sexta-feira, 15 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10035: In memoriam (119): 11 militares (10 da CCAÇ 16 e 1 da 3ª C/BCAÇ 4615) e um número indeterminado de civis, mortos na emboscada de 22/4/1974, na estrada Bachile-Cacheu (José Joaquim Rodrigues / Bernardino Parreira)




Página de rosto do blogue Gotas d' Água... O autor, J.J. Rodrigues,  assina-se com o pseudónimo o Gota d' Água, e tem perfil no Blogger desde novembro de 2006... Possui diversos blogues ligados às coisas e às gentes da sua terra (Conceição,  Faro)... Diz-se um contador de histórias, "algumas rimadas, outras apenas prosadas, mas todas imaginadas", e onde "qualquer semelhança com situações reais é (im)pura coincidência", pelo menos "até ver"... 


Sabemos que se trata de um camarada, ex-fur mil,  que pertenceu à 3ª C/BCAÇ 4615/73 (, batalão sediado em Teixeira Pinto),tendo deixado  um comentário no poste P4267, de 29 de abril de 2009: 


"Olá, amigos. Há algum tempo que sigo o blogue e a página sobre a Guiné, uma vez que também sou um antigo combatente na Guiné. Tentei encontrar notícias do meu Batalhão 4615, que em 73/74 esteve na zona de Teixeira Pinto. Se por acaso algum camarada, desse batalhão, ler este comentário agradeço que me mande uma mensagem para o e-mail: jlrodrigues.22@gmail.com. Um abraço, J.J. Rodrigues". 


Depois de diversos mails trocados com o nosso camarada Bernardino Parreira, que vive em Faro e que foi fur mil na CCAÇ 16 (1972/73), descobrimos que se trata do José Joaquim Rodrigues a quem saudamos e convidamos a integrar a Tabanca Grande. 


Desta companhia, a 3ª C/BCAÇ 4615, já temos entre nós o António Tavares Oliveira, também  ex-fur mil, e que vive em Vila Nova de Gaia. Diz-nos que esteve no TO da Guiné entre Out de 1973 e Set de 1974. O batalhão era conhecido como o Pifas.




1. Comentário de Bernardino Parreira, com data de 24 de setembro de 2010, ao poste P7024:

Caro amigo [António] Branco

Esta tua crónica demonstra bem a forma como a Guerra evoluiu na zona de Bachile/Teixeira Pinto, entre 1972/73/74. Pelo que se sabe, o poderio militar do PAIGC passou a estar muito acima do que dispúnhamos. O que até ao fim de 1972 parecia ser uma zona "calma", com o perigo à espreita, visto o aquartelamento de Bachile se situar a pouca distância da residência do IN (Caboiana), passou a ser, nos fins de 1972 princípio de 1973, mais um ponto nevrálgico da guerra. 


Após o meu regresso [à metrópole], em Março de 1973, tive conhecimento da morte de muitos camaradas da CCAÇ 16, bem como de elementos da população civil, na sequência de ataques do PAIGC. Seria pertinente, para ajudar a escrever a História desta Guerra, que os ex-combatentes que testemunharam, de alguma forma, estes episódios os divulgassem. (*)

Por acaso, encontrei na Internet o testemunho de um meu conterrâneo, de Faro, autor e editor do Blogue "Gotas d' Água", que se refere, precisamente, a um episódio de guerra na zona de Bachile, que vem confirmar, em parte, a justeza desta tua crónica. Dada a falta de espaço, irei transcrever a seguir o relato que encontrei no Blogue "Gotas d'Água".

Um grande abraço
 Bernardino Parreira
CCAÇ 16
Bachile, 1972/1973 




2. Histórias de guerra VII > Bachile


Reprodução.  com a devida vénia, do Blogue  Gotas d'Água > 29 de setembro de 2007 > Histórias de guerra VII [,José Joaquim Rodrigues, ex-fur mil, 3ª C/BCAÇ 4615/73, Bachile e Bassarel, 1973/74] 

O Bachile ...

Zona muito perigosa, situada a meio caminho entre Teixeira Pinto e Cacheu, no Bachile estava sedeada uma Companhia de guerreiros operacionais guineenses que operava os Obuses. Nesta Companhia estavam também alguns guerreiros graduados,  naturais da metrópole. [Referência à CCAÇ 16].


Mesmo encostada ao Bachile ficava a misteriosa Caboiana, mata onde se sabia existir um quartel-general dos "turras”, nome assustador pelo qual designávamos os guerreiros inimigos; pelo seu lado, eles vingavam-se chamando-nos “tugas” mas que afinal viemos a saber apenas queria dizer “brancos”.

Na recepção, os “velhinhos” logo tentaram matar-nos de susto, exagerando no seu comportamento, mais parecendo acabados de sair do manicómio do que verdadeiros guerreiros. Relataram-nos com exagerados detalhes os sucessivos ataques sofridos ao arame, isto é, junto à vedação exterior do aquartelamento. Segundo afirmavam,  os turras não os deixavam dormir ou descansar porque os confrontos eram quase diários. Viver mais de dois anos naquela situação, tinha-os deixado em estado de semi-loucura!
Tanto ronco tinha-os deixado cacimbados! (tanta festa tinha-os deixado malucos!)

Instalámo-nos como pudemos, iniciando de imediato este inevitável esforço de guerra. Agora, em pleno teatro de guerra, todas as operações eram feitas com grande cuidado, devido ao enorme risco que as envolvia.

Felizmente enquanto permanecemos no Bachile não houve qualquer confronto com os guerreiros inimigos, embora por vezes pressentíssemos a sua presença espiando os nossos movimentos.

Finalmente para nosso alívio, chegou o dia de abandonarmos o Bachile. Deixaríamos um grupo em Churobrique e outro em Chulame,  indo o resto da Companhia [3ª C /BCAÇ 4615], incluindo o guerreiro do sul [, José Joaquim Rodrigues, o autor do relato], instalar-se em Bassarel, zona teoricamente um pouco mais calma.

No Bachile, mais um pequeno incidente com o guerreiro do sul que aqui "apanhou o paludismo" tendo levado a famosa "injecção de cavalo” o que lhe valeu um enorme inchaço na anca e a perna direita toda apanhada. Pudera,  as injecções eram doses para as referidas cavalgaduras, não para humanos, mesmo que guerreiros. Mas o fim justifica o meio e o paludismo foi gradualmente desaparecendo, para alívio do guerreiro do sul.

Nesta breve referência ao Bachile, cabe aqui o relato de um grave incidente de guerra, ocorrido poucos meses após a nossa saída, no qual foram intervenientes o nosso grupo de Churobrique, um grupo do Bachile, um grupo de combate da 2ª.Companhia e os Fiats da Força Aérea, para além dos guerrilheiros inimigos.

Pelo meio cerca de cinquenta civis que,  não tendo directamente a ver com a guerra, só porque naquele momento estavam a trabalhar para as nossas tropas, foram dura e barbaramente castigados.

Uma manhã, o grupo de combate do Bachile [, CCAÇ 16,] fazia,  como habitualmente, a escolta a uma Berliet com cerca de cinquenta trabalhadores civis que,  havia uma semana,  efectuavam trabalhos de “capinagem”, isto é, cortavam o mato que envolvia a estrada para o Cacheu. Atrás, com o objectivo de durante o decorrer dos trabalhos diários, fazer a segurança dos mesmos trabalhadores, seguia um Unimog, com o grupo de combate de Churobrique [3ª C/BCAÇ 4615].

Precisamente ao chegar ao local, onde iriam reiniciar os trabalhos, a pouco mais de quinhentos metros do Bachile, foram surpreendidos pelos guerrilheiros inimigos que,  emboscados na mata, dispararam e lançaram uma grande quantidade de granadas.

De todas as mortes a lamentar, houve uma em particular que a todos causou ainda maior consternação e desespero. O furriel que chefiava a escolta, tinha recebido a notícia, há tanto tempo esperada, do fim da sua comissão de mais de vinte e oito meses de guerra. [Referência provável a Arnaldo do Nascimento Carneiro Carvalho].  Naquela manhã,  que seria a última no Bachile,  ofereceu-se (sem ter de o fazer) para chefiar a escolta, segundo as suas palavras, para fazer a despedida.


E fez, de forma dramática e definitiva! Na emboscada foi atingido em pleno abdómen por uma granada RPG que o destruiu, tendo morte imediata. Nem um único guerreiro daquela escolta sobreviveu nesta emboscada, assim como, todos os trabalhadores civis.

Os guerreiros de Churobrique, um pouco mais atrás, com vários feridos, quase não conseguiram reagir a este inesperado ataque. No entanto, de imediato recebem apoio da 2ª. Companhia que estava sedeada no Cacheu e dos Fiats da Força Aérea, o que fez com que os guerrilheiros inimigos retirassem rapidamente. Para trás não deixaram uma única baixa.

Na perseguição, o grupo de combate da 2ª. Companhia avança pela mata sem qualquer meio de comunicação que pudesse indicar correctamente a sua posição aos Fiats da nossa Força Aérea e quase acaba sendo atingido pelo fogo amigo. Felizmente os pilotos não efectuaram quaisquer disparos, evitando assim agravar aquela situação que teve momentos de invulgar tensão, raiva e desespero!

Na retirada, os “turras” desapareceram,  utilizando uma técnica de dispersão em pequenos grupos, sendo difícil saber exactamente para onde se dirigiam, uma vez que se ouviam disparos de zonas completamente diferentes e até opostas.

Ao fim de algum tempo, tudo termina num enorme silêncio de dor e de morte!

Na manhã seguinte quando o guerreiro do sul, integrando a coluna de Teixeira Pinto para Bissau, se preparava para iniciar a viagem, foi-lhe pedido que transportasse na sua Berliet alguns daqueles mortos, de entre os quais, o nosso infortunado furriel.

E assim se fez mais uma história de guerra, diferente e ao mesmo tempo tão igual a tantas outras que muitos camaradas guerreiros viveram. 
Nós estamos cá para as contar, mas infelizmente outros não tiveram tanta sorte!

Até outro dia, camaradas!

Fonte: Blog Gotas d'Água > 29 de setembro de 2007 > Histórias de guerra VII 


[Há doze histórias de guerra neste blogue, relatando as (des)venturas do José Joaquim Rodrigues, ex-fur mil da 3ª C/BCAÇ 4615, por terras da Guiné: ver aqui o link]




3. Comentário(s) do Bernardino Parreira:


(i) O meu Bem Haja ao camarada que escreveu e publicou este texto na Internet, que, a dezenas de anos de distância, nos veio ajudar a perceber por que consta na listagem dos mortos na Guerra do Ultramar, na Guiné, o nome de 10 militares da CCAÇ 16, que perderam a vida em 22/04/1974.


 Resta-me mencionar o nome dos 10 camaradas que perderam a vida no fatídico dia 22/04/1974, na sequência de um ataque do PAIGC, 3 dias antes da revolução do 25 de Abril que conduziria ao cessar fogo entre as duas partes envolvidas nesta guerra.


Albino Gomes da Costa,  Fur Mil
Ambrósio Capambu Injai,  Sold At 
Arnaldo do Nascimento Carneiro Carvalho, Fur Mil
Carlos Gomes,  Sold At 
Luís da Costa, Sold At
Nulasso Albino Gomes, Sold At
Paulo Caiesta Tué Mendes,  Sold At 
Policarpo Augusto Gomes, Sold At
Samper Mendes, Sold At
Vicente Rodrigues, Sold At



(ii) Confrontado com a existência de um 11º morto, nesse dia e provavelmente no mesmo local, o Manuel Martins Lopes da 3ª C/BCAÇ 4615 (#), o Bernardino Parreiro respondeu-me o seguinte, em mail recente, de 14 do corrente:



(...) "É verdade, o meu amigo Policarpo [Gomes, o tal que fui visitar à prisão antes de regressar a São Domigos, e que pertencia ao seu pelotão] , juntamente com outros camaradas e amigos da CCaç 16, vieram a falecer tragicamente numa emboscada, 3 dias antes do 25 de Abril. Fiquei muito consternado ao ter conhecimento da sua morte, mas pormenores só os fiquei a saber, por acaso, quando vi o blogue do José Joaquim Rodrigues. Também aí faleceu outro grande amigo meu, o furriel Carvalho, que me dizia, quando eu parti de Bachile, ter o 'pressentimento que não regressaria vivo' e , ao que sei, morreu na véspera do regresso à Metrópole. São memórias muitos tristes, para os meus 63 anos.

"Quanto ao falecimento do Manuel Martins Lopes, da 3ª C/BCAÇ 4615 (**), nada sei, nem conheci, pois essa companhia passou por Bachile em data muito posterior à minha saida de lá. Mas se encontrar por aqui o José Joaquim, vou 'convidá-lo' a colaborar com esta Tabanca porque ele até tem jeito para escrever" (...).


(#) Lista dos mortos em combate no dia 22/4/1973 (Fonte: Liga dos Combatentes > Mortos no Ultramar > Guiné)

Apelido  Nome  Posto  Ramo  Teatro de operações  Data  Motivo  
CARVALHO ARNALDO NASCIMENTO CARNEIRO CARVALHO FurExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
COSTA ALBINO GOMES DA COSTA FurExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
COSTA LUÍS DA COSTA SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
GOMES CARLOS GOMES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
GOMES NULASSO ALBINO GOMES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
GOMES POLICARPO AUGUSTO GOMES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
INJAI AMBRÓSIO CAPAMBU INJAI SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
LOPES MANUEL MARTINS LOPES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
MENDES PAULO CAIESTA TUÉ MENDES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
MENDES SAMPER MENDES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
RODRIGUES VICENTE RODRIGUES SoldExércitoGuiné22/04/1974  Combate  
ApelidoNomePostoRamoTeatro de operaçõesDataMotivo

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Notas do editor

(*) Último poste da série > 10 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9880: In Memoriam (118): A sã camaradagem e a vil emboscada, morreu o camarada Vasco Almeida (Vasco da Gama)




(**) BCAÇ 4615/73: Mobilizado pelo RI 16. Partida: 22/9/1973; regresso: 8/9/1974; sede: Teixeira Pinto, comandante: ten cor inf Nuno Cordeiro Simões. 


A 1ª C/BCAÇ 4615/73 esteve no Cacheu; comandantes: cap mil cav Germano de Amaral Andrade;  cap mil inf  António Miguel Seabra Nunes da Silva; e cap mil inf cap mil inf Carlos José da Conceição Nascimento.


A 2ª C/BCAÇ 4615/73 esteve em Teixeira Pinto.Comandantes:  cap mil inf cap mil inf  António Miguel Seabra Nunes da Silva; alf mil inf José Carlos de Barros Moura; cap mil inf cap mil inf  António Miguel Seabra Nunes da Silva.


E, por fim, a 3ª C/BCAÇ 4615/73 esteve em Bassarel.  Comandante: cap mil inf  Fernando Moura de Castro Felga.

Guiné 63/74 - P10034: O Nosso Livro de Visitas (139): Investigação sobre Guiledje (TCorEng José Berger)

1. O nosso Camarada Luís Graça recebeu do Sr. TCorEng José Berger, Chefe do Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar da Direcção de Infra-estruturas do Exército, o seguinte e-mail de felicitações, em 13 de Junho de 2012. 

Guileje > 1971/1972 

Luís Graça, 
Felicitações,

Ex.mo Dr. Luís Graça 

Por necessidade profissional tive que fazer uma pequena investigação sobre Guiledje e deparei-me com o seu Blog: Luís Graça & Camaradas da Guiné, que constituiu uma agradável surpresa face ao manancial de informação e dos imensos testemunhos sentidos que pude ler e com eles aprender confirmando o esforço sobre-humano e a solidariedade dos nossos camaradas que por lá passaram e escreveram páginas honrosas da nossa História em torno dos valores supremos da nossa Identidade Nacional. 

Felicito-o pela sua ideia, esforço de coordenação e dedicação patentes na continuidade e interesse sempre crescente do Blog. 

Com os melhores cumprimentos e consideração, 
José Paulo Berger, 
TCorEng - Chefe do Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar
da Direcção de Infra-estruturas do Exército 
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Nota de MR: 

Vd. último poste desta série em: 

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10033: Convívios (453): 2.º Encontro Nacional dos "Onças Negras de Bedanda" - CCAÇ 6, ocorrido no dia 9 de Junho na Mealhada (António Teixeira)

1. Recebemos no dia 13 de Junho de 2012 uma mensagem do nosso camarada António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73) dando conta do rescaldo do 2.º Encontro Nacional dos "Onças Negras de Bedanda", ocorrido no passado dia 9 de Junho.


2.º Encontro Nacional "Onças Negras de Bedanda" - CCAÇ 6

Decorreu neste último sábado, dia 9 de Junho, em Pedrulha, Mealhada, no Restaurante "A Portagem", em plena Bairrada, o 2º Encontro dos Onças Negras.

A CCAÇ 4, que mais tarde veio dar origem à CCAÇ 6, tem a particularidade de ser uma Companhia de Caçadores constituída essencialmente por soldados nativos, sendo os respectivos quadros e "especialistas" (transmissões, artilharia, enfermeiros, criptos, etc) rendidos por rendição individual (passe o pleonasmo). Assim, muitos dos presentes neste encontro não se conheciam, visto terem pisado naquele "chão" em alturas muito diferentes.

Mas aquele "chão", aquela terra, é mágica, e exerce sobre nós um poder fantástico, poder esse que nos move e nos transcende.

Assim, e já depois do grande êxito que foi o nosso primeiro encontro, este ultrapassou todas as expectativas, conseguindo juntar 48 convivas, que por lá passaram entre 1964 e 1974. E nem o dia cinzento, com uma chuva miudinha à mistura, arrefeceu o nosso entusiasmo. Logo ao primeiro abraço era como se sempre nos tivéssemos conhecido.

O 3.º encontro já ficou marcado, e todos irão colaborar em continuar nesta busca incessante de novos Bedandenses. Mas antes, iremos todos festejar o final do verão com uma grande sardinhada, lá para setembro, em Peniche, por convite do então Alferes Mil Belmiro Pereira (hoje um distinto médico dessa cidade piscatória).

Quero ainda aqui salientar a pena que tivemos pelos camaradas que por motivo de saúde (os nossos maiores votos de melhoras), ou por outros motivos pessoais e familiares não puderam comparecer. Mas foram lembrados e estiveram sempre presente no nosso pensamento.

Junto envio algumas fotos do convívio.
Em Setembro, vamos lá estar todos.
Até lá.
António Teixeira

1 - Onças Negras

2 - Acílio Godinho, Vermelho, Pires e Pinto Carvalho

3 - Explicação às tropas sobre o ataque ao In, que segundo informações viria camuflado de bacalhaus e leitões 

4 - Lassana Djaló, Vasco e Carlos Azevedo 

5 - Lassana Djaló, Teixeira e Amará Camará

6 - Gualdino, Luz e Coronel Renato Vieira de Sousa 

7 - Capitão Trindade, Lassano, Rui Santos, Amará e Coronel Carlos Carronda

8 - Hugo Moura Ferreira a ser entrevistado por uma simpática estagiária 

9 - Parte do grupo à chegada 

10 - Naia, Mário Bravo, Pinto Carvalho e Hugo Moura Ferreira vestido a rigor 

11 - Bolo comemorativo

12 - Coronel Renato V. Sousa partindo o bolo.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10027: Convívios (452): 27º Encontro/Convívio da CART 3494, em Ponte de Sor, 09 de JUNHO de 2012 (Sousa de Castro)

Guiné 63/74 - P10032: Blogpoesia (190): O tempo que nos foi roubado (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 11 de Junho de 2012:

Carlos, Luís, Magalhães e restante Tabanca Grande
No dia 10 de Junho cumpriu-se mais um encontro almoço do 3872 desta vez em Marvão.
Não foram muitos os camaradas que responderam à chamada mas os que fomos foi com muita alegria que nos abraçamos.
Estive com um camarada que nunca mais tinha visto desde que chegamos a Lisboa. Lá estavam todos com as esposas alguns com os filhos e já alguns netos. As esposas viveram o tormento da separação e hoje alimentam-se das nossas alegrias nos encontros. Já ouviram as mesmas estórias vezes sem conta, sorriem e dão-nos desconto. Quando estava lá era comum os camaradas já casados e não só, exibirem as fotos das namoradas bem com das esposas. Tinham orgulho de as mostrar e que o outros dissessem que eram bonitas. Sentiam-se assim com uma superioridade, pois eram donos de algo que era só deles e motivo de inveja. Diziam orgulhosos "que era a prata da casa".
Não tenho dúvidas que foi motivo de muita dor a separação a que foram forçados. Assim nas fotos com dedicatórias as que cá na Metrópole esperaram o regresso dos seus maridos ou futuros maridos, estavam em lugar de destaque nos armários que cada um construía para guardar os pertences. Algumas faleceram outras por motivos vários separaram-se, mas na grande maioria vão com os seus maridos aos convívios e ainda são motivo de orgulho para os seus ex combatentes.

Um abraço
Juvenal Amado




O TEMPO QUE NOS FOI ROUBADO 

De tanto desejar 
Ficou a insatisfação. 
O vazio que não se consegue preencher 
A necessidade da procura. 
Quanta solidão de quem parte 
Mais é a solidão de quem fica no cais.

Como lá chegámos? 
O mar que nos esmaga e dá vida 
Da violência das ondas, fica a ressaca na areia 
O fresco da maresia contra o casco 
O vómito de quem no Mar não faz seu caminho.

Num turbilhão no qual nos abandonámos 
A terra vermelha o calor e a sede 
O zumbido dos mosquitos na picada sangrenta 
Da violência do estrondo 
Só ficaram os ecos e as nossas passadas inseguras 
Do grito, ficou o nó na garganta que persiste.

Cansado recordo o caminho percorrido 
Lembro-me da nossa juventude 
Como rio apertado entre muros altos 
Tardámos na revolta 
Não há mudança sem transgressão

A memória dos cheiros, dos nomes e dos rostos 
Lembro a paixão dos vinte anos 
Hoje numa idade como que em fim de Verão 
É frágil o equilíbrio que nos mantém 
Vejo que tão rápido aqui chegámos 
Na vida, fica o remorso do que se não viveu.

Contemplo-te sem que dês por isso 
Teimo em ver a tua imagem de outrora 
O que ficou por dizer? 
Tanta ternura reprimida 
Quantas oportunidades perdidas?

Ficará sempre gravado a fogo 
O tempo que não passamos juntos 
O tempo que nos foi roubado 
Porque da paixão da juventude 
Só muitos anos depois se soube, 
Que era amor.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9977: Blogpoesia (189): Natal no Iraque... (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P10031: Cartas do meu avô (8): Lisboa, o primeiro emprego, o primeiro carro em segunda mão, a vida de trabalhador-estudante, o casamento... (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria do nosso camarigo Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. [, Foto à esquerda, em Catió].

As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, onde vivem os netos, entre 5 de março e 5 de abril de 2012. (*) 


B. SEXTA CARTA > O Primeiro Emprego e Casamento


O tempo ia decorrendo. Não tinha passado um mês sequer, quando se deu o desligar absoluto da vida militar. Fui receber o último soldo ao posto da GNR da vila.

A partir daí passei a viver do pecúlio que tinha conseguido. Não era muito, pois que tive de custear as mensalidades do internato do meu irmão, num colégio do Porto,  e um tanto para o sustento da tia que tomava conta da casa e do meu irmão, seu afilhado.

Além disso ela tomou a decisão de comprar uma tira de terreno, contíguo ao da casa, para ampliar um pouco mais o quintal e afastar a proximidade do vizinho.

Daí que a necessidade de procurar emprego se pusesse prementemente.

I – O Primeiro Emprego

Teria de descer de novo até Lisboa, onde as oportunidades seriam maiores. E, onde havia de ficar? Lembrei-me de que o irmão dum furriel do 1º pelotão era padre e geria um lar de rapazes estudantes, em Lisboa, ali ao pé da Feira Popular.

Pus-me em contacto com ele. Por seu intermédio, foi-me logo franqueada a entrada para esse lar. Com cama e mesa. Um pouco puxado.

Depois, foi uma luta feroz contra o tempo. Havia que conseguir emprego a todo o custo. Bati à porta de todas as companhias de seguros. Bancos. Emissora Nacional… Sei lá mais quê.

Foi então que encontrei o meu camarada de companhia,  o Arlindo. Estava já empregado numa empresa de motorizadas. Ele sabia que a Caixa Geral de Depósitos estava a admitir pessoal e seria fácil conseguir. O vencimento não seria muito. Mas, fosse o que fosse, daria para subsistir. Até melhores dias.

E assim foi. Entrei menos de dois meses depois.  Respirei fundo.
- Vai ganhar 2.028 escudos por mês. Temos um bom apoio social e quem merece durante o ano, tem uma partilha de lucros ao fim do ano. Pode chegar a três vencimentos. Muito razoável. – adiantou o chefe de secretaria do pessoal, o Sr. Santos, quando me fui apresentar.
- Para começar, não está mal…- respondi, com ar satisfeito.
- Então, Sr. Gomes, tome esta guia e vá apresentar-se ao director dos serviços de Estatística e Actuariais, fica ali na rua do Alecrim. E muitas felicidades.
- Muito obrigado, Sr. Santos. – nunca mais esqueci o seu nome nem o seu ar de bonomia acolhedora, espelhados num rosto redondo e vermelhusco.

Essa de Serviço de Estatística e… outra coisa que nem percebi bem, é que não me caiu muito bem. Nunca tive tendências para números ou contabilidades. Estava a entrar num banco. Tudo era provável. Paciência. Não há volta a dar-lhe…- ia eu a pensar enquanto procurava a tal rua no Calhariz.
- É aquela ali… a última porta larga do lado esquerdo - explicou-me o porteiro à saída.

Mal sabia eu que estava a entrar para, talvez, a única Direcção de Serviços onde seria possível frequentar um curso superior. Tinha um chefe, licenciado, o que era raro na Caixa desse tempo, e que, talvez, por também ter tirado o curso a trabalhar, não levantava dificuldades, desde que se merecesse…

O mundo da informática estava a nascer naqueles anos sessenta. A Caixa Geral de Depósitos era das poucas instituições que possuía o último grito de computadores- um IBM 1401. [, Imagem à esquerda, cortesia de Washington University > A history of IT at UW]-

Um aparelho enorme [, um main frame,] que ocupava um espaço enorme numa sala especialmente condicionada para ele. Onde só os especialistas podiam entrar. Era um espaço hermético, quase sagrado, naqueles serviços.

Pressentia-se, quase a medo, que o futuro de tudo passaria pelo informático. Ainda não se ministravam esses conhecimentos nas escolas públicas. Era a própria instituição que desenvolvia internamente esses estudos e os fomentava em acções de formação.

O pessoal que ali trabalhava saíra dos quadros gerais do pessoal interno da Caixa. Por selecção em testes psicotécnicos muito rigorosos e exigentes. Auferiam um escalão de vencimentos superiores aos trabalhadores comuns. Por isso, aquela direcção era muito cobiçada.

Eu entrei,  não para esse quadro especial, mas sim para o corpo de trabalhadores que se dedicava ao residual de tarefas actuariais que ali restaram depois da sua assunção da informática, na mecanização de todos os serviços internos.

Por uma questão de melhoria do vencimento, ainda tentei o ingresso nesse quadro, sabendo bem que aquela matéria me era adversa. Felizmente não consegui. Assim, pude ir avançando no curso de direito a que me abalançara, decididamente.  O tal director de serviço abriu-me todas as possibilidades de o frequentar, sem compensação de horas.

Entretanto, porém, estava já em plena fase de namoro com a ex-madrinha de guerra. A enamoração em que nos envolvemos levou-me a dissipar essas facilidades excepcionais.

Também não me sentia bem integrado no ambiente académico, formado por aquela população de rapaziada novata, saída dos liceus. Eu queria chegar depressa ao fim. Por isso, preferi adoptar o regime de estudante ex-militar. Podia preparar os exames por mim próprio e apresentar-me a exame. Quando entendesse.

A A.T. estava já a acabar o seu curso e iria trabalhar. Caímos ambos num regime de vida em que não tinha a necessária concentração para um bom rendimento. Víamo-nos a toda a hora.

No segundo ano do curso, veio o primeiro chumbo numa cadeira fundamental - Teoria Geral do Direito. Quase esgotei as possibilidades de continuar. Só mudando para Coimbra. A partir daí começaram a chover chumbos em catadupa. Fui subindo a passo de caracol. Com um esforço gigantesco.

II – O Casamento

Entretanto, por outro lado, o decorrer do namoro começou a trazer ao de cima as primeiras dificuldades. Éramos dois indivíduos com uma textura pessoal muito diferente.

O ambiente social em que crescêramos era muito diferente. Eu, fui nascido e criado no norte, - onde impera uma mentalidade muito distante da mentalidade alfacinha – era filho de família pobre e, muito cedo, fiquei sem os progenitores vivos, estudei, dos 12 aos 20 anos, nos seminários. Ela era uma quase filha única dum casal burguês, crescida em Lisboa, em berço de veludo, nunca sentira dificuldades, só as do curso de biologia, em que fora das melhores alunas.

As brigas verbais surgiram e tornaram-se cada vez mais constantes. A ponto de a Mãe dela ter apelidado o café onde costumava encontrar-nos, ali no Jardim da Parada, como o “café das brigas”. Encontrava-nos sempre a discutir.

Muito dificilmente estávamos de acordo. O desenlace esteve decidido, por várias vezes, com muita convulsão pelo meio. Repetiu-se muito daquela mesma fase do Cachil… lá atrás. 
O convívio insistente, porém, que não deixava respirar, não ajudava nada a que fosse tomada uma decisão serena e objectiva.  Era propício a que se avançasse com a cabeça debaixo da areia. Da parte dela, havia uma grande pressa de avançarmos para o casamento.

Quando alcançou o seu primeiro emprego, com a ajuda do padrinho - uma alta figura do governo,  logo a seguir ao terminar do curso – com o bom vencimento que iria auferir, estavam criadas as condições financeiras para que fosse possível o casamento.

A facilidade com que se conseguia uma casa por aluguer, facilitava muito as coisas. A soma dos nossos dois vencimentos chegava, à vontade, para começar.

De novo, sem dar conta, dei por mim, já com a data de casamento, marcada. Seria em Janeiro de 1968, se o processo do registo civil, entretanto iniciado, não revelasse impedimentos.

E, dessa vez, foi de vez. Tivemos um casamento de alto nível. Com fraque e cerimónia. Uma boda de alto nível, servida no “Espelho d’Água”,  frente aos Jerónimos.

Recordo um episódio estranho que aconteceu, no dia do casamento. Horas antes, vinha eu de cortar o cabelo no meu barbeiro habitual, um corte muito bem cuidado para o efeito que era, quando ia a passar diante da igreja onde se iria realizar o casamento, fui abordado, por mera casualidade, penso, por um indivíduo desconhecido. Ainda ia para casa vestir-me de cerimónia.

Não sei sob que pretexto. Não era um andrajoso. Tinha um certo porte. Mais velho do que eu. Tive a intuição nítida de que me iria falar do casamento. Ele parecia adivinhar o novelo de dúvidas que me toldavam a cabeça. Não percebi nem nunca perceberei, como é que ele tomou conhecimento de que eu iria casar-me nessa manhã.

Num tom algo secreto e profético, advertiu-me, quase ao ouvido,… que eu visse muito bem o que iria fazer, onde me ia meter... Fingi desprezo pelo que ouvi, mas no fundo, fiquei embasbacado. Procurei não ligar.

Volta e meia, no futuro, as suas palavras, com muita verosimilhança, me acudiram à memória. Ainda hoje estou para entender o que se passou.

Também no dia anterior, me acontecera algo de estranho. Eu tinha acabado de comprar um carro em 2ª mão. Um Ami 6 [, imagem à direita, cortesia de Fórum Citröen]. Com ele eu fiz a mudança das minhas coisas do quarto alugado, onde vivia, para o apartamento que alugámos na alta de Algés.

Deslocava-me na minha última carga para o apartamento, subindo um troço de rua bastante íngreme e entrecruzado de ruas. Não conhecia ainda muito bem o carro. Era ao fim da tarde.

Eis que do meu lado direito vem uma motorizada com um fulano das obras. Gerou-se ali uma hesitação, de parte a parte. Eu não parei para ele passar, devido à inclinação do piso e porque sentira que o travão de mão não estava nas melhores condições.

Avancei e ele embateu-me no guarda-lamas da frente, do lado direito. Travei o carro com a primeira velocidade engatada para compensar o travão de mão. Sai do carro. Ele avançou para mim furioso. Em jeito de me vir espancar.

Deu tempo para me lembrar de que iria casar no dia seguinte. Por isso, procurei acalmá-lo como pude. Não queria mesmo nada aparecer todo esmurrado à cerimónia.

Fui-o entretendo. Sabia que o meu primo Carlos estava para chegar. Vinha instalar-me, creio que o esquentador.
- Ai, se o Carlos viesse agora!... pensei.

E, por milagre, ele apareceu mesmo, pouco depois, na sua carrinha Renault 4, toda branca. Respirei de alívio. O Carlos era também um peso pesado. Habituado ao duro. Ainda por cima, vinha com um ajudante, ainda mais pesado.

Já éramos três. O Carlos parou a carrinha. Deve ter-se apercebido logo de que havia problema, as coisas estavam complicadas. Apressados, vêm ter comigo e perguntam-me se estou a precisar de ajuda.
- Por acaso, até preciso. – respondi.

O sujeito olhou-nos a todos. Fez os seus cálculos e arrefeceu. Pouco depois, mas ainda a vociferar, pegou na bicicleta e desapareceu.
- Que alívio!...

Respirei fundo. Desta vez, deu mesmo certo.

No dia seguinte, depois do casamento e da boda, quando deixamos toda a gente ainda no festim, para seguirmos para a lua de mel, como costumam fazer os noivos, a A.T. perguntou pelo carro:
- Então e o carro?

Contei-lhe tudo o que se tinha passado. Desatamos a rir à gargalhada.
- Agora, apetece rir, mas ontem, as coisas estiveram muito feias. Ia ser bonito. Se ele me começasse a chegar, eu não me ficava. Estaria aqui com a cara toda esmurrada.
- Não faz mal. Vamos de comboio - adiantou.
- Até calha bem. A minha experiência de condução é pouca e o carro também não oferece muita confiança... e daqui até Viana do Castelo [,foto acima, Pousada de Viana do Castelo, Monte de Santa Luzia, cortesia de Spendia]...
- Óptimo. As coisas não acontecem por acaso - acrescentou -. A prenda dos meus padrinhos dá para tudo. Os bilhetes não custam assim tanto. E uma viagem de comboio até é romântico...
- Tens razão.

________________

Nota do editor;

(*) Último poste da série > 8 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10012: Cartas do meu avô (7): Quinta carta: O primeiro encontro com... ela, e o meu regresso a casa, em Pedra Maria (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10030: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (31): Operação Sempre Alerta: a morte de um amigo diferente

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 6 de Junho de 2012:

Caro amigo Carlos Vinhal,
Junto encontrarás mais uma pequena história sobre as minhas memórias lá para os lados da Mata dos Madeiros.
Como sempre fica ao teu dispor fazer com ela o que bem entenderes.

Para ti, para os nossos camaradas, votos de muita saúde e de um bom verão.

Um abraço fraterno,
José


MEMÓRIAS E HISTÓRIAS MINHAS (31)

Operação Sempre Alerta: a morte de um amigo diferente

Era então o dia 25 de Junho de 1971. Os dois grupos de combate da CCaç 3327, que tinham estado a fazer segurança ao acampamento na Mata dos Madeiros, regressaram na manhã daquele dia. Sem o pessoal das transmissões, o que avolumava as suspeitas de que estava eminente uma operação de grande envergadura.

Como acontecia muitas vezes, durante a tarde fui ajudar na Secretaria. Gostava de o fazer. Para além de ser útil, mantinha alguma actividade que me ajudava a passar o tempo.

Ao cair do dia, o Sr. Cap. Rogério Alves entrou na secretaria. Vinha tenso e o seu semblante denotava preocupação. Carregava um punhado de papéis e mapas nas mãos que chapou, esse é o termo, em cima da secretária e à qual se sentou. Colocou os cotovelos no tampo e a cabeça entre as mãos. Era a imagem completa do desalento num homem que, pela sua dinâmica e trato fino, transmitia confiança e algum à-vontade. O que o levara àquele estado tinha que ser muito sério.

Pressentindo que estava ali a mais, levantei-me e dirigi-me para a saída. Ao passar junto da secretária do Capitão Alves, este, com um pequeno gesto, empurrou os mapas na minha direção.

Estaquei! Durante semanas andara com eles na Mata dos Madeiros. A diferença, a grande diferença, eram as linhas vermelhas estampadas nos mapas, que partiam em paralelo do nosso último acampamento da Mata dos Madeiros até ao fundo da Mata do Balenguerez.

Ali, pela confiança depositada em mim por aquele homem bom, tomei conhecimento antecipado da enormidade e dos perigos que aquela operação acarretava. Estava em marcha a operação “Sempre Alerta”.

Senti um calafrio enorme. Não pela operação que já todos esperávamos, mas pela forma como ia ser executada, para um sítio que desconhecíamos completamente. Com a duração de cerca de nove horas, seria executada por toda a Companhia, dividida em dois bigrupos em progressão paralela, com as duas linhas de penetração muito perto uma da outra. Não me recordo de alguma vez termos praticado esse tipo de progressão, daí a minha grande apreensão.

Conjeturando com os meus próprios pensamentos, decidi dar uma volta pelos arredores. Na parada, encontrei o Fur Mil André Manuel Lourenço Fernandes, do 3.° GComb, em amena brincadeira com o seu amigo predileto, o Piriquito. Este, um tecelão amarelo ainda jovem, tinha sido apanhado pelo André, que o alimentou e matou a sede. Enquanto um corria o outro voava. Ao chamamento do André, lá vinha o passarito que pousava no seu ombro e aguardava pacientemente que o André lhe reconfortasse o bico com algum acepipe. Eram inseparáveis! Aquela cena enternecedora contrastava com o turbilhão de desencontros que me ia na alma.

Os meus passos levaram-me até à porta de armas, subi a avenida principal de Teixeira Pinto e entrei num bar muito frequentado pelas nossas tropas. Era a primeira vez que ali ia. Não dei pelo fumo dos cigarros, tão pouco pelo cheiro do álcool e muito menos pelo barulho ensurdecedor que se fazia ouvir. Tudo isso era-me indiferente. Estava ali para beber uns copos, eu que não conseguia beber duas cervejas seguidas.

Foi então que aquela voz chegou até mim, melhor, estalou no meu cérebro, de tal forma que ainda hoje não esqueci:
 - Eh Furriel, manga de ronco no Balenguerez!

Na penumbra do estabelecimento tentei descobrir quem era aquele guineense alto, vestido à civil, que já sabia do que me ia na alma. Talvez devido à surpresa do momento, saí muito mais lesto daquele estabelecimento do que quando entrei. Fui para o meu quarto que, entretanto, tinha sido distribuído. O dia acabava repleto de emoções.

 
A Senhora que nunca nos abandonou

Três dias depois, na madrugada do dia 28 de Junho, cerca das três da manhã, estavam em pleno os últimos preparativos para o começo da Operação. Dada a ordem de partida, a coluna deixou Teixeira Pinto em direção ao nosso último acampamento na Mata dos Madeiros. Ainda era noite quando lá chegámos.

Como previamente ficara estabelecido, os 1.° e 2.° Grupos de Combate sob o comando dos Alferes Ferraz e Neves, respetivamente, seguiriam a linha da esquerda. Os 3.° e 4.° Grupos de combate sob o comando dos Alferes Almeida e Magalhães seguiriam a linha da direita. O nosso Cap. Alves iria integrado no 4.° Grupo.

O Alferes Magalhães, comandante do meu grupo, aproximou-se de mim e entregou-me o Mapa da Operação e a bússola. Era um gesto normal. Acontecera tantas vezes antes. Já não foi normal quando o Cap. Alves nos informou que ia integrado na minha Secção. Tentámos, eu e o Alferes Magalhães, dissuadi-lo, sem o conseguirmos. Mais uma vez admirei a sua coragem e compreensão ao permitir-me dar-lhe uma posição na Secção, que também me obrigou a mudar o dispositivo que normalmente usava. Não tanto por ele, mas por causa do homem das Transmissões, que queria suficientemente perto de mim, sem ficar muito longe do Capitão e não perder potencial de reação. A nossa missão, reconhecer o terreno, encontrar e destruir o inimigo, independentemente dos imponderáveis, só poderia ser bem sucedida à custa de muita disciplina, sacrifício, alguma inteligência e, acima de tudo, muita proteção divina. O inimigo, os guerrilheiros do PAIGC, estava à nossa espera algures na Mata do Balenguerez. Para isso se espalhou a notícia desta operação com três dias de antecedência.

Com os primeiros alvores do dia, partimos rumo ao nosso destino! Para trás ficava o acampamento e a Mata dos Madeiros. Atravessámos a estrada antiga que ligava o Bachile a Cacheu e entramos naquele mundo desconhecido, a Mata do Balenguerez. Esta não tinha sofrido queimadas durante os últimos tempos e não recebera visita de tropas há alguns meses.

Apanhada que foi a ponta do trilho marcado no mapa, de imediato mandei obliquar à direita, saindo por completo daquele. Assim fomos progredindo em ziguezague à ilharga do trilho. Apercebi-me que o avanço seria muito penoso e mais lento do que o calculado. O arvoredo e palmeiral muito denso e baixo impediam o avanço rápido, obrigando-nos, muitas vezes, quase a rastejar em alguns sítios. Mas o trilho, prometera a mim mesmo, não seria acariciado pelas solas das nossas botas. Com cerca de três horas de progressão, deparámos com a primeira grande clareira. Apenas capim de altura média Por ventura um antigo terreno de cultivo. Dividia-se pelos dois lados do trilho. Um campo de morte com cerca de oitenta metros, local ideal para uma emboscada.

José Câmara bem protegido pelo soldado Alberto Teixeira Dutra

Estávamos afastados do trilho. Numa breve análise visual ao terreno à nossa volta e pelo mapa, pressenti que a melhor solução seria mesmo atravessar a clareira, até porque a partir daí iríamos encontrar situações muito semelhantes. Mandei avançar. O meu homem de ponta, carregando a HK21, olhou para mim. O seu olhar pareceu-me angustiado. Aquele não era o local para hesitações, coloquei-me ao seu lado, atravessámos a clareira rapidamente. Os outros seguiram-nos.

Do outro lado da clareira, embrenhados no arvoredo, fomos ao encontro do trilho. Não me enganara. Ali tinha estado gente e as suas intenções não seriam certamente dar-nos as boas vindas com foguetes, como era costume fazermos aos forasteiros ilustres que chegavam às nossas terrinhas açorianas. A prová-lo estava um pequeno jarro de barro partido, a água empapando o trilho, alguns rastos de pegadas de calçado.

Foi dada ordem para ninguém pisar o trilho ou tocar nos estilhaços.

Rapidamente, afastámo-nos daquele local e do trilho. Minutos depois, uma avioneta transportando o comandante do CAOP 1, Sr. Ten. Cor. Paraquedista Durão, fazia algumas passagens sobre o local onde tínhamos estado antes. De lá de cima não nos via, bom sinal. Perante a insistência de contacto, demos-lhe a nossa indicação.

Segundos depois passava à nossa perpendicular.

Na sua passagem indicou-nos que estávamos a afastar-nos do nosso objetivo. Foi informado do nosso contacto visual com o jarro, sinal irrefutável da presença do inimigo e que não era aconselhável a nossa progressão nas imediações do trilho. Aos poucos, o barulho dos motores da avioneta foi desaparecendo.

Cerca das onze horas da manhã estávamos nós a atingir o nosso objetivo. Mais uma vez a avioneta a sobrevoar-nos. Desta vez com uma boa notícia, regressar ao acampamento. Cansados, algo esfarrapados, famintos, mas não podíamos descurar a disciplina e os cuidados no nosso regresso. A nossa missão ainda não tinha terminado.

Só começamos a sentir algum alívio quando finalmente atravessámos a antiga estrada e voltámos a pisar a Mata dos Madeiros. Aqui tínhamos feito grandes amigos ao longo dos dias, das semanas, dos meses. Conhecíamos as formigas pelos seus nomes próprios e aprendemos a cantar canções de amor com os pombos verdes. Os mosquitos, nos seus voos picantes, lembravam-nos constantemente do zumbido dos aviões que vindo das Américas passavam pelas nossas terrinhas açorianas. Os tecelões, lindos que eram, davam-se ao luxo de gozarem connosco, chamando-se a si próprios canários de peito amarelo, avezinhas que um dia se enamoraram dos rochedos plantados entre a Europa e as Américas e por ali ficaram. Tudo isso ficava ali, cada passo nosso uma recordação.

No acampamento desmanchavam-se as antenas de transmissões, o morteiro 107 e carregavam-se as viaturas que já estavam à nossa espera. A tarde avançava e havia que chegar a Teixeira Pinto antes do anoitecer.

Finalmente foi dada a ordem de partida e um último olhar ao acampamento que tinha sido a nossa casa durante oitenta e três dias. Pelo caminho passámos junto ao local onde o nosso Manuel Veríssimo Oliveira sofreu o acidente que o vitimou. Muitos braços estendidos naquela direção. Nas circunstâncias era o único gesto possível de homenagem ao nosso amigo e companheiro de luta.

Outros continuariam a estrada que deixamos aberta até ao cruzamento com a estrada antiga

Para trás ficava a Mata dos Madeiros e uma estrada que outros continuariam e concluiriam. Ali, a história foi escrita no barro vermelho com o sangue de muitos combatentes e o suor de muitos mais. De nativos também. Para os guineenses, em paz, ficou uma excelente obra alcatroada para que um dia pudessem ter uma vida melhor. Finalmente chegámos a Teixeira Pinto. Em paz. Missão cumprida. Dirigimo-nos aos nossos quartos. Ali, uma desagradável surpresa nos esperava.

O Fur Mil André Fernandes, com as lágrimas nos olhos e o seu amigo entre mãos, balbuciou:
- O Piriquito morreu!

 A avezinha, que ficara fechada no quarto, sucumbira ao calor, sede e saudade. Também ela fora uma vítima de uma guerra que cada um sentia à sua maneira. Naquele momento o André era o espelho de um desses sentimentos. Para ele, depois de uma operação com aquele perigo e envergadura, ainda houve tempo para chorar a morte de um amigo especial, certo que diferente dos demais, mas amigo da mesma maneira.

No dia seguinte, 29 de Junho de 1971, a CCaç3327 seguiria para os Destacamentos de Teixeira Pinto.

******

Notas soltas:

Nos 72 dias que a CCaç 3327 esteve toda na Mata dos Madeiros, diariamente saíam dois grupos que permaneciam fora do acampamento por 24 horas a fazer a segurança afastada da estrada e do acampamento.
Dos outros dois grupos um fazia a picagem do traçado da estrada e a segurança próxima às máquinas e capinadores durante 12 horas diárias.
O Outro mantinha a segurança do destacamento e realizava as escoltas ao Bachile para abastecimento de pão, água e correio. A segurança imediata noturna do acampamento era garantida por estes dois grupos. Cada posto de sentinela era reforçado por 3 elementos.
Cada Secção, na ausência de imprevistos, tinha um descanso de 12 horas a cada 13 dias.
Acções: 72
Emboscadas: 72
Escoltas a Teixeira Pinto e Bissau: 24
Operações a nível de Companhia: 1 (Sempre Alerta)
Mortos: Manuel Veríssimo de Oliveira, Sold At. Inf. NM 09624870, natural da Ilha de São Miguel.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9537: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (30): Velhice, uma aprendizagem dos sinais dos homens e da guerra

Guiné 63/74 - P10029: Fichas de Unidades (9): A CCAÇ 16, constituída no essencial por camaradas de etnia manjaca (Teixeira Pinto, Bachile e Churobrique, fevereiro de 1970/agosto de 1974) (José Martins)




Guiné > Região do Cacheu >  Bachilé > CCAÇ 16 (1972/74) > Foto de grupo [, pede-se ao António Branco, que parece ser o primeiro, da segunda fila, de pé, a contar da direita, para identificar os restantes elementos do grupo].

Foto:  
 © António Branco (2010). Todos os direitos reservados




Guiné > Região do Cacheu > Bachile > CCAÇ 16  (1972/74) >  Os fur mil José Romão (à direita) e Bernardino Parreira (à esquerda), dois algarvios de Vila Real de Santo António e Faro, respetivamente. Ao fundo, no memorial, lê-se: "Para uma Pátria una e indivisível, a Companhia Manjaca [,CCAÇ 16, constituída em 1970] está defendendo o seu chão da cobiça de estranhos, ainda que tenha de derramar o seu sangue".

Foto:  
© José Romão (2010). Todos os direitos reservados  

1. Notas sobre a Companhia de Caçadores n.º 16, compiladas pelo nosso colaborador permanente José Martins, ex-Fur Mil Trms,  CCAÇ 5, Os Gatos Pretos (Canjadude, 1968/70):


(i) A CCAÇ 16, subunidade do recrutamento local, foi organizada no Centro de Instrução Militar (CIM),  de Bolama, em 4 de Fevereiro de 1970;


(ii) À semelhança de outras, da chamada "nova força africana", era constituída por quadros (oficiais, sargentos e praças especialistas) de origem metropolitana e por praças guineenses, neste caso de etnia manjaca;


(iii) Colocada em Teixeira Pinto (ou Canchungo), em 4 de Março de 1970, destacou dois pelotões para Bachile, passando a estar integrada no dispositivo do BCAÇ n.º 1905, e substituindo a CCAÇ n.º 2658, que se encontrava em reforço no sector;


(iv) Em 30 de Abril de 1970, já com o quadro orgânico de pessoal completo, passa a ser a unidade de quadrícula de Bachile;


(v) Em 28 de Janeiro de 1971 passa a depender do CAOP 1 (com sede em Teixeira Pinto);


(vi) A partir de 1 de Fevereiro de 1973, fica na dependência do BCAÇ n.º 3863 e do BCAÇ n.º 4615/73, que assumiram, a seu tempo, a responsabilidade do sector em que aquela subunidade estava integrada;


(vii) Destacou forças para colaborar nos trabalhos de reordenamento de Churobrique;


(viii) Em 26 de Agosto de 1974, desactivou e entregou o quartel de Bachile ao PAIGC, recolhendo a Teixeira Pinto, onde foi extinta a 31 de Agosto desse ano;


(ix) Assumiram o comando desta subunidade os seguintes oficiais:

Cap Inf Rolando Xavier de Castro Guimarães
Cap Inf Luciano Ferreira Duarte
Cap Mil Inf José Maria Teixeira de Gouveia
Cap QEO [Quadro Especial de Oficiais] José Mendes Fernandes Martins
Cap Inf Abílio Dias Afonso [, foto à esquerda; hoje maj gen ref]
Cap Mil Art Luís Carlos Queiroz da Silva Fonseca
Cap Mil Inf Manuel Lopes Martins;

(x) Esta subunidade não tem História da Unidade: existem apenas alguns registos, muito incompletos, relativo aos períodos de 1 de Janeiro a 31 de Setembro de 1972 e de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1973 (Vd. Arquivo Histórico Militar, caixa n.º 130 – 2.ª Divisão/4.ª Secção). 





(i) António Graça de Abreu (Estoril/Cascais): Creio que meu tempo no CAOP 1 em Teixeira Pinto,(Junho 1972 a Abril 1973,) a CCaç 16 era comandada pelo capitão Abílio Dias Afonso. O infatigável ratão de bibliotecas e arquivos, o nosso bom amigo José Martins, descobre sempre tudo.



(ii) Bernardino Parreira (Faro) [, foto atual à direita]: Caros Camaradas, estive em Bachile, como Furriel Mil na CCaç 16 de Jun/72 a Fev/73, sob o comando inicial do capitão Martins e posteriormente do capitão Afonso. 


Estive na situação de diligência visto que a minha companhia estava sediada em S. Domingos. Regressei à Metrópole em Março de 1973.


(iii) António Branco (Lisboa) [, foto atual à esquerda]: Estive no Bachile, de Junho de 1972 a Março de 1974, sou o ex-1.º cabo de reabastecimento de material e tinha a cargo a arrecadação de material e fardamento cujo chefe era o 2.º sargento Guerreiro.



Desde o meu regresso só tive oportunidade de contactar com um camarada que foi operador cripto, o 1.º cabo Miranda. Reconheço os nomes do furriel Parreira e do António Graça e era interessante que ao fim destes anos fosse possível reencontrar algum dos que durante algum tempo partilharam momentos muito interessantes. Um abraço a todos e o meu endereço é o seguinte
asdbranco@gmail.com

(iv) Bernardino Parreira:

Camarada António Branco: Graças a este blogue vamos tendo notícias dos amigos que fizemos e que pensávamos não mais encontrar. Pois de facto partilhamos bons momentos juntos, e longas conversas, eu tu e o sargento Guerreiro, de quem não tive mais notícias. Também me lembro do Miranda, também grande amigo. O António Graça a que te referes deve ser o Furriel mecânico, porque o Alferes António G. Abreu estava em Teixeira Pinto.

 Foi com grande emoção que vi a foto da Ponte Alferes Nunes e o Rio Costa, onde tantas vezes afoguei as minhas mágoas. Era com os banhos no Rio e com os jogos de futebol, que jogava pela companhia CCAÇ 16, em Teixeira Pinto, que aliviava o meu stress.




Também tenho saudades dos camaradas africanos, e foram tantos os amigos que lá deixei. Pode ser que um dia nós nos encontremos, ou nos contactemos, através de e-mail ou do blogue. Gostava de ver uma fotografia tua aqui publicada, que eu também vou providenciar a digitalização da minha, para ver se nos vamos recordando das caras que há 36-37 anos deixamos de ver.



(v) Miranda: Olá,  caros amigos e colegas de Teixeira Pinto... Tal como vocês, conheci muitos amigos. Sou o ex-1.º Cabo Enfermeiro Miranda e gostava de ter os vossos endereços de e-mail para contactar. O meu é: carlosrogeriomiranda@hotmail.com.

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 Notas do editor:

(*) Último poste da série > 24 de outubro de 2010 > 
Guiné 63/74 – P7169: Fichas de Unidades (8): Batalhão de Caçadores N.º 4514/72 (Guiné, 1973/74) (José Martins)


(**) Postes sobre a CCAÇ 16 (1970/74):

 25 de junho de 2010 > Guine 63/74 - P6643: Memória dos lugares (86): Bachile, chão manjacho (José Romão, ex-Fur Mil, CCAÇ 16, 1971/73 / António Graça de Abreu, ex-Alf Mil, CAOP1, 1972/74)
6 de julho de 2010> Guiné 63/74 - P6680: O Nosso Livro de Visitas (92): A. Branco, CCAÇ 16, Bachile, chão manjaco, 1971

10 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6709: Tabanca Grande (228): António Branco, ex-1.º Cabo Reab Mat da CCAÇ 16, Bachile, 1972/74


13 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6726: Memórias do Bachile, chão manjaco (1): O que será feito do menino Augusto Martins Caboiana ? (António Branco, ex-1º Cabo Reab Mat, CCAÇ 16, 1972/74)

20 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6875: Tabanca Grande (236): Bernardino Rodrigues Parreira, ex-Fur Mil da CCAV 3365/BCAV 3846 e CCAÇ 16 (S. Domingos e Bachile, 1971/73)

Guiné 63/74 - P10028: Recordando aquele malfadado jogo de futebol, em 31 de janeiro ou 1 de fevereiro de 1973, entre a CCS/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto) e a CCAÇ 16 (Bachile) (Bernardino Parreira)


Guiné > Zona Leste > COP7 > Margem esquerda do Rio Corubal > Gampará > 38º CCmds (1972/74) > 1972 > "Em Gampará com o meu grande amigo Furriel Cmd Ludgero dos Santos Sequeira, a quem mais tarde na picada do Cufeu (outra vez) numa mina iria ficar às portas da morte, ficando quase cego até aos dias de hoje. Continuamos grande amigos. Um abraço para ti, Sequeira!" (Amílcar Mendes, ex-1º cabo comando).


Foto (e legenda): © Amilcar Mendes (2007). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do Bernardino Parreira, com data de 12 do corrente:

Caro amigo Luís Graça

A 39 anos de distância desta ocorrência (*) já há pormenores que me falham, sobre este acontecimento.  Mas ainda me lembro que por aquela altura - último dia do mês de Janeiro [, 4ª feira,] ou primeiro dia do mês de Fevereiro de 1973 [, 5ª feira] -  já não sei precisar a data -, encontrava-me com "ordem de marcha" para regressar a S. Domingos, à minha companhia de origem, a CCav 3365, para integrar o BCAV  3846, com vista ao nosso regresso à Metrópole, que ocorreu a dia 17 de Março de 1973.

E só não tinha ainda regressado a S. Domingos para poder disputar este jogo. Que era a final do campeonato entre companhias do CAOP1. O jogo que se realizou naquele fatídico dia foi entre a CCS/BCAÇ 3863 e a CCaç 16 à qual eu pertencia.

Devo dizer que o ambiente que normalmente se vivia no Bachile era calmo, os militares eram disciplinados e muito bons seres humanos. O nosso comandante era um Excelente Militar Operacional e uma Excelente pessoa. Havia um espírito de companheirismo e confraternização excepcionais entre todos os militares.

O futebol, no meio daquela guerra, aliviava-nos o stress e o orgulho de uma companhia africana poder ganhar o campeonato era enorme. O que aconteceu ali, naquele dia, em termos de jogo, acontece muitas vezes em estádios de futebol. Ao ser anulado um golo que dava a vitória à nossa CCaç 16, onde seríamos sagrados vencedores daquele campeonato, que tinha a maioria de jogadores africanos, os nossos camaradas africanos que estavam a assistir ao jogo invadiram de imediato o campo.

Julgo que naquele dia estávamos  apenas a jogar 2 brancos, eu e o Figueiredo.  A única diferença é que todos estavam armados, não com cadeiras, como normalmente acontece nos estádios de futebol, mas com armas reais, e álcool à mistura, e a situação só não teve consequências maiores dado o campo de futebol, onde isto aconteceu, estar situado próximo do CAOP1.

Tenho a ideia de que foram logo ali efectuadas algumas prisões e, serenados os ânimos,  regressámos todos ao nosso quartel no Bachile, nas viaturas  militares.

No mesmo dia, por volta da hora de jantar, estava eu na messe dos sargentos, tive conhecimento que a maioria dos militares africanos, revoltados e armados, tinham abandonado o quartel e se dirigiam para Teixeira Pinto no sentido de irem tentar a libertação dos camaradas presos. 

Escusado será dizer a preocupação que se generalizou entre os que ficaram, mas dada a pouca distância entre  o Bachile e a Ponte Alferes Nunes logo se ouviu dizer que tropas da CAOP1 tinham vindo ao encontro dos revoltosos e estes tinham sido obrigados a recuar para o Quartel.

O pior soube-se depois, que foi o acidente ocorrido com os militares  de Teixeira Pinto,[da 38ª CCmds,] no regresso ao seu quartel, com a deflagração de um dilagrama.(*)

Dois dias depois parti, triste, do Bachile, em direcção a S. Domingos, via Cacheu. Achei que não devia ter ficado para disputar aquele malfadado jogo de futebol. Ainda passei por Teixeira Pinto para visitar e despedir-me dos meus camaradas presos, entre eles o meu amigo Policarpo Gomes, que era do meu pelotão.

Por outro lado, S. Domingos continuava a ser atacado, do Senegal, e não sabia o que me poderia acontecer a poucos dias do meu regresso. Ainda retenho na memória a preocupação que os meus camaradas africanos manifestaram ao saberem que eu ia para S. Domingos antes do regresso. Só diziam:
- S. Domingos nega... manga de porrada...!

Graças a Deus cá estou!



Guiné > Região do Cacheu > Bachile > CCAÇ 16 (1972/74) >  Equipa de futebol de sete > Legenda do Bernardino Parreira: "Amigo Luis Graça, não consto dessa foto, editada no blogue, mas  julgo reconhecer, da direita para a esquerda, em cima, primeiro o meu amigo António Branco, e terceiro o Sr. Comandante, na altura capitão Abílio Afonso. Em baixo: Da direita para a esquerda, Pereira, Garcia e Miranda.

Fotos: © António Branco (2010). Todos os direitos reservados.

Tenho pena de não possuir fotografias da nossa equipa de futebol da CCaç 16. Foram bons tempos, de que  destaco um episódio agradável em tempo de guerra.  Num jogo disputado com uma companhia de comandos [, a 38ª CCmds,]  do CAOP1, em Teixeira Pinto, quando foram apresentados os capitães de equipa para a escolha de campo, perante o árbitro desse encontro, sendo eu o capitão de equipa da CCac 16, qual não foi meu agradável espanto ao ver que o capitão da outra equipa era o meu amigo Ludgero Sequeira, de Faro,  meu companheiro de escola, que eu desconhecia que se encontrava em Teixeira Pinto. Maior foi a admiração dele quando viu sair de uma equipa de africanos um único branco que era eu, nesse dia.

Um grande abraço


2. Esclarecimento posterior do José Romão, em mensagem enviada às 23h16:

Boa noite camarada e amigo Luís Graça:
O grave acidente, na sequência do desafio de futebol, entre as equipas de militares do CAOP 1 e do Bachile, deu-se junto à Ponte Alferes Nunes e era eu que estava a comandar um grupo de militares da CCAÇ 16 do Bachile, na referida Ponte. Quem acabou por resolver esse diferendo foi o Coronel Durão, comandante, nessa altura, do CAOP 1 em Teixeira Pinto. Nesse dia, perto da Ponte morreram alguns militares da Companhia de Comandos que estava sediada em Teixeira Pinto.

Um abraço para todos os camaradas,
José Quintino Travassos Romão,
ex Furriel Miliciano.
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Nota do editor:

(*) Vd. poste anterior, de 12 de junho de 2012> Guiné 63/74 - P10025: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (18): A ponte Alferes Nunes, a CCAÇ 16, o Bachile, a 38ª CCmds, o Canchungo, o cor pára Rafael Durão, o futebol, a violência, a morte...