segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19188: A galeria dos meus heróis (14): O Zé Nuno, o Tony Mota e o Belmiro Mateus, três amigos, três destinos – IV (e última) parte (Luís Graça)



Figueira da Foz >  "Placa da Rua Heróis do Ultramar na esquina com a Rua 10 de Agosto, em frente dos Bombeiros Voluntários"...  Foto de Joehawkins, datada de 24 outubro de 2016. Com a devida vénia... Fonte: Wikimedia Commons (2018)

 [Placas como esta abundam pelo país fora, são do início dos anos 60, quando começou a guerra colonial / guerra do ultramar em Angola, e era preciso homenagear os bravos que por lá se batiam, em condições adversas... A guerra depois banalizou-se, estendendo-se à Guiné e a Moçambique.. E os heróis foram ficando para trás... Esquecidos. Como em todas as guerras.. LG]




Luís Graça, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12,
junho de 1969
A Galeria dos Meus Heróis (14): O Zé Nuno, o Tony Mota e o Belmiro Mateus, três amigos, três destinos – IV (e última) Parte  (Luís Graça) (*)



[Continuação...

Sinopse das Partes I, II e III:

Belmiro Mateus, advogado, que não fez o serviço militar obrigatório, e António Mota, ex-seminarista, professor de história, e ex-combatente no TO da Guiné, em 1972/74, numa das companhias da "nova força africana" do Spínola, encontram-se no cemitério da sua terra natal, algures no Ribatejo, por ocasião do funeral de um amigo comum, Zé Nuno, engenheiro técnico, forcado, guitarrista, amante do fado, ex-combatente da guerra do Ultramar, em Moçambique, onde esteve, na Marinha, numa LFG, entre 1973 e 1974. A conversa prossegue num bar a 500 metros do cemitério, incidindo nomeamente sobre o passado dos três amigos e condiscípulos, a infância, a terra, a tropa, a guerra colonial, o 25 de Abril, mas também o fado, a morte, Deus, a fé...]




O Belmiro deu um abraço emocionado ao Tony depois do seu relato da cena da morte do puto da Simonov.

− Tony, é a primeira vez, nestes anos todos, que ouço alguém contar-me uma cena de guerra na primeira pessoa do singular!... Mas guerra é guerra, como é costume dizer-se. E, numa situação de combate, reage-se por reflexos, por instinto de sobrevivência. Foste também treinado para isso. E eu não faria melhor do que tu, se estivesse no teu lugar. Atirava a matar, sem apelo nem agravo.

− Mas era um puto, Belmiro!


− Afinal, com a idade de alguns dos teus soldados que também foram mortos em combate. E alguns, pelo que me contaste, também foram fuzilados, fria e barbaramente, a seguir à independência.

− É verdade... mas sabes o que ainda hoje, ao fim destes anos todos, me perturba, e às vezes me tira o sono ?

− Sim?!...

− É que
aquele (o golpe de mão sobre a aldeia, ou tabanca em crioulo, ) não era o objetivo da operação... A missão era localizar e destruir uma "barraca" (um acampamento temporário) da guerrilha, a sul de uma base no Morés, Sara Sarauol, no centro do país... Não sei se estás a ver o mapa da Guiné...

− Para mim, é chinês, mas continua...

− A operação foi mal planeada e pior conduzida, pelo major de operações, a partir de uma avioneta (que funcionava como PCV , quer dizer Posto de Comando Volante)... Com a história dos mísseis Strela, de que te já te falei, as aeronaves tinham que passar a voar alto ou, então, caso dos helicópteros, a rasar a copa das árvores… Houve uma falha (e já não era a primeira vez) nas comunicações terra-ar. Ficámos por nossa conta, com um guia que conhecia mal o terreno... Por azar, e já no regresso, deparámos com aquele pequeno núcleo populacional, desarmado ou mal armado...

− Mas houve resistência!?...

− Fraca, a população deu conta da presença tropa e começou logo a debandar ainda antes dos primeiros tiros... 'Tuga, tuga!'... O puto da Simonov deve ter ficado para trás... com mais alguns homens válidos... que deviam ser milícias (eles também tinham milícias). Depois, como deves imaginar, não tive mãos nos meus homens, fizeram o que tinham a fazer... Nós, e mais outro grupo de combate que fizemos o golpe de mão, com o resto da nossa companhia a cercar parte do objetivo, retirámos rapidamente... deixando atrás alguns mortos da população e as palhotas a arder... Apanhámos o que pudemos: algumas mulheres, crianças e velhos, e armas ligeiras que deviam estar entregues ao chefe da tabanca para autodefesa... O regresso foi um sufoco, com apoio de helicanhão... e de uma "formiga" de um  T6 a dez mil pés de altura, três quilómetros ou coisa assim...


Os dois amigos desciam agora, em silêncio, a rua do Colete Encarnado que ia desembocar ao centro da vila. O António tinha o carro no parque de estacionamento fora do centro histórico, no sentido contrário do cemitério (que ficava a norte). Ainda ia jantar com o filho, mais novo, que estudava em Lisboa.

Passaram pela antiga casa, solarenga, da família do Zé Nuno, agora transformada em biblioteca municipal e centro cultural. Mas já tinham passado, na parte alta, pela antiga casa dos avós e dos pais do António, uma casa modesta, de piso térreo, agora restaurada. Tinha sido comprada há uns anos por um casal de emigrantes que vivia no Luxemburgo. 

− Gente da terra, trabalhadora... − esclareceu o Belmiro.

O Tony já não tinha mais raízes, na vila, a não ser memórias, depois da venda, há largos anos,  da casa onde nascera, e que fora erguida pelo avô, campino de uma casa agrícola da região. A avó era avieira, nascida na Praia da Vieira, tendo vindo com os pais para a faina da pesca no Tejo, no tempo da miséria. Por seu turno, o seu irmão mais novo também tinha morrido cedo. Em suma, já não tinha família por aqueles lados, e os seus filhos nunca chegaram a fazer lá amizades, eram os dois nados e criados no Alentejo.

− Belmiro, és aqui o meu último amigo e irmão... Quero ver se,  no Dia de Todos os Santos, daqui a seis meses, volto cá para pôr uma flor na campa dos meus velhotes, os meus pais e os meus avós. Combinamos uma almoçarada no Afonso, se tiveres disponível...


− Ainda é aquele que faz a melhor sopa de bacalhau dos campinos, de todos os restaurantes da vila... Mas também pode ser um peixinho do rio...

A antiga rua do Colete Encarnado tinha sido rebatizada, depois do 25 de Abril... Era agora a rua das Forças Armadas...

− Que raio de nome! É homenagem a quê ou a quem ? Foram as Forças Armadas que fizeram o 25 de Abril ?

− Mas também fizeram o 28 de Maio... e o 10 de Outubro... − ironizou o Belmiro.

O Tony também concordava com a opinião do amigo, que vivia na terra e que conhecia melhor do que ninguém as misérias e grandezas  da vida local. De facto, parecia que, aqui como em todo o lado,  as comissões de toponímica municipais eram uma cambada de burocratas que iam atrás das agendas partidárias, eram ignorantes da história local e nacional e sobretudo revelavam  uma miserável insensibilidade sociocultural…

− Limparam as ruas todos, becos, travessas, praças, pracetas… Ficámos amnésicos, Tony. Perdemos a memória da nossa história local. Até o Beco do Quebra-Costas  tem agora o nome de um professor qualquer de Lisboa que era antifascista, e que nunca cá pôs os pés nesta terra...

− Santa incultura geral, Belmiro… Uma tristeza!...


O antigo Solar do Marquês de Marialva, um belo edifício do início do séc. XX, exemplar interessantíssimo da arquitetura regional, e de que o Zé Nuno tanto gostava, acabaria, há uns dez anos atrás, por ser vítima do impiedoso e cego camartelo camarário.

− Sem dó nem piedade! − lamentou o Belmiro. − Nem sequer classificaram o edifício. Hoje é um complexo de apartamentos de luxo, propriedade de gente que nem sequer é da terra. Estão a gentrificar a nossa terra, Tony!

Ainda pararam para beber uma bica, no café que o Zé Nuno gostava de frequentar, e onde costumava parar a malta do grupo de forcados, agora em decadência. E a conversa voltou de novo à tropa e à guerra:

− Costumo dizer, Belmiro, que a Guiné foi a rifa que me saiu em sorte... Só não ganho o raio do Euromilhões!... Mas, pensando bem, não me posso queixar. Pelo menos estou vivo. Podia ter dito que não... Mas será que tinha condições para decidir em consciência ? Para mais, face a um Estado autoritário e repressivo como o nosso, na altura ?

− Não, não tinhas alternativa. A deserção era, e é, um crime grave. Ponho-me no teu lugar, eras o indivíduo, só, desamparado, contra o Estado, todo poderoso.

− Foi a rifa que me saiu na história. Como sabes, na história não há "ses"!... Ah!, se eu tivesse nascido dez anos antes, ou dez anos depois!... Não me posso queixar, ou não me adianta, não posso alterar agora o curso da história, da minha e a dos outros…

− Tony, há muitas formas de heroísmo, não é só na frente de batalha... Mas os desertores, em geral, nunca são tratados como heróis...

− Temos sempre dificuldade em abordar o problema dos refractários e dos desertores... Sobretudo destes últimos, que afinal foram em número ínfimo, tanto quanto sei. Já os refractários podemos falar em um quinto dos homens em idade militar. Quer dizer, da malta da nossa escola, um em cada cinco cavou para o estrangeiro antes da sua convocação entre os 18 e os 20 anos.

− Refratários... ou faltosos ? Tenho ideia, como jurista, que há uma diferença semântica e concetual... Mas não tinha  ideia desses números... 

− Não faço distinção: foram todos os que faltaram à tropa...

− Sim, Tony, a guerra era impopular... Apercebi-me disso quando entrei na universidade...

− Olha, eu acho que foi o salve-se quem puder − concluiu o Tony. − À boa maneira portuguesa. Somos uns safados... O Salazar deixou-nos uma batata quente que rebentou na boca do delfim mal amado, o Marcelo Caetano. Para lá do impasse militar e do desastre político, tínhamos um problema demográfico bicudo. Já não tens braços para segurar a G3 e ir fazer a guerra. Daí o crescente recurso à tropa de 2ª linha, se quiseres, os guineenses do recrutamento local (e nos outros territórios,os angolanos, os moçambicanos...).  Eram bons combatentes, e sobretudo mais baratos, mas não falavam português, pelo menos os guineenses… Como se poderiam sentir portugueses ? Nem sabiam onde ficava Portugal no mapa!...

− Sim, muito me contas, nunca tinha pensado nisso.

− O PAIGC tinha o mesmo problema… Estava exangue, conheci guerrilheiros em 1974 que só falavam francês... A guerra foi um modo de vida, para alguns, de um lado e do outro... Foi um modo de vida para alguns milicianos que se tornaram capitães... De aviário, como a gente dizia...

− Confesso, Tony, que na altura, a seguir ao 25 de Abril, queríamos era apressar o fim da guerra. A todo o custo, doesse a quem doesse, incluindo a tropa e os civis espalhados por Angola, Guiné e Moçambique. Era militar, política, diplomática e economicamente impossível prosseguir a guerra a partir de 1974. Ninguém estava mais disposto a perder três anos da sua vida, e muito menos a vida, por uma causa historicamente perdida… Há limites para o patriotismo...

− Sim, tu foste dos que gritaste "Nem mais um soldado para as colónias"... Estavas a ser coerente, embora eu não pudesse de maneira nenhum estar de acordo contigo nessa altura. Em agosto de 1974 eu passei momentos terríveis a tentar tranquilizar os meus soldados, antes de dissolver a companhia. Vi-me embora em setembro e eles, coitados, lá ficaram entregues à sua sorte... Com os ordenados pagos até ao fim do ano...


− Se calhar eu estava a ser também inconscientemente egoísta. Eu não queria apanhar com as sobras do Império, com os estilhaços do desmoronamento do Império... A conhecê-lo, a ir para a guerra, gostava de ter sido no seu apogeu, mas aí eu ainda não tinha nascido. Nem sei se o império chegou a ter algum momento de apogeu... Em boa verdade estava-me nas tintas para a sorte de quem ainda lá estava, como tu e o Zé Nuno, e mais milhares e milhares de soldados, metropolitanos e do recrutamento local, a par de centenas e centenas de milhares de civis, brancos, mestiços e negros, que temiam pelo seu futuro quando fosse arreada a bandeira portuguesa.

- Acredita, Belmiro, nem nós nem o PAIGC estávamos dispostos a voltar a combater... Ouvi eu da boca de alguns comissários políticos... Seria uma tragédia se as negociações entre os políticos tivessem falhado, em Londres e depois em Argel... Agora, não me perguntes se não teria havido outras soluções... Hoje é fácil brincarmos aos jogos de guerra... E não falta aí gente, nas redes sociais,  veteranos de guerra e outros, a destilar veneno contra o 25 de Abril e a descolonização. 

− Eu não teria moral nem muito menos imaginação para impor um outro fim ao nosso fim da história colonial... Mesmo que esse fim não me agradasse, como não me agradou... vistas hoje as coisas a esta distância.

− Todos ou quase todos concordam que, idealmente, as coisas poderiam ter tomado outro rumo. Sabemos como começa uma guerra, nunca saberemos como ela acaba... No caso de Angola, por exemplo, ela só acabou 40 anos depois e o balanço é aterrador, quase apocalíptico. Na Guiné, tirando os meus soldados fulas, toda a gente festejou o fim da guerra... 

- Tony, fomos todos joguetes nas mãos dos russos e americanos, da Nato e do Pacto de Varsóvia. Estávamos no auge da guerra fria e, cá dentro, à beira de uma guerra civil, no verão quente de 75.

− Eu não tenho a mesma perceção… Seria impossível ter uma Cuba às portas da Europa, ou melhor, em plena Europa. Para mais, num país da NATO… O Salazar tinha isto bem armadilhado. E a Espanha do Franco ainda ponderou intervir, ao que parece, para evitar o risco de contágio.  Os nossos revolucionários eram de opereta. As nossas revoluções foram sempre de opereta, desde a restauração, em 1640.

− "Revolução dos cravos"?!... − exclamou, em tom de ironia, o Belmiro.− Mas, olha, também eu, maoista,  fui na onda do papão do social-fascismo... Como eu gostava então do palavrão!... Mas no 25 de Novembro eu estava ao lado do Eanes e do grande  educador da classe operária, o Arnaldo de Matos...

− Fomos todos ingénuos, mas bem ou mal escrevemos o nosso capítulo da história. Eu, por mim, procuro tranquilizar a minha consciência do seguinte modo: fui para a guerra, não desertei, queria continuar ter o direito de viver no meu país, fiz a guerra, na esperança de que os políticos do meu país encontrassem, a tempo,  uma solução (política) para ela...

− Daqui a 10 anos estamos a debater o 1º centenário do Estado Novo. E, se calhar, os portugueses vão confirmar o Salazar como o estadista português mais importante do séc. XX.

− Espero bem que não... Mas a verdade é que ainda hoje o seu fantasma paira pelas nossas cabeças, tal como o do Marquês de Pombal, mesmo quando os mais novos já não sabem sequer quem foram esses homens... O Salazar esteve em cena quase 50 anos, atravessando terríveis períodos do nosso tempo, da crise de 1929 à Guerra Civil de Espanha, da II Guerra Mundial à guerra colonial…

− Foi o pai da Pátria, o que nos livrou da II Guerra Mundial, como dizia o meu pai lá em casa. E, na verdade, foi, quer gostes ou não.

−... Eu, acho, Belmiro, que ainda não o matámos nem o enterrámos de vez.

E foi com esta conversa melancólica que os dois amigos se despediram. Pela última vez… Passados uns meses, o Tony morreria num brutal acidente de automóvel na A2, quando regressava de Lisboa, a caminho do seu monte no Baixo Alentejo. Nunca se soube a causa de morte, por vontade da viúva e dos dois filhos... 


Ao Belmiro, que ainda tentou, em vão, obter uma cópia do relatório da autópsia, chegaram versões contraditórias: sono, AVC, morte súbita, suicídio ?!... Parece que o veículo, que circulava na faixa direita, foi bater de lado nos rails de proteção, e andou dezenas e dezenas de metros descontrolado, a varrer as faixas de um lado ao outro... Felizmente não havia mais carros a essa hora, da noite... O Tony terá tido morte imediata.

O Belmiro inclina-se mais para a hipótese de acidente por despiste, devido a cansaço e  a sono... O Tony amava demais a vida e a família e o Alentejo, nunca lhe falara em suicídio...

O corpo, depois de libertado, foi cremado. As cinzas repousam agora junto à "oliveira da paz", que o Tony replantara no seu monte, vinda do Alqueva... Era centenária. Os filhos e a viúva cumpriram assim a sua última vontade, mas só em parte: ele deixara escrito que as suas cinzas deveriam ser espalhadas por três sítios que ele amou: a sua terra natal, o monte no Alentejo e "o rio Geba, cuja água ele bebera"... Em alternativa, lançaram parte das cinzas no Cais da Rocha Conde Óbidos numa cerimónia restrita, apenas com a família mais próxima e alguns amigos íntimos. Dali tinham partido, de barco, centenas e centenas de milhares de soldados para as guerras coloniais (Índia, Angola, Guiné, Moçambique)...O gesto era simbólico: o Tony já foi e veio nos TAM - Transportes Aéreos Militares.

O Belmiro ainda chegou a abordar o presidente da Comissão de Toponímia Municipal, um jovem arquiteto, vereador da câmara municipal, membro influente de um dos partidos do arco do poder quanto à hipótese de ser dado o nome do dr. António Mota a um novo arruamento a abrir em breve (ou equipamento escolar a inaugurar no futuro), nos arredores da vila, já na zona extra-muros. A resposta não podia ser mais desencorajante:

− Caro doutor, como sabe tão bem como eu, a comissão é meramente consultiva, dá pareceres, quem atribui os nomes é a Assembleia Municipal... Faça-me uma proposta, fundamentada, por escrito, mas vai ser difícil...

− Difícil ?...− interrompeu o dr. Belmiro Mateus.

− O dr. António Mota era nosso conterrâneo, e depois ?... Fez a guerra do ultramar, mas não foi reconhecido como herói. Tem uma cruz de guerra, a Torre e Espada, ou coisa parecida ? Não tem. Tem alguma comenda ? Não tem... Como sabe, temos muitos candidatos e poucos novos arruamentos ou equipamentos para homenagear os nossos conterrâneos ilustres... E depois a guerra do ultramar, felizmente,  já está esquecida, é uma coisa do século passado... Já temos, por outro lado, uma rua dos Heróis do Ultramar, construímos há dois ou três anos um monumento aos combatentes do ultramar, e no nosso cemitério há um talhão da Liga dos Combatentes... Acho que a nossa terra já fez o que tinha a fazer pelos nossos bravos antepassados que andaram, e alguns morreram, na I Grande Guerra e na Guerra do Ultramar...

O dr. Belmiro Mateus estava quase a explodir de raiva, mas conteve-se... Percebeu onde é que o jotinha queria chegar: o António Mota era um "outsider", um desalinhado, não fazia parte do sistema, "não comia na mesma gamela", nunca tinha sido autarca, presidente de junta de freguesia, presidente da câmara, presidente da Assembleia Municipal, vereador, dirigente partidário, deputado, não chegara sequer a general, nem muito menos era um herói... Por que raio é que deveria ter um nome de rua na sua terra ?! Ele, o Zé Nuno e tantos outros conterrâneos, centenas, anónimos, que afinal foram os coveiros do Império ?!...


Luís Graça
Lourinhã, 11/11/2018, 5h00

[Costuma-se prevenir o leitor de textos 'literários´como este, de que qualquer semelhança destas histórias com a realidade é pura coincidência. Por razões éticas e legais de proteção de dados, os nomes aqui referidos são fictícios, exceto os dos países, os dos lugares públicos e os das figuras públicas. Todos os factos aqui narrados  inspiram-se em factos que aconteceram ou podiam ter acontecido. Uns vividos pelo autor, outros partilhados por camaradas e amigos da Guiné... Se no final tu, leitor,  te sentires desconfortável, peço-te que voltes para a cama e continues a dormir, descansado, como eu faço: afinal a guerra colonial nunca existiu, foi apenas um pesadelo, para alguns, como nós, ex-combatentes. Boa dia, boa tarde ou boa noite, conforme a hora e o lugar em que me estiveres a ler.]

____________

Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

6 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19171. A galeria dos meus heróis (11): O Zé Nuno, o Tony Mota e o Belmiro Mateus, três amigos, três destinos – Parte I (Luís Graça)

(...) − Meu caro Belmiro, dá-me cá um valente quebra-costelas, como se diz lá em baixo no meu Além... Tejo!

− E tu, como vais, meu velho ? – respondeu efusivamente o Belmiro, ao abraço apertado e prolongado do António, Tony para os amigos.

− Cá vamos andando, menos mal!...Velhos, carecas e gordos! – replicou o Tony.

− Cá vamos andando, como dizem os mouros cá de cima, de Riba... Tejo. (...)


7 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19174. A galeria dos meus heróis (12): O Zé Nuno, o Tony Mota e o Belmiro Mateus, três amigos, três destinos – Parte II Luís Graça)

(...) − O Zé!... Éramos vizinhos da Rua do Colete Encarnado, na encosta do castelo, eu na parte de cima, a dos pobres, e ele, na parte de baixo, a dos ricos… As nossas famílias não eram chegadas, naturalmente, não conviviam. Os teres e os haveres aproximam as pessoas, a pobreza, mesmo honrada, afasta-as. O pai dele era um senhor lavrador, um agrário, o meu, um serralheiro, pequeno patrão, que mal ganhava para ele e o seu moço ajudante. Enfim, encontravam-se na missa, ao domingo. (...)

8 de novembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19175: A galeria dos meus heróis (13): O Zé Nuno, o Tony Mota e o Belmiro Mateus, três amigos, três destinos – Parte III Luís Graça)

(...) E, prosseguindo a sua linha de pensamento sobre o seu passado, quando estudante, justificou-se o Belmiro:

− Aos vinte anos, somos todos revolucionários quando há que fazer revoluções… No passado,à direita e à esquerda, os revolucionários chamavam-se fascistas, comunistas, anarquistas, porque era preciso destruir a burguesia e o Estado capitalista, na Europa nos anos 20 e 30 do séc. XX. Hoje não temos a mesma urgência em mudar as coisas, tal como acontecia em Portugal em 1973, o ano em que nada podia continuar como dantes: tínhamos a escalada da guerra colonial, a ditadura em banho maria, a crise petrolífera, o esgotamento do nosso modelo de desenvolvimento, a emigração em massa, a democratização do ensino… Andávamos em agitação permanente, pelo menos na universidade, em Lisboa, Porto e Coimbra, achávamos que tínhamos que começar a mudar as coisas pela veemência e a urgência da palavra… (...)

Guiné 61/74 - P19187: Notas de leitura (1120): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2016:

Queridos Amigos ,
Pela mão amiga do investigador António Duarte Silva cheguei a esta deslumbrante e controversa obra.
Para minha surpresa, nunca a vejo citada ou comentada pelos melhores analistas da Guiné-Bissau, isto quando o intelectual norte-americano defende a tese que o país tem uma carga histórica de resistência aos poderes centralizados, consegue sempre subsistir por concertações e alianças multi-étnicas: sociedades rurais operativas num Estado permanentemente frágil.

Um braço do
Mário


Guiné-Bissau:
O Estado é frágil, as sociedades rurais são a alma da nação(1)

Beja Santos

O título da obra “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest, Ohio University Press, 2003, parece desconcertante e no entanto trata-se de uma arguta e audaciosa investigação de que, incompreensivelmente, não se vê qualquer alusão nos autores de referência. Tratando-se, em minha modestíssima opinião, de um dos mais importantes trabalhos de tese sobre a Guiné-Bissau, só vejo utilidade em repartir a densa e brilhante argumentação deste investigador norte-americano em vários textos.

Falar em Estado frágil está muito longe de ser uma novidade quando se fala da Guiné-Bissau. Há consenso que um Estado desta natureza tem uma incapacidade estrutural para impor decisões políticas levando a generalidade dos grupos a sentirem-se enquadrados numa perspetiva nacional. Não é frágil o Estado onde se pagam impostos, se possui um sistema educativo, um serviço público de saúde, mecanismos de salvaguarda da segurança pública, intervenções em calamidades, e o muito mais que se sabe. O que não se sucede na Guiné-Bissau. O que Joshua Forrest apresenta como premissa maior é de que este Estado frágil tem as suas raízes no modo de desenvolvimento das sociedades rurais tanto nos períodos pré-coloniais como coloniais. E para dar consistência à sua tese o autor disserta sobre a história da Guiné-Bissau em quatro momentos específico: o espaço político pré-colonial e o encontro afro-europeu; a organização do território durante a presença colonial e a resposta das sociedades civis, na vertente étnica; como as sociedades rurais responderam ao período da ocupação e pacificação; por último, a luta armada e o Estado pós-colonial.

No essencial, Joshua Forrest pretende dar uma sequência às identidades étnico-políticas, mostrando que quando os europeus desembarcaram na chamada Costa da Guiné, Senegâmbia, Terra dos Negros, ou outra expressão equivalente, já existia uma rede comercial e um vasto sistema de alianças à procura de equilíbrio. As identidades étnico-políticas deram provas, sem prejuízo da sua autonomia, de se mostrarem capazes de estabelecer alianças de longo prazo. A relação do colonizador com os reis locais revelou-se bizarra: na generalidade dos casos, o colono, para fazer o seu comércio em paz, tinha que pagar uma taxa, um tributo, não pagando sujeitava-se às mais tortuosas retaliações. Durante séculos, o colono não se propôs ocupar o território e quando o ensaiou encontrou uma reação áspera, daí os múltiplos incidentes e combates. A prova de que estudou e refletiu profundamente sobre os elementos da sua tese, aparecem com clareza quando ele fala nas alianças multiétnicas, à volta do grande cerco de Bissau (1890-1909). Ainda na segunda década do século XX, o Estado colonial controlava uma porção ínfima do território. Há pormenores desta análise do maior interesse, como é o caso do armamento usado por ambas as partes até ao momento em que a evolução do armamento deixou as sociedades guineenses sem capacidade de resposta. O armamento e o número de efetivo a combater. Quando em 1907, o régulo do Cuor, em estreita conivência com outros régulos de regiões limítrofes, impede a navegação do Geba, pela primeira vez Lisboa reagiu autorizando um considerável exército para castigar o rebelde, foram enviados contingentes de Portugal e de Moçambique, embarcações bem equipadas, o exército com o melhor armamento disponível. Mais tarde, durante as campanhas do Capitão Teixeira Pinto, usou-se o terror e a dissuasão combatendo sem tréguas.

Pacificação nunca significou na Guiné domínio absoluto, até porque foi entendido, perante o mosaico étnico e a diversidade de sociedades horizontais e verticais, que o Estado colonial beneficiaria de receber a fidelidade das etnias islamizadas, fenómeno que estará presente na luta armada de 1962 a 1974. Reparo que Joshua Forrest é o primeiro investigador que recua a data da luta armada para 1962, há hoje provas inequívocas de que nesse ano o PAIGC desmantelava infraestruturas, fazia emboscadas, lançava intimidações, socorria-se do terror e assassinava comerciantes brancos e cabo-verdianos. O autor recorda o mercenário senegalês Abdul Indjai, de que Teixeira Pinto fez um herói, no fundo fez do mercenário o proprietário de uma porção do país, embora se tenha virado o feitiço contra o feiticeiro, Abdul Indjai veio a revelar-se um aterrorizador de populações entre o Oio e o Geba, caiu em desgraça, foi preso e retirado da Guiné.

Estamos perante uma investigação em que se pretende dar como facto consumado a autonomia e a capacidade de resistência a nível local. O Estado colonial nomeia régulos que não merecerão a confiança das populações locais. Balantas, Manjacos e Felupes manter-se-ão à margem da administração colonial, a despeito do trabalho forçado e do imposto de palhota. A vida social, política e económica destas etnias manter-se-á inteiramente livre, são sociedades que disporão de uma intensa rede comercial informal, os comerciantes deslocar-se-ão calmamente pelas fronteiras porosas do Senegal e da Guiné Francesa. Quando o Governador Carvalho Viegas escrever nos anos de 1930 o seu importante relato sobre a Guiné não iludirá de que a administração da colónia é mais teórica do que o real, com funcionalismo altamente corrupto e culturalmente desqualificado. Será Sarmento Rodrigues o Governador destinado a ver mais longe e a pretender alterar a situação de ocupação fictícia: Bissau ganha dignidade, lançam-se infraestruturas, procura-se conhecer a cultura guineense, atraem-se os mais capazes, o Governador pretende ver em marcha uma colónia modelo. Serão convocados planeadores urbanos, arquitetos entusiastas, até artistas em lançamento. No momento em que escrevo estas considerações, decorre no Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian uma retrospetiva a José Escada. Ele vai aparecer a trabalhar nos painéis da nova Associação Industrial e Comercial de Bissau, no local mais central da cidade. Sarmento Rodrigues cuidou de uma administração mais motivada e capacitada.

Ao iniciar-se a luta armada, a Guiné possui uma administração colonial, um serviço de saúde elogiado pela OMS, Spínola conferirá durante o seu mandato uma enorme respeitabilidade à audição multiétnica através dos Congressos do Povo, eventos que tiveram a particularidade de juntar representantes das sociedades rurais. É nesse contexto que o investigador norte-americano se debruça sobre o soçobro do Estado pós-colonial. Amílcar Cabral falara repetidamente na “armadilha de Bissau”, advertira enigmaticamente quanto ao “suicídio da burguesia”, deixara escrito que o Estado devia descentralizar-se, um país com aquela dimensão, saído de uma dilacerante luta armada, com tais e tantas confrontações étnicas, o Estado pós-independência devia estar junto das populações. Ninguém o ouviu. O Estado na República da Guiné-Bissau permaneceu sempre frágil, distante e indesejável. Os comités de tabanca rapidamente caíram em desuso e praticamente não funcionaram nas regiões onde a presença portuguesa era mais forte. Luís Cabral e Nino Vieira prometiam modernização: surgiram os grandes desastres da pseudo-industrialização, os doadores foram-se cansando de ver tanto projeto posto em abandono. Em poucos anos, as sociedades guineenses aperceberam-se que vinham autocarros oferecidos, automóveis suecos para os governantes, que até o dinheiro da cooperação sueca para pagar aos professores era desviada, os correios deixaram de funcionar, as estradas só eram reparadas com a cooperação chinesa, o sonho dos Armazéns do Povo tornou-se num pesadelo de corrupção e incompetência. Os régulos voltaram a ser a autoridade legítima, floresceram as escolas crónicas.

Enfim, estamos perante um trabalho tão controverso que há inúmeras questões para tentar responder, desde as alianças multiétnicas que precederam a chegada dos portugueses, em que termos mais precisos se pode argumentar que as sociedades rurais guineenses recusaram o Estado, etc. Forrest também implica o novo olhar sobre a luta armada e as propostas de Amílcar Cabral. Creio serem estes os aliciantes fundamentais para percebermos que esta obra é indispensável para entender melhor a Guiné-Bissau de há muitos séculos até hoje.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 9 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19178: Notas de leitura (1119): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (59) (Mário Beja Santos)

domingo, 11 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19186: Agenda cultural (657): Convite para o lançamento do livro "O Homem do Cinema", por Lucinda Aranha Antunes; editora Alfarroba, 2018, a levar a efeito no próximo dia 18 de Novembro na FNAC do CC Vasco da Gama, em Lisboa

C O N V I T E



1. Em mensagem de 7 de Novembro, a nossa amiga Lucinda Aranha, filha de Manuel Joaquim, que foi empresário e caçador em Cabo Verde (1929/1943) e Guiné (1943/1973), o homem do cinema ambulante, enviou-nos o convite para assistirmos ao lançamento do livro que ela escreveu sobre o seu pai, com o título "O Homem do Cinema", editora Alfarroba, a levar a efeito no próximo dia 18 de Novembro pelas 16h00 na FNAC do Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa.




Manuel Joaquim dos Prazeres, empresário de cinema e caçador, que conhecia a Guiné como poucos 
Foto: © Lucinda Aranha (2014)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19163: Agenda cultural (656): Hoje na RTP1, às 21h00, início da minissérie, de 3 episódios, "Soldado Milhões", o herói português da I Guerra Mundial (realização de Gonçalo Galvão Teles e Jorge Paixão da Costa)

Guiné 61/74 - P19185: Convívios (879): Encontro do pessoal da CCAÇ 3, dia 17 de Novembro de 2018, na Anadia (João Manuel Félix Dias, ex-Fur Mil SAM)



CONVÍVIO DO ANTIGOS COMBATENTES DA CCAÇ 3
DIA 17 DE NOVEMBRO DE 2018, NA ANADIA



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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19181: Convívios (878): Convite para o Magusto da Tabanca de Matosinhos, dia 14 de Novembro, Restaurante Espigueiro, Matosinhos (José Teixeira)

Guiné 61/74 - P19184: Blogpoesia (594): "Vasos de barro", "As notas da guitarra" e "Com granizo e trovoadas...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Vasos de barro

Vasos vazios de barro sem cor.
Exibindo flores. Secas de sede.
Desejos calados de fome,
Penúria da sorte,
Bem faz a quem quer.
Sementes perdidas que o vento espalha.
Germinam na terra banhada de sol.
Ardentes de sede, secam sem flor.
Aves cansadas vindas de longe,
Procurando ciosas seu ninho,
Onde foram felizes.
Lágrimas sofridas que secaram de dor.
Mesas bem postas, fartas de tudo,
Os filhos não vêm.
Arrecadas de oiro, luzindo no busto.
Estrelas caladas chamando a luz.
Árvores ao ar, batidas do vento,
Perderam as folhas,
Nuas para sempre.

Ouvindo Carlos Paredes - Verdes anos
Berlim, 7 de Novembro de 2018
7h31m
Jlmg

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As notas da guitarra

São vibrantes e luminosas as notas frescas da guitarra de Paredes.
Purificam o meu espírito no começo da manhã.
Vibrações telúricas doiradas pelo rio Tejo.
Um incenso religioso se desprende das suas cordas que me perfuma o coração.
Pairam sobre Alfama e a Mouraria as vozes do fado de Lisboa.
Terraços sobranceiros na encosta das colinas espreitando as sereias do Tejo em marcha.
Que suavidade benfazeja vem daqueles infinitos do Alentejo!...

ouvindo Carlos Paredes
Berlim, 10 de Novembro de 2018
7h18m
Jlmg

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Com granizo e trovoadas...

Com granizo e trovoada se alisam as calçadas de Lisboa.
Seus pátios amplos expostos onde vegeta ao sol a fraternidade.
Ruelas e ruinhas onde se bebe água-ardente e canta o fado.
Telhados vermelhos escorrendo paz pelos lares das gentes sãs de Lisboa.
Torres e zimbórios altos das igrejas e da Basílica sagrada da Estrela
onde o Deus criador é adorado. Castelo vetusto e altaneiro guardado a pedras pelas muralhas robustas que o defendem.
Rio Tejo que vem de Espanha abençoando as terras e lezírias ribeirinhas.
Ó mar ignoto que nossos magnos antepassados desvendaram assombrosamente, dando a conhecer o mundo a todo o mundo.
Vos bendizem e cantam estas cordas tensas com a toada do fado a toda a hora...

ouvindo a guitarra de Carlos Paredes
Berlim, 9 de Novembro de 2018
7h3m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19165: Blogpoesia (593): "Bateria", "Poesia da Poesia" e "Tempo dos ardinas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P19183: Tabanca Grande (469): Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCaç 3535 / BCaç 3880 (Angola, 1972 / 74); nosso grã-tabanqueiro, nº 780.


Fernando de Sousa Ribeiro, membro nº 780 da nossa Tabanca Grande


1. Mensagem do nosso leitor e camarada Fernando Ribeiro, que  foi alferes miliciano em Angola, integrado na CCaç 3535, do BCaç 3880, entre 1972 e 1974

Assunto: Comnvite para integrar a Tabanca Grande

Data: 31/10/2018, 02:22

Caro Luis Graça,

Sinto-me muito honrado com o convite que me dirigiste para me sentar à sombra do vosso poilão virtual (*) . Sou realmente um assinante do teu blog, através da feed RSS correspondente. Sempre que algum novo post é publicado, recebo um aviso através de um site próprio onde tenho conta gratuita.

O teu blog é um monumento. É de certeza absoluta o maior acervo que existe, na Internet e fora dela, sobre a guerra na Guiné. Está lá tudo, ou pelo menos assim parece. Não existe, para a guerra em Angola e em Moçambique nada que se lhe compare. Absolutamente nada. Zero vírgula zero zero zero.

Neste aspeto, os antigos combatentes em Angola e Moçambique têm que se contentar com a pobreza franciscana dos grupos no Facebook, dos quais nem sequer sou membro (menos de um, porque se refere, pelo menos teoricamente, à zona onde eu estive), além do do meu batalhão. Tu e os camaradas que te acompanham nessa tarefa merecem, no mínimo, um reconhecimento público.

Aceito, portanto, com todo o prazer o convite que me dirigiste, apesar de não ter praticamente nada para dizer sobre a Guiné. Mas como também aparecem posts que falam sobre o Hawai e sobre a Tailândia...

Já agora, aproveito para te dizer que já vi a Guiné ao vivo, sem nunca ter lá estado. Como assim?, perguntarás. No dia 29 de agosto de 1974, quando a minha companhia terminou a sua comissão em Angola e regressou a Lisboa a bordo de um Boeing 707 da Força Aérea, sobrevoei a Guiné. Eu vinha sentado à janela e a dado momento deu-me para espreitar por ela. Vi umas ilhas e pensei: «Já estamos a sobrevoar Cabo Verde». Mas reparei que as ilhas não tinham nada a configuração das de Cabo Verde, que estão alinhadas em dois grupos, o Sotavento e o Barlavento. Pensei então: «Será que aquelas ilhas que estão lá em baixo são o Arquipélago dos Bijagós?». Levantei-me do meu lugar e fui espreitar pela janela do lado oposto. Vi então a Guiné em toda a sua glória. Deslumbrante. A terra da Guiné estava verdíssima e os seus rios de um azul profundo, onde o sol se ia refletindo, faiscante, à medida que o avião avançava para norte. Fiquei maravilhado. Foi um espetáculo inesquecível.


Eu tenho pouquíssimas fotografias minhas da tropa, as quais, ainda por cima, deixam muito a desejar

em termos de qualidade. Envio-te uma a cores, mas que deve ter apanhado humidade ou coisa parecida e ficou em muito mau estado. Se não te agradar, avisa-me, que tentarei mandar-te outra.

Um grande abraço do antigo alferes miliciano da CCaç 3535 do BCaç 3880.

Fernando de Sousa Ribeiro


2. Comentário do editor LG:

Fernando, obrigado (eu meu nome e dos meus coeditores e demais colaboradores permanentes) por aceitares o meu convite. Eu não faço discriminação entre combatentes dos diferentes teatros de operações. Mas não tenho a veleidade de querer falar (e querer por toda a gente a falar) sobre tudo o que se passou na guerra colonial, nos diferentes teatros de operações...

O blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné tem uma história (e um "making of") que eu não posso negar ou alterar... Eu tinha um blogue pessoal (o "blogueforanada") que, um dia, a partir de 23 de abril de 2004, começou a "postar" coisas sobre a guerra, a "nossa" guerra da Guiné... Guerra do ultramar, para uns, guerra colonial, para outros... Cedo me apercebi que havia questões fracturantes entre os ex-combatentes, que se podiam ignorar nem escamotear... Arranjei algumas regras, elementares, de bom senso e bom gosto para a gente continuar a conviver... E até hoje. Como nosso leitor, assíduo, conheces (e aceitas) essas regras. 

Vais-te então sentar no lugar nº 780 (**), à sombra do nosso poilão (, aqui não há lugares ao sol..:), e vais continuar por certo a intervir,  e momeadamente através dos teus postes e comentários, sobre os assuntos que entenderes, já que a condição de  militares e combatentes noa guerra de Africa é comum a todos, quer tivéssemos sido "periquitos" na Guiné, "maçaricos" em Angola ou "checas" em Moçambique. Temos, de resto, "grã-tabanqueiros" (isto é, membros da Tabanca Grande) que estiveram em Angola, como tu. E é um país em que tenho bons amigos e onde ainda vou, esporadicamente,  por razões profissionais.

Vejo que tens uma página no Facebook e que de resto já és um dos amigos 2800 da página Tabanca Grande Luís Graça. Gosto da tua apresentação ("De tudo quanto vejo me acrescento"), para mais sendo um verso da Sophia de Mello Breyner Andresen, um dos meus poetas/poetisas de referência. A tua página é discreta, mas pelo que deduzo pareces-me ser do (ou viver no) Porto.

Espero um dia destes poder conhecer-te ao vivo, de preferência aí no Norte, região a que me prendem fortes laços afetivos.

Obrigado igualmente  pelo elogio que fazes ao nosso blogue, que passa  doravante a ser também teu. O teu nome figura agora na lista alfabética dos membros da Tabanca Grande (n=780), constante da coluna do lado esquerdo,.

PS - Há um blogue sobre a tua companhia, a CCAÇ 3535, criado pelo teu camarada Jorge Madureira. Não ponho aqui o link porque já não é atualizado desde janeiro de 2016 e eu tenho dúvidas quanto a abri-lo por razões (que prezo muito) de segurança informática. Tem 19 seguidores. E meia dúzia de postes com histórias de vida,
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Notas do editor:


(...) Comentário do editor LG:

(...) Obrigado por nos teres trazido notícias de um camarada da Guiné, o então cap inf Castel-Branco Ferreira que não conheci, e infelizmemte já falecido, como dizes, em 2014. Deve ter-se reformado como coronel de infantaria. Conheci, isso sim, em 1969, o oficial que o foi substituir na CCAÇ 2316, o cap art Octávio Manuel Barbosa Henriques, mas noutras funções, como instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga (Setor L1, Bambadinca),

Nessa medida venho-te convidar para te juntares à nossa "caserna virtual" onde cabe sempre mais um camarada e/ou amigo da Guiné. Somos 779 entre vivos e mortos. Tu poderás ser o 780 a sentares debaixo o nosso mágico e fraterno poilão...Só tens que mandar as duas fotos da praxe (uma atual e outra do tempo da tropa), mais o teu endereço de email. Um alfabravo. Luís Graça (...)

sábado, 10 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19182: Os nossos seres, saberes e lazeres (292): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (11): A grandiosidade dos Augustins, um convento gótico, um soberbo museu (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Agosto de 2018:

Queridos amigos,
Há felizes imprevistos que trocam as voltas ao viandante que se julga avisado e organizado. Naquele penúltimo dia de viagem, traçara-se o plano de flanar pela cidade e visitar dois museus de primeira água, principalmente des Augustins, um depósito único no mundo para contemplar a genialidade da escultura românica milagrosamente salva em demolições pretéritas. Ora o que aconteceu é que des Augustins tinha aliciantes sem conta, a escultura gótica foi uma surpresa, como aqui se pode ver e o espaço tratado pelo artista cubano Jorge Prado para os capitéis românicos é de um requinte e acerto inultrapassáveis, ora vejam.

Um abraço do
Mário


Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (11): 
A grandiosidade dos Augustins, um convento gótico, um soberbo museu

Beja Santos

O homem põe e Deus dispõe. O viandante propusera-se calcorrear por Toulouse e visitar dois museus, o primeiro dos quais, des Augustins, o museu das Belas-Artes de Toulouse, é de gabarito mundial, possui um património de capitéis românicos único, bem merece as três estrelas do Michelin. Seguir-se-ia a visita ao museu de São Raimundo, aqui se conservam as coleções do mundo antigo, o património arqueológico de Toulouse, muito valioso.

O que acontece é que a secção de Belas-Artes estava em obras, o museu compensava o visitante com uma exposição de Toulouse no Renascimento, por aí andou o viandante horas a fio, e não queria arredar pé. Mas des Augustins tem outros aliciantes: as salas de escultura gótica dos séculos XIV e XV, de excecional riqueza; a exposição de Toulouse no Renascimento estava embebida na igreja que por si só é motivo para uma visita; e depois a sala de escultura românica, e só a pensar nela o viandante não hesita em voltar a Toulouse. Não sabe o que perdeu em não ter visitado os salões de pintura, mas francamente depois do que viu e verá, mais ou menos Delacroix, Ingres, Manet, Toulouse-Lautrec, Vuillard ou Rodin podem esperar, ficam para a próxima visita.

Vejam o esplendor destes capitéis românicos numa sala talentosamente trabalhada em termos museológicos e museográficos pelo cubano Jorge Prado. São imagens que valem milhões de palavras.








Antes de introduzir a escultura gótica, uma palavra sobre este convento transformado em museu. Des Augustins é um belo espécime da arquitetura gótica meridional, no essencial é uma construção dos séculos XIV e XV. Pouco depois da criação do Museu do Louvre, o convento passou a albergar um museu. Na segunda metade do século XX foi alvo de restauros que restituíram ao monumento os seus volumes primitivos. Des Augustins alberga mais de 4 mil obras, tem vindo a ser enriquecido com legados e doações. Vejam-se agora estas esplendorosas esculturas, é evidente que este policromado resulta de tratamentos recentes, mas são igualmente imagens que atrofiam o valor das palavras, o seu significado, até a mobilização que podem provocar na emoção do visitante.







Agora sim, des Augustins partem no coração do visitante. Este lá vai para o último itinerário, o Museu da Antiguidade de Toulouse. E a meio da manhã de amanhã, um tanto macambúzio, regressa a Lisboa. Viu coisas esplendorosas, tenta em vão arquivá-las, ainda por cima, dentro em breve, parte para a Holanda e para a Bélgica, a aventura não pode parar.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19164: Os nossos seres, saberes e lazeres (291): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (10): Uma exposição memorável no Museu dos Augustins, a Toulouse do Renascimento (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19181: Convívios (878): Convite para o Magusto da Tabanca de Matosinhos, dia 14 de Novembro, Restaurante Espigueiro, Matosinhos (José Teixeira)

C O N V I T E



A Tabanca de Matosinhos continua a ser o ponto de encontro semanal de antigos combatentes da Guiné. 

Iniciada em Abril de 2005 na sequência de uma viagem à Guiné de três ex-combatentes que se reuniram no regresso para fazerem a avaliação da viagem, tudo começou com uma sardinhada a três; rapidamente cresceu e se tem mantido. Na verdade, tem feito uma permanente renovação, com um Secção de velhinhos a dar-lhe forma e a “impor” respeito, porque a velhice é um posto. 

A porta mantém-se sempre aberta e não se paga nada à entrada e à saída paga-se o almoço. Daqui, partiram já, muitos grupos de “turistas” em romagem de saudade à Guiné, e... vão ficando pela nossa caserna para lhe dar vida e continuidade. 

Pois bem, desta vez, um grupo de camaradas decidiu organizar um Magusto “à maneira”. Toca a “desenrascar” as castanhas e o vinho, convidar os fadistas e convencer o gerente do Restaurante a preparar o Magusto, para depois do almoço, como sobremesa. 

O Convite, com o sempre, é alargado a todos os combatentes, familiares e amigos.

José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19166: Convívios (877): Convite para o 40º convívio da Magnífica Tabanca da Linha, Algés, Restaurante "Caravela de Ouro"... Ementa: Bacalhau à Lagareiro... Dia 22 de novembro, 5ª feira, das 12h30 às 15h30 (Manuel Resende)

Guiné 61/74 - P19180: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte L: Viagens pelo rio Cacheu em sintex: abril de 1968 e janeiro de 1969


Foto nº 55 > Viagem de sintex, no rio Cacheu, janeiro de 1969 > O piloto, e à esquerda o Alferes Gatinho, da CART 1744 que estava em São Domingos.


Foto nº 53 > O barco deixando um rasto para trás de água remexida, o nosso Cabo Piloto (não sei o nome dele, mesmo viajando várias vezes com ele).  


Foto nº 54 > Fomos Rio Cacheu abaixo até à sua Foz.


Foto nº 52 > Eu, Virgílio Teixeira, bebendo uma cerveja Sagres, possivelmente bem quente.


Foto nº 51 A > Vista parcial da cidade de Cacheu


Foto nº 51 B > Vista parcial da cidade de Cacheu


Foto nº 51 C > Vista parcial da cidade de Cacheu


Foto nº 51 > Vistas do Cacheu na saída da cidade, é visível que já tem algumas infra-estruturas, como o cais acostável para barcos de pequeno e médio porte, equipado com guindastes e armazéns.


Foto nº 4 > Continuando a viagem e numa posição de eventual fogo...Viagem de sintex de São Domingos - Cacheu, abril de 1968.


Foto nº 6 > Outra perspectiva do rio mais largo, mas ao fundo vai afunilar.


Foto nº 5 > Uma vista do rio que vai entrar numa faixa muito estreita.


Foto nº 2 > O piloto do sintex a descobrir as passagens dos rios. Eu, em primeiro plano, fumando um cigarro.


Foto nº 1 > O sintex  a caminho do Cacheu. Eu, no meio, entre dois soldados operacionais.


Foto nº 3 > Eu, sentado na beira do barco, já de calções de banho.


Foto nº 7 > Aproximação cais da cidade do Cacheu

Foto nº 7A > Aproximação cais da cidade do Cacheu


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)


CTIG - Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:

VIAGENS PELO RIO NOS PEQUENOS BARCOS SINTEX

T803 – DE SÃO DOMINGOS AO CACHEU NO SINTEX



ADVERTÊNCIA:

Foi editado neste Blogue, em Janeiro de 2018, um tema controverso, e também dúbio para mim, sob a designação: “Perdidos no Rio”. (**)

Havia algo que não batia certo, comparando as fotos, umas a preto e branco e outras que eram slides a cores, bem como as pessoas envolvidas, as datas, pelo que procurei nas minhas escrituras o que se passava, falei com outros camaradas, e a estória estava mal contada, com uma grande baralhada.

Por isso chamo a atenção que algumas das fotos aqui presentes, podem já ter sido editadas no Poste original, por isso as minhas desculpas pela repetição, mas agora o Tema já está organizado.

Fiz um trabalho de reorganização de todas as fotos e slides, pois afinal tinha fotos de viagens ao Cacheu, uma viagem a Varela e outra viagem a Susana, que foi nesta última que nos perdemos dois dias nos rios, braços de rios, e aldeias perdidas no cú de judas.

Vou reproduzir neste Tema – Viagens pelo rio, nos pequenos barcos Sintex - duas de várias viagens efectuadas ao “Aquartelamento” do Cacheu, sendo uma em Abril de 68 e outra em Janeiro de 1969.

O conjunto total dos 3 Temas é:

T801 – De São Domingos a Varela no Sintex

T802 – De São Domingos a Susana no Sintex

T803 – De São Domingos ao Quartel do Cacheu no Sintex


I - Anotações e Introdução ao tema:

Estas viagens eram autorizadas sempre pelo 1º Comandante do Batalhão, quando a iniciativa partia da minha parte, para tratar de assuntos relativos à minha especialidade.

Outras vezes, era nomeado pelo Comando, para comandar a operação, muitas vezes era apenas levantar mantimentos aos outros aquartelamentos, que nos faltavam devido às chuvas, ou ao atraso sistemático dos barcos de reabastecimentos. Era sempre uma operação de ‘Potencial’ risco, e tinha de levar sempre um graduado – normalmente um alferes miliciano.

O barco-banheira, fornecido pela Engenharia denominado Sintex, era em fibra, talvez de vidro, nunca soube, em forma de uma banheira doméstica, em ponto grande, 4 a 5 vezes maior. Era equipada com 2 motores fora de borda, de 50 cavalos cada, funcionando a gasolina.

Não tendo quase equipamentos nenhuns, era de um grande desconforto, tinha umas tábuas de lado a lado para o pessoal se sentar, e que raramente era usado, pois os utentes ou se sentavam na borda do barco, ou deitavam-se no fundo do mesmo, do casco interior, em cima de nada, e dormitando quando era possível. O responsável pelo barco era um Piloto, 1º Cabo de Engenharia, e penso que existiam à volta de 3 a 4 elementos desta especialidade, apesar e só haver um único barco Sintex, que eu me lembre.

Depois tinha de se levar, além de todo o equipamento individual e normal de uma operação, as armas, G3 e carregadores, bem como algumas coisas pessoais, pois podia levar 1,2 e 3 dias ou mais. Fazia parte da guarnição um soldado ou cabo atirador de infantaria, que carregava normalmente uma arma de carregamento de fita, uma MG 60 por exemplo, mais um outro operacional, soldado ou cabo, no total era normalmente uma expedição com 4 homens. Por norma nunca vi qualquer meio de comunicação ou de transmissões, o que era uma chatice quando o piloto se perdia, o que aconteceu pelo menos uma vez comigo.

Os ocupantes levavam a respectiva ração de combate, como era usual nas saídas.

Depois ficava o resto do espaço livre do barco, para carregar os mantimentos e afins, nos regressos da expedição.

Os rios e braços de rio eram muitos, altamente perigosos por natureza, não só devido à Fauna existente nos seus leitos, mas também pelos circuitos de braços de rio facilmente de perder de vista, além do normal perigo de aparecimento de elementos do Inimigo, as suas margens muitas vezes ao alcance de uma granada de mão, e em caso de necessidade de encostar o barco, não era possível, o ‘tarrafo’ das margens não davam possibilidade para desembarcar, só mesmo nos locais já abertos e preparados para esse efeito.

Eram momentos fantásticos, de paisagens e vistas de perder o fôlego, em particular o inesquecível ‘estuário do Rio Cacheu’ ao entrar dentro do Oceano Atlântico. Muito mais largo e imponente do que o existente, o estuário do Tejo em Lisboa.


II – Legendagem das fotos:

A – Viagem feita em Abril de 1968, não tendo possibilidades de saber o dia certo. Este conjunto de fotos foi feito no mesmo dia “Em Abril de 1968, sem data precisa”.

Era uma missão que me agradava imenso, pois ia mudar de ares, conhecer mais e melhor os rios e terreno, os aquartelamentos, os camaradas, as condições de vida da nossa tropa, era um dia entre muitos, diferente dos restantes.

Muitas vezes regressava já de noite, pois às 18 horas era noite cerrada.

As fotos F01 a F07, dizem respeito a uma, de várias vezes, que fiz viagens ao aquartelamento do Cacheu, sendo necessárias julgo que duas horas, para cada sentido.

F01 – Depois de preparado, o barco já está a caminho do Cacheu. Estou no meio de dois homens, soldados operacionais, e todos descontraídos.

F02 – O piloto do barco a descobrir as passagens dos rios. Com algum tempo de viagem, já dá para deitar e fumar um cigarro.

F03 – Sentado na beira do barco, já de calções de banho. Esta era uma situação recorrente, para apanhar sol no corpo todo, fazia-se esta asneira, pois o sol queimava a pele, que o diga o Furriel Pinto, que lhe saiu a pele toda do corpo, porque era muito sensível, com pele muito branca.

F04 – Continuando a viagem e numa posição de eventual fogo. Isto são fotos só para guardar de recordação, pois nenhum perigo se avistava.

F05 – Uma vista do rio que vai entrar numa faixa muito estreita. Pode ver-se nitidamente que vamos entrar em zona já de algum perigo eventual.

F06 – Outra perspectiva de um rio mais largo, mas ao fundo vai afunilar. As imagens são praticamente iguais, mas sempre diferentes a cada curva do rio.

F07 – Finalmente o barco chega ao cais da cidade do Cacheu. É uma cidade do interior já de algum luxo e conforto, comparada com outras bem piores. A cidade do Cacheu é uma das mais importantes da Guiné, tem uma fortificação com alguns canhões apenas para decoração, já não funcionam. Aqui era a sede de agrupamento.

B – Viagem feita em finais de Janeiro de 1969, não tendo possibilidades de saber o dia certo.

Este conjunto de fotos foi feito no mesmo dia “Em finais de Janeiro de 1969, sem data precisa”.

As fotos F51 a F55 respeitam a uma das minhas últimas viagens ao Cacheu, pelo meu ainda algum conhecimento, é a viagem já de regresso, de Cacheu para São Domingos.

F51 – Vistas do Cacheu na saída da cidade, é visível que já tem algumas infra-estruturas, como o cais acostável para barcos de pequeno e médio porte, equipado com guindastes e armazéns.

F52 – O autor, Virgílio Teixeira, bebendo uma cerveja Sagres, possivelmente bem quente.

F53 – O barco deixando um rasto para trás de água remexida, o nosso Cabo Piloto (não sei o nome dele, mesmo viajando várias vezes com ele).

A paisagem é um misto de ‘beleza e o desconhecido’ nunca se sabe quando pode aparecer fogo de um lado ou outro, ou ser levantado por um enorme Hipopótamo ou levar uma pancada da cauda de um enorme crocodilo.

F54 – Fomos Rio Cacheu abaixo até à sua Foz, foi o melhor cruzeiro da minha vida, pois por um lado já apanhávamos o ‘clima’ Atlântico, e depois um enorme Estuário que não foi possível ‘meter’ nesta foto, ver as suas margens de um lado ao outro, inesquecível e impressionante.

O Piloto deve ter tirado a foto, e quem vai a conduzir o barco é outro elemento da guarnição. O estuário já está para trás, já demos a volta e vamos a caminho de São Domingos.

F55 – A última foto da viagem, está o Piloto a pilotar, e o Alferes Gatinho, da CART 1744 que estava em São Domingos. Acabou de dormir uma sesta, e agora apareceu. Fiz algumas viagens com ele, segundo se consta, era o menino bonito do nosso Comandante Saraiva, que nesta data já não estava connosco. Jogavam muito à Lerpa à noite.

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ1933 / RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».

NOTA FINAL DO AUTOR:

# As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir. Nada mais. #

Acabadas de legendar, hoje,

Em, 2018-11-06
Virgílio Teixeira
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Notas do editor:



6 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18180: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte VII: Perdidos no rio Cacheu, em maio de 1968 (2)

Guiné 61/74 - P19179: Parabéns a você (1522): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp da CART 3494 (Guiné, 1971/74), e nosso coeditor


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Nota do editor

Último poste da série >  9 de novembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19176: Parabéns a você (1521): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71); António João Sampaio, ex-Alf Mil da CCAÇ 15 e ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 4942/72 (Guiné, 1973/74); Ernesto Ribeiro, ex-1.º Cabo At Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69) e João José Alves Martins, ex-Alf Mil Art do BAC 1 (Guiné, 1967/69)