o GRUPO FANTASMAS foi de todos os Grupos formados e existentes na Guiné que mais louvores e condecorações teve. Teve um Chefe excepcional, que foi um belissimo condutor de HOMENS, um guerrilheiro fantástico e um exímio estratega.
Foi ele, Capitão Maurício Leonel Sousa Saraiva, dos militares Portugueses mais condecorados de todos os tempos e quiçá dos tempos vindouros. Este Homem, de H grande, grande Português e grande Patriota, ainda estava para sofrer os horrores da guerra não convencional. (…) [Era] um homem tremendamente marcado pela guerra em Angola, onde assistiu à morte de Familiares seus. (…)
Sobre o seu comandante, com quem esteve nove meses (até Maio de 1965), e por quem nutria respeito, admiração e afecto, o Amadú Djaló é parco em pormenores, nomeadamente sobre aspectos, eventualmente mais controversos, do seu comportamento como homem e militar. Aliás, ele é, quase sempre, de uma grande discrição e até deferência em relação aos seus "companheiros europeus" (sic). Só é crítico quando vê "europeu" a tratar, com menos respeito, bajuda e mulher grande... Perante umn capitão manifestamente racista, que ele conheceu no CICA/BAC, em Bissau, em 1962 ("Preto é como tartaruga, só quando lhe chegamos fogo ao cu, é que tira cabeça!", p. 41), Amadú é condescendente, compreensivo e caridoso: "Pela minha parte, ele era um diabo, não era um ser humano. Um homem com tanta cultura, oficial do Exército Português, não deveria trata deste modo os subordinados", p. 41).
Vd. poste de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6210: Os gloriosos malucos das máquinas voadoras (21): Meu tenente, eu e o Tomás Camará não vamos com o Honório! (Amadu Djaló)
(**) Vd. último poste da série >18 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5670: O segredo de... (11): Um ataque a Bissau, uma bravata do Hoss e do Django (Sílvio Fagundes Abrantes, BCP 12, 1970/71)
(***) Sobre o Mauricio Saraiva (1939-2003) e o seu Grupo Fantasmas, vd. o poste do Luis Rainha, de 31 de Marco de 2010, no blogue Comandos Guine 1964 a 1966
(…) Não querendo menosprezar ninguém, até porque sou Comando CENTURIÃO, quero aqui afirmar que o GRUPO FANTASMAS foi de todos os Grupos formados e existentes na Guiné que mais louvores e condecorações teve. Teve um Chefe excepcional, que foi um belissimo condutor de HOMENS, um guerrilheiro fantástico e um exímio estratega.
Foi ele, Capitão Maurício Leonel Sousa Saraiva, dos militares Portugueses mais condecorados de todos os tempos e quiçá dos tempos vindouros. Este Homem, de H grande, grande Português e grande Patriota, ainda estava para sofrer os horrores da guerra não convencional. (…) [Era] um homem tremendamente marcado pela guerra em Angola, onde assistiu à morte de Familiares seus. (…)
Sobre o seu comandante, com quem esteve nove meses (até Maio de 1965), e por quem nutria respeito, admiração e afecto, o Amadú Djaló é parco em pormenores, nomeadamente sobre aspectos, eventualmente mais controversos, do seu comportamento como homem e militar. Aliás, ele é, quase sempre, de uma grande discrição e até deferência em relação aos seus "companheiros europeus" (sic). Só é crítico quando vê "europeu" a tratar, com menos respeito, bajuda e mulher grande... Perante umn capitão manifestamente racista, que ele conheceu no CICA/BAC, em Bissau, em 1962 ("Preto é como tartaruga, só quando lhe chegamos fogo ao cu, é que tira cabeça!", p. 41), Amadú é condescendente, compreensivo e caridoso: "Pela minha parte, ele era um diabo, não era um ser humano. Um homem com tanta cultura, oficial do Exército Português, não deveria trata deste modo os subordinados", p. 41).
Vd. poste de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6210: Os gloriosos malucos das máquinas voadoras (21): Meu tenente, eu e o Tomás Camará não vamos com o Honório! (Amadu Djaló)