sexta-feira, 5 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19950: Agenda cultural (692): O professor Eduardo Costa Dias apresenta o livro "Os cronistas do canal do Geba - O BNU da Guiné", de Mário Beja Santos, dia 10 de Julho de 2019, 4ª feira, às 15h00, no Palácio Conde de Penafiel, sede da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Rua S. Mamede ao Caldas, 21 - Lisboa






Eduardo Costa Dias, Guiné-Bissau, ,
 Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008)
 6 de Março. Foto de LG.
1. Mensagem do professor Eduardo Costa Dias, membro da nossa Tabanca Grande desde julho de 2010, tem 20 referências no nosso blogue (*) [, foto à esquerda]


[Doutor em Antropologia Social, Professor jubilado do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, Investigador do CEI-IUL, Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa; tem desenvolvido trabalhos sobre Epistemologia das ciências sociais, Desigualdades sociais e identidades sociais e, no contexto africano, sobre a Questão fundiária, o Estado, as Relações entre os dignitários muçulmanos e o Estado, a Transmissão de saberes nas sociedades muçulmanas africanas, a natureza das Forças Armadas em África e a “Geopolítica” dos tráficos e rebeliões na região do Saara - Sahel e do Noroeste africano.]


Sent: Thursday, June 20, 2019 2:02:12 PM
Subject: Lançamento de "Os cronistas desconhecidos do canal do Geba: o BNU da Guiné"

No próximo dia 10 de Julho, às 15 horas, na sede da CPLP, Rua de São Mamede ao Caldas, nº 21,
o Professor Eduardo Costa Dias apresenta mais uma importante obra do historiador Mário Beja Santos sobre a Guiné-Bissau, desta vez sobre o acervo do Arquivo Histórico do BNU:


Os cronistas desconhecidos do canal do Geba: o BNU da Guiné

"Que documentação está ao alcance do investigador da História da Guiné no século XX, ainda no período colonial?

Há o acesso ao Arquivo Histórico Ultramarino, também as bibliotecas especializadas como a Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, relatórios de governadores, um acervo de publicações com destaque para os boletins da Escola Superior Colonial ou as revistas da Agência-Geral das Colónias (depois Agência-Geral do Ultramar) e sobretudo o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Os livros são escassos, depois da independência há uma outra torrente de investigação e não se pode descurar a literatura da guerra, os investigadores guineenses são igualmente indispensáveis.

Mas jazia no então Arquivo Histórico do BNU uma tonelada de papel que se revela completamente distinta da literatura oficial, glorificadora e apologética: os relatórios dos gerentes do BNU em Bolama e Bissau desmontam traquibérnias, denunciam imoralidades, corrupção, a mais aparatosa bandalhice. Estes gerentes, sempre à espreita, legaram uma documentação espantosa, que se revela indispensável para o estudo da colónia da Guiné desde a I República até à independência.

O estudioso vai-se envolver num universo de intrigas, mão-baixa, falências calamitosas, informações detalhadas sobre a economia agrícola, sobre o início da insurreição que conduziu a mais de uma década de luta armada… momentos há em que estes relatos atingem o nível do burlesco, da ópera bufa, e em simultâneo eram enviados para Lisboa dados preciosos sobre a sociedade, a mentalidade colonial, os negócios da mancarra operados pela CUF e pela Sociedade Comercial Ultramarina. Mal sabiam estes cronistas desconhecidos que estavam a processar História (e que histórias!)." (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de julho de  2010 > Guiné 63/74 - P6758: Tabanca Grande (231): Eduardo Costa Dias, antropólogo, CEA / ISCTE / IUL

Guiné 61/74 - P19949: Notas de leitura (1193): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (13) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Março de 2019:

Queridos amigos,
A malta da BCAV 490 já está a beber o seu cálice de fel, o bardo Santos Andrade não pára de nos contar desditas, apanham-se armas na guerrilha, morre-se de ambos os lados, há sol inclemente, mosquitos cruéis, emboscadas e patrulhamentos, caminhamos para o final de 1963, em Bissorã, em 14 de janeiro irão todos do cais do Pidjiquiti até ao Como, começando por desembarcar na Praia de Caiar.
Faz-nos hoje companhia um escritor açoriano com vários regressos literários pela Guiné, desta feita "Braço Tatuado", conta-nos histórias avulsas, o drama central é o do Niza, que não se conformou que a sua Lena desse o dito por não dito, era uma espera longa demais, o Niza não suportou a rejeição, aqui temos o relato de toda a tragédia que chegou a Dunane num aerograma. Histórias de guerra que todos conhecemos. Mas aqui, a qualidade literária de Cristóvão de Aguiar impõe-se por si só.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (13)

Beja Santos

“Amigo Diogo Augusto
duas armas apanhou
foi este rapaz louvado,
bom serviço desempenhou.

Foi ao pôr do dia
que saiu o 1.º e o 3.º pelotão.
Junto ao senhor Capitão,
todo o pessoal seguia.
Ele nos carreiros os metia,
por entre qualquer arbusto,
muitas vezes, com muito custo,
avançavam pelas bolanhas.
Tem para contar muitas façanhas
amigo Diogo Augusto.

Até ser de madrugada,
numas tabancas estiveram,
mas dormir nunca puderam,
por causa da bicharada.
O Tavares, bom camarada,
muitas picadas levou:
o clarim adormecido ficou
a um canto encostado
e nesse dia o tal soldado
duas armas apanhou.

Quando os aviões chegaram,
voltaram à mata de Fajonquito
onde houve conflito
quando os bandidos os avistaram.
Ao 185 apontaram,
mas falhou a escorva do malvado.
Ele voltou-se para o lado
matando dois dos três.
E a 18 deste mês
foi este rapaz louvado.

O Furriel Pacífico se feriu
quase no último dia,
feriu-se um rapaz de Artilharia
quando a mina explodiu.
O pelotão de António Mestre seguiu
socorrendo o que se passou.
O Varela e o Joel alinhou
com o Diamantino, boa pessoa,
que entre Bissorã e Mansoa
bom serviço desempenhou.”

********************

Entrou-se na rotina da guerra, patrulha-se, fazem-se colunas, captura-se armamento, explodem minas. Refletia sobre as atividades da CCAÇ 675 em Binta, sob o comando do Capitão do Quadrado. E nisto a memória esvoaça para outras paragens que as de Bissorã ou Mansoa ou Farim ou Guidage, vai-se para o Leste, há um alferes que vive em Dunane, dá pelo nome de Arquelau de Mendonça, é o escritor Cristóvão de Aguiar, aqui será várias vezes invocado, hoje circunscrito a coisas que escreveu no seu romance “Braço Tatuado”, 1.ª edição em 2008:
“Os camiões estão estacionados em frente do ex-estabelecimento comercial de um libanês, transformado em edifício de comando e secretaria. Os motores aquecem, roncando. Tudo a postos: rações de combate, cartucheiras à cinta de cada combatente, sacos de campanha cor de azeitona, com alguma roupa interior, maços de cartas e aerogramas amarelos, a cor do desespero. Só falto eu. Acabei de atravessar a parada, ainda me vou demorar um pouco na secretaria, tenho de ultimar, com o nosso Primeiro Gervásio, a guia de marcha do pelotão: ‘Por ordem de S. Ex.ª, o Comandante-Chefe, segue para a sede do batalhão de Nova Lamego, onde aguardará ordem de marcha para Dunane, o Primeiro Grupo de Combate desta Companhia, a fim de reforçar, sempre que necessário, as forças estacionadas no sector militar constituído por Nova Lamego, Piche, Canquelifá e Buruntuma. Vai abonado, assim como todos os seus homens, de alimentação até hoje inclusive…”.
Um pouco antes, o autor já apresentara a CCAÇ 666, o mesmo número da Besta do Apocalipse, a última parte do Novo Testamento que revela o mistério de Deus julgando e destruindo o mal, a fim de implantar o Seu Reino sobre a Terra.
E apresenta-nos Dunane:  
“Fica num mamelão da planície que se alonga de Piche a Canquelifá. Pode-se avistar léguas de terra arborizada, por vezes concentrada em mata virgem, outras raleando nas lalas, ou despindo-se por completo nas bolanhas, rios secos que, na época das chuvas, se transmudam em pântanos onde o indígena cultiva o arroz, praticamente abandonado nesta zona de ninguém e armadilha para os grupos de combate que aí se atolam até ao pescoço”.

O autor é expedito em contar histórias avulsas, sem rigor de espaço e de tempo. Uma para exemplo:
“O Alferes Leite morreu cerca de um mês antes do regresso definitivo a Lisboa. Tinha o seu grupo de combate intacto – um pelotão independente de artilharia sediado no destacamento de Cambaju há cerca de dois anos. A zona era pacífica e assim havia de continuar por bastante tempo.
Passeavam-se pelas tabancas ao redor, mantinham estreitas ligações com a população indígena, composta sobretudo pelas etnias Fula e Mandinga.
Duas vezes por semana, às quartas e sextas, quase todo o grupo de combate ia ao rio abastecer-se de peixe. No destacamento só ficavam os rancheiros, o radiotelegrafista, o cabo cripto e os faxinas de serviço. O alferes acompanhava o grupo da coluna. Ele próprio conduzia o jipe, os restantes iam num Unimog velhinho e lá seguiam na sua rotineira missão piscatória. Em vez de se lançar a rede às águas, lançavam-se duas ou três granadas ofensivas que explodiam debaixo de água. Pouco depois, aparece à tona uma espessa toalha de peixes mortos. Escolhem-se os mais grados e de melhor qualidade e deixam-se os restantes para serem comidos pelos jacarés ou debicados pelas aves de rapina… Desta vez o Alferes Leite foi estraçalhado por um crocodilo. O calor chicoteava a pele tisnada e ele quis, como de costume, dar um mergulho para se refrescar. Mergulhou e nunca mais apareceu. Quero dizer, apareceram mais tarde os restos de uma perna e um pedaço de tronco. Vieram encaixotados para a metrópole”.

E irrompe o cenário da tragédia, o seu personagem chama-se Niza:
“Na mão direita a carta já desdobrada. Pelos vincos se nota que deve ter sido lida e relida. Procura em mim uma testemunha ou um confidente que lhe confirme ou arrede a teia das desconfianças urdidas no íntimo com babas suspeitas…
‘Ó meu alferes, faça-me o favor de ler esta carta e diga-me depois com toda a franqueza se a Lena não está, por meias palavras, dando o dito por não dito…’. Ao fim de a ler, fiquei com a certeza que estava. Mas não lhe disse. Procurei antes, à minha maneira, tanger-lhe os bordões de um invisível instrumento a ver se lhe arrancava o tom de outra melodia. Fui dizendo que tivesse calma. A Lena, notava-se nas entrelinhas da carta, gostava muito dele, só que estava cansada de esperar e tinha de esperar outro tanto e quem espera, meu amigo… Terminei a cantilena com um lugar-comum, desses que se lançam à água como bóia de salvação, ‘Hás-de ver, Niza, que na próxima carta ou aerograma tudo se compõe e ela muda o seu pensar, ora se muda. E o namoro fica de pedra e cal…’
O Niza desesperou, o alferes Arquelau de Mendonça apercebe-se que se chegou ao último acto quando viu o destacamento em reboliço, toda a gente a correr para se esconder, o Niza de arma apontada ameaçando quem ousa aproximar-se. Até o cozinheiro deixou os caldeiros ao lume. O Niza avisa que dispara se o alferes der um passo adiante. O alferes tenta parlamentar, o Niza ameaça, e despeja para o ar, em rajada, quase todo o carregador da espingarda. ‘O meu alferes é o maior culpado da minha desgraça; se me tivesse proibido de fazer a tatuagem, já havia remédio; agora que estou fodido não vou nem quero ficar sozinho – vão todos ficar fodidos comigo…’. Rasga a manga da camisa, aos palavrões principia a esfolar o local da tatuagem. Nesse instante caiem-lhe três homens em cima, o Niza é imobilizado. Segue para os serviços de psiquiatria do Hospital Militar. “Três dias após a chegada ao hospital, o Niza apareceu morto. Enforcou-se com os lençóis da cama. Quando o encontraram pendurado, já enegrecido, um dos furriéis enfermeiros, atraído pelo vermelho vivo do sangue ainda a escorrer-lhe do braço direito, ainda conseguiu soletrar as palavras insculpidas na pele – Amor de Lena...”

Inevitavelmente, este romance de guerra não escamoteia o horror que uma mina antipessoal provoca:
“De súbito, um estampido. Vem dos lados da dianteira da coluna. Num instinto adquirido, toda a gente se manda para o chão. Era a emboscada, já há muito esperada. Não se trata de emboscada. Tão só uma mina antipessoal que explode debaixo de um pé do Furriel Simões. Ao aproximar-me do local, deparo com um homem enegrecido, autêntico autóctone, e fico por momentos mais descansado... Num ápice se desfaz o momentâneo alívio. O sinistrado é mesmo o Furriel Simões. Ficou negro da explosão. Voou-lhe a bota do pé esquerdo juntamente com o pé. Procuram-se ambos, mas tal deve ter sido o sumiço que nunca mais se encontraram. Do tornozelo para baixo, não existe nada. Corre apenas uma bica de sangue. O furriel grita pelos filhos que deixou algures no norte do continente. Acode-lhe o furriel enfermeiro com uma injecção de morfina e estanca-lhe o sangue com os coagulantes que traz na bolsa dos primeiros socorros e enrole-lhe com gaze e uma ligadura a parte final da perna. Por fim, cai num sono de pedra. Vai agora estendido numa maca de campanha transportada por quatro homens”.

Em pinceladas largas, aqui se registam as memórias desse açoriano de S. Miguel, que em breve regressará à nossa companhia para se juntar ao bardo Santos Andrade que em breve nos irá contar a batalha do Como.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 28 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19925: Notas de leitura (1191): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (12) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 1 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19936: Notas de leitura (1192): “Cambança Final”, por Alberto Branquinho; Sítio do Livro, 2013 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19948: (De) Caras (132): Manuel Barros Castro, ex-fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65), natural de Fafe, nosso grã-tabanqueiro nº 793..... Assumiu a paternidade da sua filha guineense, Maria Biai Barros Castro (1964-2009): uma história aqui (re)contada por Jaime Silva


Manuel Barros Castro, nascido em Fafe, em 9 de outubro de 1940. Andou na escola Escola Industrial e Comercial de Fafe. Vive na sua terra natal.  Tem página no Facebook sob o nome de  Manuel Castro . Cinco anos depois do nosso convite, decidiu finalmente formalizar a sua entrada na Tabanca Grande. Senta-se, desde hoje, no lugar nº 793 (*).



O Manuel Barros Castro, quando jovem: é o primeiro da primeira fila, de cócoras, a contar da esquerda, de óculos escuros. Os restantes são amigos e/ou talvez familiares. Foto tirada em Cabo Verde ou na Guiné, s/d, da autoria de Guilhermino Teixeira. Faz parte do seu álbum (vd. página do Facebook do Manuel Castro).

Fotos (e legendas): © Manuel Barros Castro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A história de Manuel Barros Castro, natural de Fafe (**)

 por Jaime Silva

[, ex-alf mil para, BCP 21, Angola, 1970/72], prof educação física ref, e ex-autarca, que  viveu em Fafe há cerca de 4 décadas, e que regressou agora à sua terra natal, Seixal, Lourinhã] [, foto à esquerda]

1. O Manuel Barros Castro esteve na Guiné e pertenceu á Companhia Operacional Independente, de atiradores de infantaria,  a CCAÇ 414, sediada em Catió, onde o pessoal se instalou em tendas de lona. Era furriel miliciano e tinha a especialidade de enfermeiro.

Desembarcou em Bissau no dia 21.3.63 e regressou a Portugal a 4.5.1965 [, mais de dois anos depois].

Formou companhia em Chaves, a qual esteve mobilizada para Moçambique, sendo à última hora desviada para a Guiné.

Nas conversas que, entretanto, ele fez o favor de ter comigo (eu conhecia a filha, mas não conhecia o contexto que tinha gerado a situação), ao falarmos do nosso relacionamento com as mulheres africanas, disse-lhe eu, a determinada altura:

“Até porque havia algumas facilidades de relacionamento pela facto de algumas se oferecerem para ser as nossas lavadeiras”.

“Não. Ela não era a minha lavadeira. Houve empatia entre os dois. Eu, como enfermeiro, dava apoio à população, distribuía medicamentos e foi nesta circunstância que a conheci”, disse, emocionado. “Emociono-me, sempre que falo neste período da minha vida”.

A gravidez foi problemática e, apesar de a jovem ser acompanhada por dois médicos militares, teve que ir para Bissau por falta de condições [, em Catió].

Em Bissau, para onde a companhia, a CCAÇ 414, se tinha deslocado temporariamente, soube, por uma tia da jovem, que esta estava hospitalizada e numa das vezes qua a visitou perguntou-lhe se ela concordava em entregar-lhe a filha, ao que ela respondeu que “só queria que ela seja branca”. Era uma jovem sem instrução que, embora não fosse católica, concordou em batizar a filha.

Após 16 meses no mato [, desde abril de 1963],  a companhia, em vez de ficar em Bissau como estava previsto inicialmente, foi parar a Cabo Verde [, em 28 de julho de 1964], alterando os planos do furriel Castro. Disse que já tinha tudo preparado para instalar a filha, conhecida já como “a menina da companhia” e protegida da esposa do comandante da companhia [, o cap inf Manuel Dias Freixo].

A menina nasceu a 16 de maio de 1964 e foi-lhe dado o nome de Lurdes Maria Biai Barros Castro. A Mimi, para a família e amigos.

A companhia esteve nove meses em Cabo Verde e , durante esse tempo,  a Mimi esteve, primeiro, internada num orfanato em Bissau, por interferência do bispo de Bissau, depois ao cuidado da madrinha, uma senhora nativa que era funcionária nos CTT de Bissau, para quem o Castro mandava mensalmente uma pensão.

Alguns anos depois de ter terminado a Comissão [, em maio de 1965], a madrinha da Mimi veio a Portugal, em 1969,  trazer a menina, cuja mãe, entretanto, falecera.

A Mimi fez o seu percurso escolar em Fafe, tal como os irmãos (um irmão e uma irmã), concluiu a Curso de professores do 1.º ciclo do ensino básico e, infelizmente, faleceu com 45 anos em setembro de 2009, de doença incurável, quando trabalhava numa escola do concelho da Póvoa do Varzim, em Maceira da Lixa.

O Manuel Barros Castro disse-me, ainda, que sempre se revoltou contra a falta de responsabilidade daqueles camaradas de armas que não assumiram os filhos que deixaram por lá, e foram muitos, tanto na Guiné como em Cabo Verde,

Contou-me um episódio, relativamente recente, em que uma mulher guineense, a residir nos Estados Unidos, filha duma situação ocorrida na sua companhia,  e que tinha descoberto a morada do pai, fez questão de vir a Portugal encontrar-se com o pai no aeroporto, só para lhe dizer: “eu sou sua filha, aquela mulher ali é a minha mãe. Eu não quero nada de si. Vim só para o conhecer. Passe muito bem!" [...]

2. Deu-me mais alguns pormenores que eu não sabia:

A filha, a Mimi, era casada com um colega professor e deixou uma filha de 11 anos que está a ser educada pelo pai, claro, mas com grande apoio dos avós. Aliás, frequenta a escola em Fafe.

Voltámos a falar da mentalidade da época, dos preconceitos sociais em relação à “cor” da pele e à rejeição social, sobretudo nas aldeias do norte e interior do país, a dificuldade em aceitar casos destes. Diz que sentiu bem os “olhares” quando a filha chegou. Aliás, quando se referiam à filha, perguntavam-lhe: “Então como vai a sua filha adotiva”?...  Ao que o Manuel Castro, disse, respondia perentório: “Eu não a adotei. A menina é mesmo minha filha”.

Disse-me, ainda, que no dia do funeral da filha, a madrinha (de quem já te falei) esteva em Portugal e esteve presente. Pois as pessoas, ainda então, “cochichavam ao ouvido” e perguntaram-lhe, mesmo, se ela não seria a mãe. Teve que esclarecer que mãe já tinha falecido e que a senhora era a madrinha da Mimi.

Lembrei-me da história do meu colega de escola, do Seixal, Lourinhã, de quem já te falei [, poste P12709]. Quando me deu o seu testemunho, disse-me que, algum tempo após o regresso à metrópole, teve saudades e pensou seriamente em mandá-los vir da Guiné, ao filho e à mãe. Mas, disse-me (na presença de mais dois conterrâneos, um deles esteve na Guiné, também) que recuou, com medo do que iriam dizer as pessoas !

Como tu bem dizes, não se deve julgar.

A propósito, o Castro disse-me, hoje, que nos encontros da companhia alguém (que ele identificou) lhe perguntou: “Trouxe a miúda, porquê?".

Caro Luís:

Uma história de vida edificante, sem dúvida. É exemplar e merece ser conhecida. (***)

Abraço, Jaime.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19946: Tabanca Grande (482): Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414 (Guiné e Cabo Verde, 1963/65)

(**) Vd. postes de:

6 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12687: Filhos do vento (27): Manuel Barros Castro, natural de Fafe, fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65) teve uma filha, de mãe guineense,e que ele de imediato perfilhou, Maria Biai Barros Castro (1964-2009)... Uma história exemplar (Jaime Bonifácio Marques da Silva)

27 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12780: Filhos do vento (29): Ainda a história do Manuel Barros Castro, natural de Fafe, ex-fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65), e os preconceitos ainda hoje existentes (Jaime Bonifácio Marques da Silva)

(***) Último poste da série > 1 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19935: (De)Caras (107): Um ninho de "lacraus", em Espinho, Silvalde, fevereiro de 1969, na véspera de partida para o CTIG (Valdemar Queiroz / Abílio Duarte, CART 2479 / CART 11, 1969/70)

Guiné 61/74 - P19947: Os nossos seres, saberes e lazeres (336): As minhas loucuras no Porto... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)


Porto > Ponte da Arrábida > 17 de junho de 2019, 17h35 >  A subida às entranhas da Ponte da Arrábida - 65 metros, 162 escadas, 18 andares


Porto > Ponte da Arrábida > 17 de junho de 2019, 17h16 > O cimbre da ponte


Porto > Bairro do Aleixo > 17 de junho de 2019, 16h38 >  A demolição da torre 1


Porto > Bairro do Aleixo > 17 de junho de 2019, 16h42 > Um das "sala de chuto"...

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem do Virgílio Teixeira, com data de 17 de junho de que se publicam alguns excertos, dada a sua extensão, e a diversidade do seu conteúdo, tocando em vários pontos, incluindo um comentário ao poste P19894 (*):

[Foto à direita, o nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); é economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde; tem mais de 130 referências no nosso blogue] 

Caro Luís,

Está esclarecida a minha duvida, só mesmo quem já tivesse experiência de trás poderia ter tantos conhecimentos, e depois a História da Unidade completou tudo o resto. Já poderia ter dito, eu não sabia dessa faceta. Ias preparado para contar a tua história na Guiné. (*)

Eu fiz fotos, iniciei a minha aprendizagem ali na Guiné, e deixa que te diga, o meu Álbum não é assim tão raro, pois tenho visto ao longo deste tempo, fotografias de lhes tirar o chapéu, não vou aqui agora personalizar, eu acho as outras melhores, mas tenho consciência de que tenho algumas também inéditas, embora a maioria tenha como personagem principal, eu próprio.

Ao longo dos dois anos, digamos líquidos 700 dias, devo ter escrito, a uma média de uma carta diária, por vezes eram duas, e em média cada carta levava umas 10-20 folhas escritas à mão, só de um lado, pois o papel fino, escrito com caneta de tinta não permitia escrever no verso, isto no mínimo serão umas 7000 folhas, isto por defeito. Cada carta levava depois algumas fotos que eu ia despachando para mãos seguras, a minha namorada.

As minhas cartas eram enviadas em envelopes de avião, até não caber mais nada, por isso por vezes iam dois envelopes cheios. Acho que nunca escrevi mais do que um aerograma, só para ficar de lembrança, não havia aerogramas que chegassem.

Todos os dias, não havendo nada de especial para ‘namorar’ por carta, eu escrevia tudo o que se passava na minha Unidade, os pormenores de tudo, e com certeza até nomes que não me lembro. Este valiosíssimo espólio, foi por mim ‘esquecido’ estava todo guardado e bem guardado, foi pena não o preservar como devia, assim por um acidente doméstico, não de nossa conta, acabou quase tudo de ir para um grande bidon numa grande fogueira de São João, na década de 70, bem como inúmeras fotos e slides que nem me lembro dos temas.

Fiquei com 1000 fotos, e meia dúzia de cartas, e é agora que lendo algumas fui buscar assuntos que de outra forma nunca me lembraria. Ficou uma carta de Mafra, uma carta de Lisboa EPAM, outra carta de Chaves do BC 10, uma carta de Santa Margarida durante o IAO, e umas 3 a 4 cartas da Guiné, com datas e anos diferentes. Agora tenho estas bem guardadas.

Partilhar agora como dizes as nossas lembranças, para todo o mundo ler, não é bem assim, eu acho até que já me estiquei demais a escrever certas coisas, que faço ao correr da pena, sem nunca ler depois o que escrevo, por isso tenho levado ‘porrada’ de certos leitores [...].

Este fim de semana realizou-se aqui, em Vila do Conde, o 42º encontro nacional dos homens da Marinha, com direito a um concerto pela Banda da Armada, que gostei imenso. Depois a nossa fadista Mariza, deu um espectáculo fenomenal, não a conhecia ao vivo, carrega atrás dela um camião TIR com material e montes de colaboradores, foi pena ter de a ver de esguelha, com direito a estar de pé e lugar apenas para um pé, ao ar livre, sem pagar. Eu acho que com familiares na Vereação da Camara poderia ter lugar nas cadeiras dos convidados especiais, mas não, não sei porquê.

No Domingo, ontem, fui parar a um sítio por onde comecei a minha verdadeira carreira, há precisamente quase 50 anos, estamos nos arredores de Vila do Conde, 6 a 7 km, e à distância de 40 km do Porto, uma freguesia que não vou descrever o nome para não ferir ninguém. Há lá uma igreja, que é dominada por um sacerdote negro, a minha empregada que mora por ali, conseguiu convencer a minha mulher a ir lá, pois eles dizem, que em certos Domingos, na missa das 7 horas da tarde é ‘muito bonita’. A verdade é que estava lá uma camioneta de Fátima, cheia de fieis. [...]

Hoje, segunda feira,   de tarde vou carregar com a minha máquina, e vou fotografar as Torres do Aleixo, o Santuário da Droga do Porto, que eles começaram a derrubar sem eu saber, vi ontem na Televisão. E quero deixar isto para a posteridade. Ali vai nascer um empreendimento de luxo com maravilhosas vistas para o Douro e para a Foz.

Já lá tinha ido há uns anos, ver com os meus olhos, de fato e gravata, pasta de executivo nas mãos, passei pelo meio de tudo, não me agradou nada aquele cenário degradante a céu aberto, onde só passam os clientes, e a Polícia com vários carros e pessoal armado. Passei e ninguém me chateou, algumas pessoas quase não me deixavam passar, que era uma loucura e ainda com a agravante de ir de pasta… eu disse que não me metem medo, tinha de ver com os meus olhos aquilo tudo. Ainda bem que vai tudo abaixo, agora a questão é para onde vão assentar a sua praça e comércio.

Depois ainda voltarei a este assunto. (**)

Abraço,

Virgilio

PS - Acabei de 'sacar' algumas das 80 fotos feitas hoje no Porto nas 3 horas a andar a pé. Para mais tarde recordar.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19894: A galeria dos meus heróis (31): Fatumata, a gazela furtiva de Sare Ganá (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P19946: Tabanca Grande (482): Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414 (Guiné e Cabo Verde, 1963/65): senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 793

1. Mensagem, com data de 29 de Julho de 2019, do nosso camarada e novo tertuliano Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414, Catió (1963/64) e Cabo Verde (1064/65), que se vai sentar no lugar 793 do nosso poilão:

Caro camarada,
Já várias vezes prometi entrar para o número dos célebres tabanqueiros e já consto dos amigos no Facebook.

Hoje resolvi definitivamente pedir a admissão no fabuloso blogue, para o que junto duas fotografias e me identifico:
Sou de nome Manuel Barros Castro, nascido em 09/10/1940, residente em Fafe e fui furriel miliciano enfermeiro, ao serviço da Companhia de Caçadores 414 na então Guiné Portuguesa, no período de 1963/1965.

Saudações de camaradagem
Manuel Barros Castro

Manuel Barros Castro - Catió


2. Comentário do editor:

Caro Manuel Castro, bem-vindo à nossa Tabanca Grande.
Pelo que descobri da tua 414, tu e os teus camaradas foram uns sortudos com férias nos melhores resorts da Guiné e Cabo Verde.

Gostaríamos que partilhasses connosco fotos e memórias escritas da tua comissão de serviço nas duas Províncias Ultramarinas, tu que neste Blogue tens duas entradas referentes uma bonita e exemplar história de vida[1]. Foste, melhor, és uma referência de verticalidade moral. Bem hajas.

Da CCAÇ 414 temos só as duas entradas correspondentes à tua história, pelo que ficas com a responsabilidade de engrossar, aqui, a história da tua Companhia.

Em nome dos editores e da tertúlia, deixo-te um abraço e os votos de saúde.
Ficamos aqui ao teu dispor para publicar o material que nos possas enviar.

Um abraço pessoal do
Carlos Vinhal


3. Sobre a CCAÇ 414:


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Notas do editor:

[1] - Vd. postes de:

6 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12687: Filhos do vento (27): Manuel Barros Castro, natural de Fafe, fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65) teve uma filha, de mãe guineense,e que ele de imediato perfilhou, Maria Biai Barros Castro (1964-2009)... Uma história exemplar (Jaime Bonifácio Marques da Silva)
e
27 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12780: Filhos do vento (29): Ainda a história do Manuel Barros Castro, natural de Fafe, ex-fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65), e os preconceitos ainda hoje existentes (Jaime Bonifácio Marques da Silva)

Último poste da série de5 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19859: Tabanca Grande (481): Abel Rei, ex-1º cabo, CART 1661 (Fá, Enxalé, Bissá, Porto Gole, 1967/68)... Autor do livro "Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá, memórias da Guiné., 1967/68"... Passa finalmente a sentar-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 792

Guiné 61/74 - P19945: Parabéns a você (1649): Jorge Ferreira, ex-Alf Mil Inf da 3.ª CCAÇ (Guiné, 1961/63)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19940: Parabéns a você (1648): António Graça Nobre, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2464 (Guiné, 1969/70)

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19944: (D)o outro lado combate (51): a morte de 'Guerra Mendes' (Jaime Silva) em Bulel Samba, Buba, em 14 de fevereiro de 1965, na Op Gira - II (e última) Parte (Jorge Araújo)



Guiné-Bissau > Bissau > A antiga rua dr. Oliveira Salazar,  hoje Rua Guerra Mendes, 60 anos depois... Fotograma de um vídeo publicitário, da empresa Revita - Estética e Massagem , disponível no portal www.dailymotion.com (com a devida vénia...)


Guiné > Bissau > s/d [ c. 1960] > Rua Dr. Oliveira Salazar [, hoje Rua Guerra Mendes]. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 135". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL).

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalização e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).




Mapa da região de Antuane (Quinara), com indicação dos nomes das tabancas referidas nos documentos consultados. Sinaliza-se, ainda, o local onde o Cmdt Guerra Mendes morreu [Bulel Samba].




Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue; 


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > A MORTE DE 'GUERRA MENDES' EM BULEL SAMBA [S2-BUBA], A 14FEV1965, NA OPERAÇÃO "GIRA", UM ANO DEPOIS DE TER SUBSTITUÍDO RUI DJASSI (FAINCAM) NO COMANDO DA "ZONA 8" (QUINARA) POR DECISÃO DO I CONGRESSO DO PAIGC:  "HERÓI DA PÁTRIA", TEM HOJE NOME DE RUA EM BISSAU

II (e Última) Parte





1. INTRODUÇÃO

Com este segundo fragmento, damos por concluída a resenha sócio-histórica sobre o contexto
operacional que esteve na origem da morte do Cmdt da "Zona 8", 'Guerra Mendes' [nome de guerra de Jaime Silva], verificada em 14 de Fevereiro de 1965, em Bulel Samba [mapa acima]. Esta ocorrência, da qual fizemos referência em narrativa anterior – P19917 – verificou-se dois anos após o início do conflito e um ano depois de ter sido nomeado substituto do Cmdt Rui Demba Djassi «Faincam», em decisão tomada durante o I Congresso do PAIGC, por desconhecimento do paradeiro deste último.


2.  ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E MILITAR SOBRE A MANOBRA EXECUTADA PELAS NT NA REGIÃO DE QUINARA EM 1964/1965

A execução da actividade operacional desenvolvida pelas NT na região em análise foi determinada pelo Comandante Militar do CTIG, à data o Brigadeiro Fernando Louro de Sousa, incluída na Directiva de Operações n.º 1/64, de 7 de Fevereiro, atribuindo essa missão ao BCAÇ 619 [unidade mobilizada pelo RI 1, da Amadora, tendo desembarcado em Bissau a 15 de Janeiro de 1964], sob o comando do TCor Inf Narsélio Fernandes Matias. De referir que após render o BCAÇ 356, em 17Jan64, aquele passou a assumir a responsabilidade pelo Sector F designado, a partir de 11Jan65, por Sector «S3», com sede em Catió, o qual abrangia os subsectores de Empada, Bedanda e Cabedú.

Os objectivos gerais da manobra eram:

1 - Intensificar a actividade de todos os Sectores por acções de patrulhamentos, nomadizações, golpes de mão e emboscadas em vista a:

(i) - Manter o controlo dos principais itinerários necessários aos reabastecimentos e à ligação entre os comandos das unidades vizinhas.

(ii) - Limitar ou impedir a liberdade de movimentos dos grupos IN.

(iii) - Detectar e aniquilar os grupos IN que se revelem nos sectores.

2 - Em ligação com o BCAÇ 513 [unidade mobilizada pelo RI 7, de Leiria, tendo desembarcado em Bissau a 22 de Julho de 1963, sendo apenas constituído por Comando e CCS], sob a liderança do TCor Inf Luís Gonçalves Carneiro, assegurar o controlo da região de Antuane - Chacoal - Bantael Sila - Queuel Lei. [Recorda-se que esta Unidade tinha assumido, anteriormente, a responsabilidade plena pelo Sector E, designado, a partir de 11Jan65, por Sector «S2», com sede em Buba, o qual abrangia os subsectores de Buba, Cacine, Aldeia Formosa e, mais tarde, os novos subsectores de Gadamael, criado em 19Dez63; Sangonhá, criado em 06Jun64 e Guileje, criado em 25Nov64].

3 - Manter o controlo dos principais itinerários do sector em especial os de:

(i) - Catió - Batambali Beafada;

(ii) - Empada - Batambali Beafada - Buba (limite do sector);

(iii) - Bedanda - Guileje (limite do sector);

(iv) - Cabedú - Bedanda.


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Moranças Balantas. Foto do álbum do camarada João Martins, ex-alf mil art, BAC1 (1967/1969), com a devida vénia [P9947].



2.1.  SUBSÍDIO HISTÓRICO SOBRE A MANOBRA DAS NT NA REGIÃO DE ANTUANE DE 21 DE JANEIRO A 15 DE FEVEREIRO DE 1965


Na sequência da reformulação de responsabilidades determinada pela nova "geografia de intervenção", iniciada em 11 de Janeiro de 1965, com a criação dos Sectores «S3-Catió» e «S2-Buba», houve a necessidade de recorrer à mobilização de mais efectivos operacionais de reforço da Unidade de quadrícula, no caso o BCAÇ 513, de modo a cumprirem-se os objectivos definidos na execução da manobra referida no ponto anterior, já que contemplavam diferentes acções: prolongadas e dispersas.

Para a execução da presente manobra, as principais escolhas recaíram nos efectivos da CCAÇ 594 e CCAV 702, já com antecedentes operacionais na região, como provam os exemplos que seleccionámos da historiografia de cada uma delas, desde a sua chegada ao CTIG até à execução desta missão.

1 – Companhia de Caçadores 594 [CCAÇ 594]

Esta Unidade foi mobilizada pelo RI 15, de Tomar, tendo desembarcado em Bissau a 03 de Dezembro de 1963, sob o comando do Cap Inf Mário Jaime Calderon Cerqueira Rocha.

Seguiu, depois, para Mansabá, onde assumiu a responsabilidade pelo subsector a 23Dez63, substituindo a CCAÇ 461.

Realizou operações, entre outras, nas regiões de Uália e Mamboncó.

Em 12Set64, foi rendida no subsector de Mansabá pela CCAÇ 642, sendo deslocada para Bissau, e integrada no dispositivo do BCAÇ 600.

Em 09Jan65, foi substituída pela CCAÇ 557 e deslocada para Buba, para intervenção e reserva do BCAÇ 513 e, posteriormente do BCAÇ 600 e, mais tarde, do BCAÇ 1861, com intervenção nas áreas de Bantael Silá e Chinchim Dárin, entre outras.

2 – Companhia de Cavalaria 702 [CCAV 702]

Esta Unidade, a primeira do BCAV 705, que era comandada pelo TCor Cav Manuel Maria Pereira Coutinho Correia de Freitas, foi mobilizada pelo RC 7, de Lisboa, tendo desembarcado em Bissau a 24 de Julho de 1964, sob o comando do Cap Cav Fernando Luís Franco da Silva Ataíde.

Em função da intervenção como reserva do Comando-Chefe, com a sua base em Bissau, as três Unidades do BCAV 705 [CCAV 702, 703 e 704], cumpriram o seu treino operacional no sector de Buba, sob a orientação do BCAÇ 507, sendo utilizadas em diversas operações, nomeadamente nas regiões do Cantanhez e do Morés-Óio.

A CCAV 702, para além das operações referidas acima, foi atribuída como reforço do BCAÇ 513, para intervenção na sua área de acção, entre 15 a 17Dez64, na região de Injassane e de 21 a 28Dez64, na região de Unal, após o que recolheu a Bolama.

Entretanto, de 16Jan a 19Fev65, foi novamente atribuída em reforço do BCAÇ 513, para operações na região de Buba, de que é exemplo a presente manobra, recolhendo, de novo, a Bolama.


2.2. FACTOS MAIS RELEVANTES SOBRE A MANOBRA DAS NT NA REGIÃO DE ANTUANE DE 21 DE JANEIRO A 15 DE FEVEREIRO DE 1965

O início da manobra em análise teve lugar em 21 de Janeiro de 1965, 5.ª feira, com a «Operação Garrote», na qual participaram as forças da CCAÇ 594, CCAV 702 e PRecFox 888. No decurso desta missão as NT detectaram duas emboscadas em Galo Bolola, das quais resultaram a morte de uma sentinela e o ferimento em outra, sendo capturada uma carabina, cartuchos e material diverso. As NT assinalaram e destruíram um acampamento com capacidade para quarenta elementos, tendo sido apreendidas duas granadas de mão, restos de medicamentos e algumas munições.

Em 29 e 30 de Janeiro de 1965, 6.ª e sábado, realizou-se a «Operação Papaia», em que intervieram as mesmas forças da operação anterior, reforçadas com a CART 494, do Cap Art Alexandre da Costa Coutinho e Lima. No primeiro dia da missão foi destruída parte da tabanca de Unal e derrubado um acampamento a norte de Bricama com 5 casas.

As NT foram flageladas pelos guerrilheiros, tendo-lhes causado dois mortos. Foi, ainda, levantada uma macar "TMH-46" na estrada Nhacobá - Cumbijã, junto a Galo Cumbijã. No segundo dia, forças da CCAÇ 594 destruíram um acampamento entre Teque e Bricama, próximo de Sambasó. O IN flagelou as NT, causando três feridos. Foi destruído um acampamento em Unal, tendo as NT surpreendido três elementos, dos quais um morreu.

Em 5 de Fevereiro de 1965, 6.ª feira, teve lugar a «Operação Toupeira» em que estiveram envolvidas as forças da CCAÇ 594, CCAV 702 e do Pel Rec Fox 888. O IN emboscou as NT na estrada Galo Bolola - Bantael Silá, causando-lhes 1 ferido. Foram capturadas uma granada de mão e diversas munições. Os guerrilheiros lançaram fogo ao capim, retardando a progressão das NT para Darsalame.

O IN voltou a flagelar na área de Cancasso, tendo causado um ferido e sofrido um morto. As NT destruíram a tabanca de Cancasso e grande quantidade de arroz e apreenderam cartuchos de diversos calibres, granadas de não defensivas, medicamentos e outro material diverso. (p313)


Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC.", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44096 (2019-5), com a devida vénia.



2.2.1. FACTOS MAIS RELEVANTES DA «OPERAÇÃO GIRA», NA REGIÃO DE ANTUANE EM 13 E 14FEV65, DATA DA MORTE DE GUERRA MENDES

A última missão prevista na manobra em análise decorreu em 13 e 14 de Fevereiro de 1965, sábado e domingo, com a participação da CCAÇ 594, CCAV 702, Pel RecFox 888, ou seja, as mesmas da acção anterior, reforçadas com a CCS/BCAÇ 513 e Pel Mort 979, instalado em Buba, a qual foi baptizada de «Operação Gira».

No decurso desta acção, foram destruídos acampamentos em Umbaná, Bulel Samba e três tabancas situadas para leste desta. O IN ofereceu resistência causando um morto às NT [o soldado radiotelegrafista Albino António Tavares, do PMort 979, solteiro, natural de Cardigos - Mação. Foi sepultado em Bissau; campa 1402], tendo sofrido três mortos confirmados. Foi-lhe capturado material diverso, entre o qual granadas de mão defensivas, carregadores e munições.

Sobre os factos acima narrados, em particular as três baixas no seio do PAIGC, onde se inclui a do Cmdt 'Guerra Mendes', é 'Nino' Vieira (1939-2009) que o confirma em carta por si dirigida a Aristides Pereira (1923-2011), datada de 16Fev65, ou seja, dois dias após a ocorrência, conforme se dá conta no texto abaixo colocado no interior da caixa a vermelho.





Entretanto, no decurso desta acção, o IN emboscou as NT a sul de Darsalame, fazendo um ferido e consentindo mais cinco baixas. As NT destruíram um acampamento de grandes dimensões a norte de Darsalame e as tabancas de Dalael Balanta e Bantael Silá. Aqui as NT foram flageladas pelo fogo IN, que teve mais uma baixa, tendo sido capturado material diverso e munições. Também abriu fogo durante a travessia do rio Insane pelas NT.

Na reacção desencadeada pelas NT, com apoio aéreo, o IN retirou com mais dez baixas confirmadas, sendo-lhe capturada uma metralhadora ligeira, um espingarda, uma pistola-metralhadora, uma pistola, quatro "longas" e diverso material de guerra. Nesta operação foi, ainda, destruída grande quantidade de arroz e abatido gado. (p. 314)

3. AINDA A CARTA ENVIADA DE SALANCAUR EM 16FEV1965 - DE NINO VIEIRA PARA ARISTIDES PEREIRA, DANDO CONTA DE UMA OFENSIVA DAS NT [OPERAÇÃO GIRA]

Caro camarada Aristides Pereira

[…] Por infelicidade n/ [nossa] perdemos o n/ [nosso] camarada Guerra Mendes, Infaly e Isnaba Naberiaguebandé. Estes camaradas foram mortos pelas tropas que avançavam por Bulel Samba. [H]ouve também 3 dos n/ [nossos] camaradas que ficaram feridos: Imbaná Sambú, Bien Naína e Beínha Natchandi.

Nestas três tabancas, as tropas destruíram uma grande quantidade de arroz e casas do povo. Espero no entanto que me dessem a vossa opinião no que respeita à pessoa capaz de seguir imediatamente para Quinara, a fim de ocupar o lugar do Guerra Mendes. Quanto a mim proponho "Saco" [nome de guerra de Mário Camará] ou Arafam [Mané?]. Se estes não servem é favor de arranjarem um responsável vindo do Norte. [Recorda-se, neste contexto, que foram estes dois elementos do PAIGC que elaboraram e assinaram o comunicado relacionado com a «Operação Alvor», levada a efeito na península de Gampará e referida em postes anteriores, a propósito da morte do Cmdt Rui Djassi «Faincam», em 24 de Abril de 1964].

Claro que proponho estes 2 camaradas porque não tenho cá alguém capaz de tomar essa responsabilidade sem serem eles. […]


3.1 - A RESPOSTA DE ARISTIDES PEREIRA RELACIONADA COM A MORTE DE GUERRA MENDES E A SUA SUBSTITUIÇÃO


Conacri, 28 de Fevereiro de 1965

Caro camarada Nino,

Recebemos a tua carta de 16 do corrente [Fev1965], tendo que lamentar a perda dos camaradas, nomeadamente do responsável Guerra Mendes [Jaime Silva]. Infelizmente a nossa luta tem de ser assim, mas lamentamos ainda mais quando temos perdas desse género devido a erros nossos. Por exemplo, há quanto tempo vimos dizendo ao camarada Guerra para deixar Antuane e seguir para o seu posto – Quinara!... Sugerimos mesmo suprimir a base de Antuane, mas tudo debalde, até chegar a esse puro azar, visto ter sido resultado de bombardeamento. Enfim, importa é que tiremos sempre lições, amargas sim, de casos como este e que suportemos as responsabilidades que sempre aumentam quando faltam-nos um elemento como este infeliz camarada responsável.

Em relação a um camarada a enviar para Quinara, achamos que dos nomes que propões, qualquer dos camaradas parecem capazes de dar conta do recado. Assim, tu é que podes melhor ver o que mais convém. No entanto, se o Secretário-Geral tiver qualquer modificação a fazer, dir-to-emos depois. Assim, talvez mandares um dos camaradas Seco ou Arafan, mas a título provisório, para confirmar depois. […]

Saúde e bom trabalho. Saudações, as melhores do camarada de sempre, Aristides.



Citação: (1965), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35310 (2019-5), com a devida vénia.

Fonte: Casa Comum; Fundação Mário Soares. Pasta: 04618.082.032. Assunto: Lamenta a perda dos camaradas, nomeadamente do responsável Guerra Mendes. Remetente: Aristides Pereira. Destinatário: Nino Vieira. Data: Domingo, 28 de Fevereiro de 1965. Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada (de Amílcar Cabral, Aristides Pereira e Luís Cabral para os Responsáveis da Zona Sul e Leste). Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.

4. 'GUERRA MENDES' [JAIME SILVA] – HERÓI DA PÁTRIA

Hoje, o nome de Guerra Mendes [Jaime Silva], enquanto Herói da Pátria Guineense, faz parte da toponímia de "Bissau-Antigo", cuja localização se indica nos dois mapas abaixo.



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Fontes consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); pp 313-314.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); p 113.


Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

28Jun2019
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Nota do editor:

Último poste da série >  25 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19918: (D)o outro lado do combate (51): a morte de Jaime Silva ("Guerra Mendes"), na versão de Bobo Keita

Vd. também:

25 de Junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19917: (D)o outro lado combate (50): a morte de 'Guerra Mendes' (Jaime Silva) em Bulel Samba, Buba, em 14 de fevereiro de 1965, na Op Gira - Parte I (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P19943: (Ex)citações (353): Uma achega referida à circunstância da morte em combate de Guerra Mendes, comandante do PAIGC (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703 / BCAV 705)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) com data de 1 de Julho de 2019, com uma achega à circunstância da morte de Guerra Mendes:

Citação: (1963-1973), "Jaime Silva (Guerra Mendes)", CasaComum.org, Disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43473 (2019-4), com a devida vénia.


Uma achega referida à circunstância da morte em combate de Guerra Mendes, comandante do PAIGC

Os ventos semeados pela História transformaram a Guiné em filial do inferno, os combatentes (dos dois campos) em seus diabos, mas as suas tempestades sobraram para o Povo bissau-guineense… 

A carta de Nino Vieira à sua hierarquia contém a evidência que levou o Jorge Araújo, no seu labor, a comunicar que o Comandante Guerra Mendes morreu em 14 de Fevereiro de 1965, na região de Buba/Antuane, no decurso da “Operação Gira”, manobrada pela CCav 702, o Pel Rec Fox 888, o Pel Mort 979 e a CCS do BCaç 513.

Naquele tempo e durante um ano, o BCav 705, aquartelado no Forte da Amura, esteve de reserva às ordens do Comando-Chefe, que investiu a valente malta da sua CCav 702 nessa operação, enquanto investia a sua CCav 703 a nomadizar em Cufar e, durante 65 dias, dormimos no chão, alimentámo-nos de rações de combate e andámos aos tiros com o Saturnino Costa, o Nino Vieira e a sua malta.

Se a memória não me engana (já lá vão mais de 50 anos!), em 10 e 11 de Abril desse ano, nós, a CCav 703 andámos de intervenção naquela região, na “Operação Faena”, em interacção com os Comandos "Os Fantasmas", o Destacamento de Fuzileiros 7, a CCaç 594, o Pel Rec Fox 888 e o Grupo de Milícia do João Bacar, com o apoio duma parelha de aviões de combate T6.

Nesta operação passámos 48 horas, “non stop” ou H24, como diz a malta da Força Aérea, num inferno de tiros e rebentamentos com os endiabrados Nino Vieira, Quebo Mané e a sua malta.

O Pelotão de Reconhecimento Fox 888 operava com a auto-metralhadora Fox “Simone” (de Oliveira) e com o granadeiro Whait e, em conversa com a sua malta, tenho a ideia que tinham abatido o Guerra Mendes (filho) e, duas horas depois, o Guerra Mendes (pai), que tentou vingar a morte do filho com uma granada em cada mão. Ou foi nessa operação ou na anterior.

Bobo Quetá diz que ele(s) eram de Bissau e como ele e o Nino Vieira não cultivavam o rigor pela verdade dos factos, perfilho a versão daquela malta, fã da “Simone”…
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Notas do editor

Vd. poste de 25 de Junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19917: (D)o outro lado combate (50): a morte de 'Guerra Mendes' (Jaime Silva) em Bulel Samba, Buba, em 14 de fevereiro de 1965, na Op Gira - Parte I (Jorge Araújo)

Último poste da série de2 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19736: (Ex)citações (352): In illo tempore, o Alferes José Cravidão, no CISMI de Tavira (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

Guiné 61/74 - P19942: Historiografia da presença portuguesa em África (166): Teixeira Pinto e as operações na ilha de Bissau, 1915 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Setembro de 2018:

Queridos amigos,
Para os historiadores, nomeadamente para quem trabalha no período chamado de pacificação e ocupação da Guiné, é documento incontornável, o Capitão João Teixeira Pinto dá conta das escolhas a que procedeu para encontrar tropas auxiliares, enumera os seus colaboradores próximos, a Operação do Oio, sobre o Oio e sobre os Papéis do Churo, que antecederam a campanha de Bissau, aqui minuciosamente descrita. Teixeira Pinto era profundamente detestado por uma ala militar e pela Liga Guineense, é lastimável não possuirmos as peças concludentes que iluminem todo este processo que levou ao afastamento do capitão, que mais tarde viu o seu nome ressarcido. Uma das queixas foi a brutalidade exercida, os troféus de guerra e as pilhagens dos irregulares. Abdul Indjai saiu altamente beneficiado, é nomeado régulo do Oio, e depois perseguido, acusado das piores infâmias. Mamadu Sissé sairá pela porta triunfal, o seu nome é apresentado ao longo de décadas como o símbolo da lealdade guineense a Portugal.

Um abraço do
Mário


Teixeira Pinto e as operações na ilha de Bissau, 1915 (2)

Beja Santos

O relatório que o Capitão Teixeira Pinto dirigiu ao Governador da Guiné, em 1 de setembro de 1915, referente à coluna de operações contra os Papéis e Grumetes revoltados da Ilha de Bissau, é um documento-chave para a compreensão do que foram as últimas operações da chamada pacificação da Guiné continental, em 1915. O documento, em sede dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa, foi reproduzido no Boletim da Sociedade vinte e um anos depois, e tem sido documentado por alguma historiografia. O interesse que lhe conferi foi ver certas correções introduzidas e desenhos das operações, mas na verdade fica-se sem saber se são da autoria do capitão ou de quem ofereceu a cópia à Sociedade de Geografia de Lisboa.

No texto anterior, Teixeira Pinto comenta a derrota do inimigo e a necessidade de se proceder a uma conquista efetiva da Ilha de Bissau. Procede a um balanço:
“Tivemos 3 soldados feridos e nos irregulares 88 baixas, sendo 70 feridos e 18 mortos. Entre os feridos estava a chefe de guerra Mamadu Sissé, que depois de pensado não quis ficar no hospital, continuando à frente da sua gente. Todos se portaram com uma valentia que não há palavras para o poder descrever. Saliento o tenente de guerra que fez o seu batismo de fogo mostrando durante o combate muita energia e muito sangue frio, parecendo mais um guerreiro encarniçado nas guerras africanas do que um novato saído há pouco da Escola de Guerra.
O inimigo atacou com muita valentia e muito convencido pelos massacres que nós sofremos em 1891 e 1894 que eles nos massacraram e que tomariam conta da vila cujas casas comerciais e mulheres eles já tinham dividido entre si.”

Dias depois, começa a marcha sobre o chão Papel, com a seguinte formação:
“Na frente, para desenvolver sobre o alto de Bandim ia o Mamadu Sissé. Em seguida ia Aliburi (filho de Abdul Indjai) para desenvolver à direita dele onde apoiava a sua esquerda e, em seguida, os Futa-Fulas de Alfá Mamadu Seilú com os seus soldados e a metralhadora. Da retaguarda, marchava Abdul Indjai com a sua gente pronta a aparar o ataque do lado de Antula”.

O inimigo rompe fogo, a coluna passou todos os obstáculos e repeliu para além dos altos de Intim e Bandim. “Nesse dia de luta de 1 contra 10, com inimigo bem armado com armas aperfeiçoadas, bastante cartuchame e com a lenda de invencível, cada soldado, cada irregular, cada voluntário foi um herói. Graduados regulares e irregulares portaram-se de tal modo, mostraram tanta energia, tanto sangue frio, desenvolveram tal actividade que não sei descrever o entusiasmo e o reconhecimento que me invadiu quando à tarde estávamos acampados sem se ouvir um tiro no mesmo sítio em que acampou a coluna de 1908, que foi sempre mais ou menos hostilizada pelos inimigos”.

Está a coluna acampada no alto de Bandim há escassos dias, dá-se novo ataque dos Grumetes e Papéis, é repelido. “Durou duas horas o fogo, tendo nós tido 27 feridos e 4 mortos. Nesse dia, prevenia a praça que avançava no dia imediato sobre Antula e que fizessem o bombardeamento de Antula das 8 às 9 horas e que às 9 horas eu romperia a marcha, podendo às 9 e 30 horas atirar alguns tiros de granada sobre as povoações que deixávamos para evitar que viessem na nossa retaguarda”.

Segue-se um auto e na manhã seguinte a coluna prepara-se para uma luta rendidíssima em Antula, considerada pelos Grumetes e Papéis como chão sagrado, o Governo nunca tinha ali ido ao som de guerra.
Segue-se a descrição:
“A coluna levava marchando na frente em atiradores o chefe de guerra Mamadu Sissé com a sua gente apoiada pelo pelotão de soldados e metralhadora. No flanco esquerdo em fila indiana, a gente de Alfá Mamadu Seilú e Cherno Bacar. No flanco direito, também em fila indiana, a gente de Aliburi que apesar de ferido continuou em serviço. Na retaguarda, estendidos em atiradores, parte dos irregulares sob o comando directo de Abdul que marchava no centro com a reserva, pronto a acudir no ponto mais ameaçado. Encontrámos resistência fraquíssima. Papéis e Grumetes que estavam na povoação, depois de algum tiroteio, fugiram quando viram soldados e irregulares carregarem para o assalto. Perseguidos, deixaram bastantes mortos. Não tivemos mortos nem feridos e tínhamos tomado o chão sagrado. Ficou tão limpo de inimigos o território que às 15 horas o 2.º Sargento Vilaça e o voluntário Jorge Karam seguiram para Bissau por terra a levar a feliz nova da tomada de Antula sem mortos ou feridos”.

Dias depois de acampados em Antula, seguem para Cujá, nisto ouve-se forte tiroteio na retaguarda, era um ataque de Grumetes e Papéis. Segue-se até Jaal, com mais ou menos tiroteio, na mata, Grumetes e Papéis faziam uma gritaria ensurdecedora. Carrega sobre o inimigo, debaixo de chuva intensa. Jaal estava abandonada. Na manhã seguinte, o inimigo voltou a fazer fogo sobre o acampamento dos irregulares, carregou sobre o inimigo, foi desalojado. É neste contexto que Teixeira Pinto é ferido, marcha-se para Safim, o capitão entregou o comando ao Tenente Sousa Guerra e recolheu-se à lancha-canhoneira Flecha. Enumeram-se várias escaramuças dias a fio. Dias depois, a coluna progride para Contume e Bor, que foram tomadas. O inimigo ataca o acampamento de Bor, novamente repelido. Bor é cercada, o Tenente Sousa Guerra vai em seu auxílio. Grumetes e Papéis não resistem ao ataque a Cumeré. É neste enquadramento que se dá um episódio marcante. Em meados de julho, o régulo de Tor comunica a Teixeira Pinto que quer entregar armas e espadas. Foram então enviados mensageiros ao régulo do Biombo para que ele mandasse dizer se queria paz ou guerra.

Importa reproduzir na íntegra a prosa de Teixeira Pinto:
“Iniciámos a marcha às dez horas e meia e chegámos a Tor às doze e meia. Encontrámos o rei e os seus grandes sentados debaixo de umas grandes e lindas árvores. É um rapaz novo e simpático. À nossa chegada não estava ainda confirmada a sua nomeação. O povo queria-o, mas o rei de Biombo queria outro, por este não ser inclinado à guerra. Quando chegámos, este apresentou-se como rei e como tal ficou. Tinha junto algumas espingardas e espadas (…) Enviámos ao régulo do Biombo para que ele mandasse dizer se queria paz ou guerra. À noite vieram dois enviados dele trazendo meia dúzia de armas de pedreneira muito escangalhadas, dizendo que o régulo queria paz mas não podia juntar mais armas porque os rapazes as não entregavam. Percebi que era troça e mandei-lhe dizer que no dia seguinte iria para o Biombo e se ele realmente estava em boas condições e não queria guerra, que nos esperasse à entrada da povoação com as armas da sua gente. No dia seguinte, seguimos para lá e à entrada do Biombo estava uma árvore muito grande e grossa a que chamam aqui poilão, do lado da nossa marcha havia um monte de 80 espingardas encimadas por uma bandeira branca.
Do lado oposto estava o régulo com alguns dos seus grandes. Logo à chegada da guarda avançada da coluna e quando estavam a ver umas armas, partiu uma descarga feita pelos Papéis que se achavam emboscados por detrás de um morro de terra cercado por purgueiras, escapando por pouco de ser atingido o chefe de guerra Abdul Indjai. Não esperava semelhante traição e o régulo foi preso. Houve tiroteio rijo que durou até à tarde, tendo nós 17 feridos e 3 mortos. Interrogado o régulo, declarou que ele nunca se submeteria porque ele odiava os brancos, que tinha mandado sempre 500 homens a cada combate que tinha havido e que enquanto ele fosse vivo e houvesse um Papel do Biombo, haviam de fazer guerra ao Governo, e que se morresse e que se no outro mundo encontrasse brancos, que havia de fazer guerra.”

E este importante documento termina assim:
“Permita-me, Senhor Governador, que eu fale dos meus valentes colaboradores para os quais eu não encontro palavras no meu coração de português, nem para exprimir todo o meu reconhecimento pelo valioso serviço prestado à nossa querida Pátria, nem por saber traduzir todo o meu desejo de que lhes fossem dadas recompensas condignas.
Singelamente, descrevi os serviços prestados pelos meus auxiliares e irregulares e voluntários, mas V. Ex.ª decerto com a sua clara inteligência saberá compreender aquilo que a insuficiência da minha pena não soube dizer.
Como resposta àqueles que diziam que em Bissau não queriam que se fizesse a guerra aos Papéis e Grumetes, basta ler as linhas anteriores em que indivíduos e casas comerciais de Bissau cederam gratuitamente os seus barcos e concorreram com dádivas e provas inequívocas de simpatia”.

Régulo Mamadu Sissé, fotografia de Domingos Alvão, o régulo esteve presente na I Exposição Colonial que decorreu no Porto, em 1934.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19920: Historiografia da presença portuguesa em África (164): Teixeira Pinto e as operações na ilha de Bissau, 1915 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19941: O nosso livro de visitas (200): Ana Catarina Tavares, sobrinha-neta do capelão Libório Tavares (, nascido em 1933, em Rabo de Peixe, São Miguel; esteve em Nova Lamego, ao tempo do BCAÇ 2835, 1968/69; foi pároco em Brampton, Toronto, Canadá)


Guiné > Região de Gabu > Setor de Nova Lamego) > Canjadude > CCAÇ 5, "Gatos Pretos" > 1969 > O alf mil capelão Libório Tavares, açoriano, dizendo missa, num altar improvisado. Ajudante, o José Martins, fur mil trms, CCAÇ 5 (Canjadude, 1968/70). É a úncia foto que temos deste capelão , de quem o José Martins faz um humaníssimo retrato (*).

Libório Jacinto Cunha Tavares:

(i) açoriano, nascido em 1933,  na ilha de São Miguel, em Rabo de Peixe;

(ii) frequentou o seminário diocesano da Terceira;

(iii) foi ordenado padre em 1958; esteve em várias paróquias da sua ilha natal, incluindo Rabo de Peixe;  

(iv) com  35/36 anos, foi capelão no CTIG, de 17/1/1968 a 10/12/1969, em Nova Lamego, no leste da Guiné [, como tudo iudica, no BCAÇ 2835:  mobilizado pelo RI 15, esta unidade partiu para a Guiné em 17/1/1968 e regressou a 4/12/1969; esteve em Bissau e Nova Lamego; comandantes: ten cor inf Esteves Correia, maj inf Cristiano Henrique da Silveira e Lorena, e ten cor inf Manuel Maria Pimentel Bastos; foi rendido pelo BCAÇ 2893 (1969/71)]:

(v) emigrou para o Canadá, foi pároco da igreja católica de Santa Maria, em Brampton, durante 26 anos, lugar que é hoje ocupado pelo seu sobrinho e afilhado, o padre Libório Amaral, nascido em 1963;

(vi) em 2016,  reformado, vivia  em Brampton, cidade suburbana da área metropolitana de Toronto, província de Ontario, Canadá:

(vii)  é muito conhecido de (e estimado por)  aa comunidade portuguesa e açoriana de Toronto, é foi considerado um dos principais animadores da tradição da multissecular festa do Senhor Santo Cristo 

(viii) a  ser vivo hoje, como esperamos, estará com 85/86 anos.

Foto (e legenda): © José Martins (2006). Todos os direitos reservados [Ediçaõ e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Ana Catarina Tavares:

Data: segunda, 1/07/2019, 19:58

Assunto: Padre Libório Tavares

Boa tarde,

Foi com muita felicidade e gozo que li a sua história sobre o padre Libório, meu tio avô! A forma como descreveu as histórias dele fizeram-me imaginar o ar e trejeitos dele! Até mesmo a forma de falar!

Muitos cumprimentos,

Catarina Tavares (**)


2. Resposta do editor LG, com cinhecimento do José Martins:

Ana: Obrigado pela gentileza do seu comentário... Espero que o tio-avô ainda esteja vivo e de boa saúde...

Vou dar conhecimento ao José Martins, que o conheceu bem... no teatro de operações da Guiné.  (*)

Gistaria que ele ainda se pudesse juntar a esta comunidade virtual dos anigos e camaradas da Guiné, a Tabanca Grande, partilhando connosco as suas memórias de Nova Lamego, como capelão do BCAÇ 2835 (1968/69).


3. Comentários ao poste P 16638 (*)

(i) Tabanca Grande Luís Graça;

Zé, onde foste arranjar o raio da alcunha de "capelini" para o capelão ?... "Capellini" (com dois l) é uma massa italiana, fina e longa, tipo aletria.... Ab. LG

25 de outubro de 2016 às 13:30 

(ii) José Marcelino Martins:

Caro Luis

Agora que colocas a "questão", sinceramente já não me lembro. Sei que criamos uma amizade forte e, sempre que ia a Nova Lamego não deixava de o procurar e conversar com ele. Como quando cheguei, ainda estive cerca de um mês e pouco em Nova Lamego, tínhamos encontro marcado, sempre ao fim da tarde,  e ajudava-o na missa que celebrava ao fim do dia, na Igreja local.

Talvez seja a "italianização" da palavra Capelão. Ab

25 de outubro de 2016 às 14:42 

(iii) Carlos M. Pereira:

Quanto mais leio este blog, e leio-o diariamente, mais fico desapontado com a qualidade dos oficiais e menos me admiro com o desfecho da guerra. Então os nossos alferes faltavam à parada da guarda e depois eram "absolvidos" por influência do sr capelão ?!... Claro que a partir daqui valia tudo. A indisciplina realmente era muita. E sem disciplina não há organização que se aguente,  muito mais se se tratar de forças armadas, vulgarmente designadas por tropa.

O termo capelini já em 68 o ouvi em Angola. Cumprimentos,

Carlos M.Pereira

25 de outubro de 2016 às 16:07

(iv) Tabanca Grande Luís Graça:

Zé: o equivalente a capelão, em italiano, é "cappellano" (no plural, "cappellani")... Mas não está mal, "capelini" ou "capellini" será uma forma, jocosa mas sem ser grosseira, brincalhona, de tratar o capelão na caserna... Antes de ser um oficial, um militar, ele é um sacerdote católico, apostólico , romano... Na tropa (e na guerra) havia outras cumplicidades que não era possível ter na vida civil... O próprio capelão sentia necessidade de "descer do altar" para estar mais próximos dos seus "rapazes"... E, embora de formação católica, muitos de nós, sobretudo os milicianos, já éramos "ovelhas ranhosas" ou já estávamos fora do rebanho...
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16638: Os nossos capelães (6): Libório [Jacinto Cunha] Tavares, o meu Capelini, capelão dos "Gatos Negros", açoriano de São Miguel, vive hoje, reformado, em Brampton, AM Toronto, província de Ontario, Canadá (José Martins, ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70)

Guiné 61/74 - P19940: Parabéns a você (1648): António Graça Nobre, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2464 (Guiné, 1969/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19934: Parabéns a você (1647): Silvério Lobo, ex-Soldado Mec Auto do BCAÇ 3852 (Guiné, 1971/73)