terça-feira, 22 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12187: Contraponto (Alberto Branquinho) (51): Micoses

1. Em mensagem de 21 de Outubro de 2013, o nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos o seu contraponto número 51, dedicado às micoses que tanto nos atormentava.


CONTRAPONTO

51 - MICOSES

A coluna auto estava a chegar à sede do Batalhão, vinda de um quartel a sul. Entre nuvens de pó, as viaturas começaram a estacionar lado a lado.

O furriel enfermeiro assomou à porta do Posto Socorros. Viu o furriel Sá, que lhe acenava. Estava a sair da cabina de uma viatura, com dificuldade em descer e colocar os pés no chão.
- Ó Rebelo, preciso falar contigo.

E começou a caminhar, em passos curtos e lentos, na direcção do enfermeiro.

- Eh pá! Que é isso? - Entra.
- Já te mostro lá dentro.

Entraram no Posto. Baixou as calças.
- Olha p’ra isto.
- Ih cum caraças!! Nunca vi uma micose assim.
- É uma greta em cada virilha, mas têm ramificações por aí abaixo até ao cu. Há partes que às vezes deitam sangue.
- O que é que estás a pôr?
- Nada, Rebelo, nada. A gente lá em cima já não tem nada p’ra isto. E tenho, também, no meio dos dedos dos pés. Costumava por Asterol, mas lá já não há nada. Nem pó.
- Tenho aqui um resto de um frasco. Líquido. Levas e aplicas com cuidado, com bolas de algodão por aí abaixo. A pouco e pouco.
- ‘Tá bem.
- E pões uma bola de algodão, molhada, no meio dos dedos. Mas pouco de cada vez.
- ‘Tá bem. Isto é das bolanhas. Do lodo. Arranja-me aí o algodão, que eu fico já com tudo.
- Vocês ainda voltam hoje para baixo?
- Não. A esta hora já não dá. É preciso carregar as viaturas e, depois, voltar a “picar” o caminho todo. Já não dá. Posso dormir aqui?
- Não é preciso. Podes dormir na cama do Barata.
- Barata? - O gajo das Transmissões. Está no mesmo quarto do Azevedo da “ferrugem”. O Barata está em Bissau.
- Porreiro. Então, vou ver se posso tomar um banho, secar tudo bem seco e, depois, começar a pôr isto. Até logo.
- Até logo.

- * -

Quando o furriel mecânico Azevedo foi ao quarto, viu o Sá completamente nu, com a ventoinha ligada e apontada para a entreperna. Com a mão direita puxava o pénis na direcção da barriga, expondo à ventoinha as virilhas e o escroto. E, ele próprio, soprava, soprava sem parar...
Tinha despejado o líquido antimicótico directamente nas virilhas.

O Azevedo ficou, em espanto, a olhar acena.
- Oh! Oh! Que é que estás a fazer?!
- ???
- Que estás a fazer?
- A arrefecer o leite. Não vês?

O Azevedo encolheu os ombros, recolheu o que buscava e saiu.
(- Estão todos “apanhados”!).

A meio da tarde, o furriel Sá, pôs uma toalha à cintura e caminhou, com dificuldade, até à porta. Viu um soldado da sua Companhia e pediu-lhe que fosse ao Posto de Socorros dizer ao furriel enfermeiro para chegar ali.
Já desesperava, sempre com a ventoinha apontada ao meio das pernas, quando ele chegou.
- Que é isso, pá?!

O Sá apontou para a zona do corpo, com ar sofredor.

- Ih pá! Despejaste o frasco em cima! Não foi isso que te disse.
- Era para resolver isto mais depressa e poder voltar amanhã lá para baixo. Parece que a pele está queimada, a estalar e... arde p’ra caraças!
- És marado! És marado de todo! O melhor é deixares estar assim, com as pernas abertas até logo à noite. Não ponhas mais nada, porra!
- E fico assim? Está tudo a arder.
- Vou ver se tenho talco ou outro pó. Já te mando o cabo com o pó e gaze.
- Fazes favor, manda-me, também, pelo gajo, um pão com qualquer coisa e uma cerveja. Depois pago-te.
- Está bem. Só logo à noitinha, antes de dormir, pões pó na gaze e vais pondo em cima da pele, com cuidado, de um lado e do outro. Sem apertar a pele. Suave, muito suavemente. E vais fazendo isso toda a noite, substituindo a gaze de vez em quando. Mas não apertes, caraças! Amanhã de manhã vejo como está isso.

- * - 

 Já tarde, depois do jantar, o furriel Azevedo entrou, cuidadosamente, no quarto, tentando não ser notado. Olhou para a cama onde o Sá estava deitado, mas não dormia. No chão, à volta da cama, viu (assim lhe pareceu) vários panos brancos, pequenos. O Sá segurava dois panos, um em cada mão, que aproximava e afastava, cuidadosamente, das virilhas e do escroto.

Ficou estupefacto:
- Sá, que é que estás a fazer?

O outro, com um esgar de dor e irritado:
- Estou a mudar os cueiros. Não vês?

O Azevedo saiu, entre incomodado e receoso. Num repente, tomou a decisão: falar com o furriel enfermeiro.
Mal o encontrou, gritou-lhe:
- Tira-me aquele gajo do quarto! Não tenho paciência para malucos! Leva-o para o Posto de Socorros e fala com o médico para o mandar para a psiquiatria, para Bissau. No meu quarto, não!
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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11876: Contraponto (Alberto Branquinho) (50): A Batalha do Umbigo

Guiné 63/74 - P12186: Blogoterapia (239): O meu primeiro contacto com a África selvagem e misteriosa (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista*, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 15 de Outubro de 2013:

Nos idos de Março de 1970 desembarquei em Bissau, tendo ido no navio misto de carga e passageiros "Alfredo da Silva", propriedade da CUF que à época era a empresa monopolista do comércio e da indústria da Guiné e Cabo Verde.

Apresentei-me no Quartel General e entretando a aguardar destino e transporte terei ficado talvez oito dias em Bissau.

Durante esses dias alojaram-me numa suite abarracada, com 60 ou 80 camas, sobrepostas, (penso que grupos de duas ou três), onde estariam mais 20 ou 30 guerreiros lusitanos, a que os mais velhos chamavam "Biafra"

"Alfredo da Silva" - Imagem: Navios no Sapo, com a devida vénia

Sempre achei que Biafra era um nome inapropriado, porque essa palavra, não vale a pena recordar a sua história agora, porque é do conhecimento geral, evocava muita fome, miséria extrema e morte. No nosso caso somente a qualidade das instalações estava em causa.

Conheci algumas casernas tanto por cá como na Guiné, aquela era a pior. Deve ter sido algum tenente-coronel militarista, que ainda os havia nesse tempo, que por gostar pouco dos milicianos, a mandou construir assim tão miserável. No filme "A Vida é Bela" há uma semelhante, num campo de concentração.

Era destinada aos alferes em trânsito, vindos de Portugal, em rendição individual, e a outros que estando no mato tinham que se deslocar a Bissau por qualquer motivo. Tenho a certeza que no interior da Guiné havia muitos camaradas instalados em tabancas em piores condições, porém nos quartéis onde eu estive as casernas eram melhores.

Messe dos Oficiais em Bissau
Fotos: © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados

Ou porque o calor era muito ou porque os "velhos", guerreiros experientes na arte da guerra, queriam informar os "periquitos" (éramos 3 ou quatro) sobre os horrores que os esperavam, somente já tarde, depois de muita brincadeira e algazarra, se conseguia dormir.

Dentre todos destacava-se um mais cómico e folgazão que era assim a modos que chefe de orquestra da barulheira. Uma noite descobriu numa cama de um alferes que tinha regressado ao mato aerogramas da namorada dele. Eram muitos, ela devia escrever-lhe todos os dias.

Acto continuo pôs-se a lê-los, alto e bom som, perante senão o aplauso pelo menos o agrado quase geral. Por mim sem aprovar propriamente o acto, calei-me pois um periquito não tinha direito a opinião naquela distinta assembleia. Os aerogramas eram muito inocentes, enfim uma moça a contar o seu dia a dia ao namorado, pouco romântica, nada sensual, nada erótica. Era uma jovem à moda dos anos sessenta no Portugal do Estado Novo, tímida, reservada e recatada. A libertação sexual só se generaliza em Portugal com o 25 de Abril. Lembro-me que algum tempo antes de partir estive numa aldeia próxima da minha, cerca de 2 horas a falar com a professora primária da terra, ela debruçada à janela e eu de pé na rua. Menina bem comportada. Sei que passado um ano ou dois casou com um médico muito conceituado e rico da vila.

No geral as raparigas do nosso tempo, exceptuando algumas da classe alta e outras já sintonizadas com a revolução cultural e sexual que soprava da Europa, não eram muito diferentes em relação à virgindade, das bajudas fulas ou mandingas que fomos encontrar na Guiné. O tabu existia na religião católica, como na islâmica. O alfero Cabral esse "grande feiticeiro e médico" essa madre Teresa de Calcutá do chão manjaco, se quisesse abrir consultório nas nossas tabancas não lhe faltaria trabalho. Preferiu a Guiné por amor às bajudas enquanto as nossas, as mais endinheiradas, segundo constava na altura, iam a Espanha, a clínicas especializadas, fazer uma estética invisível, que iria esconder horas de calor e entusiasmo clandestino compartilhado com amigos ou namorados. As que não tinham recursos ou liberdade para se deslocarem, sofreriam, por vezes por muitos anos as consequências desse "pecado".

Muitos meses depois voltei a Bissau a uma consulta médica que o Pedrosa, bom médico e bom camarada (era do Pombal) me marcou. O alojamento continuava a ser o mesmo e o ambiente um pouco festivo, um pouco louco como sempre.

O estado de espírito mais comum a todos era de não valorizar muito os azares e desgraças que iam acontecendo nas zonas onde estavam aquartelados e a dar mais realce a aspectos cómicos que também os havia. Havia também sempre um ou outro que falava da guerra, duma forma um pouco jornalística, para não perturbar o ambiente que se queria descontraído.

Cada um, no seu intimo, devia questionar, o que fazia, naquele lugar do mundo, tão diferente e tão distante da terra onde tinha nascido. A África mais selvagem, misteriosa, com aquele cheiro forte difícil de definir, mas que se entranha no corpo e na alma de quem lá vive, sempre enfeitiçou os europeus. As moiras encantadas de que falavam as histórias das nossas avós vieram da África do norte para a Península Ibérica

Um encanto próprio a que não seria alheio o estado de guerra em que se vivia. A guerra desperta no homem instintos primitivos, já que o seu passado ancestral nunca foi de paz, mas de guerra, mais ou menos violenta conforme as armas que foi inventando.

Porque é que o desejo de retaliação, a desforra, a vingança, empolgam tanto os homens?
Porque ficam tão embriagados com o tinir das espadas, o som das metralhadoras, o troar dos canhões?

Quando a raiva e uma mistura estranha, talvez adrenalina, nos aquecem a cabeça, estamos a deixar de ser racionais. e modernos e a regressar aos primórdios da humanidade, quando Caim matou Abel.

Diferente de quase todos, conheci um soldado já com 4 anos de Guiné, sem vir alguma vez a Portugal, foi talvez o jovem mais sorridente e feliz que lá conheci.
Mas essa é outra estória.

Um abraço a todos
Francisco Baptista
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 16 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12161: Blogoterapia (237): Falando de colunas de reabastecimento e de amizade (Francisco Baptista)

Último poste da série de 18 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12167: Blogoterapia (237): Descansa em paz, Luís Faria (1948-2013), meu amigo, meu camarada (António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72)

Guiné 63/74 - P12185: Os nossos seres, saberes e lazeres (59): No lançamento do meu livro, "Toda a China", hoje, 3ª feira, 22, às 18h30, no Museu do Oriente, gostaria de ver por lá uns tantos camaradas da Tabanca Grande (António Graça de Abreu)




1. Mensagem do nosso camarada António Graça de Abreu, com data de 15 do corrente

Meu caro Luís

Tenho um livro novo e junto o convite para a apresentação e lançamento, no Museu do Oriente (*). Gostava de ver por lá uns tantos camaradas da Guiné.


É China, mas todos somos cidadãos do mundo, mais ainda depois da Guiné.

Será possível divulgares no blogue? (*) Por coincidência, vi agora no blogue que o novo livro do Mário Beja Santos será também lançado em Lisboa no mesmo dia 22 de Outubro, às 18 horas. Não haverá duplicação, cada um de nós no seu métier. E cabemos todos quando escrevemos livros de qualidade como será o caso do Mário Beja Santos e do António Graça de Abreu.

Forte abraço,
António Graça de Abreu

2. Comentário de L.G.:

"A viagem é o que fazemos delas, / As viagens são os viajantes. / O que vemos não é o que vemos, / Senão o que somos". 

Este pensamento de Bernardo Soares / Fernando Pessoa, que tu citas, é uma proposta para convidar o leitor a entrar também nesta "peregrinação" pelo imenso Império do Meio, de ontem, de hoje e de amanhã, e que tu iniciaste em 1977, três anos depois de vires da Guiné... Tinhas então 30 anos, e uma nova vida (e uma nova família) para viver (e construir).

Não é fácil pertencer, ao mesmo tempo,  a dois mundos, a duas culturas, a dois países, como são a imensa e milenária China e o nosso pequeno e multissecular Portugal, até por problemas de escala... e de língua. Mas eu acho que tu  tens os melhores genes da gente lusíada de antanho e de hoje, esse jeito de saber ouvir e entender os outros sem risco de perda de identidade... nem de aculturação fusional.

A profecia que tu contas no prefácio é elucidativa:  (i) quem vem à China por umas escassas semanas, escreve um livro; (ii) quem por lá fica uns largos meses, escreve um ou mais artigos para o jornal da sua terra; e (iii) quem lá vive durante alguns anos, desiste de escrever....

Não foi felizmente o teu caso, que lá viveste entre 1977 e 1983, que lá encontraste o amor da tua vida, que lá voltateste a casar, que lá tiveste pelo menos um dos teus dois filhos lusochineses, e que com tudo isto não deixaste de escrever: de facto, diz o teu currículo, que já  tens 16 livros sobre "chinesices" (sem ofensa...),  para não falar de algumas centenas de artigos e muitas, muitas dezenas de milhares de quilómetros, viajando por "toda a China" (incluindo Hong-Kong, Macau e Taiwan)...

Os teus filhos e a tua esposa, sei que têm orgulho em ti. E têm motivos para isso. Os teus patrícios,  os "tugas",  essses,  costumam  ser menos gratos em relação aos "estrangeirados", como tu. Pela minha parte, tenho a agradecer-te, em meu nome pessoal (mas também, correndo embora o risco de ser abusivo, em nome da Tabanca Grande), a tua disponibilidade, física e mental, para te sentares à mesa do computador e pores a China e o povo chinês, a sua socioecologuia, a sua economia, a sua geografia, a sua história, a(s) sua(s) cultura(s),  o seu património, a(s) sua(s) idiossincrasia(s)...  ao nosso alcance, ao alcance da nossa compreensão. entendimento, sensibilidade e vontade de conhecer e de aprender.

Espero dar-te, ao vivo, um abraço, mais logo, no Museu do Oriente. O Mário Beja Santos não vai ficar zangado, a verdade é que vocês acabaram, involuntariamente,  por me criar um conflito... de papéis. Não vou poder estar  nos dois lados ao mesmo tempo. De qualquer modo, reencontramo-nos todos os dias, no nosso blogue, à volta do nosso mágico, simbólico, fraterno poilão da Tabanca Grande. (LG)

PS - Desejo-te, naturalmente, os maiores sucessos para mais este "filho" que puseste no mundo (neste caso, livreiro) , já a partir de 17 do corrente... Ficamos à espera do 2º, volume, em 2014. E que entretanto as divindades todas te protejam... contra a doença do maldito alemâo que nos espreita, emboscado, nos mais inesperados sítios e dias do calendário... Dizem que aprender os ideogramas do mandarim não é tortura, é a melhor maneira de prevenir o Alzheimer...



Dedicatória autografada: "Ao Luís Graça, meu amigo das coisas da Guiné, da China e do mundo, estes meus textos de viagem por dentro da China, de viagens por dentro de mim, com um fortíssimo abraço de admiração e amizade. António Graça de Abreu, [17 de] Out 2013"

Foto: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados


China >  Zhejiang > Hangzhou > 2011 > O autor com o poeta  Bai Juyi


China > Macau > 1992 > O autor, aos 45 anos, com monsenhor  Manuel Teixeira



China > Xangai > 2009 > Com a família chinesa, esposa, filhos, sogros, cunhados


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu  (2013). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]

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Notas do editor:

(*) Vd, poste de 21 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12183: Agenda Cultural (288): Sessão de lançamento do livro de viagens "Toda a China", 1º volume, de António Graça de Abreu... Museu do Oriente, Lisboa, Sala Beijing, 3ª feira, 22 do corrente, 18h30. Apresentação do embaixador João de Deus Pinheiro. Entrada livre


(**) Último poste da série > 19 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12169: Os nossos seres, saberes e lazeres (58): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (5) (Tony Borié)

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12184: Facebook...ando (29): Uma cena, bem humorada, passada entre a ronda da PM e o locutor do PIFAS, João Paulo Diniz, Bissau, c. 1971 (José Basílio Costa, ex-alf mil, PM, hoje a residir em Santo Tirso)




Guiné > Bissau > Polícia Militar > 1971 > O José Basílio Costa, alf mil, mais o sold cond auto Diamantino Romão, que é o autor das fotos. O nosso camarada José Basílio Costa tem página no Facebook, é natural de Vila Nova de Famalicão, e vive em Santo Tirso. (Fotos reproduzidas com a devida vénia, e um abraço aos dois; edição de L.G.).


1. Tirando provavelmente o meu amigo e conterrâneo Eduardo Jorge Ferreira, que foi alf mil da Polícia Aérea ((BA12, Bissalanca, 1973/74), não temos ninguém dessa especialidade que era... a Polícia Militar.

Posso estar a pecar por omissão, mas não tenho ideia de, na nossa Tabanca Grande, no nosso blogue (não me refiro ao Facebook) haver um PM (leia-se: não,  primeiro ministro, mas, sim, polícia militar). Porquê, não sei. De qualquer modo, eles também não eram muitos. Devia haver, no máximo,  uma companhia, no CTIG, em comissão.

Sei pouco sobre eles, sei que eram oriundos da arma de cavalaria e e eram também selecionados em função da altura. Tinham que ser mais altos do que a maioria dos militares do exército, para poderem exercer as suas funções de autoridade. . Julgo que também havia uma Polícia Naval, em Bissau. Em 1976, a PM passou a designar-se por PE (Polícia do Exército).

Descobri há dias que, no dia 24/5/1969, embarquei no N/M Niassa com uma companhia militar, a CPM 2347,  a que pertencia o atual secretário geral do PCP - Partido Comunista Português, o Jerónimo de Sousa (que era 1º cabo, segundo julgo saber).  Naturalmente, não me lembro dele nem de ninguém dos seus camaradas da CPM 2347. Nem das poucas vezes que estive em Bissau tive quaisquer contactos diretos com a PM.  Verdade seja dita, e sem qualquer intenção de ofensa (, o que seria contrário ao espírito do nosso blogue), acho que os PM, no tempo da guerra colonial, cá e lá, não eram muito populares junto da tropa fandanga... Pode ser impressão minha, ams entende-se: eles eram uma autoridade policial...

Lendo entretanto a nossa página no Facebook, dou de caras com uma história, bem humorada, passada com o nosso João Paulo Diniz, ex-locutor do PIFAS (Com-Chefe, Bissau, 1970/72) e uma ronda da PM. A história é contada pelo José Basílio Costa, ex-alf mil, da Polícia Militar, em comentário de 19 do corrente. Para que não se perca o episódio e chegue a outras audiências, vamos reproduzi-lo aqui.

Fica também o convite, ao José Basílio Costa, nosso amigo do Facebook, para integrar, de pleno direito, a nossa Tabanca Grande. Basta-nos dizer que sim, e concordar com as 10 regras de convívio, em vigor no nosso blogue (mas não aplicáveis à página do Facebook, Tabanca Grande Luís Graça, que serve outros propósitos). (**)

2. Uma cena passada entre a ronda da PM e o locutor do PIFAS João Paulo Diniz, Bissau, c. 1971


por José Basílio Costa


O PIFAS...Grande programa com o João Paulo
Diniz [, foto à direita]... que agora está na Antena 1, salvo erro! 

A propósito deste locutor vou contar uma pequena história que se passou com ele. Uma noite, já passava da uma hora da noite, estava eu de serviço de ronda pela cidade e vimos, não muito longe do edifício do PIFAS,  o vulto de um militar a caminhar pela rua fora. 

Aproximámo-nos e disse-me o Vidigal, que era o meu soldado ordenança:
Meu alferes vai ali um militar fardado e sem boina e já passa da hora de recolher!

Quando nos aproximámos, eu perguntei-lhe que se identificasse, o que ele fez prontamente e justificou-se que trabalhava no PIFAS, onde era locutor, tinha acabado o serviço e dirigia-se a pé para o Quartel de Santa Luzia.

Eu, que não o conhecia pessoalmente, todavia no meio da conversa, reconheci logo a sua voz pelo seu timbre pessoal, mas não me "descosi" e disse-lhe: 
 ─  Acompanhe-nos,  por favor,  até ao Quartel! 

Ele ficou muito preocupado , perguntando se tinha feito alguma coisa de mal ou se tinha infringido alguma regra, e eu repeti : 
─  Acompanhe-nos ao Quartel. 

Aflito, perguntou se ia ficar detido na Amura toda a noite, que lhe estava a complicar a vida,  pois no dia seguinte tinha que se levantar cedo para voltar à Rádio, etc. etc. Entretanto eu disse baixinho ao Lança Ramalho, meu condutor: 
─ Vamos levá-lo a Santa  Luzia, mas primeiro passa pelo Palácio do Spínola,  para o despistar. 

Qual não foi o seu espanto de alívio, quando finalmente, e  depois de algumas voltinhas, o levámos ao seu quartel de Santa Luzia, onde o entregámos sem qualquer participação, até porque o homem estava plenamente justificado. Ficou todo contente e agradeceu-nos a boleia. E então,  como estavamos próximo do fim de ano,  disse-lhe que tería eu e nós todos muito gosto que ele aparecesse na Amura,  na passagem de ano para festejar, o que ele cumpriu. 

Não sei se te recordas,  Raúl (*), que ele esteve connosco numa passagem de ano no quartel da Amura?! (**)

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Notas do editor:

(*) Raul Castanha [, também ex-alf mil, da PM, a viver em Alcobaça], que tinha escrito, no nosso Facebook, em 19 do corrente:

"Tomei a liberdade de 'roubar' este grande amigo de um artigo publicado na Tabanca Grande Luís Graça onde entre outros está o meu amigo João Paulo Diniz.

Foi durante muitos anos um adorno presente em minha casa. Depois quando os miúdos nascerem desapareceu. Saudades do PIFAS. Quem se lembra dele?


O Diamantino Romão também comentou:

" Lembro perfeitamente do Pifas e do meu amigo João Paulo Diniz, onde tive oportunidade de estar no estúdio ao vivo com o meu alferes Castanha e o Lourenço. Rrecordo com saudade aquela ótima musica que era passada, tive o prazer de viajar com o João, de Bissau a Lisboa, e vice versa (férias de 1 mês vim conhecer a minha filha com 1 ano, bons tempos)"... [O Diamantino Romão tem página no Facebook, a que não conseguimos aceder].

Guiné 63/74 - P12183: Agenda Cultural (288): Sessão de lançamento do livro de viagens "Toda a China", 1º volume, de António Graça de Abreu... Museu do Oriente, Lisboa, Sala Beijing, 3ª feira, 22 do corrente, 18h30. Apresentação do embaixador João de Deus Ramos. Entrada livre

1. Convite de Guerra e Paz Editores para a sessão de lançamento do livro

Toda a China (Vol. I) – Descobrir, Desvendar, Entender o Mundo Chinês
António Graça de Abreu
15x23x2,5
368 + 32 (cores) páginas
23 €
Não Ficção
Nas livrarias a 17 de Outubro
Guerra e Paz



Nunca nenhum português falou assim da China. Por uma razão: o autor deste livro é o português que mais bem conhece a China, toda a China.


2. Press release, do editor, enviado em 16/10/2013:

A China tem 9,6 milhões de quilómetros quadrados. Um português acaba de os conquistar.

Já era tempo de um português pensar e escrever aChina por si mesmo, baseando-se na sua própria experiência, nas suas viagens, na sua relação vivida com o território e com as pessoas. António Graça de Abreu é esse português. «Toda aChina» é esse livro. Nunca nenhum português falou assim da China. Por uma razão: o autor deste livro é o português que mais bem conhece a China, toda a China.

«Toda a China» é o resultado das peregrinações de António Graça de Abreu pelo velho e actual Império do Meio. Todas as 23 províncias, cinco regiões autónomas, quatro municípios centrais e duas regiões administrativas especiais, foram visitadas ao longo de 36 anos de jornadas e estadas na vasta China, tão grande como a Europa.

Neste primeiro volume de «Toda a China», António Graça de Abreu traz-nos o testemunho das suas múltiplas vivências em viagens pelas grandes cidades ou pelo infindável campo chinês, pelas montanhas sagradas do Império ou por templos budistas e taoistas perdidos nos confins da China.

Mas não se engane. Mais do que um guia de viagens, este é um livro que lhe dá a conhecer a história, o património cultural, as transformações sociais e políticas e a forma de vida de toda aChina. E é um livro que inclui mais de 60 fotografias inéditas e a cores, assim como mapas detalhados de todas as províncias visitadas.

Leia e aceite o desafio de António Graça de Abreu:«Descobrirá porventura o prazer de caminhar comigo de cidade em cidade, de província em província, de tentar conhecer uma civilização e cultura únicas debaixo do céu, de sentir o pulsar daChina de ontem, de hoje, de sempre.»

3. Toda a China > Sinopse

Toda a China é o resultado das peregrinações de António Graça de Abreu pelo velho e actual Império do Meio. Após seis anos em Pequim e Xangai, entre 1977 e 1983, o autor continuou a viajar pelo mundo chinês, da Manchúria às fronteiras com o Laos, da Mongólia Interior a Taiwan, de Macau ao Tibete. Todas as 23 províncias, 5 regiões autónomas, 4 municípios centrais e 2 regiões administrativas especiais, foram visitadas ao longo de trinta e seis anos de jornadas e estadas na vasta China, tão grande como a Europa.

Neste primeiro volume da sua Toda a China, António Graça de Abreu traz-nos, numa escrita descomplexada e fascinante, o testemunho das suas múltiplas vivências em viagens pelas grandes cidades ou pelo infindável campo chinês, pelas montanhas sagradas do Império ou por templos budistas e taoistas perdidos nos confins da China, por desertos inóspitos ou pelas costas rasgadas, abertas sobre o Pacífico. É a completa imersão no mundo chinês, plurifacetado e complexo, na sua história, património cultural, transformações sociais e políticas, na vida quotidiana de centenas de milhões de cidadãos tão diferentes de nós mas com um mesmo coração a bater ao compasso de um mesmo tempo.

Toda a China é ilustrado com fotografias do autor. O segundo volume será publicado em 2014.

3. Biografia do autor [, foto à esquerda, na China, foto do autor, editada por L.G.]

António Graça de Abreu 

[, que é também membro da nossa Tabanca Grande,  ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74]

(i) Nasceu no Porto, em 1947.

(ii) licenciado em Filologia Germânica e Mestre em História:

(iii)  foi professor de Língua e Cultura Portuguesa em Pequim e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras, entre 1977 e 1981;

(iv)  foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Oriente;

(v) leccionou Sinologia na Universidade Nova de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa, na ex-Missão de Macau em Lisboa, e actualmente na Universidade de Aveiro e no Museu do Oriente;

(vi) traduziu para português O Pavilhão do Ocidente (1985), teatro clássico chinês, e os Poemas de Li Bai (1990), Prémio Nacional de Tradução 1991, Poemas de Bai Juyi (1991), Poemas de Wang Wei (1993), Poemas de Han Shan (2009) e o Tao Te Ching, de LaoZi (2013);

(vii)  é autor dos livros de poesia China de Jade (1997), China de Seda (2001), Terra de Musgo e Alegria (2005), China de Lótus (2006), Cálice de Neblinas e Silêncios (2008), A Cor das Cerejeiras (2010) e co-autor de Sinica Lusitana, vol. I e II, (2000 e 2003).

Fonte: Guerra e Paz Editores, Lisboa


Convite da da Fundação Oriente Museu e  Guerra e Paz Editores. A sessão do lançamento do livro é na 3ª feira, dia 22 do corrente, às 18h30, no Museu do Oriemte, sala Beijingt. Apresentação do libvro a cargo do embaixador João de Deus Ramos  que abriu a nossa Embaixada em Pequim, e que é um velho amigo do escritor.
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12153: Agenda cultural (287): Sessão de apresentação do livro "Profetas do Consumo", de autoria de Mário Beja Santos, dia 22 de Outubro de 2013, pelas 18 horas, nas instalações da Direcção-Geral do Consumidor em Lisboa

Guiné 63/74 - P12182: Em busca de... (231): Casimiro Silva procura camaradas do Centro de Mensagens, em Bissau, dos anos 1971/73

1. Mensagem do nosso camarada Casimiro Silva que esteve no Centro de Mensagens do QG/CTIG nos anos de 1971/73, com data de 12 de Outubro de 2013:

Boa noite camaradas
Estive no STM – Centro de Mensagens do Q.G. em Bissau, de 25 de Agosto de 1971 a 03 de Setembro de 1973.

Após o meu regresso, aconteceu o 25 de Abril e além de ter esporadicamente contactado com o camarada, operador de mensagens, Vitor Silva, do Porto, perdi o contacto com todos!

Hoje inesperadamente encontrei o blog e porque gostava de reencontrar os camaradas com quem estive aqui fica o meu endereço e o pedido de contacto se algum andar por aí.

- Os 3 Vitor Silva (um do Porto, outro do Barreiro e outro da Apelação / Loures)
- O “Caldas”
- O “Cortegaça”;
- O Gaspar;
- O “Tchefe”
- e …

casimiro.silva@netcabo.pt
961679979
Santa Iria de Azoia

Um abraço
Casimiro Silva
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12120: Em busca de... (230): Camaradas da CCAV 1749, Os Duros (Mansoa e Mansabá, 1967/69)... Até hoje não encontrei ninguém (Martinho Gomes)

Guiné 63/74 - P12181: Notas de leitura (527): "As Minhas Memórias de Gabu 1973/74", por José Saúde (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Lera o que José Saúde ia publicando na nossa rede social. Dá gosto relê-lo, expõe-se com uma simplicidade tocante, fosse outro contexto e até se podia insinuar que estávamos perante uma prova de elevada gabarolice, quando, com toda a modéstia, o José Saúde conta sem qualquer ênfase muito mais coisas dos tempos de paz que a guerra havida, terá sido pouca e pouco funesta. Percebe-se o orgulho que tem nas suas recordações, fez muito bem em compartilhá-las connosco, não custa a crer que foi um ano vibrante e de trajetória na sua vida.

Um abraço do
Mário


As minhas memórias de Gabu, por José Saúde

Beja Santos

O nosso confrade José Saúde teve a amabilidade de me enviar as suas memórias referentes ao período 1973/74. Tocou-me a simplicidade e o louvor que encerram as suas lembranças.

A obra reúne o seu acervo de recordações de furriel Ranger colocado na CCS do BART 6523, Agosto de 1973/Setembro de 1974. E são mesmo recordações vibrantes, singelas, no que toca ao desvelar da sua intimidade, os seus lazeres, o olhar à volta, a interpretação do meio. São textos despretensiosos, não há para ali farronca, o desfiar de atos de bravura, não se ampara na guerra que os outros fazem, descreve os patrulhamentos, com grande sobriedade nessa placa giratória que era Nova Lamego. Di-lo naturalmente: “A Guiné apresentou-se, para mim, como um universo de pesadelos vividos nos verdes anos da minha adolescência”.

Foi esta a Guiné que lhe coube cumprir. O seu relato, sempre económico, ganha logo foros de universalidade: a chegada e o bafo de calor, o encontro de gentes do mesmo curso e depois a dispersão; volta atrás e conta onde assentou praça e as etapas seguintes até chegar ao Gabu; depois, no dia 23 de Novembro de 1973, o contacto com a guerrilha, entre Nova Lamego e Piche; e o deslumbramento dessa Guiné que lhe coube, com pudor vai abrindo o seu álbum de memórias, os passeios à futrica, porque o Gabu era uma minúscula imitação de cidade, digamos que o último centro urbano digno desse nome, no Leste.

De modo suave e dialogante, fala dos “filhos do vento”, tem mesmo a fotografia com a menina de Gabu nos seus braços: “A menina, linda, possuía um ar tremendamente europeu. Quem não conhecia o seu cruzamento de sangues, talvez não imaginasse a sua originalidade. Desencontros sanguíneos, fruto do acaso…”. Mais adiante tem a confirmação de que a menina morreu e mostra a fotografia da menina de Gabu, uma mãe de porte senhoril, olhar melancólico. Fala do sexo na guerra, onde e como se praticava. Acompanhamo-lo nas ações da psico e como ele procurou dirimir conflitos. E o papel das lavadeiras nas nossas vidas, e o Alberto, um puto desenrascado que gozava um estatuto supremo, sempre cordial. E acrescenta: “Guardo religiosamente uma foto com o benjamim Alberto e interrogo-me do que será feito do senhor Alberto”.

E o Natal de 1973, profusamente ilustrado. E o batuque, que tanto o deliciava. E uma referência às colunas de reabastecimento, Piche, Pirada, Canquelifá, Buruntuma, Madina Mandinga, Cabuca, viaturas avariadas, chatices suplementares. E o Damásio que teve uma morte estúpida na pista de aviação, numa descrição contida: “Numa manhã, o soldado Damásio integrou um grupo cujo objetivo passava por descarregar bens alimentícios provenientes de Bissau e que vinham a bordo de um avião. Fez-se o habitual cordão para facilitar o serviço, sendo que o Damásio se colocou entre as duas viaturas destinadas ao carregamento. Num ápice, uma das viaturas tentou a aproximação a outra que se encontrava estacionada por perto e numa manobra arriscada – marcha atrás – embateu na traseira da outra viatura, sendo que o embate ficou marcado pela morte imediata do Damásio que se encontrava entre as duas viaturas. Morreu esmagado”.

Há saudades das colunas a Bafatá, o encontro com as gentes pelo caminho, episódios impressionantes e chocantes. A guerra aparece entremeada entre episódios pícaros, como se José Saúde assim suavizasse a morte e os feridos, seus camaradas, como o drama vivido pelo Fanado.

A jactância está sempre arredada destas impressões que o conduzem à escrita: Jaló, o milícia, era um convicto pedinchão, fazia e prestava favores, com intrincadas remunerações: “As lérias do camarada africano enterneciam o mais descuidado militar se porventura não meditasse de imediato no seu doce e embalador palavreado. Mostrava-se acolhedor a fazer favores e, de seguida, propunha como recompensa: cobrar alguns pesos ou uma dádiva de arroz”.

Bafatá baila-lhe na memória e mostra o cais do Xime, que já não existe. Não tem rebuço em descrever os lazeres com futebol, conversas com homens grandes, as crianças das tabancas. Mostra o seu camarada o furriel Ramos que desertou para o PAIGC. Ramos, diz ele, cedeu ao que o seu coração lhe pediu. A sede é tema obrigatório, a sede e o acolhimento nas tabancas, guarda mesmo o nome da fonte do Alecrim, na saída da estrada que conduzia a Piche, era a nascente do reabastecimento do quartel.

O tema da fé religiosa vem à baila, não se escusa. E chegou a hora da despedida, de três para quatro de Setembro entregaram-se as instalações ao PAIGC, arreou-se uma bandeira, içou-se outra, era o ponto final. É extremamente contido quanto à chegada do PAIGC e simultaneamente deixa claro a grande ansiedade em que viviam aqueles que estavam convictos, sob a bandeira portuguesa. Na despedida, e depois de exaltar as imagens que obteve na sua máquina fotográfica Olympus mostra imagens do Gabu em 1999 e despede-se: “Estas são as minhas memórias do Gabu que tiveram o condão de passarem, em parte, ao lado dos conflitos armados no terreno”.

Percebe-se que José Saúde andou ligado ao jornalismo, dá provas neste livrinho íntimo que põe à nossa consideração, controlando a exuberância e nunca escondendo a saudade dos tempos do Gabu.

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Nota de José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523, Nova Lamego, 1973/74:

"GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74", dia 26 de Outubro, sábado, pelas 15h00, na Casa do Alentejo em Lisboa* 

Camaradas
Com a distância do tempo a imperar sobre corpos gastos por uma longevidade que já vai longa, mas que teima em preservar neste universo terrestre homens com histórias hilariantes de guerra para contar, lancei um olhar subtil sobre a nossa comissão militar na Guiné, sendo que dessa descida à realidade vivida em Gabu, procurei indagar nas minhas memórias conteúdos reais observados, concluindo que estes foram transversais a outras gerações de camaradas, não obstante a data que coube a cada um de nós percorremos naquele território distante.

Um território, aliás, fustigado pelos matos adensados, capins enganadores e desafiantes, bolanhas q.b. infestadas de mosquitos, os tons avermelhados da estéril terra, o pôr de sol alaranjado e sempre encantador, as chuvas intensas que não davam tréguas, o cacimbo que arrepiava as nossas almas, bem como o calor africano sempre excessivo constatado, entre outras circunstâncias que nos deixarão saudades e eis-nos no presente perante um reviver de imagens, algumas ténues, que teimam em bater com o nosso ego.

Sublinho, com ênfase, que fui um dos muitos milhares de militares que cruzaram a guerra com a paz e que conheceu a realidade de um tempo que confirmava então o fim do domínio português naquela antiga província ultramarina, assim como o exaltar de um jovem país que resplandecia e se afirmava no continente africano como nação independente.

GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74 é uma obra que atravessa estilos semelhantes ao longo dos anos de luta, sendo certo que as exequíveis verdades presenciadas fazem parte de um espólio das nossas vivências em solo guineense.

Revejo as agruras de uma guerra no seu auge e que se deparou, posteriormente, com o emblema da paz. Uma dualidade visionada de posições anteriormente opostas, mas que marcarão eternamente o nosso sentir no decisivo momento do adeus àquela terra que muito nos marcou.

Os textos expostos neste volume, não longos mas sucintos, mostram o essencial de um olhar atento sobre o contexto de uma guerra cruel que não dava folgas e que se predispunha a autênticas incertezas num terreno que, para nós, se apresentava, a meu ver, diametralmente desigual, tendo em conta que o IN conhecia perfeitamente os terrenos que pisava e a razão da sua luta.

Fui ao fundo do baú do meu passado, e beneficiando de uma memória que teima em manter-se em absoluta atividade, soltei as amarras dos tabus e eis-me a mergulhar livremente no planalto da saudade, trazendo a público as mais diversificadas conjunturas por mim vividas em terras de Gabu.

Não me refugiei, por uma questão de ética e de honra, nos sons estridentes dos tiros ou no desenhar de puzzles que conduziam à preparação de estratégicas operações trabalhadas no palco do conflito. Não ajuizei pretensos cenários em confrontos diretos com o IN. Procurei, isso sim, mexer com assuntos que implicitamente escondiam, e escondem, o clamor da peleja. Somos humanos e como tal as análises feitas por cada um de nós obedecem a opiniões por vezes diferentes. Neste contexto, não desafio atos de bravura, cinjo-me, sim, a singelas dissertações que mexem com foros literalmente verídicos e que nos brindam com assuntos por nós vividos.

Adianto, porém, que não tranquei em exclusivo a minha caixa de pandora com os problemas vividos em campos de batalha, mas lancei ecos noutras direções que trazem evidentes burburinhos sociais, costumes tribais, entre outras temáticas registadas que mexem, em particular, com a intimidade de jovens militares entregues então ao destino.

Camaradas, nas minhas memórias de Gabu relato, também, a forma como a hierarquia tribal impunha regras tacitamente herdadas dos seus antepassados. A ordem de partilha imposta pela tribo. A maneira hábil como uma população sabia viver encaixada com duas frentes de guerra. O sexo praticado ao longo da campanha. Os filhos do vento com a menina de Gabu. O djubi Alberto, meu companheiro. A festa tradicional nas tabancas indígenas com o fanado. As colunas. As noites no mato. O Natal de 1973. As lavadeiras. O batismo de fogo. Motes interessantes, entre muitos outros, para puxar pelas nossas memórias mesmo frágeis que elas porventura hoje se apresentem.

Nesta apresentação da obra que farei na Casa do Alentejo em Lisboa, no próximo dia 26 de outubro, sábado, a partir das 15h00, contarei com a presença de camaradas que comigo dividiram o conflito na Guiné e deixarei, obviamente, dicas para que todos, em conjunto, apreciarem e tirarem ilações contundentes, espero, de um pedaço das nossas vidas que marcaram, inquestionavelmente, os verdes anos da nossa juventude.

Luís Graça, autor do prefácio e fundador do nosso blogue, será o camarada que dissecará os ventos trazidos pelo livro GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74, numa tarde cultural onde os sons do Alentejo se farão ouvir.

Lisboa é uma região onde abundam antigos camaradas que percorreram os trilhos da Guiné. E é justamente a eles que dirijo o meu convite para uma profícua presença de gentes que continuam a navegar, tal como eu, no campo da saudade.

Até breve!

Em novembro, provavelmente, estarei no Museu Militar do Porto.

José Saúde

(*) Vd. poste de 2 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12110: Agenda cultural (285): Apresentação do livro "GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74" na Casa do Alentejo, em Lisboa, dia 26 de Outubro de 2013 (José Saúde)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12165: Notas de leitura (526): "Um Novo Caminho: Os Congressos do Povo da Guiné", por Manuel Belchior (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12180: Parabéns a você (643): Manuel Moreira de Castro, ex-Soldado At da CCAÇ 2315 (Guiné, 1968/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12173: Parabéns a você (642): Fernando Súcio, ex-Soldado Condutor Auto do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74) e Rogério Cardoso, ex-Fur Mil Mec Auto da CART 643 (Guiné, 1964/66)

domingo, 20 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12179: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (23): Duas referências ao Marcelino da Mata



Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Cabreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2017 > O Marcelino da Mata,  mostrando o livro, "Diário da Guiné: lama, sangue e água pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007), que o autor, António Graça de Abreu, lhe ofereceu autografado.

Na foto de baixo, os dois leem uma das passagens do livro.  O Marcelino da Mata, ten cor ref, é um participante frequente dos convívios da Tabanca da Linha. Para quem deve ter 75 ou 76 anos de idade (, segundo os dados que, em 2006, nos deu a sua filha Irene Rodrigues da Mata, então a estudar em Londres), achei-o em boa forma.

Fotos: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados

1. No seu Diário da Guiné, o António Graça de Abreu tem duas referências ao Marcelino da Mata... Aqui ficam os respetivos excertos, com a devida cortesia... (Os negritos e os realces a amarelo são da nossa responsabilidade) (LG):


Mansoa, 23 de Maio de 1973


O jornal Primeiro de Janeiro traz uma notícia sobre o 1º. Congresso de Combatentes do Ultramar[1], a acontecer no Porto entre 1 e 3 de Junho. No texto dos promotores do Congresso, lêem-se as seguintes palavras:

Patrioticamente, com total independência e acima de qualquer ideologia ou facções políticas, um grupo de Combatentes do Ultramar decidiu organizar o 1º. Congresso de Combatentes do Ultramar que se realizará no Porto de 1 a 3 de Junho de 1973, com um sentimento, uma mística, uma determinação.

Um sentimento: Reencontro e confraternização de camaradas.

Uma mística: O orgulho da honrosa missão cumprida e a consciência do seu valor na história nacional.

Uma determinação: Unidos na retaguarda contra tudo o que ameaça a integridade de Portugal.

Estiveste no Ultramar em missão de Soberania? Simples soldado ou oficial, missão cumprida? VEM.


O Pancada, capitão miliciano e meu companheiro de armas neste CAOP 1, traz-me um aerograma escrito à máquina, tipo circular clandestina, que recebeu de Bissau dos seus colegas do curso de capitães milicianos, José Manuel Barroso e Ferreira. Transcrevo integralmente o conteúdo da carta:

Aqui te enviamos o texto que lerás. Como a tarefa é urgente (é preciso que cada um faça o trabalho no mais curto espaço de tempo), eis a explicação sintética dos porquês de tudo isto.

1. Vai realizar-se no Porto uma coisa chamada “Congresso dos Combatentes”. O objectivo declarado dos combatentes (nas entrevistas dadas pelos mesmos à imprensa) é sancionar a política de manutenção de tudo isto, tal como está. O objectivo, de facto é – recorrendo aos aspectos sentimentais do rever dos companheiros de África, -- juntar gente para criar uma organização de extrema-direita (tipos como o Franco Nogueira, estão por detrás da manobra) com base no cimento aglutinador da solidariedade entre combatentes. Obs. Os tipos dizem falar em nome de toda a malta que está no ultramar.

2. O próprio governo reagiu não concedendo subsídios e recusando a presença de membros seus. Grande número de oficiais do Quadro Permanente reagiram também através de um abaixo-assinado semelhante ao nosso.[2] Repara, isto é muito importante, pois pela primeira vez os oficiais do QP dessolidarizam-se em massa e publicamente da teoria de continuar isto até ao suicídio. (Outro aspecto importante, a situação na Guiné detiora-se de dia para dia).

3. Resolveu, pois, um grande grupo de malta fazer também um abaixo-assinado para dar força à posição dos tipos do QP (o deles corre, como pretendemos com o nosso, no Continente, Angola e Moçambique) e reafirma a nossa. Pontos do texto, não solidariedade com os tipos que lá vão (ao Congresso) e deixar claro que não estamos dispostos a nos deixar servir de carne para canhão, em suma: a servir a teoria do suicídio.

4. O abaixo-assinado do QP tem tido um êxito assinalável (assinaturas de coronéis, um brigadeiro, etc. – só aqui na Guiné). O nosso marcha muito bem e já temos muitas dezenas de assinaturas. E muitas mais virão. (Serão ambos – o do QP e o do QC – para enviar ao Congresso e à imprensa).

5. Terás apenas de recolher assinatura de oficiais, sargentos e das praças que o quiserem. Processo a seguir: copiar o texto junto para um aerograma e apôr, a seguir, as assinaturas, posto e nº mecanográfico. E enviar-nos isso para o remetente na volta do correio. E passa à malta tua conhecida de outras companhias.

6. Confiamos na tua coragem e na compreensão de como isto é importante para todos. (Repara, centenas de tipos do QP e QC a marcar uma posição). Não queremos que se repitam os Guileges e os Guidages e outros casos dos últimos dias, com o seu cortejo de mortos e feridos. A nossa acção, desta forma cautelosa embora, é fundamental para os dias que hão-de vir.

Um abraço do

Barroso

Ferreira


O aerograma traz, em anexo, o texto em papel vegetal que diz:

Os abaixo-assinados, oficiais e sargentos do Quadro de Complemento, em prestação de serviço no ultramar, manifestam a sua discordância com a realização do Congresso dos Combatentes, não reconhecendo qualquer representatividade aos elementos presentes no mesmo, não se identificando com as conclusões dele emanadas. É ao povo português, em clima de absoluta liberdade, que cabe o direito de discutir e decidir sobre os problemas levantados à nação pela questão ultramarina. 
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[1] São extensas em diversas obras as referências a este Congresso. Para uma síntese da problemática que o envolveu, com o texto do telegrama enviado da Guiné aos órgãos de informação onde não se reconhece qualquer legitimidade e representatividade ao Congresso, assinado pelo capitão-tenente Rebordão de Brito e pelo alferes Marcelino da Mata em representação de quatro centenas de militares do QP, ver João Medina, História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Ed. Multilar, 1990, pp 256-257.


[2] Entre os signatários do QP, em Bissau e em Lisboa, encontravam-se homens como Ramalho Eanes, Firmino Miguel, Vasco Lourenço, Otelo Saraiva de Carvalho e Carlos Fabião. 

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Cufar, 26 de Dezembro de 1973

Graças ao Natal, umas tantas iguarias rechearam as paredes dos nossos estômagos. Houve bacalhau do bom, frango assado, peru para toda a gente e presunto, bolo-rei, whisky e espumante à discrição, só para oficiais. Fez-se festa, fados, anedotas, bebedeiras a enganar a miséria do nosso dia a dia.

Hoje, 26 de Dezembro, acabou o Natal e, ao almoço, regressámos às cavalas congeladas com batata cozida e, ao jantar, ao fiambre com arroz.

Isto não tem importância, importante é a ofensiva contra os guerrilheiros do PAIGC desencadeada na nossa região com o bonito nome de “Estrela Telúrica”. Acho que nunca ouvi tanta porrada, tantos rebentamentos, nunca vi tantos mortos e feridos num tão curto espaço de tempo. E a tragédia vai continuar, a “Estrela Telúrica” prolongar-se-á por mais uma semana.

Tudo começou em grande, com três companhias de Comandos Africanos, mais os meus amigos da 38ª., fuzileiros e a tropa de Cadique a avançarem sobre o Cantanhez. O pessoal de Cadique começou logo a levar porrada, um morto, cinco feridos, um deles alferes, com certa gravidade. Ontem de manhã, dia de Natal, foi a 38ª de Comandos a “embrulhar”, seis feridos graves entre eles os meus amigos alferes Domingos e Almeida, hoje foram os Comandos Africanos comandados pelo meu conhecido alferes Marcelino da Mata,[1] com dois mortos e quinze feridos. Chegaram com um aspecto deplorável, exaustos, enlameados, cobertos de suor e sangue. Amanhã os mortos e feridos serão talvez os fuzileiros… No dia seguinte, outra vez Comandos ou quaisquer outros homens lançados para as labaredas da guerra. O IN, confirmados pelas NT, só contou seis mortos, mas é possível que tenha morrido muito mais gente, os Fiats a bombardear e os helicanhões a metralhar não têm tido descanso.

Na pista de Cufar regista-se um movimento de causar calafrios. Hoje temos cá dez helicópteros, dois pequenos bombardeiros T-6, três DOs, dois Nordatlas e o Dakota. A aviação está a voar quase como nos velhos tempos. Os helis saem daqui numa formação de oito aparelhos, cada um com um grupo constituído por cinco ou seis homens, largam a tropa especial directamente no mato, se necessário os helicanhões dão a protecção necessária disparando sobre as florestas onde se escondem os guerrilheiros, depois regressam a Cufar e ficam aqui à espera que a operação se desenrole. Se há contacto com o IN e se existem feridos, os helicópteros voltam para as evacuações e ao entardecer vão buscar os grupos de combate novamente ao mato. Ontem, alguns guerrilheiros tentaram alvejar um heli com morteiros, à distância, o que nunca costuma dar resultado.

Sem a aviação, este tipo de operações era impossível. Durante estes dias os pilotos dormem em Cufar e andam relativamente confiantes, há muito tempo que não têm amargos de boca. Os mísseis terra-ar do IN devem estar gripados porque senão, apesar dos cuidados com que se continua a voar, seria muito fácil acertar numa aeronave, com tanto movimento de aviões e hélis pelos céus do sul da Guiné.

Cufar fica a uns quinze, vinte quilómetros da zona onde as operações se desenrolam. Todos os dias, às vezes durante horas seguidas, ouvimos os rebentamentos e os tiros dos “embrulhanços”, das flagelações. É impressionante o potencial de fogo, de parte a parte. Os guerrilheiros montam também emboscadas nos trilhos à entrada das matas onde se situam as suas aldeias. Aí as NT começam a levar e a dar porrada, e não têm conseguido entrar nas povoações controladas pelo IN.

Natal, sul da Guiné, ano de 1973, operação “Estrela Telúrica.” Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade.
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[1] Sobre o acidentado percurso do alferes Marcelino da Mata, ver a narração pessoal da sua participação nesta guerra em Rui Rodrigues, (coord.), Os Últimos Guerreiros do Império, Editora Erasmos, Amadora,1995, pp. 195-213

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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12132: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (22): Referência a jornais e jornalistas no CTIG

Guiné 63/74 - P12178: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (1): Preâmbulo

1. Vamos começar a publicar hoje mais um interessante trabalho de compilação do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), desta vez dedicado às Escolas Práticas das Armas de Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Transmissões e Engenharia, que, como ele próprio diz no preâmbulo agora apresentado, vão integrar a Escola de Armas que ficará sediada nas instalações da EPI, em Mafra.

A ideia do camarada José Martins, é deixar para memória futura a história das Armas agora extintas por mais esta reestruturação.










Guiné 63/74 - P12177: Ser solidário (152): A ONGD Ajuda Amiga, com sede em Paço de Arcos, Oeiras, envia para Bissau, através da Portline, um contentor de 40 HC ou sejam, 20 toneladas. São 1144 caixas, mais de 80% das quais com livros, material escolar, roupas e calçado... O navio deve ter chegado a 14 do corrente.



Oeiras > 21/7/2010 > Reunião entre a direção da Ajuda Amiga. com sede em Paço de Arcos  (Dra. Cristina Ferreira, Dr. Carlos Fortunato e Dr. Carlos Silva), e a direção da AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau (Eng. agr. Carlos Schwarz, "Pepito", e eng. agr. Isabel Levy Ribeiro)

Fonte: Ajuda Amiga (2010) [ Reproduzido com a devida vénia]


1. Notícias dos nossos camaradas e amigos da Ajuda Amiga::

O Contentor de Ajuda Humanitária e de Apoio ao Desenvolvimento da Ajuda Amiga deu mais um passo na sua caminhada para Bissau; nos dias 16 e 17/9/2013, com a ajuda de 26 voluntários foram carregados 7 camiões que levaram as 22 toneladas de material que tínhamos no nosso Armazém na Amadora para a Portline Logistics, em Camarate.

O  contentor enviado é o maior que a Portline possui, é um 40 HC, isto é, tem 40 pés mas por ser um HC é mais alto que os 40 normais, e este era um HC especial porque era também mais largo, nunca tínhamos enviado um contentor tão grande.

A partida do navio estava marcada para o dia 28-09-2013, e a sua chegada a Bissau estava prevista para o dia 14-10-2013.

No total seguiram no contentor 1.144 caixas, com os tipos de artigos descritos a seguir:


                                              Caixas

Tipo de Artigo
Nº 
%
Livros e Material Escolar
426
37,2
Roupa e Calçado
634
55,4
Mobiliário
58
5,1
Equipamentos e Ferramentas
1
0,1
Brinquedos
9
0,8
Diversos
16
1,4
Total de caixas
1144
100,0



A conclusão do processo de desalfandegamento só deverá estar concluída no fim de Novembro (a estação seca inicia-se em Novembro), nessa data as caixas serão distribuídos nas instalações da Cooperação Portuguesa (Embaixada de Portugal), seguindo depois as mesmas para os diversos destinos.

Os destinos serão: (i)  os Setores de Bissorã e de Farim, em que a distribuição será assegurada pela Ajuda Amiga com o apoio dos seus voluntários locais e (ii)  e Bissau e o Sector de Cacheu , que serão beneficiados através da colaboração com a AD - Acção para o Desenvolvimento, com a Ajuda Amiga tem uma parceria, e que coordenará as actividades em Bissau, através do seu Director Executivo, o  Eng. Carlos Schwarz, o noss amigo Pepito, tal como em anos anteriores.

A  preparação dos bens a enviar no contentor de 2014, que seguirá no inicio de Janeiro, já está muito adiantada, aguardando alguns donativos para ser finalizada.

Em 2014, tendo em atenção as intenções  de participação manifestadas, é previsível que o grupo de associados que se deslocará para acompanhar o processo de distribuição, verificação do uso dado aos bens anteriores, identificação de necessidades e realização de acções de formação, seja mais numeroso do que o habitual.

2. Comentário de L.G.:

Falando há dias com o Carlos Silva, no almoço de convívio da Tabanca da Linha, no passado dia 17,  tive conhecimento de mais esta iniciativa solidária da Ajuda Amiga, iniciativa que merece ser amplamente divulgada e aplaudida, para mais numa altura em que se agravam também as condições de trabalho das ONGD... 

A famigerada crise (global, mundial., europeia, portuguesa, local...) que veio para ficar, está também a gerar efeitos, perversos,  de bola de neve,  no setor social, afetando a organização e o funcionamento daquelas instituições e organizações criadas justamente para ajudar e apoiar os que mais precisam, e que são as primeiras vítimas da crise. 

No caso da Ajuda Amiga. por exemplo, há menos gente para trabalhar como voluntários, empacotar, carregar caixas, arrumar, etc. O Exército, que costuma oferecer transporte para levar as caixas da Amadora (onde está o armazém da Ajuda Amiga ) para Camarate (onde se carrega o contentor da Portline), agora exige que a Ajuda Amiga pague o gasóleo das viaturas... 

Por outro lado, em Bissau, nas Alfândegas, é preciso desembolsar três mil e tal euros, para que o contentor possa ser descarregado e aberto... E, depois, no território da Guiné-Bissau, é preciso acompanhar as diferentes viaturas que transportam as caixas até aos seus diferentes destinos. 
Parabéns aos nossos camaradas da Ajuda Amiga (Carlos Fortunato, Carlos Silva, Zé Carioca, Manuel Joaquim, só para citar alguns dos nossos grã-tabanqueiros, que fazem parte dos respetivos órgãos sociais). Em contrapartida eles precisam de mais sócios, de mais voluntários e de mais recursos financeiros para desenvolverem os seus projectos. Parabéns também  aos nossos amigos da ONGD AD  - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, parceiros da Ajuda Amiga.

Mas todos precisam também de uma palavra de carinho, apreço, apoio, solidariedade, reconhecimento... Precisam de uma  palavra nossa!... Temos que ser solidários para com os que estão na primeira linha da solidariedade. A Ajuda Amiga também precisa de amigos e da ajuda dos amigos!

Camaradas e amigos da Guiné, vejam aqui como podem dar um donativo ou tornar-se sócios da Ajuda Amiga.
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12176: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (11): A saga umbilical

1. Em mensagem do dia 14 de Outubro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio, o décimo primeiro, da sua série Pós-Guiné 65/67:


O PÓS-GUINÉ 65/67

11 - A SAGA UMBILICAL

12 DE MAIO DE 1992

É nesta data, já que guerra "ca tem" (aquela por onde passámos, entenda-se) que um grupo, decerto de gentes bem intencionadas, publica uma lei a que chamaram "Objecção de Consciência". Mas que pena não se terem lembrado antes, mais propriamente no inicio dos anos 60 !!!

Agora não valia a pena a rapaziada fugir à tropa embora esta (o serviço militar obrigatório) em 1992, fosse por pouco tempo e onde afinal iriam d'alguma forma aprender a serem homenzinhos, (o que a alguns não conviria, convenhamos).

E pena maior foi a de que não fosse o IN a criá-la então, (anos 60) o que teria evitado que a maioria de nós tivesse de ter que lá ir obrigada, quando afinal até se calhar sem sabermos, ÉRAMOS TODOS OBJECTORES DE CONSCIÊNCIA e utilizaríamos essa prerrogativa..

Contudo valeu a pena. Saiu em Diário da República e até considerada, foi, de acordo com a Constituição.

Tardaram mas acertaram porque agora bastava ter uma daquelas hipóteses ali previstas e nem sequer se pegaria numa espingarda, quanto mais aprender a mexer nela. Ao ler essa preciosidade, (Lei nº 7/92) até me davam a hipótese de escolher o que daria em troca, porque de facto não estavam a fazê-lo, de mão beijada. Haveria de contrabalançar a coisa, por uma das hipóteses previstas e eram tantas. Cá o "Je" ficaria bem contente com a alinea h) que diz:
- Manutenção, repovoamento e conservação de parques, reservas naturais e outras áreas classificadas

E ao declarar-me objector, o que confesso nunca faria, pois que senão e se calhar, andaria pr'ái de arganel... peito, axilas e tudo o mais que tem cabelo... descabelados pois então A minha proveta idade recusa tais coisas nos homens e até já lá dizia uma prima minha, quando falava comigo e de mim:
- Homem que é homem, deve cheirar "suma" o cavalo.

Havia apenas um pequeno óbice e refiro-me ao artº 13º, qu'a determinada altura dizia que o mânfio que utilizar esta forma de fugir (entre aspas) não poderá ter porte d'arma de qualquer natureza. Ora lá me estavam de novo a lixar, pois que eu, ao escolher a citada alinea h) queria manter o equilibrio nas florestas e não seria deixando proliferar as lebres (e não coelho, animal qu'agora abomino)) que tal equilibrio se manteria, dado que comem que nem umas bestas e daí e porque são umas glutonas no que se refere à destruição dos vegetais das hortas e ervinhas próprias das reservas e parques.

Lebres de que tanto gosto, quer com arroz, quer também com feijão e couve. Arroz cozinhado com o próprio sangue da saborosa bicha. Sangue que também se mistura na feijoada com lombarda. (Só de pensar nisto, até fico ougado !!!)

É também neste ano que finalmente usufruo duma vida mais desafogada e até comecei a ter uma noite para ir aos fados e com tanta sorte que até aí a GUINÉ ESTAVA PRESENTE.
Uma fadista cantava:
- "Volta atrás vida vivida", ao que eu retorqui alto e bom som e em tom fadista brigão ao desafio:
- "Ó quem me dera ter outra vez 20 anos".

Ainda nesse ano, estando em reunião, eu Sub-Gerente. com o Gerente, (Ex-Alf Mil que também havia estado na Guiné) apercebi-me que ao balcão perguntavam e alguém para mim apontou.
O perguntador apresenta-se bem vestido e engravatado e de feições e cor, que me indicavam ser da Guiné.

Quando disponível fui ao seu encontro e surpreendido fui pelo seu grito de alegria inusitada:
- Paizinho... e dirigiu-se-me de braços abertos.

Ainda me voltei para trás não fosse outro o papá, mas o puto que me parecia ter pr'ai 17 ou 18 anos, permanecia sedento de me abraçar e continuava:
- Paizinho... que prazer em conhecê-lo.
- Porra - disse eu em silêncio, estou feito ao bife... e os 23 colegas emudecidos e embevecidos.

Peguei no rapaz, levei-o para o "Filadélfia" para indagar do que se estava a passar.

- Djubi, conta lá ao que vens?

Começa a desbobinar uma tal lenga-lenga bem urdida, com citações ao K3, Tabanca de Farim e à "lavadeira" sua mãe que a páginas tantas, comecei a ficar mesmo atravancado e já me via com mais um filho bem grandote, mas enfim, "cá se fazem cá se pagam".

Eis senão quando, resolvo amandar-lhe com duas ou três perguntas:
- E a tua mãezinha Fulana (dei-lhe um nome falso) e o teu tio Cicrano (outro nome falso).

Ao que ele respondeu citando-me:
- A minha mãe Fulana faleceu em 1978, não sem que antes me tenha dito quem era o meu pai branco... o meu tio Cicrano está lá para Varela.

Ao mesmo tempo entram no bar três manguelas, o Mendes Ferreira e outros dois que também tinham sido Combatentes na Guiné, tudo gente boa com quem partilhava galhofas aquando do chá das cinco e riam... riam. riam.

Pois é... os safardanas haviam planeado a coisa e cá o artista, esperto que nem um calhau, caiu que nem um patinho.

E foi a partir daí que segui o conselho macacal do ouve, vê e cala e nunca te alambazes nas descrições de engatatão.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12146: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (10): O meu umbigal mau feitio