sábado, 8 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6342: Ser solidário (69): Sementes e água potável para o Cantanhez - Faltam-nos 500€ para o primeiro poço, em Amindará (José Teixeira)

1. Com a devida vénia à Tabanca de Matosinhos, e no sentido de sensibilizar a tertúlia do nosso Blogue para a campanha ali levada a efeito, transcrevemos o seu poste 413

P413 - Sementes e Água Potável para a Guiné – Bissau

Campanha para abrir dez poços de água e construir fontanários em tabancas do interior da Guiné – Bissau.

Já só faltam cerca de 500€ para abrir o primeiro poço na Tabanca de Amindará no interior da mata do Cantanhez.

Registe-se o nome para quem sabe um pouco de crioulo – a mim dará, ou seja - eu darei.

O Nome da tabanca é um desafio a todos nós para doarmos uma pequena quantia e completar a verba necessária para dar seguimento ao projecto.

Acabo de receber o seguinte Mail do nosso amigo Pepito, que na Guiné se dedica de alma e coração à causa do bem estar da população, nas mais diversas situações, dando corpo ao projecto da AD- Acção para o Desenvolvimento.


Amigo Zé

Conforme prometido, eis os custos de um poço (elementos comprados em vários fornecedores para ser mais barato):

construção de um poço (1.200.000 CFA):
- mão-de-obra: 500.000 CFA
- material (anilhas, cimento, ferro, etc.): 700.000 CFA

sistema solar (1.230.000 CFA):
- bomba de água + painel + tubos: 1.230.000 CFA

diversos (200.000 CFA):
- transporte e combustivel: 200.000 CFA

O total dará cerca de 2.630.000 CFA (cerca de 4.000 euros).

A ideia é avançar já com o primeiro poço na tabanca de Amindará, em pleno Cantanhez e que sofre enormemente com a falta de água.
Temos de tomar a decisão até ao final deste mês de Maio, pois logo a seguir começam as chuvas e nada feito, até Março de 2011.
abraço
pepito


O saldo actual é de 3.457.10 € conforme se pode verificar no mapa que segue.



OBS:- A lista completa pode ser consultada no poste da Tabanca de Matosinhos.

Devagar, devagarinho. Tão devagar que me faz lembrar o regressar ao quartel ou acampamento depois de uma coluna de 24 horas pelas picadas da mata do Cantanhez lá vamos conseguindo algumas “migalhas” para esta causa – água potável para as populações da Guiné.

Um especial agradecimento para os camaradas que acreditaram e deram algo de si, sobretudo para os reincidentes, que com a sua oferta vão alimentando esta fonte.
Não podemos parar.

Só faltam 500 € para abrirmos o primeiro poço, na Tabanca de Amindará. Há no mínimo mais nove para abrir, dentro do projecto da Tabanca Pequena, mas...

Há muitos mais poços que têm de ser abertos com a nossa pequena ajuda, se queremos que os nossos irmãos da Guiné usufruam de um bem tão precioso como é a água.

Zé Teixeira

Nós não damos valor a estes gestos, porque só nos falta a água quando há avarias na rede de distribuição. E se nos falta água um dia, entramos em desespero. E quem não a tem nunca?
CV

__________

Notas de CV:

Vd. último poste de 28 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5907: Ser solidário (59): Precisa-se de dinheiro para abrir 10 poços na Guiné-Bissau (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6338: Ser solidário (68): Ajuda Amiga – Associação de Solidariedade Social e de Apoio ao Desenvolvimento (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P6341: Antropologia (18): Elogio ao nosso blogue em comunicação sobre Régulos, almamis e mouros durante a guerra colonial, do Prof Eduardo Costa Dias

 Cortesia do amigo e colega Eduardo Costa Dias, grande especialista da cultura e da história da Guiné-Bissau, professor de Estudos Africanos, Departamento de Sociologia, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) (foto à direita, Bissau, 2008).


1. Resumo de uma comunicação científica, em francês [, com a respectiva tradução, em português, ] do nosso amigo Eduardo Costa Dias, professor e investigador no ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, e em que se faz uma elogiosa referência ao nosso blogue.


Colonial auxiliaries or advocates of colonial subjects? A comparative view on chiefs and ‘traditional rule’ during the colonial period

Régulos, Almamis et Mouros pendant la guerre coloniale dans l’ex- ‐Guinée portugaise: à chacun son rôle, ses convenances et ses fidélités 


Eduardo Costa Dias
ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa


L’avènement de la guerre coloniale, en 1963, dans l’ex- ‐Guinée portugaise non seulement a profondément transformé le modus vivendi des populations africaines et européennes, comme, un peu partout, a basculé les relations tissues entre les autorités traditionnelles et l’administration coloniale.

En effet, les autorités traditionnelles ont été confrontées, en plus de l’exigence de « faire vite » allégeance à un des deux belligérants, avec le besoin de composer presque inopinément avec de nouveaux interlocuteurs coloniaux. Plus la guerre s’étendait à de nouvelles zones du territoire guinéen et les combats regagnaient d’intensité, davantage, localement, les commandants militaires remplaçaient de facto et de jure, comme interlocuteurs des autorités traditionnelles, les administrateurs civils (administradores de circunscrição, chefes de posto, etc.). Dans plusieurs sens, pendant la guerre coloniale, dans la majeure partie du territoire, « l’ (vraie) autorité portugaise » était l’armée.

Dans l’étude de cas qu’adosse cette communication – le cas des autorités mandingues et, surtout, peuls des cercles administratifs de Bafatá et de Nova Lamego (Gabú) – , toutefois, plus que le renforcement « rayonnant » ou la rupture brutale de la très ancienne collusion stratégique entre les chefs musulmans et l’État colonial, on a assisté principalement à la multiplication, en nombre et en « qualités », des interlocuteurs locaux des autorités portugaises et, naturellement, à une plus grande diversité des prises de position des dignitaires politiques e religieux mandingues et peuls.

Un almami ou un mouro (marabout) n’avait nécessairement, par rapport aux autorités portugaises ou au PAIGC, le même positionnement que « son » régulo, même si celui- ‐ci, en plus de musulman et mandingue/peul comme lui, était son frère. Au contraire, parfois, il y’ avait même grands avantages en aménager des positions différentes dans une même famille, tabanca (village) ou zawiya (délégation locale d’une confrérie); dans des situations complexes comme celles vécues pendant la guerre coloniale pour beaucoup de peuls et mandingues de Bafatá et du Gabú, la bonne utilisation de la réinterprétation ouest- ‐africaine de l’institut du muwalat – « accommodation sur réserve avec l’infidèle »/ « acceptation d’un compromis provisoire avec l’infidèle » - presque le prescrivait!

Dans l’essentiel, l’information travaillée pour cette communication a été obtenue à partir des entrevues faites dans les années 1990 et 2000 à des dignitaires musulmans des régions de Bafatá et du Gabú, de la compulsation de documentation dans des archives portugaises (AHM, AHU, ANTT) et de la lecture systématique d’un blog d’anciens combattants portugais dans l’ex-Guinée portugaise.

Le blog « Luis Graça & Camaradas da Guiné », en plus de sa « mission » fondatrice, est actuellement, malgré le caractère « témoin personnel » de la plupart des posts, un important répertoire des activités des militaires portugais en Guinée, entre 1963 et 1974.





Guiné- Bissau > Região de Bafatá > Contuboel > 16 de Dezembro de 2009 > O almami local...  Foto do médico e músico João Graça, membro da nossa Tabanca Grande.

Foto:  © João Graça (2009). Direitos reservados





2. Tradução de L.G.:


Auxiliares coloniais ou advogados dos súbditos coloniais ? Uma análise comparativa dos chefes e do sistema de autoridade tradicional durante o período colonial  [Título em inglês]


Régulos, Almamis e Mouros durante a guerra colonial na ex-Guiné-Português: a cada um a sua função, sua conveniência e sua lealdade

Eduardo Costa Dias
ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa

O advento da guerra colonial em 1963, na ex-Guiné Portuguesa, não só mudou o modus vivendi das populações africanas e europeias, como, um pouco por toda parte, mexeu com as relações mantidas entre as autoridades tradicionais e a administração colonial.

Com efeito, as autoridades tradicionais,  para além da exigência de rapidamente se posicionarem ao lado de uma das duas partes beligerantes, foram confrontadas com a necessidade de lidar, quase inesperadamente, com novos interlocutoers coloniais.

Quanto mais a guerra se estendia a novas zonas do território guineense e os combates aumentavam de intensidade, mais, a nível local, os comandantes militares se substituíam, de facto e de direito, aos administradores civis (administradores de circunscrição, chefes de posto, etc.) como interlocutores das autoridades tradicionais.

Em diversos sentidos, durante a guerra colonial, na maior parte do território, “a (verdadeira) autoridade portuguesa ", foi o exército.

No estudo de caso a que se reporta esta comunicação - o caso das autoridades mandingas e, sobretudo, fulas, dos círculos administrativos de Bafatá e de Nova Lamego (Gabu), no entanto, mais do que o reforço “fulminante” ou a ruptura brutal da velha coligação estratégica entre os chefes muçulmanos e o e Estado colonial, assistiu-se principalmente à multiplicação, em número e em "qualidades", dos interlocutores locais das autoridades portuguesas e, naturalmente, a uma maior diversidade das tomadas de posição dos dignitários políticos e religiosos mandingas e fulas.

Um almami ou mouro (marabú) não tinha, necessariamente, em relação às autoridades portuguesas ou ao PAIGC, a mesma posição que o “seu” régulo, mesmo se este, para além de ser muçulmano e mandingo / fula como ele, fosse seu irmão.

Pelo contrário, às vezes, havia mesmo grandes benefícios em tomar posições diferentes numa mesma família, tabanca (aldeia) ou zawiya (delegação local duma confraria); em situações complexas, como aquelas vividas durante a guerra colonial por muitos dos fulas e mandingas de Bafatá e do Gabu, o uso adequado da reinterpretação oeste-africana do instituto da muwalat – "acomodação, sob reserva, com o infiel” / “aceitação de uma compromisso provisório com os infiéis” –  que obrigava a isso!

No essencial, a informação tratada nesta comunicação foi obtida a partir de entrevistas realizadas nos anos de 1990 e 2000 a dignitários muçulmanos das regiões de Bafatá e Gabu, da consulta de documentação em arquivos portugueses (AHM, AHU, ANTT) e da leitura sistemática de um blogue de antigos combatentes portugueses na ex-Guiné Portuguesa.

O blogue "Luis Graça  & Camaradas da Guiné ", para além da sua “missão" fundadora, é hoje, apesar do carácter de “ testemunho pessoal" da maior parte dos postes,  um importante repertório das actividades dos militares portugueses atividades, na Guiné, entre 1963 e 1974.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6340: Controvérsias (74): Enfermeiros… mas não por opção (Armandino Alves)


1. O nosso Camarada Armandino Alves (ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem na CCAÇ 1589 - Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé -, 1966/68), enviou-nos uma mensagem, em 6 de Maio, que a seguir publicamos:

Enfermeiros… mas não por opção
Camaradas,

Como toda a gente sabe, a selecção dos soldados no fim da recruta, para as diversas especialidades era feita de forma aleatória, não havendo qualquer inquérito a fim de se saber a função que cada um gostaria de desempenhar.
Vais para “isto” e bico calado.
Por isso, muitos foram para enfermeiros sem qualquer propensão, para desempenhar esse cargo.
Depois, no Serviço de Saúde em Coimbra, as aulas eram todas teóricas e dadas por Sargentos ou Cabos RD. Quanto a Médicos, que eu me lembre, só lá apareceu um – tenente -, 1 ou 2 vezes, em todo o curso.
E, pelo menos no meu curso, nunca se falou em teatros de guerra.
Era mais um curso para se integrar nos Hospitais, e depois íamos aprender para os mesmos. Mas, aprender o quê?
Tirando aqueles que tiveram a sorte de ir para enfermarias de Ortopedia e Traumas, o que aprenderam os outros?
A dar injecções!
Quanto ao resto eram autênticos “ceguinhos” e só foram aprendendo, com o tempo e a experiência, desenrascando-se o melhor que podiam e sabiam.
Na época 1966-68, não se notou muito essa pecha, pois quando era solicitada uma evacuação ela era feita, fosse por helicóptero nas operações, fosse por DO nos aquartelamentos ou destacamentos com pista de aviação.
A falta de evacuações é que veio pôr a nu esse desiderato.
Haviam enfermeiros, mas não havia o material necessário.
O que eram os garrotes fornecidos com a Bolsa de Enfermeiro?
Um simples tubo de borracha maleável, que era muito bom para tirar sangue e nada mais. Um garrote a sério teria que ser improvisado com ligaduras e um pau, para fazer o torniquete.
Como já aqui se falou a Marinha tinha o último grito em garrotes e não sei se a Força Aérea também os tinha (mas para isso ninguém melhor que a Enfermeira Giselda para melhor nos informar).
Quanto aos atrelados sanitários, tinham muito material lá dentro, mas não era para mexer. Eles estavam apenas à nossa guarda e isto nos aquartelamentos que os possuíam.
O atrelado sanitário era um hospital de campanha e, portanto, pertencente ao Hospital Militar. Certo é que o que lá estava armazenado era intocável.
Vem isto, que acabo de escrever, a propósito do poste P6315.
Tenho a certeza que tanto o Furriel Enfermeiro como o Cabo Maqueiro não iam munidos com soro, pois não o possuíam, e se houvesse lá um atrelado sanitário com soro, com certeza que o prazo de validade já teria caducado há muito tempo.
E quanto tempo aguentaria um soldado ferido?
Que quantidade de sangue já não teria perdido entretanto?
Sem o soro não havia possibilidade de o estabilizar e mesmo que houvesse a remota possibilidade de uma transfusão directa, com outro camarada com sangue do mesmo tipo, no meio daquele inferno, seria quase impossível.
Eu tive um camarada que morreu com um tiro no abdómen, por falta de evacuação, por ser de noite.
À noite não haviam meios aéreos e também não se podia usar o garrote.

Um Abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Aux Enf da CCAÇ 1589 (1966/68)
____________
Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P6339: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (2): Vida




1. O nosso camarigo Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, em mensagem do dia 4 de Maio de 2010, enviou-nos esta "Vida" para a sua série, 20 depois da Guiné, à procura de mim:





DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM


20 ANOS DEPOIS (2)

VIDA

Acho tão pouco,
Quando olho para trás,
O que até agora fiz.
Apetecia-me correr como louco
Ao longo da vida futura
E construir, refazer, edificar,
Tudo o que tenho para dar.
Tenho o peito tão cheio desta ânsia incontida
De querer acabar
Tudo o que ainda nem comecei.
De querer viver com vida
Tudo o que não vivi.
De escrever,
Com fúria e alegria,
Os sentimentos que ainda não conheci.
De dizer a toda a gente,
Estou aqui,
Estou presente,
E deixar o mundo espantado
A dizer de boca aberta:
Que diabo
Afinal o homem,
Ainda não estava acabado.
De olhar a todos nos olhos,
Bem de frente e sem medo,
E gritar-lhes aos ouvidos:
Vocês vão ver,
O que eu sou capaz de fazer!
Abanar-lhes as almas,
Romper-lhes as cadeias,
Enchê-los a todos de inveja
A verem-me ser feliz.
E quando daqui a muitos anos,
Tantos quantos eu quiser,
Me apetecer chegar ao fim,
Olhar para o passado e dizer,
Com o orgulho posto na vida:
Tudo isto que está para trás
É muito feito por mim…


91.11.20

Um abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6313: O 6º aniversário do nosso blogue (31): Tiraram-me a G3, mas fiquei com uma caneta (Joaquim Mexia Alves)

Vd. primeiro da série de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6258: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (1): A viagem

Guiné 63/74 - P6338: Ser solidário (68): Ajuda Amiga – Associação de Solidariedade Social e de Apoio ao Desenvolvimento (Carlos Silva)


1. O nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, 1969/71, enviou-nos um pedido de publicação do seu apelo a que consignemos, nas respectivas declarações, os 0,5 % do IRS anuais, a que temos direito pela lei, em prol da ajuda à Ajuda Amiga. Assim, não custa nada a dar. Dando todos um pouco se juntará… uma "pipa de massa".

Consignação de 0,5% do IRS a favor da Ajuda Amiga – Associação de Solidariedade Social e de Apoio ao Desenvolvimento

http://ajudaamiga.com.sapo.pt/

Uma nova e importante fonte de receitas foi conseguida pela Ajuda Amiga, ou seja a consignação a seu favor de 0,5% do IRS a partir de 2011 [incide sobre os rendimentos de 2010], assim na declaração de IRS basta indicar o nome da Ajuda Amiga e o seu NIPC 508 617 910 no campo reservado à "Consignação Fiscal".

Uma decisão simples e sem quaisquer encargos para o doador que permitirá que 0,5% do imposto liquidado, seja destinado pelo Estado à Ajuda Amiga.

Campo da Declaração do IRS a preencher em 2011


Deste modo, Camaradas & Amigos daqui faço um apelo para que ajudem a nossa Associação a cumprir os objectivos a que se propôs e estão consagrados nos Estatutos.


Para verem a acção por nós já desenvolvida poderão visitar o Site da Ajuda Amiga e o meu onde é visível a ajuda levada por nós até à Guiné-Bissau incluindo o nosso Sector de Farim.

http://ajudaamiga.com.sapo.pt/

http://carlosilva-guine.i9tc.com/site/

No Site lancei mais de 300 fotos relacionadas com a nossa actividade.

Com um grande abraço pela vossa solidariedade,

Carlos Silva

Fur Mil At Inf da CCaç 2548/Bat Caç 2879

____________
Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

3 de Maio de 2010

Guiné 63/74 - P6304: Ser solidário (67): Maria Buinen e Rosa Mota 'correm' pelo Projecto Viva (água para 85 mil pessoas na Região de S. Domingos) (Bernardino Parreira, CCAV 3365, 1971/73)

Guiné 63/74 - P6337: Notas de leitura (102): Guinéus, de Alexandre Barbosa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Abril de 2010:

Queridos amigos,
O José Brás, nosso confrade, honrou-me com a oferta de “Vindimas do Capim”, livro importante dos anos 80, época em que ando a navegar, e sempre a suplicar em voz alta ajudas ordinárias e extraordinárias.
Insisto: por favor, quem tenha livros publicados nos anos 80 e 90, ao menos tenham a gentileza de me indicar título e autor da obra (não obstante, terei muito gosto em que me emprestem tais obras...).

Um abraço do
Mário


A Guiné dos feitiços, dos irãs e de outros exotismos
Beja Santos

Foram sobretudo os funcionários coloniais os que mais procuraram registar aspectos etnológicos e etnográficos, sinceramente surpreendidos pela vastíssima cultura guineense, pródiga de narrativas orais, danças multicolores, paisagens deslumbrantes, usos e costumes impossíveis de esquecer, e de difícil comparação com outras paragens. Alexandre Barbosa publicou “Guinéus, contos narrativas e crónicas” em edição de autor, estávamos em 1962. A colectânea é dedicada aos seus pisteiros, o que deixa antever que o autor se dedicava às artes venatórias. Ele, aliás, rememora os seus amigos nestes termos: “Meus fiéis pisteiros e ideais companheiros durante centenas de digressões venatórias através do mato guineense sob o sol acutilante, o cacimbo envolvente, a rija chuva e a fúria dos tornados, cenário de tantos momentos de satisfação, de desalento e, por vezes, de perigo, que sucederam para marcar os motivos mais saudosos dos dezoito anos que vivi em terras guineenses”.

Leopoldo Amado, intelectual guineense que nos honra na nossa tertúlia, tem estudado com grande rigor e apuro os fundamentos desta literatura, indispensável para compreender todo o contexto colonial que preludia a eclosão no movimento nacionalista e da luta armada. Já aqui falámos de José Augusto Silva (tio do Pepito), de Francisco Valoura, de Fausto Duarte, de Manuel Belchior e de outros nomes que são incontornáveis entre os anos 30 e 60, nas letras guineenses. Todos eles aparecem irmanados pela satisfação em narrar uma África de luares, batuques, paganismo, a vida na floresta, a luxúria da fauna e da flora. Há momentos patéticos como a descrição daquele Arafan cujo filho se esvai em sangue e tenta, numa maratona delirante, percorrer longos quilómetros à procura do médico e de um milagre que lhe salva o seu querido Lássana. É interessante atender aos pormenores da escrita:

“Lássana dorme no chão, sobre a esteira. Tinha uma cama em madeira feita pelo Domingos, o carpinteiro cristão, mas só passaria a servir-se dela quando ele e o pai concluíssem a nova palhota de paredes já erguidas, em adobes, com janelas e traçado como as dos civilizados.

Durante o dia estivera no mato na colheita de látex das trepadeiras e árvores borrachíferas e, pela tarde, quando regressou, o pai ainda o incumbiu de ir a Buba-Tombó pedir ao caçador Bácar umas cargas de pólvora por empréstimo enquanto não viesse o gila do chão francês com encomenda clandestina.

Cá fora o caçador repousa na cama de rede suspensa das pilastras de pau-carvão da varanda. Passa tempo. A lua ainda vem alta e só cairá pela meia-noite. A tralha da caça está preparada. Renovara o carboreto do farolim e a velha longa já estava com a primeira carga. Pólvora, buchas e zagalotes acamados com esmero sonhado êxito para o primeiro tiro da noite. Levara a tarde a acertar com a têmpera das novas molas do gatilho. Há pouco a sua mulher pusera o farnel na sua sacola de caça”.

Para tornar mais compreensível toda a narrativa, Alexandre Barbosa prepara um pequeno glossário de expressões de uso local e falares crioulos. Exemplos: Baguiche (planta comestível preparada à maneira de esparregado), Cabeça-de-Morança (chefe de família), Cacho ou Cacho Caldeirão (pássaro), Dondom (pequeno tambor), Fotan (apito de bambu que os caçadores fulas usam para o chamamento de hipopótamos), Fritambá (pequeno antílope), Gato-Lagar (gato selvagem), Malila (bracelete feita de fibras vegetais com que o balanta enfeita os pulsos e artelhos).

Peço ao leitor que se debruce sobre a fotografia deste livro. Tem a ver com a dança do peixe-verga (tubarão-martelo). No rito animista dos Bijagós, o bailarino vai abater o todo-poderoso dos mares quentes com uma lança de bambu. A fotografia permite ver alguns dos aspectos impressionantes das poses baléticas: o bailarino que simboliza o peixe-verga, a garça pescadora (ave) e o peixe-verga propriamente dito. Escreve Alexandre Barbosa: peixe-verga, pescador e garça evoluem no terreiro em atitudes, gestos e mímica até que o pescador consegue ferir de morte o peixe-verga, procedendo a uma degola apoteótica”.


E com que orgulho não descreve Alexandre Barbosa o rio Corubal, referindo os rápidos de Cusselinta e Saltinho, a ponte que permite a ligação entre o norte e o sul da Guiné, a colheita do âmbar, o macaréu, as belezas da lagoa de Cufada e a mata do Cantanhês: “No rio há variedade de peixes e os descomunais mas graciosos hipopótamos. Nos mangais a orlar o rio e no arvoredo próximo é numerosa a fauna aviária. Garças ribeirinhas, pelicanos, maçaricos e uma imensidade de passarada multicolor. No mato aparecem a cabra selvagem, a gazela, o sim-sim, o javali, o porco-espinho, a onça, o búfalo e, por vezes o portentoso elefante. São muitos os patos selvagens, as chocas (perdizes) e as galinhas do mato. Enfim, um mundo diferente para os desportistas metropolitanos que se decidam a visitar-nos e até para os que vivem na Província que não tenham ainda contactado com o mato, tão cioso a ocultar-nos o seu exotismo e uma vida animal que nos evita e receia”. Mal sabia Alexandre Barbosa as actividades não turísticas que se iriam desenvolver a partir de 1963 em regiões como o Cantanhês...

“Guinéus” foi-me gentilmente emprestado pelo Armor Pires Mota. Renovo o meu pedido a todos aqueles que possuam livros desta época, são títulos que deverão obrigatoriamente constar no repertório da literatura guineense.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6329: Notas de leitura (101): Spínola, a biografia de Luís Nuno Rodrigues (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6336: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (10): Em Empada, o caso do borrego furtado

1. Última parte da narrativa referente à estadia de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70) em Empada:


A CCAÇ 2381 em Empada

Parte V

Por Arménio Estorninho

O caso do borrego furtado


Conforme o exposto no poste Empada - Bissau, (Parte 1 e Foto 2), sobre o furto de um borrego, que testemunhei presencialmente e lembro-me como se hoje fosse. Sendo o animal morto e confeccionado, só para a classe dos Oficiais e Sargentos, dado que a população se recusava a vender mais e assim as praças acalmaram-se porque já tinham um grãozinho debaixo da asa.

Por conseguinte, depois de ouvidas as partes, o processo terá sido arquivado, devido ao dito furto ter sido perpetrado pelo Oficial Instrutor do Processo, que se tratava do companheiro e camarada José Belo, prova fotográfica (21), há… há.

Aquando tiradas as fotos, se bem me lembro, fora dito ao Bertino Cardoso para não colocar o chapéu na cabeça devido ao suor, mas ele colocou-o por cima da mesma, (a foto confirma).

Companheiro e amigo José Belo, agora tomo também a liberdade de te chamar irmão Maioral, porque fizemos parte do puzzle da CCaç 2381 - Os Maiorais, pisamos as mesmas picadas, bolanhas, tarrafos, Tabancas e Aquartelamentos, o que não foi pouco, mas tive muito menos assiduidade e também claro está excluindo-me de ser voluntário para acções militares ao objectivo In.

Foto 21 > Guiné > Região de Quinara > Empada > 1969 > Foi pedida para exaltação do furto do borrego, idealizado pelo próprio Alferes Belo.

Dado que o Posto Administrativo de Empada tinha um telefone público, tinha a possibilidade de entrar em contacto telefónico com a minha namorada, dando-lhe notícias todos os meses pela importância de 100$00 (cem pesos).

Fazendo lembrar que também foram feitos telefonemas para a Rádio Bissau, até em directo para o programa de discos pedidos. Uma vez alguém solicitara em nome da lavadeira do Furriel Taco Taco, “deu cá uma bronca e que belos tempos.”

No Aquartelamento fiquei em parte também instalado em abrigo de defesa como lugar de camarata, para isso era o meu sócio o “Cabo Escritas” quem mexia os cordelinhos e arranjava autorização, depois passando para mim o controlo da gestão e dos trabalhos fotográficos. Diga-se em abono da verdade que em determinadas horas do dia nos servíamos da electricidade do Posto Administrativo, o que facilitava-nos a vida.
Paralelamente às fotografias, também cambiava os escudos da Metrópole com os pesos à taxa de 10%, não tendo concorrência.

E assim, foram apresentados alguns extractos da minha passagem por Empada.

Com cordiais saudações guinéus deste camarada e amigo,
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas
CCaç 2381 “Os Maiorais”
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6316: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (9): Em Empada, O IN em acção, as minhas amizades e uma visita do COMCHEFE

Guiné 63/74 - P6335: O Spínola que eu conheci (19): "Fiquei francamente mal impressionado com a visita à Companhia sediada em Mansambo" (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)



Guiné > Região Leste > Mansambo > CART 2339 (1968/69), Os Viriatos > 1969 > O Humberto Reis, Fur Mil Op Esp, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71),junto ao monumento aos mortos da CART 2339   pertencente ao BCAÇ 2852 (1968/1970), e que foram os construtores de Mansambo.  Em Novembro de 1970, aquando da visita de inspecção do Gen Spínola, a subunidade de quadrícula era a CART 2714, pertencente ao BART 2917 (Bambadinca, 1970/72),  reforçada com um 1 Esq do Pel Mort 2106, e com menos um pelotão (que foi reforçar o Xime).

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.









Guiné > Região Leste > Mansambo > CART 2339 (1968/69), Os Viriatos> Fotos Falantes II > S/ legenda > O nosso general adorava andar de helicóptero... Mas possivelmente não nunca terá ido numa simples coluna auto,como esta, na Estrada (?)  Bambadinca- Mansambo - Xitole, na época das chuvas...  O inferno, na terra... 


Fotos: © Torcato Mendonça  (2006). Direitos reservados.


Continuação da publicação do  Despacho do Com-Chefe, de 7/1/1971,  relativo à visita de inspecção ao BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), um documento de 12 páginas (*)


5. Visita a Mansambo em 18Nov70 

- Fiquei francamente mal impressionado com a visita à Companhia sediada em
Mansambo.

Foram notadas as seguintes anomalias:

-O Alferes Comandante interno da Companhia desconhecia em absoluto o plano de defesa, a actuação do IN na área e a própria situação de alguns postos de combate.

- As casernas abrigos apresentam-se totalmente inoperacionais; não há postos de combate nem tão pouco valas.

-As metralhadoras estão mal instaladas e em posições que não lhe permitem tirar rendimento de tiro.

- As bazookas e os morteiros estavam igualmente mal instalados, não se podendo de forma alguma extrair deles rendimento aceitável.

- O plano de fogos de morteiro está deficientemente elaborado. No campo da execução de tiro a ligação telefónica PC/abrigos apresenta-se totalmente inoperante; no interrogatório feito à guarnição depreendeu-se que em caso de ataque o tiro era feito “a olho”, dado que a guarnição não acreditava na eficácia do planeamento.

- Ainda no âmbito da defesa, verificou-se a construção dos balneários à frente dos abrigos, o que elimina totalmente a já precária utilização destes.

- Em resumo: a defesa do aquartelamento está estruturalmente errada na concepção e apresenta-se inoperante na execução.

-No âmbito das instalações do pessoal, verificou-se a existência duma sala de oficiais bem instalada e com requintes de decoração, a contrastar flagrantemente com a acomodação dos soldados. Foi ordenada a imediata resolução deste problema.

Neste particular o comportamento do comando da Companhia revela-se francamente negativo, tanto mais que foi chamada a atenção de todos os Comandos para a constante atenção que deve merecer o bem-estar dos soldados.

- No tocante à alimentação foram detectadas várias deficiências, nomeadamente batatas e frescos estragados (pp. 3/5).


6. Visita a Afiá e Candamã em 18Nov70 (**)

- Estas duas tabancas encontravam-se totalmente abandonadas.

Os respectivos comandantes da milícia responsáveis pela defesa não têm a mais pequena noção do que lhes compete fazer em caso de um ataque organizado. Estas tabancas encontram-se praticamente entregues a si próprias, guarnecidas por pessoal inapto e sem instrução.

- Na revista de armamento, as armas apresentavam-se em péssimas condições de limpeza, pelo que foram retiradas algumas como castigo.

- A rede de amare farpado encontra-se destruída e os campos de tiro tapados com capim.

- Não há abrigos para as populações e os antigos abrigos abatidos não foram reconstruídos.

- Os professores queixam-se da carência de cadernos, esferográficas, lápis, quadros pretos e cola.

-Os comandantes da milícia queixaram-se da falta de catanas para procederem à capinagem; quanto à limpeza de armamento queixaram-se que a Companhia não lhes fornecia óleo para o efeito.

- Em resumo: Estas duas tabancas encontram-se à mercê de ataques IN reunindo as melhores condições para serem totalmente aniquiladas.

Salienta-se que estas duas tabancas já estiveram devidamente instruídas e mentalizadas parta uma eficiente defesa. (p. 5)



[ Revisão / fixação de texto: L.G.]

Próximo ponto > 7. Visita a Xime em 12Dez70

Observ. de L.G.:

 É estranho que, na véspera da Op Mar Verde (invasão de Conacri, em 22 de Novembro de 1970), Spínola ande a fazer "visitas de rotina" em pleno interior do CTIG...

De qualquer modo, depois de 18 de Novembro (visita a Mansambo, Afiá e Candamã), há um interregno... O general volta a zona leste, para estas visitas de inspecção, no dia 12 de Dezembro de 1970 (Xime), Dembataco, Taibatá,  Enxalé, Nhabijões  (a 15), e por fim Amedalai, Finete e Missirá (a 19)... 

Spínola fará, no Xime, duras críticas ao Comando do BART 2917, por causa da violentíssima emboscada que tivemos (a CART 2715, a CAÇ 12 e outras forças) na Ponta do Inglês, causando-nos 6 mortos e 9 feridos graves (Op Abencerragem Candente).


____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6327: O Spínola que eu conheci (17): A visita de inspecção ao Xitole e às tabancas em autodefesa de Sinchã Madiu, Cambesse e Tangali em 16 de Novembro de 1970 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

(**) Tinham cerca de 200 habitantes cada uma. Candamã era a sede do regulado de Corubal.  Mansambo não tinha população, a não ser os guias e as suas famílias.

Guiné 63/74 - P6334: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (15): Hino de Os Marados, Dedicatória e Balada dos Amigos Separados

Os Marados de Gadamael

e os dias da Batalha de Guidaje


Parte XV


por Daniel de Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74)


Hino de Os Marados de Gadamael


Escuta, Irmão
Nós somos Os Marados de Gadamael
Vivemos dias maus, Irmão
Dias amargos como fel
P´ra ti cantamos, nosso Irmão
Para o povo todo da Terra
Viver em Gadamael
É o máximo da guerra!
(refrão)
Mas chegará o dia, Irmão
De partirmos da Guiné
Com fé e confiança, Irmão
O que é preciso é estar de pé!
A comer “bianda” com chouriço
Isto é só emagrecer
Queremos ir p’rà nossa terra
Onde podemos comer
(repete refrão)
Mas chegará o dia, Irmão
De partirmos da Guiné
Com fé e confiança, Irmão
O que é preciso é estar de pé!


Dedicatória

Dedico estas páginas à memória dos camaradas que morreram na Guiné, mas igualmente aos Marados de Gadamael que já nos deixaram após o regresso (que eu tenha conhecimento, o Quaresma, o Pessoa, o Jaca e, mais recentemente, o Moutinho (o “Emerson Fitipaldi” das Berliet), grande entusiasta dos nossos convívios anuais no Continente. Por vezes, há outras notícias que nos chegam, mas como não estão confirmadas, não há que especular... Mas temos de nos ir habituando à ideia deste número ir crescendo paulatinamente, pois hoje estamos todos na casa dos 60 anos e a lei da vida é irreversível.

Não sei se para aqueles que de alguma forma participaram na guerra será positivo ou negativo este reacendimento das memórias. Voluntária ou involuntariamente, todos acabamos por dar connosco a reviver excertos do passado (não apenas deste passado, também da infância e de outros períodos da nossa vida). Reagir às recordações da guerra é sempre diferente. Podemos sempre voltar à vivência dos anos em que começámos a crescer e compreender as diferenças, mas é impossível de reconstituir dois a três anos no mato, o sofrimento e os bons momentos de lazer e diversão que também retivemos para todo o sempre. No quotidiano das nossas vidas deparamo-nos com imensos camaradas que ainda hoje é como se nunca tivessem saído da Guiné (de Angola, de Moçambique) e na maior parte dos casos não passaram o que nós tivemos a infelicidade de passar. Então, porquê reavivar esses tempos? Ajuda a espantar fantasmas? Não creio que existam, mas acredito que sejam (perdoem-me o lugar-comum) como as bruxas: “que las hay, las hay”!...

Um dia a SIC patrocinou o regresso de um ex-combatente à localidade onde havia estado durante a guerra (Moçambique). Em contacto com autóctones do seu tempo (já com muitos filhos à mistura) e com ex-combatentes do “outro lado” (FRELIMO), conviveu sem problemas, reviveu momentos, contou e ouviu histórias dos tempos idos. De repente, fez-se silêncio e, como quem não tem mais nada para dizer, pediu humildemente desculpa a todos os presentes. Desculpa de quê? De uma coisa de que não foi o principal culpado: ter lá estado, naquele tempo… E eu, nesse instante, desatei a chorar convulsivamente, de tal modo que não conseguia dominar-me, sendo essa a única manifestação espontânea, que me lembre, que tive relacionada com a minha primeira presença em África, de G3 numa mão e de cavilhas de segurança, mais cordão-de-tropeçar para as armadilhas, na outra. Que complexo guardei em mim durante tantos anos, até ver essa reportagem? Depois do regresso, por razões da minha vida pessoal, tive contactos com inúmeros ex-guerrilheiros e mesmo com dirigentes do PAIGC, MPLA, FRELIMO, MLSTP e FRETILIN, ao mais alto nível, tornei-me amigo de vários e nunca senti que tivesse que apresentar desculpas pessoais a ninguém, por nada deste mundo, nem eles admitiriam que o fizesse; tal como a mim, enquanto cidadão português, nenhum combatente pela liberdade tem motivos para me pedir desculpa. Mas voltar aos locais onde estivemos, encarar de frente os olhos tristes ou indiferentes das pessoas… De todos os programas televisivos, reportagens, foi o mais difícil para mim… Porquê tamanho complexo de culpa?

Quando pus pela primeira vez os pés em África, eu já tinha alguma consciência política, embora não muita informação: lembro-me de gravar um texto que me forneceram no momento, no Funchal (num programa da Estação Rádio da Madeira), em que Amílcar Cabral era tratado como um assassino… O texto era tão mau que o li aos bochechos, gravando-o de primeira, sem o perceber. Quando ouvi o resultado final já não pude evitar que fosse para o ar e, mesmo sem grandes argumentos para o contestar, recriminei-me por não ter recusado liminarmente a leitura.

Lembrar tudo isto, agora? É patético, mas até quando escrevo este texto tenho momentos de emoção e a reacção primeira é a da escrita compulsiva, é a de contar as histórias rapidamente, antes que se esgote o tempo e temendo que já ninguém se interesse por as ouvir (ler). O que de início se pretendia ser um texto sobre os dias de Guidaje já leva a dimensão de um pequeno livro, escrito nos tempos livres de não mais que quatro semanas e sem o intuito de grandes revisões nem cuidados literários: chegado ao fim, amigos, foi contar que foi assim e pronto…

Nesta dedicatória, não resisto a transcrever na página seguinte um poema de Mário Dionísio (16/07/1916 – 17/11/1993, ex-professor da Faculdade de Letras, poeta, conferencista e tradutor, que colaborou na Seara Nova, Vértice e Diário de Lisboa; prefaciou autores como Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, José Cardoso Pires e Alves Redol). Embora publicados em 1945, estes versos adaptam-se na perfeição ao estado de espírito com que recordamos todos estes camaradas.


Balada dos Amigos Separados

Onde estais vós Alberto Henrique
João Maria Pedro Ana?
Por onde anda agora a vossa voz?
Que ruas escutam vossos passos?
Ao norte? Ao sul? Aonde? Aonde?
José António Branca Rui
E tu Joana de olhos claros
E tu Francisco e tu Carlota
E tu Joaquim?
Que estradas colhem vosso olhar?
Onde agora a vossa vida repartida?
A oeste? A leste? Aonde? Aonde?
Olho prà frente, prà cidade
e pràs outras cidades por trás dela
onde se agitam outras gentes
que nunca ouviram vosso nome
e vejo em tudo a vossa cara
e ouço em tudo o som amigo
a voz de um a voz de outro
e aquele fio de sol que se agitava
sempre sempre
em todos nós
Dançam as casas nesta noite
ébrias de sombra nesta noite
que se prolonga em plena angústia
aos solavancos do destino
e não consegue estrangular-nos
Sigo e pergunto ao vento à rua
e a esta ânsia inviolável
que embebe o ar de calafrios
Onde estais vós? Onde estais vós?
E por detrás de cada esquina
e por detrás de cada vulto
o vento traz-me a vossa voz
a rua traz-me a vossa voz
a voz de um a voz de outro
toada amiga que me banha
tão confiante tão serena
Aqui aqui em toda a parte
Aqui aqui e tu aonde?

Mário Dionísio
in As Solicitações e Emboscadas
Vértice n.º 58, Janeiro de 1994
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6307: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (14): Cemitérios de Guidaje e Unidades mobilizadas na Madeira

Guiné 63/74 - P6333: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (15): Abrigo tipo de Mansambo - A sua construção

Mais uma Estória de Mansambo, série do nosso camarada Torcato Mendonça*, ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69). ESTÓRIAS DE MANSAMBO II - 15 ABRIGO TIPO DE MANSAMBO – A SUA CONSTRUÇÃO Como já dissemos anteriormente, no meio do nada, junto a uma pequena tabanca ia surgir um novo aquartelamento com um “simples” projecto da Engenharia Militar; um quadrado de cerca de cem por cem metros de lado, oito abrigos caserna – um em cada canto e mais um no meio de cada lado – num total de oito. Posteriormente seriam acrescentados pequenos edifícios de apoio: secretaria, cozinha, depósito de géneros, enfermaria. Quando apareceu a artilharia fizeram-se “espaldões” de protecção. Estava tudo protegido, digamos melhor: era um “campo” fortificado e a segurança era a prioridade. Como era o abrigo tipo? Tínhamos de dois tipos. Aos cantos em forma de L, e rectangulares ao meio de cada lado, do terreno escolhido. A sua construção era igual, só diferia a forma do abrigo. Assim: - Marcavam-se no chão, como se faz para qualquer edificação simples, um rectângulo ou um L, conforme a localização. As medidas já se esfumaram nos bolorentos baús da memória. Calculo, grosso modo, vendo fotos e fazendo comparações. Os rectangulares cerca de vinte por três metros; em L duas vezes dez (fachadas exteriores) pelos mesmos três metros. - De seguida escavava-se cerca de meio metro, todo o interior e punha-se a terra extraída de lado para futura utilização. Concluída a operação levantavam-se as paredes interiores com blocos de cimento. As paredes eram duplas. A partir do início da escavação, para poupar blocos, erguia-se a segunda parede exterior, afastada da interior, cerca de trinta a quarenta centímetros; esse afastamento seria preenchido pela terra extraída da escavação, restos de material, tudo bem batido. Estas duplas paredes teriam cerca de um metro e vinte ou um metro e meio de altura. Posteriormente ainda seria encostada terra no exterior, em forma de triângulo com base igual à altura sensivelmente. Ficavam portanto as paredes à mesma altura, colocavam-se na frente e laterais blocos de modo a deixar “seteiras”. Depois a toda a volta era feito um lintel. A partir daqui era colocada a cobertura. O mais complicado. Uma fiada de cibes e chapas de bidão por cima, tudo colocado à largura e saindo cerca de dois ou três palmos para a parte exterior. Colocavam-se mais duas fiadas iguais, uma no sentido longitudinal e outra como a primeira. Finalmente estendiam-se duas fiadas de arame farpado, ao comprimento e à largura, sendo depois espalhada uma camada de pedras e cimento, com cerca de vinte e cinco centímetros. As amplitudes térmicas e não só, provocavam a abertura de fendas. Solução: pediu-se à Tecnil (creio eu) um bidão de alcatrão e tapavam-se as fendas. Aquela estrutura aguentava o impacto de granadas de 82 e canhão sem recuo, com que éramos brindados. Estava lá e confirmo. De 120 ou mísseis desconheço… felizmente. A fachada do abrigo virada para a parada era, depois de bem protegida por dupla fiada de bidões cheios de terra, a zona de “convívio” e servia para tudo. Tinha um ponto fraco a sua cobertura, feita de chapas de zinco, por vezes com colmo sobre as chapas, devido ao calor, não aguentava tempestade ou passagem de helicóptero. Não sei, se um espirro, mais forte, faria estragos…granadas nem falar… pedras mais pesadas chegavam para o estrago. Era o local da malta. Estes abrigos ainda sofreram ataques violentos de ratos, percevejos e abelhas. Claro que foi tudo caiado e desinfectado, creio que por gente especializada. Para mim o pior foi o ataque dos percevejos. Fui bastante sugado. Esfregava o peito e esmagava dezenas… abria a luz e punha-os em fuga… desagradável. Pelas fotos podemos ver estes abrigos caserna onde, apesar de tudo, se conseguiu viver com algum conforto. Resistiram a tudo isto e muito mais… muito mais… um dia deixámo-los de herança à “malta” que nos rendeu e rumamos, primeiro a Bissau e ao Puto depois. Dizem-me, gente que lá foi agora há um ou dois anos, ter Mansambo “desaparecido” excepto a fonte. “Aquilo” só servia para a guerra… Mansambo > Abrigo em construção Vidas em Mansambo Mansambo > Periquitos, Oficiais, etc. Mansambo > Bonito e agradável, saudável Mansambo > Vista para Poente Mansambo > Construção de abrigo; juntas de dilatação Mansambo City Fotos © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados. Sem apoio da Engenharia militar lá se foi construindo. A nossa vida tinha preciosos auxiliares. Além dos picadores que estavam, alguns com as famílias, na pequena Tabanca de Mansambo chefiados pelo “Velho” Leonardo Balde, os Milícias. É desta tropa, destes homens que te vou falar. Pouco, muito pouco do que efectivamente te poderia contar. __________ Nota de CV: Vd. último poste da série de 6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6328: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2330) (14): Construção de Mansambo (Tampão)

Guiné 63/74 - P6332: O Spínola que eu conheci (18): O COMCHEFE de visita a Galomaro (António Tavares)



1. Mensagem de António Tavares* (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 3 de Maio de 2010:

Caro Vinhal,
O General António Sebastião Ribeiro de Spínola foi o Comandante-Chefe que conheci durante os 23 meses passados nas matas do Leste da Guiné.

Conheci-o, em 2 de Maio de 1970, - há 40 Anos -, em Brá, nas cerimónias de apresentação do BCaç 2912, no discurso de apresentação disse que os nossos Soldados eram os melhores do mundo, mas não tinham comandos à altura deles!

Brá > 2 de Maio de 1970 > Recepção ao BCAÇ 2912

Infelizmente, passados 17 meses, numa das rotineiras patrulhas nocturnas, auto transportado, pelas Tabancas em A/D, da área da CCS, caímos numa emboscada, perto do quartel, em Bangacia/Duas Fontes, com cinco mortes e vários feridos.

Em Galomaro foi visitar as obras do aquartelamento e saiu de lá satisfeito porquanto os homens do BEng 447, sob o comando de um Furriel Miliciano, actual dono de uma importante construtora do nosso País, estavam a interpretar bem as suas directivas e as obras propriamente ditas a decorrer em bom ritmo.

A fotografia anexa é testemunha da ocorrência como revela as caras risonhas do Oficial de Dia, o cabo-verdiano ex-Alf Mil António Delgado e do Comandante do Batalhão.

Galomaro > Visita do General Spínola às obras

Certo dia apareceu em Galomaro de surpresa - (?) - dirigindo-se de imediato ao refeitório das Praças porquanto tinha recebido uma carta de um Soldado a denunciar as más refeições.

Comandos atrapalhados porque o General Spínola perguntava às Praças se era verdade o que lhe tinham escrito sobre as refeições. Quase todos vacilavam na resposta… Um Soldado mais destemido respondeu que sim… naquele dia o rancho era melhor porque sabiam que o meu General vinha cá! De imediato o 2.º Comandante tentou emendar o Soldado dizendo que estava enganado porque ninguém sabia da vinda do nosso General…

Não houve consequências com esta inesperada - (?) - visita porquanto naquele dia a refeição era boa! Tínhamos recebido no dia anterior reabastecimento fresco.

O Capitão, Major e Comandante passaram a ir diariamente à cozinha… Durante uns tempos as refeições melhoraram… Acabando por decaírem na qualidade e quantidade.

Quanto a outras visitas aos aquartelamentos das CCaç 2699, CCaç 2700 e CCaç 2701, tive conhecimento e recordo algumas das descrições de outros ex-camaradas de Cancolim, Dulombi e Saltinho.

Lembro um Furriel Miliciano que estava destacado numa das tabancas em A/D, de Cancolim e rechaçou sozinho um ataque do IN… a recompensa foi o Gen. Spínola tê-lo transferido, quase no fim da comissão, para outra região de piores condições de guerra.

O Batalhão partiu, em 23-03-1972, nos aviões da TAM, e o heróico Furriel Miliciano permaneceu na Guiné… era um dos atributos do COM-CHEFE mudar facilmente de zona de acção qualquer patente de militar inclusive levá-los consigo no Heli.

Em 1971/72 na zona de acção da CCaç 2699 - Cancolim - o IN fez o primeiro ataque a Bafatá com foguetões… felizmente sem qualquer acerto… os nossos operacionais encontraram a rampa de lançamento!

O IN tinha-se virado para aquela zona de acção do Cossé! Era o começo do pesadelo para as nossas tropas! O início do que aí vinha de mau, na guerra de guerrilha, para os nossos camaradas do BCaç 3872, que ficaram com a responsabilidade daquela zona do Leste da Guiné.

Numa das minhas idas a Bambandinca vi, ao longe, o General Spínola com o seu séquito.
Sei que não foi no dia em que substituiu o comandante do BArt 2917 porque eu nesse dia estava em Galomaro.

Na despedida do BCaç 2912, no Comoré, recebemos os agradecimentos, da praxe, do GEN. SPÍNOLA, SEXA O COMCHEFE!

Estas foram as ocasiões que vi, ao perto ou ao longe, o Gen.Spínola, ComChefe da Guiné.

HOMEM que admirei… até pelo medo e respeito que os ex-combatentes tinham por aquele ILUSTRE MILITAR!

Um abraço
António Tavares
Ex-Fur Mil SAM
Foz do Douro, 02 de Maio de 2010

O BCAÇ 2912 no Leste da Guiné, em Galomaro, Cancolim, Dulombi e Saltinho
__________

Notaa de CV:

(*) Vd, poste de 29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6274: O cruzeiro das nossas vidas (16): Uma viagem calma no Carvalho Araújo a caminho da Guiné (António Tavares)

Vd. último poste da série de 6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6327: O Spínola que eu conheci (17): A visita de inspecção ao Xitole e às tabancas em autodefesa de Sinchã Madiu, Cambesse e Tangali em 16 de Novembro de 1970 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P6331: Dossiê Guileje / Gadamael (23): Algumas das razões do insucesso militar do PAIGC em Gadamael, maio / junho de 1973 (Nuno Rubim)

1. Mensagem de 23 de Janeiro de 2009, enviado pelo Nuno Rubim (foto à esquerda, em 1965, como Cap Comando do CTIG, em Bissau)  (*) ao João Seabra (Foto à direita) (**).

Embora se trate de correspondência não pensada para publicação no blogue, entendo que nos interessa a todos, uma vez que contém alguma informação (original) sobre o PAIGC e o seu insucesso militar face a Gadamael (um dos três G, a par de Guileje e de Guidaje, que tanta tinta - neste caso - bytes - tem feito correr, saudavelmente, no nosso blogue: batas referir que temos já cerca de meio milhar de postes no total destes 3 marcadores!). Julgo que tanto o Nuno Rubim como o João Seabra - dois discretos, mas muito estimados e ocupadíssimos membros da nossa Tabanca Grande - não me levarão a mal o ter repescado este material que estava no nosso arquivo morto... (LG)

Caro Camarada  [João Seabra]

Ainda a respeito do seu texto [, de 22 de Janeiro de 2009,], que o Luis Graça me enviou, tenho a acrescentar o seguinte:

Consultados os ex-comandantes do PAIGC sobre a questão do insucesso do ataque a Gadamael (Nino Vieira disse ignorar as razões ...), o Maj Gen Watna e os comdts Osvaldo Lopes Vieira e Julinho de Carvalho, ouvidos separadamente e em diferentes ocasiões, foram praticamente unânimes em apontar as seguintes razões principais (**):

(i) Gasto excessivo de munições de 120 mm no ataque a Guileje.

(ii) Dificuldade de locais propícios para os instalar e o que foi finalmente escolhido veio-se a revelar impróprio, já que devido ao início das chuvas os pratos dos morteiros se desequilibravam e/ou se iam enterrando progressivamente no solo. E outra qualquer posição teria trazido grandes problemas no transporte das munições.

(iii) Não ter havido, tal como em Guileje, possibilidade de observar o tiro com a mesma eficiência do que em Guileje e consequentemente de melhor regular o fogo.

(iv) Há ainda a acrescentar a evidente escassez de tropa de infantaria que Amílcar Cabral várias vezes tinha referido, sendo que o PAIGC, como ele próprio reconheceu, foi obrigado a um recrutamento parcial compulsivo.

(v) Finalmente, o planeamento da operação Maimuna A (1968) englobava ataques simultâneos a Guileje e Gadamael, com emboscadas montadas entre Mejo e Guileje e no cruzamento de Guileje, o que me leva a admitir que o planeamento da operação Amilcar Cabral (Maio 1973) só terá sofrido, fundamentalmente, alterações quanto ao timing dos ataques.

Camarada, ainda tenho naturalmente várias dúvidas sobre determinadas questões e por isso vou tentar ouvir ainda vários comdts do PAIGC enquanto isso fôr possível (a eles e a mim próprio ... ). Penso pois ir novamente à Guiné este ano. (****)

Um abraço
Nuno Rubim


2. Aproveito para divulgar, creio que pela segunda vez,  pedido do Nuno Rubim sobre Gadamael:

Caro Luís

Como estou, como é vulgo dizer "com a mão na massa", também penso realizar algumas pequenas pesquisas sobre outra "saga", desta vez, Gadamael.

Já tenho o levantamento de todas as unidades que por lá passaram, mas naturalmente o que mais me vai ocupar é o período Mai-Jul 73.

Também seria muito interessante tentar fazer um esboço do que teria sido o aquartelamento nessa altura, sem abrigos "blindados" como os que houve em Guileje e Gadembel ... Só valas e trincheiras a céu aberto !

Naturalmente só com a ajuda dos camaradas que por lá passaram é possível fazer alguma coisa. Fotos para começar ... Haverá alguma aérea, mesmo que de outro período ?

Uma questão prévia: precisava de saber quando e até que data foram ocupados Gadamael Fronteira e Ganturé. Deste último tenho informações que referem ter ali estado instalado um Pel Rec (ou Gr Comb ) desde Fev/Mar 1964 até Jul 69, mas é possível que tenha continuado depois desta última data.

Também pergunto se algum camarada tem conhecimento de um Fur Mecânico-Auto, de apelido Barros, que terá estado em Guileje e/ou Cacine em 1971-72.

Um abraço
Nuno Rubim
_______

Notas de L.G.:

(*)  O Nuno Rubim, Cor Art Ref, é  um dos membros mais antigos do nosso blogue. Ele chegou até nós, no último trimestre de 2005,  por mão do Virgínio Briote. Estiveram ambos nos comandos do CTIG em 1965/1966. O projecto museológico de Guileje acabou por se tornar, para ele, numa paixão. Além de autor do diorama do quartel de Guileje, o Nuno Rubim foi também um dos oradores do Simpósio Interncional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008). Esteve duas vezes na Guiné em missão de serviço, durante a guerra colonial. 

(**) Vd. poste de 27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)


(***) O essencial desta informação foi obtida em Fevereiro / Março de 2008, quando o Nuno Rubim esteve na Guiné-Bissau, antes, durante e depois do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008).

O Nuno é um incansável e competentíssimo investigador de arquivo (e não só...). Sobre alguns dos arquivos que interessam para o estudo da guerra colonial na Guiné, ele confidenciuou-me (em mail particular, de 28/10/2008) o seguinte:

(...) "Arquivo Amílcar Cabral. Pois já lá fui várias vezes e penso que estou a atingir 'o fundo da panela'... A não ser que ainda não esteja todo o material colocado à disposição dos leitores, sem que haja aqui qualquer crítica implícita.

"Mas o que me está realmente a surpreender é o A.H.M.  [AQrquivo Histórico-Militar]. Agora que já
consigo "movimentar-me" com conhecimento de causa, tenho encontrado material de enorme interesse ! E até muita coisa sobre o PAIGC !

"Que ninguém se possa convencer que sabe da história da guerra se não tiver lá passado muitos meses e mesmo anos ! E depois trabalhado em casa, por largo tempo, o material recolhido !

"Talvez realizes agora melhor o que é ter já perto de 28 GB, 5320 ficheiros (textos, mapas, fotos, etc... ) em 689 pastas no meu computador !

"E olha que julgo estar longe do que considero minimamente necessário para se ter uma ideia bem fundamentada sobre a realidade do que foi essa triste guerra ... E estou só a falar dos aspectos militares !

"Muito lamento não ter menos uns dez anos, pelo menos" (...)

(****) Infelizmente, por diversas razões, a que não é alheia também a instabilidade político-militar na Guiné-Bissau, este belo sonho do Nuno e da Júlia (que nasceu na Guiné), não tem sido possível concretizar...

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6330: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (28): Diário da ida à Guiné - 08/03/2010 - Dia cinco

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 1 de Maio de 2010:

Caro Carlos:
Junto envio o relato do 5.º dia da minha viagem à Guiné (estória n.º 28
da série “A Guerra Vista de Bafata”).

O início da série NA KONTRA KA
KONTRA tem que continuar adiado.

Um abraço
Fernando Gouveia



A GUERRA VISTA DE BAFATA - 28

Diário da ida à Guiné – Dia cinco (08-03-2010)

Como passou a ser meu costume, todos os dias me levantava muito cedo para “ir à caça”. Via sempre nascer o Sol. Ia cedo porque queria estar presente quando o resto do grupo já estava operacional e, de forma alguma, queria perder pitada, “beber” tudo o que fosse possível da Guiné. Estávamos numa segunda-feira e já ia embora na quarta-feira à noite. Impossível, não podia ser. De imediato comecei a pensar no adiamento do regresso. Meio dito (ou pensado), meio feito…

Como já anteriormente disse, passei a “ir à caça” sempre sozinho. Desta vez, levando a carabina ponto 22 do Chico Allen, fui direito à grande clareira, uma bolanha seca que o balanta José me tinha ensinado. Ia tirar a limpo de que passaroco se tratava, o tal que parecia prateado ao esvoaçar. Escondi-me na vegetação existente à volta do charco onde o pássaro costumava estar e não demorou muito a aparecer. Pude observá-lo muito bem a uns cinco metros de distância. Tratava-se muito simplesmente de um pica-peixe matizado de branco e preto que ao voar parecia prateado. Estive largos minutos a vê-lo pescar pequenos peixes. Depois também apareceu uma garça branca. Pareciam ser os dois únicos residentes da lagoa. Momentos inesquecíveis. Tive muita pena de não ter levado a máquina fotográfica e a de filmar.

Se há quarenta anos, na única operação em que participei, procurei andar sempre fora dos trilhos por motivos óbvios, agora semelhantes, ao atravessar a clareira para o outro lado, fi-lo só pelos trilhos bem marcados. Ainda me lembrava bem o que o Mr. John, em Varela, tinha dito sobre as vacas que de vez em quando pisavam uma antiga mina.

Fartei-me de “encher o olho” com aquela paisagem que todos conheceram. Morros de baga-baga sempre diferentes uns dos outros, palmeiras do vinho de palma, palmeiras de cocos, palmeiras de frutos parecidos com cocos, “árvores conta” com frutos que parecem bolotas mas de cores exuberantes, “árvores pelon” com as suas flores exóticas, bissilãos de tronco enorme e muito recortado com arremedos de “art nouveau” e os embondeiros (eternos baobás), imponentes, com os seus frutos que mais parecem ratos pendurados pelo rabo mas que têm uma polpa que os miúdos, e eu próprio, gostamos de chupar quando no início da época das chuvas os vendavais os deitam a baixo.

Um Morro de baga-baga diferente.

Os frutos da árvore conta.

Flor da árvore pelon.

Tronco de bissilão (foto do Miro).

Embondeiro com os seus frutos que mais parecem ratos pendurados pelo rabo (fotos não minhas).

Regressei ao empreendimento a meio da manhã, estava o pessoal a tomar o pequeno almoço. Lembro-me agora que estive para regressar logo no início do passeio pois, indo de manga curta, senti muito frio pois ia-me molhando no capim alto e seco, encharcado com o orvalho nocturno, apesar de durante o dia a temperatura rondar sempre os 40º.

Entretanto chegaram vários casais pertencentes ao grupo que fez a viagem de carro. Entabulou-se uma conversa perfeitamente estéril sobre as fracas condições do nosso empreendimento e também sobre o regresso a Portugal. Por razões emergentes na conversa, mais tarde o grupo veio a fracturar-se. Na sequência dessa conversa, que iria durar o dia inteiro, comecei a ver a minha vida andar para trás.

Para quando Bafata?

Uma das senhoras prontificou-se a fazer o almoço (um arroz de bacalhau), o que foi um alívio para mim. Autenticamente aguardei sentado que me servissem. Depois, para não participar naquela conversa que não me dizia respeito, fui dormir a sesta pela primeira vez.

Não tendo terminado a tal conversa resolveram que íamos jantar ao empreendimento de João Landim para a continuar. O bife que lá comi estava duríssimo. Luz ao fundo do túnel... Como íamos ficar só quatro elementos na Anura, resolveu-se que no dia seguinte íamos a Mansabá, “a guerra” do Pimentel e do Mesquita e também a Bafata. Finalmente…

Como acontece com os miúdos, nessa noite custou-me a adormecer com a excitação do que poderia acontecer no dia seguinte. E aconteceu…

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6285: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (27): Diário da ida à Guiné - 07/03/2010 - Dia quatro

Guiné 63/74 - P6329: Notas de leitura (101): Spínola, a biografia de Luís Nuno Rodrigues (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2010:

Queridos amigos,
Circunscrevi o punhado de notas de leitura à presença de Spínola na Guiné, é o contexto esperável para o nosso blogue.

Envio de seguida uma sugestão que é visita à exposição “Memória do Campo de Concentração do Tarrafal”, onde estiveram presos guineenses.
A exposição está patente no Museu do Neo-Realismo, até 29 de Agosto (Rua Alves Redol, 45, Vila Franca de Xira, tel.: 263285626).

Um abraço do
Mário


Spínola, a biografia de Luís Nuno Rodrigues (2)

Beja Santos

“Por uma Guiné Melhor”

A fazer fé no documento que entregou em Maio de 1968 a Salazar, Spínola estava já consciente de que a guerra na Guiné não poderia ter um desfecho meramente militar. Aquilo a que ele designava por “força da razão” era uma guinada amplíssima na promoção social e na satisfação das necessidades básicas das populações, cortando cerce a argumentação do PAIGC. “Por uma Guiné Melhor” aparece como a resposta possível ao conflito ideológico que se trava com o PAIGC. Lisboa não lhe irá regatear um importante apoio financeiro para criar mais infra-estruturas (rodoviárias, comunicações, portos), educação e assistência sanitária, mas será sempre tudo arregaçado. Em Março de 1969, numa mensagem à população, Spínola fala no nascimento da “nova Guiné”: estradas alcatroadas, portos fluviais, mais escolas, criação da meritocracia, ou seja, uma selecção dos melhores nos acessos aos lugares mais altos da administração. Toda a sua correspondência para os governantes é um regatear permanente de meios, a toda a hora lhes recorda as promessas de apoios financeiros. Como é evidente, o fantasma da guerrilha não podia ser iludido e daí o reordenamento e auto-defesa das populações constituiu um objectivo prioritário na criação de novos aldeamentos. Eles foram construídos e neles instalados poços para o abastecimento de água, escolas e postos médicos. Foram dadas instruções aos comandos para alterar o seu comportamento relativamente aos guineenses: deveriam cessar todos os actos injustificados de violência, instituído um novo relacionamento que passaria inclusivamente pela libertação de prisioneiros políticos. Em Agosto de 1969, Spínola joga um trunfo elevado: liberta Rafael Babosa, antigo presidente do Comité Central do PAIGC, bem como um conjunto de outros presos políticos. Sabe-se hoje que o discurso de Rafael Barbosa , aquando da sua libertação, abalou internamente o PAIGC.

As obras públicas e os melhoramentos tornaram-se o novo rosto do progresso: em 1968 havia na Guiné 60 quilómetros de estrada alcatroada, cinco anos depois 550. Folheando a imprensa propagandística da época, encontramos Spínola a toda a hora a inaugurar escolas e toda a sorte de benfeitorias.

Os Congressos do Povo foram uma outra componente fundamental da política de aproximação às populações: eram organizados com base nas diversas etnias, abrangiam os habitantes das circunscrições administrativas e nas reuniões anuais estavam presentes membros dos estratos dominantes da sociedade tradicional. Numa alocução, Spínola disse: “O congresso não é para vir aqui bater palmas ao governador, não é para vir aqui dizer que sim à política do governador, é para que cada um diga sinceramente o que pensa e faça abertamente as críticas que entenda dever fazer”.


Correndo contra a falta de meios militares

Não se pode negar que os primeiros tempos de Spínola na Guiné acusaram a dinâmica das mudanças no dispositivo militar. Quando Spínola chegou à Guiné a área controlada pelo PAIGC era estimada entre 50 a 60 por cento do território, se bem que os portugueses continuassem a ocupar todas as cidades, todos os postos administrativos, o que não é surpresa atendendo à natureza da guerrilha. Passou a ser proverbial encontrar o comandante-chefe no mato, durante as manhãs, o que se saldou em notáveis efeitos psicológicos nos soldados portugueses. Na área militar, Spínola não deixa margem a ilusões quanto à falta de meios, não ilude que a situação militar no terreno não era a mais favorável, não esconde o desânimo que ele próprio verifica no seio dos militares que se encontravam em serviço na Guiné. Como sempre, ele joga com expressões ambíguas e exige novos apoios, em todos os domínios, desde as equipas cirúrgicas a meios aéreos compatíveis com as novas realidades de amplos espaços ocupados por população hostil, faz mesmo alusões ao caso da Índia. Quando Caetano visita a Guiné, em Abril de 1969, em plena sala de operações do Comando-Chefe, Spínola não ilude a realidade: “O inimigo continua a manter a iniciativa num desenvolvimento sistemático da sua manobra de largo envolvimento e cerco à ilha de Bissau – seu objectivo militar e psicológico final”. À luz de todos os documentos deixados em poder dos governantes, a expressão “situação crítica” é correntemente usada a propósito da evolução militar.

Não se sentido devidamente apoiado quanto a uma conclusiva “manobra estratégica” por Lisboa, Spínola estabelece diferentes prioridades: o chão manjaco como área fulcral da luta contra a subversão (aí, em Abril de 1970, irá sofrer um duro revés com a morte de vários oficiais que negociavam com os combatentes do PAIGC); mais tarde, com anuência de Caetano, prepara a invasão de Conacri cujos resultados, em termos diplomáticos, serão um verdadeiro desaire para a política externa de Caetano.


Caetano e Spínola: da admiração à ruptura

É inegável que Caetano e Spínola tiveram uma profunda admiração recíproca. Ainda no Verão de 1970, encontraram-se no Buçaco, Caetano estava a trabalhar na revisão constitucional, fizera surgir a expressão “autonomia progressiva”. Desse encontro resultou um documento de Spínola que terá servido de base ao livro Portugal e o Futuro. O projecto de revisão constitucional de Caetano acabará por ser mitigado, trará decepção a Spínola. Em 1972, a quando das eleições presidenciais, Spínola terá considerado que iria ser chamado para a chefia do Estado. Nesse ano, Spínola, autorizado por Caetano, entabula conversações com Senghor, o presidente senegalês propôs-lhe uma autodeterminação gradual para a Guiné, seria uma medida cautelar para o desenvolvimento de uma nova classe governativa, Senghor acreditava mesmo no apoio de Amílcar Cabral a tal iniciativa. Caetano proíbe novas reuniões, chega mesmo a admitir que será preferível uma derrota militar a quaisquer compromissos que pudessem pôr em causa as outras parcelas do Ultramar. Nesse mesmo ano, Caetano proíbe uma reunião entre Spínola e Amílcar Cabral. A ruptura entre os dois políticos está consumada, e é assim que se caminha para a crise de 1973, um ano horrível para os dois. Em Janeiro, é assassinado Amílcar Cabral. Ainda hoje, os acontecimentos deste homicídio continuam no nevoeiro, nunca nenhum historiador conseguiu incriminar taxativamente quer a PIDE quer as autoridades de Conacri. O importante é que o PAIGC reagiu semeando o terror em Guidage, Guileje e Gadamael. Inicialmente, Spínola, com a concordância de Costa Gomes, inclina-se para três cenários: redução da área a defender; redução do dispositivo existente ou reforço do teatro de operações. Políticos e estrategas apoiam a redução da área a defender. É nessa data que Spínola escreve ao ministro do Ultramar e deixa claro que se caminha para um colapso militar, desfecho que ele vaticina que se irá verificar não no seu mandato, que esta a terminar, mas a seguir. Desalentado, informado que não há meios para contrariar as novas armas do PAIGC, Spínola decide abandonar as suas funções da Guiné. Mudara de opinião quanto à retracção do dispositivo militar, isso significaria o abandono de populações que nele tinham confiado. A Guiné tinha atingido uma fase “estritamente militar”, incompatível com os compromissos que ele considerava ter assumido com as populações. Regressa a Lisboa a 6 de Outubro de 1973, a Guiné já não tem solução militar, Spínola prepara a desforra. O historiador Luís Nuno Rodrigues explica todos esses acontecimentos, vale a pena ler esta biografia, o que aqui se relatou foi somente a relação entre Spínola e a Guiné.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6300: Notas de leitura (100): Paraíso Verde - Contos de Francisco Valmoura (Mário Beja Santos)

Vd. primeiro poste da biografia de Spínola de 29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6272: Notas de leitura (99): Spínola, a biografia de Luís Nuno Rodrigues (1) (Mário Beja Santos)