sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20371: Notas de leitura (1238): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (33) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
Os ventos não sopram de feição para as unidades do BCAV 490, há um acréscimo de luta e da minha parte procuro contextualizar o que o bardo regista em verso. Confesso ser um dos aspetos mais estimulantes aqui do meu trabalho, andar a pinçar as diretivas e as instruções correspondentes a este período, e não escondo a surpresa de encontrar comprovativos de que os Altos Comandos, com os recursos disponíveis, procuravam firmar o dispositivo, ser ofensivos na manobra, proteger as populações, fazer ação psicológica; acontece que o PAIGC estava numa alta, consolidara posições na região Sul, em zonas do Corubal, possuía um bastião no Morés, havia largas manchas de floresta onde se concentrava a sua população fiel, e o seu armamento melhorava de dia para dia.
É ponto assente que uma guerra de guerrilhas se define pela desigualdade na presença dos contendores, um tem posições fixas, vive entrincheirado, patrulha ou nomadiza, precisa de reforços e às vezes de forças especiais para tentar desinquietar quem lhe é hostil; o guerrilheiro prima pela maleabilidade, dissimula os seus armazéns e armamento, por vezes distantes das suas casas de mato, espalha minas e a muito mais procede para aterrorizar quem vive nos campos entrincheirados.
O período em análise é a guerra das posições, ver-se-á adiante numa importante diretiva de Arnaldo Schulz, de 1966, de que há poucas ilusões de que aquele inimigo possa ser abafado ou anulado. Muito ainda há a estudar para nos aproximarmos com rigor da verdade histórica do que foram aqueles anos de que mais tarde Spínola dirá cobras e lagartos.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (33)

Beja Santos

“Foi ferido o Capitão Arrabaça,
Alferes Mota se atingiu
Inácio numa emboscada
com 7 colegas se feriu.

O sofrimento a continuar,
não sei até quando será,
temos 15 meses já
e não deixamos de penar.
Sorte tem quem escapar
de tudo o que cá se passa.
O inimigo ameaça
as nossas Companhias.
Ainda há bem poucos dias
foi ferido o Capitão Arrabaça.

Só nos pensam em matar,
fazem grandes espionagens,
não passam de uns selvagens
que nos querem desgraçar.
Emboscadas nos vêm armar,
como isto nunca se viu.
Um dia, um ataque surgiu,
ficando pouca gente mal
e junto a outro oficial
Alferes Mota se atingiu.

Foi-se ao mato novamente
e mais uma coisa ruim:
feriu-se o amigo Clarim
e junto a ele muita gente.
O inimigo estava à frente,
jogando muita rajada.
O Maneta, com uma granada
um ferimento grave fez;
e atingiu-se a primeira vez
Inácio numa emboscada.

No Batalhão de Cavalaria,
o Chicha, um homem valente,
oferecendo-se, voluntariamente,
muitas escoltas fazia.
Não era desta Companhia
mas há tempos cá adiu
o azar o perseguiu
e ao 70 também;
e o 16 em Jumbembem
com 7 colegas se feriu”.

********************

Estamos num período em que o bardo repertoria sucessivas penas, acidentes, feridas e feridos. O contexto em que tudo isto decorre não nos deve deixar indiferentes, já aqui se registou diretivas de dois comandantes-chefes, ordens de operações, o que se pretendia fazer na ação psicológica, sabe-se bem o papel desempenhado pelo BCAV 490 na Operação Tridente, consultada a documentação da Resenha Histórico-Militar sabe-se que os Altos Comandos não descuraram as regras em que devia assentar a autodefesa das populações, por vezes escrevem-se coisas curiosas, como esta, por exemplo:
“Para se compreender a atitude dos Fulas face à subversão, é necessário salientar que sempre se julgaram superiores aos outros povos da Província. Com o início do terrorismo, os Fulas sentiram um desabamento. Os seus régulos e cipaios, que dominavam em ‘chão’ alheio, acharam-se, de um momento para o outro, atacados, chegando muitos a serem as primeiras vítimas dos terroristas. Colocaram-se logo no início ao lado das autoridades. Com a evolução da luta armada, observa-se uma franca colaboração com as autoridades”.
E repertoriam-se as diferentes ações em que os Fulas procuraram combater os independentistas, logo em março de 1963, no mato de Catió. O governo de Salazar terá verificado da necessidade de dar armas à população, e assim em abril de 1963 o Secretário-Geral da Defesa Nacional propunha “por tabanca”, promover a criação de uma milícia sob a autoridade de um chefe respeitado pela população e o seu armamento deveria permitir-lhes que não se inferiorizassem perante o inimigo. E daí as instruções para a autodefesa das populações, preocupação que jamais abandonará as diretivas dos comandantes-chefes para os seus subordinados. O Brigadeiro Louro de Sousa redigiu com clareza as medidas a tomar no final do ano de 1963: continuar as ações no Oio e a vigiar os fluxos desta região; fechar a fronteira Sul; estabelecer um tampão na parte final do rio Geba; ocupar-se Gadamael Porto por uma Companhia, precedida esta de um desembarque de fuzileiros especiais; e ocupar as ilhas do Como.

Insista-se que enquanto decorre a batalha do Como, na península de Quitafine irá decorrer o chamado Congresso de Cassacá, tomam-se decisões fundamentais na organização, o ano militar irá superar de feição para os nacionalistas, melhorará o seu material militar, crescerá o número de efetivos a combater. O Brigadeiro Louro de Sousa anuncia em 2 de janeiro do ano seguinte o crescimento das forças terrestres, não obstante a presença do PAIGC no interior do território guineense passou a ser uma realidade. As populações à volta de Guilege deram a saber que tinham decidido ficar, o destacamento foi reforçado. A ocupação de Guilege, Cumbijã e Ganturé moralizou as populações. O PAIGC quando não tem apoio dos chefes gentílicos não hesita em ameaçar. Nicolau Correia, do PAIGC, enviou ao régulo do Cuor, Malan Soncó, duas mensagens com conteúdo semelhante, era instado a mandar retirar as tropas de Missirá, caso contrário haveria futuramente um ajuste de contas, nem que demorasse dez anos.
Ainda em janeiro de 1964 foram publicadas instruções para a colaboração dos nativos nas operações militares, enquadra-se os módulos da instrução e dão-se indicações para remunerações e subvenções.
Estava dado o ponto de partida para a africanização da guerra.

Arnaldo Schulz é o substituto de Louro de Sousa, chega à Guiné em 21 de maio de 1964, remexe no dispositivo, cria-se um batalhão de reserva do Comandante-Chefe, há três Comandantes de Agrupamento localizados em Mansoa, Bafatá e Bolama. Cada agrupamento era constituído por três batalhões. Bula, Farim, Mansoa, Fá Mandinga, Bafatá, Nova Lamego, Tite, Buba e Catió são as sedes militares mais importantes das forças terrestres.
Dá vontade de recuar um pouco até ao passado, dar voz a um militar, neste caso a um furriel de armas pesadas de nome Joaquim Fernando Santos Oliveira que chegou a Bissau no dia 19 de setembro de 1964 e que em 2019 publicou as suas recordações no livro “A Guiné no meu tempo”, Chiado Books, 2019. Parte para Tite, veio em rendição individual, será integrado no Pelotão Independente de Morteiros 912, que regressará em outubro de 1965. Este pelotão colaborara na Operação Tridente e permanecerá no Como no destacamento de Cachil, Santos Oliveira irá calcorrear um pouco do Sul, andará pelo Enxudé, Tite, e depois cai-lhe na rifa o destacamento de Cachil, irá contar com algum detalhe o ataque do PAIGC com Nino Vieira à frente ao anoitecer de 16 de novembro de 1964, ajudou a contribuir para o desaire dos nacionalistas, como escreve:  
Santos Oliveira
“Na manhã de 17 de novembro, o balanço da flagelação era dantesco. Massa humana do atacante por entre fragmentos de armas, pedaços de armas, a orla da mata tinha recuado de 30 a 40 metros (as palmeiras ou não tinham ramagem ou estavam partidas), apenas um corpo mais ou menos inteiro do elemento inimigo em muito mau estado, uma PPSH e, o mais espantoso, entre três Poilões dispostos em triângulo e que formavam uma espécie de salão inexpugnável (a Morteiros) e que denominávamos enfermaria, um Unimog recolheu duas cargas de ligaduras sanguinolentas e alguns apetrechos médicos”.
Conheceu o futuro capitão João Bacar Djaló em Catió, trocaram cortesias. Dá-nos um repertório de imagens íntimas, por ali perpassam ternura, a vida dos aquartelamentos, não esconde a deceção por faltas de camaradagem e por não ter visto o seu labor militar convenientemente reconhecido.

É tempo de relembrar que em Binta está a CCAÇ 675, liderada pelo Capitão do Quadrado, dependente do BCAV 490, sediado em Farim. Entraram na guerra em turbilhão, quando se lê o diário de JERO, a partir do mês de julho de 1964, são golpes de mão, limpeza de picadas, emboscadas bem-sucedidas, contatos com a população senegalesa, o mês de agosto também se revela imparável, com nomadizações, destruições de casas de mato, participa-se numa operação ao Oio, mas a 5 de agosto o Capitão do Quadrado acidenta-se, é ferido em combate, JERO dá pormenores:
“Apesar de recomendado ao soldado do morteiro para ter cuidado com as árvores de grande copa que ladeavam a estrada, o seu excesso de zelo e ardor combativo levou-o a disparar a morteirada com tal precipitação que a granada foi rebentar num ramo alto de uma árvore do lado esquerdo, crivando de estilhaços o lado direito onde se encontrava o nosso capitão e alguns soldados. Encostado ao tronco de uma árvore com a mão no ombro esquerdo, o nosso capitão deixou-se escorregar lentamente para o chão. Um jato de sangue saía em repuxo do local que comprimia com a mão, sem poder evitar um esgarro de dor”.

Segue-se uma descrição de profunda estima, a consternação manifestada na evacuação do comandante de companhia é um belo momento de prosa, como iremos ver.

(continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 15 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20347: Notas de leitura (1236): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (32) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20361: Notas de leitura (1237): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (2): “Tiago Veiga”; Publicações Dom Quixote, 2011 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20370: Fotos à procura de uma... legenda (121): Camaradas artilheiros, quando media, em comprimento, o conjunto Berliet ou Mercedes ou Matador + reboque + obus 14 ou peça 11,4 ?.. 15 metros!... E quanto pesava ? 15 toneladas!... Façam lá o TPC: 9 bocas de fogo, mais 9 rebocadores, mais 9 Unimogs e Whites, mais 300 homens em armas... mais 500 granadas... Qual o comprimento (e o peso= de uma coluna destas, a progredir numa picada, no mato, de Piche, a caminho da fronteira, "Acção Mabecos", 22-24 de fevereiro do século passado, numa guerra do outro mundo ?!..



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > "Porto fluvial", no Rio Fulacunda > Montagem de segurança > Um obus 14, rebocado por uma Berliet. Para o que desse e viesse... Mas eram mais de 15 toneladas de aço em movimento... Um conjunto com 15 metros de comprimento...


Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Infografia da emboscada de 22/2/1971, no decurso da Acção Mabecos, que envolveu forças do BCAV 2922, numa operação de escolta e segurança a forças de artilharia no trajecto Amedalai - Sagoiá - Rio Sagoiá - Rio Cimangru [... e não Camongrou] - Piche 4E545 - Rio Nhamprubana. As baixas das NT  (3 mortos, vários feridos graves e ligeiros, 1 desaparecido...) foram todas da CART 3332 que ia na altura na cabeça da coluna.

Mortos nesse dia: 1º cabo at art Justino de Sousa Costa; sold at art Simplício Borges da Mota. sold at art João Peixoto de Araújo. Feridos graves: alf mil at art Art. José Agusto F.F.Rodrigues e sold at art Art. José Augusto S. Faria, mais 3 feridos ligeiros,  todos do 3º Gr Comb da CART 3332. O 1º cabo at art  Duarte Dias Fortunato, capturado pelo IN, foi  liberto depois do 25 de Abril.

Por acidente com uma bazuca, quando se preparavam para participar na Acção Mabecos,  morrerarm também nesse dia, na caserna da CCAV 2749, três militares:  sold at cav Leonel Pinto,  sold at cav Mário da Costa Morgado, e 1º cabo at cav Joaquim António Carregueira Correia (este a caminho do HM 241, em Bissau). Houve vários feridos.

Foto (e legenda): © Domingos Robalo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Gabu > Piche > Acção Mabecos > Rio Campa > 22 de fevereiro de 1971 > "10 segundos antes da emboscada. O 4º pelotão da CART 3332 abrigou -se na mata à direita onde estava postado,"


Guiné > Região de Gabu > Piche > Acção Mabecos > 23 de fevereiro de 1971 > Entre nevoeiro, pó e fumo: bombardeamento matinal, após uma noite dramática, à posição Foulamory (Guiné Conacri)



Guiné > Guiné > Região de Gabu > Piche > Acção Mabecos > 23 de fevereiro de 1971 > Os obuses, no regresso. O cenário é o da emboscada no dia anterior. [As viaturas com as bocas de fogo parecem vir coladas umas às outras no regresso...como se os condutores temessem uma segunda emboscada...Ninguém queria ficar para trás...]



Guiné > Região de Gabu > Piche > Acção Mabecos > 24 de fevereiro de 1971 > "Regresso dos guerreiros a casa (Piche). Empoeirados e tristes e com sede de vingança. A missão 'soube' a derrota"


Notáveis fotos do ex-alferes at art Jorge Carneiro Pinto, CART 3332 (1970/72). Legendas: Eduardo Teixeira Lopes, ex-1º cabo trms, CART 3332 ( Bolama, Piche, Nhacra, Dugal,Fatim, Chgué, 1970/72) Reproduzida. aqui. com a devida vénia- Fonte: "A guerra nunca acaba para quem se bateu em combate": terça-feira, 22 de fevereiro de 2011 > Guiné : Operação Mabecos, 22 de fevereiro de 1971


1. A Berliet Tramagal GBC 8KT CLD tinha as seguintes dimensões : comprimento máximo: 7.28 m - Largura: 2.4 m- Altura: 2.7 m... O peso era uma brutalidade:  8 toneladas (sem carga). A peça rebocada devia ter outro tanto de comprimento... 

Recorde-se que a peça 11.4 é mais comprida do que o obus 14... A viatura devia rebocar outro tanto peso: já não me lembro quanto pesavam aqueles mastodontes... E ainda faltam as granadas: 380, cada um com de 45 quilos mais ou menos (as de obus Agora ponham nove viaturas destas (Berliets ou equivalentes)  a rebocar 9 bocas de fogo, com uma segurança mínima de 30 /40  metros entre cada uma, dava mais de meio de quilómetro (equivalente ao comprimento de 5 campos de futebol)... 

Agora ponham mais 9 Unimogs e Whites - de acordo com o croqui acima reproduzido - além de 4 grupos de combate da CART 2332, 2 Gr Comb da CCAV 2749, 3 secções de milícia (=1 Gr Comb), mais 1 secção de morteiro 81, 3 Pel Art (Sare Bacar, Piche, Canquelifá)...o que dá 10 pelotões x 30 homens = 300 homens em armas...

Não se sabemos se a coluna ia toda motorizada ou  se havia combatentes apeados... Temos no mínimo mais meio quilómetro... Numa picada no mato, com todos os obstáculos que surgem (árvores, curvas, buracos... mesmo sabendo que estamos na época seca), as forças envolvidas na Acção Mabecos quando se deslocavam para o objetivo e foram emboscadas, deviam parecer um cobra gigante  com mais de um quilómetro da cabeça à cauda...300 homens, 9 bocas de fogo (não contundir om os  morteiros 60 e 81...), mais de 400 granadas, cerca de 20 viaturas...

De qualquer modo era uma massa impressionante de homens e aço em movimento, dando até uma falsa sensação de segurança a quem ia, a 3 metros do solo, empoleirado...Mas, ao mesmo tempo, cada homem sente que pode ser um alvo a abater... Eu fiz escolta e segurança a várias colunas logísticas, com dezenas de viaturas, também passei por essa estranha sensação...

2. Recorde-se o que já aqui escrevemos  sobre o Obus 14 cm:

 (...), de origem inglesa, foi recebido em Portugal, em 1943, para equipar as Unidades de Artilharia pesada, substituindo os Obuses 15 cm T.R. m/918 e 15 cm / 30 m/41. O Obus foi concebido para tracção auto exercida pelo camião tractor de 8 ton A.E.C. (Matador) 4x4 MA/46 e pelo camião tractor de 8 ton Magirus – Deutz 4x4 MA78. Serviu operacionalmente nos teatros de guerra da Guiné, Angola e Moçambique, entre 1961 e 1974, tendo sido substituído, em 1987, pelo Obus M114 155mm/23"... O obus 14 pesava mais de 6 toneladas... Cada granada pesava c. 45 kg... Tinha um alcance de c. 15 km... e uma cadência de tiro de 2 granadas por minuto... Tinha uma guarnição de 10 militares... (Fonte: Exército Português).

3. Em bicha de pirilau, ainda era pior: 250 homens (8 grupo de combate  + carregadores e guias), separados de cinco em cinco metros, a progredir no mato, de madrugada, na antiga picada Xime-Ponta do Inglês, toda já coberta de mato, o comprimento da coluna era de cerca de 1300 metros, quando a cabeça caiu numa emboscada em L e a secção da frente foi toda massacrada à "roquetada"...

 A cauda levou com armas pesadas, morteiro 81 e canhão s/ r... O IN teve tempo de sacar as G3 dos mortos e deixou-nos apenas os cadáveres  o que restou deles: tripas, pernas, braços, trocnos, cabeças: 6 mortos, 9 feridos graves... enquanto a "cobra" se recompunha do tremendo fogachal que apanhámos à frente, a meio e atrás... 

Foi a 26 de novembro de 1970, no subsetor do Xime, 4 dias depois da Op Mar Verde.  O senhor major de operações tinha dado um estranho nome, esotérico, ao raio da operação que era para fazer manga de ronco nas hostes inimigas, enquanto o PAIGC lambia as feridas em Conacri: Operação Abencerragem Candente!... 

Teve dedo de cubanos, tal como a emboscada sofrida, 3 meses depois, em Piche, na região do Gabu...Afinal, os nossos "crâneos" não aprendiam nada com os desaires dos vizinhos... Mas quem é que planeia uma operação destas,  a nível de batalhão, num raio de uma guerra como aquela do toque e foge ?!.. .E com os olhos e os ouvidos da população do Xime que tinha "parentes no mato", tal como os de Nhabijões, ali ao lado ? 250  homens dão muito nas vistas...E para mais entrando e saíndo duas vezes no Xime...A segunda saída, por razões de segunda, devia pura e simplesmente ter sido anulada... Mas, não, a obsessão de "fazer ronco", a todo o custo, por parte do comando do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) deu em tragédia...

As grandes vítimas foram os "periquitos" da CART 2715, comandados por um jovem, mas bravo, capitão de artilharia Vitor Manuel Amaro dos Santos, para quem a guerra acabou nesse dia... 

Sei do que falo porque, partindo do meio da coluna, fui dos primeiros camaradas da CCAÇ 12 (que atrás da CART 2715) a chegar à cabeça da coluna, para socorrer os feridos e resgatar os mortos... Ainda hoje tenho pesadelos quando me lembro do raio deste dia 26/11/1970... 

4. Desafio aos leitores: qual o comprimento, de facto, da coluna que progredia de Piche para o Rio Campa, na fronteira, com 9 bocas de fogo e cerca de 400 granadas de artilharia para flagelar Foulamory,   ali em frente ? E quantas toneladas de ferro, aço e carne humana deslocava a coluna ? Quem foi o génio militar que planeou uma operação destas ? (*)


Pelas minhas contas por alto, temos... x quilómetros,  x toneladas... Façam  alguma coisa, façam lá o TPC, camaradas....

PS - Não confundir esta Acção Mabecos com a Op Mabecos Bravios, dois anos antes (retirada de Madina do Boé, que culminou no desastre no Rio Corubal, em Cheche, na manhã de 6 de fevereiro de 1969: 47 mortos, afogados). Há uma diferença entre Acção e Operação... Não sei se existia, na altura, no território da ex-Guiné Portuguesa, o Mabeco (Lycaon pictus, "lobo pintado"), o cão selvagem africano... "A espécie já foi comum em toda a África subsaariana (exceto em áreas de floresta tropical ou densa e zonas desérticas). A sua distribuição geográfica actual limita-se ao sul da África especialmente em Namíbia, Zimbábue, Zâmbia, Botswana e sul da África Oriental na Tanzânia e norte de Moçambique. É uma espécie ameaçada de extinção", diz a Wikipédia...

______________

Nota do editor:

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20369: Tabanca Grande (488): Miguel José Ribeiro da Rocha, ex-Alf Mil Inf.ª da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845 (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70), tertuliano com o número 800 da nossa Tabanca

1. Mensagem do nosso camarada e novo membro da Tabanca Grande, Miguel José Ribeiro da Rocha, ex-Alf Mil Inf.ª da CCAÇ 2367 do BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70), com data de 19 de Novembro de 2019, encaminhada ao nosso Blogue pelo Armando Pires:

Por sugestão do amigo e camarada Armando Pires venho fazer a minha apresentação de adesão ao blogue "Tabanca Grande".

Sou, Miguel José Ribeiro da Rocha, nasci a 13 de Fevereiro de 1944, em Vila Real, Trás-os-Montes, onde vivi até ao ingresso no Serviço Militar.

A 1 de Maio de 1968, com o posto de Alferes Miliciano, embarquei, integrado na CCAÇ 2367 do BCAÇ 2845, no navio Niassa, rumo à Guiné.

O desembarque das tropas efectuou-se a 7 de Maio de 1968 em Bissau.
A minha Companhia, em coluna directa seguiu para o Olossato, onde permaneceu cerca de 11 meses.
Có, Pelundo, Teixeira Pinto e por fim Cacheu, fizeram parte dos cenários de aquartelamento na comissão da nossa Companhia com epílogo em Abril 1970.

********************



Sobre a CCAÇ 2367

Com a devida vénia à Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974)

7.º Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné


********************

2 . Comentário do Editor:

Caro Miguel Rocha, muito bem-vindo à nossa Tabanca, onde te vais sentar num lugar histórico, o 800.º da nossa tertúlia, ou como o Luís gosta de dizer, da sombra do nosso poilão.

Não temos nenhum representante da tua CCAÇ 2367 pelo que assumes a responsabilidade de nos contar a sua história, a começar pela origem do nome "Vampiros" que exibis no vosso crachá.

Do teu Batalhão temos um camarada que em tempos colaborou, e muito, com algumas das suas memórias, o Albino Silva, de Esposende, que foi Soldado Maqueiro da CCS. Penso que o conhecerás pois foi (ainda será?) um elemento muito dinâmico na organização dos Convívios do vosso Batalhão.

Manda as tuas fotos e as tuas memórias para que fiquem ao dispor de quem, no futuro, queira estudar a nossa guerra. A todos nós, antigos combatentes, cabe deixar os meios para que com a maior fiabilidade não deixem morrer a nossa memória.

Em nome dos editores, Luís Graça, Eduardo Magalhães e eu próprio, assim como no da tertúlia, envio-te um abraço e os votos da melhor saúde.

CV
____________

Nota do editor

Último poste da série de 17 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20359: Tabanca Grande (487): Leonel Teixeira, natural da Madeira, luso-americano, Vice-Cônsul, Vice-Consulado de Portugal em Providence, Conselheiro da Diáspora Madeirense para os EUA, ex-alf mil, CCAV 3364 (Ingoré e Cumeré, 1971/73)... Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 799

Guiné 61/74 - P20368: Blogues da nossa blogosfera (115): "A guerra nunca acaba para quem se bateu em combate": o dramático relato da Acção Mabecos, Piche, 22, 23 e 24 de fevereiro de 1971 (texto de Eduardo Lopes; fotos de Jorge Carneiro Pinto, CART 3332, 1970/72)



Guiné > Região de Gabu > Piche > Acção Mabecos >  Rio Campa > 22 de fevereiro de 1971 > "10 segundos antes da emboscada. O 4º pelotão da CART 3332 abrigou -se na mata à direita onde estava postado,


 Guiné > Região de Gabu > Piche > Acção Mabecos > 23 de fevereiro de 1971 > Bombardeamento matinal, após uma noite dramática, entre nevoeiro, pó e fumo, à posição Foulamory (Guiné Conacri)



Guiné > Guiné > Região de Gabu > Piche > Acção Mabecos > 23 de fevereiro de 1971 > Os obuses,   no regresso. O cenário é o  da emboscada no dia anterior


Guiné > Região de Gabu > Piche > Acção Mabecos > 24 de fevereiro de 1971 > "Regresso dos guerreiros a casa (Piche). Empoeirados e tristes e com sede de vingança. A missão 'soube' a derrota"

Fotos do alferes at art Jorge Carneiro PInto, CART  3332  (1970/72). Legendas: Eduardo Lopes. Reproduzidas aqui com a devida vénia....


1. Eduardo Lopes ou Eduardo Teixeira Lopes, ex-1º cabo trms, CART 3332 ( Bolama, Piche, Nhacra, Dugal,Fatim, Chgué, 1970/72)  tem um notável blogue, "A guerra nunca acaba para quem se bateu em combate". Publicaram-se mais de meia centena de postes desde março de 2010 até abril de 2015. Um deles é respeitante à Acção Mabecos, de 22/2/1971. 

Vamos reproduzir, em parte, com a devida vénia e as necessárias adaptações, o seu dramático e emocionante relato desta operação, que decorreu no subsetor de Piche, junto à fronteira, de 22 a 24 de fevereiro de 1971.

 Fica também aqui, além do nosso agradecimento, o  convite para o Eduardo Lopes (bem como o Jorge Carneiro Pinto autor das preciosas fotos acima editadas e reproduzidas) integrar a nossa Tabanca Grande, onde tenos camaradas de todos os períodos da guerra (, de 1961 a 1974), dos três ramos das Forças Armadas e que passaram por todas as regiões e setores do TO da Guiné.



"A guerra nunca acaba para quem se bateu em combate": terça-feira, 22 de fevereiro de 2011 > Guiné : Operação Mabecos, 22 de fevereiro de 1971

Operação Mabecos, segunda feira, 22 de fevereiro de 1971

Ordem de operações nº 1, de 21 de fevereiro de 1971;

Composição das forças: 

(i) 1º,  2º,  3º  e  4º P el / CART 3332.

(ii)  3º e 4º Pel / /CCAV 2749 / BCAV 2922). 

(iii) Duas secções de milícias da CM 249;

(iv) Uma secção de milícias da CM 246, com Morteiro 60, e 30 granadas;

(v) Uma secção Morteiro 81, 30 granadas;

(vi) Artilharia Pesada: 4 peças 11,4 com 160 Granadas, 2 Obus 14, com 100, 3 Obus 14 com 120 ;

(vii)  duas WHITE PEL/REC 2. 

Objectivo: 

Posicionar - se próximo da fronteira, Rio Campa, Junto ao Corubal, e bombardear posições IN na região de Foulamory (Guiné Conacri).

Desenrolar da operação: 

(...) Mas ia ser um dia muito negro e amargo, para estes bravos guerreiros. Nesse dia, depois de ir para o mato, incorporado no 1º Gr Comb / CART 3332 numa manobra de despiste, integrada nos planos da operação Mabecos, regressei e almocei. Já na caserna pequena, (CSS da CART 3332 ) junto à piscina, ouvi rebentamentos dentro do aquartelamento. Com outros camaradas, saltei para a vala e, só depois deste impulso e ouvindo gritos e pessoas a correr, é que admiti que era de facto um acidente. 

Aproximei - me da caserna onde já estavam vários camaradas a prestar socorro e, por entre fumo, gritos e destruição, reparei à entrada, no chão... uma bota com um pé calçado com parte da perna, Um camarada ensanguentado e esbaforido, sai para o exterior sem uma perna. No interior, havia gritos de dor e vultos tombados. 

Enfermeiros e outros que ali se encontravam pediram me para retirar, e assim fiz. Saí dali consternado com o cenário, e como se deve imaginar completamente destroçado com a "derrota" e, sofrimento daquelas vitimas, do 4º  Pelotão da Companhia de Cavalaria 2749 (BCAV 2922). Este, estava nesse dia, destacado para participar na Operação Mabecos. . O seu comandante, alferes at  acv . Luís Alberto Andrade, estava impossibilitado de chefiar, em virtude de uma lesão num joelho, substitui-oo o furriel at cav Carlos Alberto Carvalho, que havia saído da caserna segundos antes, após distribuir rações de combate e saber da operacionalidade da força...Sorte?!. As "sortes" e o azar estavam lançados.

 (...) A Operação Mabecos que tinha começado de manhã às 6:00. Ia ser executada mesmo já atrasada na hora prevista. A força pôs -se em movimento (...)

Conforme o previsto, rumaram ao objectivo. Já próximos, os "piras" do 3º Gr Comb / CART 3332 passam para a testa da coluna. E são vislumbrados à distância negros fardados. Uma consulta rápida para saber se ali havia segurança das nossa tropa..., e não havia...  Há que flanquear a progressão das tropas. Em contínuo e, mal entrados no mato, o IN tenta o assalto. Abre-se a emboscada,que de inesperada e traiçoeira e olhos nos olhos, é sufocante e tremenda. Há que se posicionar fazendo um recuo para se entrincheirar.

(...) Metralha intensa e violenta. Explosões que surpreendem, com fumo e pó que cegam .Tentativa de avanço do IN. Os "piras" do 3º  Gr Comb / CART 3332, defendem, ripostando, como podem a posição.Uma White cai numa cova e fica imobilizada: a metralhadora encrava. A segunda White fica inoperacional, sem ter dado um tiro. Há Unimogues semidestruídos. Feridos: alguns, com gravidade. 

O resto da força tinha ficado fora da linha de fogo. A 1ª secção do 3º Gr Comb já havia pago a factura: 3 mortos e um capturado em virtude da execução do flanqueamento. Anoitecia. O inimigo não abrandava a intensidade do fogo. Os nossos homens ripostavam. 

Entretanto os homens da Artilharia Pesada desengatam as peças de obus das Berlliets e de imediato fazem tiro directo, sobre as copas das árvores em direcção à posição inimiga. E silenciam - na, com mais munições.

A noite vai ser terrivelmente dramática. O inimigo,  "manhoso", vai se aproximar, silencioso, para não ser alvejado. Vai ter oportunidade de assaltar e vandalizar os corpos feridos e, já mortos, do 1º Cabo Costa e dos soldados: Mota e Araújo. Os obuses batem a zona mais próxima com tiro tenso... No terreno os combatentes em trincheiras feitas com as mãos e facas do mato não dormem. 

A manhã que tarda, sabe a poeira, pólvora, e a uma sensação estranha, que só quem viveu a guerra olhos nos olhos, sente. Para todos, era a segunda vez em menos de 15 dias. E ainda havia a lamentável e, dolorosa surpresa. Ninguém sabia, a já contada aqui.... Morte dos nossos 3 heróis e o desaparecimento do 1º Cabo Fortunato. Surpresos, não queriam acreditar.Na acção de recuo posicional e, porque já de noite, não fora dada a falta destes elementos. Assim, era de espanto e derrota o semblante "negro"dos nossos heróis periquitos que juravam vingança....


Relato de 1º Cabo trms inf  Eduardo Lopes, CART 3332 (Guiné, 1970/72)

Fotos de alferes at  art  Jorge Carneiro Pinto, CART 3332 (Guiné, 1970 - 1972)



Um abraço, porque estou comovido. Domingos Robalo, ex Furriel Miliciano Nº 192618/68, do GAC7 / Bissau.

3. Resposta do editor e administrador do blogue, Eduardo Lopes, em 26/10/2011

Domingos: também acabei por ficar comovido com o seu relato que estimo e, agradeço, e que pelo seu conteúdo é subsídio de muito valor para o conhecimento total da Operação e enriquecimento da nossa história e notoriedade do nosso Blogue.

Participei na Operação Mabecos de maneira diferente.Como trms na operacionalidade, passei duas ou três vezes integrado em acções pela Pista de Aviação e, ali, do lado esquerdo, no Campo de Futebol,lá estavam alinhadas as 9 bocas de fogo. No dia da Operação Mabecos fui escalado para saída às 6:00 (+/-). e não deixei de referenciar a imponência das peças alinhadas,e, lá segui em direcção ao Rio Corubal com o 1º grupo de Comb. da CART 3332,  à zona de Sutocó para que,  capinando uma área considerável de mato e árvores, intuisse o IN que seria dali a base de fogos. 

Regressamos ao aquartelamento pelo meio-dia, extenuados, com a missão cumprida.Para mim as acções para esse dia estavam realizadas. Uma escala de quase 12 operadores de rádio quase que que me garantia esse direito.

Mas era um dia de raiva, já contado na história que, emotivamente, acima escrevi.
Ainda no aquartelamento,aquando dos rebentamentos,ficamos apreensivos e ansiosos,fui até ao posto de rádio. onde os operadores "lutavam" contra a electricidade estática que nos deixou sem comunicação. 

Pela noite adentro eram os bombardeamentos dos vossos obuses que nos iam contando as horas à espera do início do dia, para depois, que já com boas condições de sinal, afinal, sabermos que havia três baixas: Cabo,Costa e os Sold. Arújo e Simplício (este natural de Atei, Mondim de Basto, por quem tinha um grande amizade). Que somadas com a três da CCAV 2749 e o desaparecimento do Fortunato, tornavam a manhã radiosa de sol num inferno negro.

Tive a coragem de estar presente quando chegaram as viaturas e nas três mortalhas de ponches camuflados, não consegui verter uma lágrima, a raiva e o desejo de vingança não deixaram. Mais tarde fui beber (não era meu hábito),  perdi as estribeiras, ainda andei à pancada sem razão. Passou - me. Nunca mais bebi whisky ou outras bebidas alcoólicas até ao fim da comissão, e como trms sempre que sa+ia para o mato, além da pistola, levava a G3, dois pares de cartucheiras, 4 granadas, faca do mato, o respectivo Racal, e rações de combate se fosse caso de Operação. Voltamos a ter uma emboscada fatal, mas não estive lá. Será hoje, dia 26 de Outubro, motivo de uma nova edição, aqui no nosso Blogue.

Estou- lhe particularmente grato por se ter apresentado e, pelo oportuno artigo para a nossa história que muito me sensibilizou,  levando-me de volta a Fevereiro de 1971.

Bem Haja. Disponha do blogue sempre que desejar. Grande abraço.
Saudações Artilheiras (...)

[Revisão / adaptação / fixação de texto para efeitos de edição no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné: LG]

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20367: (Ex)citações (262): Acção Mabecos, 22/2/1971: 5 obuses 14.0 cm, 4 peças 11.4 cm, 380 granadas de artilharia pesada (Pel Art Piche, Canquelifá e Sare Bacar) contra Foulamory, 3 meses depois da Op Mar Verde... Mas tudo correu mal... nessa fatídica segunda-feira de Carnaval (Domingos Robalo / Cherno Baldé / Helder Sousa)


Guiné > Região de Gabu > Carta de Piche (1957) > 1/50 mil > Detalhes > Percurso Piche > Amedalai > Sagoia > R Sagoia > R Cimongru > R Nhamprubana. A sudeste dwe Piche ficava a base do PAIGC, Foulamory,na região de Boké, ao alcance, a partir da fronteira, da artilharia portuguesa (peça 11.4 e obus 14).

Infografia: Blogue Luís Graça &  Camaradas da Guiné (2019)


1. Pedi ontem, ao Domingos Robalo, para esclarecer uma dúvida do amigo e colaborador permanente, Cherno Baldé, que vive em Bissau, dúvida essa que ele deixou em comentário ao poste P20364 (*)

Caro amigo Domingos Robalo,

Tenho dificuldades em compreender que uma operação que se passa na secção de Piche, na região de Gabu, a leste, tenha solicitado apoio de artilharia de Saré Bacar, situada no Norte, na região de Bafatá, a nordeste de Contuboel, tendo outros aquartelamentos relativamente mais perto e também com artilharia, casos de Canquelifá, Pirada, e penso que Paunca também. 

Faço esta questão, todavia, sem saber exactamente, qual foi o trajecto seguido durante a tal operação. Pareceu-me estranha esta informação, a não ser que haja outra tabanca com o mesmo nome.

Abraços,

Cherno Baldé

19 de novembro de 2019 às 17:49


2. Resposta do Domingos Robalo (*)

Caro Cherno Baldé, viva.

Com as minhas saudações dirigidas a si, saúdo, também, esse belo povo Guineense com quem tive oportunidade de conviver, uma vez que os homens que tive a honra de comandar eram do recrutamento do Território.

Vinte e quatro meses de comissão, sempre rodeado de militares Guineenses,  foram para mim uma aprendizagem de vida que nunca esquecerei. Através do Luís Graça, colocou uma questão, que, cinquenta anos volvidos, não têm resposta imediata, pelo que tive necessidade de confirmar o que passo a comentar.

A operação [ou Acção] Mabecos, executada a partir de Piche, tinha como objecto a retaliação com fogo de artilharia [, à base IN de Foulamory, na região fronteiriça]. Os obuses adequados e definidos para a operação eram os de 14 cm [, Saré Bacar e Canquelifá, não me recordando se havia peças de 11,4 cm, com maior alcance. [, Sim, havia as de PIche.]

Então, convocaram-se os Pelotões de Artilharia de Saré Bacar, com 3 obuses 14,0; Canquelifá com 2 obuses [,14,0] e o pelotão reforçado de Piche, com 4 obuses [, peças 11.4][. Bajocunda e Pirada tinham obuses 10,5 cm, não sendo adequados à Operação.

Embora Sare Bacar fosse "longe" de Piche, estas foram as decisões, de ordem operacional e logística, que o Comando Operacional Territorial tomou. Por curiosidade, posso referir que o alferes, comandante do Pelotão de Sare Bacar, participante na operação,  era sobrinho directo do então Ministro do Exército [ , Horácio José de Sá Viana Rebelo, 1910-1995], tendo tido eu um outro camarada de artilharia, colocado em Catió, que era filho de um dos deputados à Assembleia Nacional, cujo pai veio a falecer com a queda de um héli junto a Mansoa, na sequência da visita que um grupo de deputados fazia a território Guineense.

Aproveitando esta comunicação: em Maio de 2017 estive num encontro de confraternização com combatentes na Guiné, em que tive a honra de partilhar ideias com o Sr. Embaixador da Guiné-Bissau, em Lisboa, o Sr. Hélder Jorge Vaz Gomes Lopes, que simpaticamente aceitou o convite que lhe tinha sido endereçado.

Uma outra nota de registo, no tempo em que estive na Guiné (1969/1971),  os militares que visitavam as mesquitas, deixavam à porta as botas e as espingardas G3, em sinal de respeito, não só pelos crentes como pela religião que estes professavam. Claro, que nem sempre terá sido assim.

Esperando ter ido ao encontro da sua expectativa atrevo-me a perguntar-lhe se está vivendo na Guiné.

Com um abraço de amizade, fico ao dispor

Domingos Robalo

(combatente e defensor do povo Guineense)

3. Comentários adicional do editor LG:

A Acção Mabecos, em 22/2/1971, destinou-se a escoltar e montar segurança a forças de artilharia, vindas de Piche (4 peças 11,4), Sare Bacar (3 obuses 14) e Canquelifá (2 obuses 14), e que iam fazer barragem de artilharia junto à fronteira, nas proximidades do Rio Nhamprubana, afluente do Rio Coli que divide os dois territórios... O objetivo era atacar ou flagelar a base do PAIGC, em Foulamory, na região de Boké, a sudeste de Piche.

O Pel Art de Sare Bacar, com 3 obuses 14 (longo alcance) vieram de propósito para esta ação, desde a fronteira com o Senegal, via Contuboel, Bafatá, Nova Lamego... Como o Hélder Sousa, que estava lá em Piche nesta altura, houve uma série de contratempos, que inviabilizaram a Acção... E não foi apenas a emboscada, retomaremos o assunto num próximo poste.

De acordo com a carta de Piche (1957), não havia nenhuma povoação com o nome "Sare Bacar"... Os de Sare Bacar, e os de Canquelifá, os Pel Art (Pelotões de Artilharia) é que vieram dar uma ajudinha ao subsetor de Piche... Há assim, à saída de Piche uma tabanca chamada Amedalai, topónimo vulgar na Guiné.

Veja-se o extenso esclarecimento prestado pelo Hélder Sousa (*).

Sobre a Acção Mabecos, sabemos qual era a Ordem de operações (nº 1, 21 de fevereiro de 1971):

Composição das forças;

(i)  CART 3332, a 4 pelotões;

(ii)  3º e 4º Pel / CCAV 2749 ( BCAV 2922);

(iii) 2 Secções de milícias da CM 249;

(iv) 1 Secção de milícias da CM  246, com Morteiro 60, com 30 granadas;

(v) 1 Secção Morteiro 81 - 30 granadas;

(vi) Artilharia Pesada,  4 peças 11,4 com 160 Granadas (Pel Art Piche); 2 Obuses 14 com 100 (Pel Art Canquelifá); e  3 Obuses 14 com 120 granadas;

(vii) 2 PEL/REC 2 Chaimites.

,,, Mas tudo correu mal. Há dias assim em todas as guerras (**).
_____________

(**) Último poste da série > 29 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20285: (Ex)citações (361): Do meu amigo Zé Saúde, com quem estive estes anos todos sem falar da guerra, até ao segredo dos 'Asas Brancas' de Contuboel (Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74)

Guiné 61/74 - P20366: Historiografia da presença portuguesa em África (187): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (3): "Racismos, Das Cruzadas ao Seculo XX", por Francisco Bethencourt (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
Quando “Racismos” apareceu em finais de 2015, o professor Diogo Ramada Curto escreveu “Um marco da historiografia portuguesa. Um grande livro que revela uma maturidade excecional, única no caso de um historiador português”. Francisco Bethencourt é autor da primeira história do racismo, das Cruzadas ao século XX. O seu enfoque não está centrado, como o do professor Charles Boxer nas relações raciais no império português, é muitíssimo mais abrangente, abarcará as Cruzadas, os encontros entre povos decorrente dos Descobrimentos, as sociedades coloniais, as teorias de raça e a emergência dos nacionalismos até chegarmos aos fenómenos mais insidiosos, como o nazismo.
A pretexto da pureza de sangue, da casta, da religião, temos aqui uma longa e dolorosa viagem com matanças, escravidão, imolações, genocídios, tráfico de seres humanos, espezinhamento de direitos. Isto para sublinhar que o colonialismo e as sociedades coloniais, na sua amplitude, são uma das dimensões do racismo.
O que se passou no pós-guerra, com a ascensão dos nacionalismos e o clamor pela libertação do jugo colonial deve ser encarado como a reposição da identidade nacional, mesmo sabendo-se, no caso de África e da Ásia, que muitos novos Estados não tinham a configuração de nações, e no seu interior mantiveram-se (e nalguns casos mantém-se) tremendos conflitos interétnicos.

Um abraço do
Mário


A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (3)

Beja Santos

Entendamo-nos: não há uma modalidade única de racismo, daí ser completamente inútil procurar comparar as práticas de racialidade no nosso colonialismo multisecular com outras práticas de outras potências coloniais. A obra monumental intitulada “Racismos, Das Cruzadas ao Século XX”, por Francisco Bethencourt, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2015, é um completo guia para analisar a teoria das raças, o conceito de racismo num arco histórico que vai desde a Idade Média ao nosso tempo, e nos diferentes continentes. Como observa o historiador português que é titular da cátedra Charles Boxer de História no King’s College de Londres, a discriminação e os preconceitos vêm de muito longe, atenda-se ao que sabemos da Antiguidade Clássica, dos povos bárbaros que invadiram a Europa Ocidental, dos muçulmanos, do que ocorreu na Reconquista Cristã, o tratamento dado a judeus ou a ciganos.

A exploração oceânica trouxe mais conhecimentos e basta ver as representações dadas por cartógrafos ou artistas através de imagens dos povos do mundo conhecido para se sentir claramente que havia hierarquias, categorizações, gente que se dava como superior e que subjugava a gente dada como inferior, em tantos casos os despojos das conquistas.

Francisco Bethencourt
Francisco Bethencourt lembra-nos o príncipe jalofo Bemoim que governava um território próximo da foz do rio Senegal, onde os portugueses comerciavam escravos e ouro, o príncipe foi deposto em 1488, e partiu para Lisboa, em busca de ajuda militar junto de D. João II. Foi recebido com honras de Estado, Bemoim era muçulmano, decidiu que seria convertido ao cristianismo, partiu para recuperar o seu domínio com 20 caravelas comandadas por Pêro Vaz da Cunha. Ao chegarem à foz do rio Senegal, por razão ainda não hoje compreensível, o capitão português mandou matar Bemoim e regressou a Lisboa, o capitão reprovado com veemência, mas o temível monarca não mandou castigar o capitão. O que esta história revela é a força do preconceito étnico. Está hoje bem estudado o projeto político que acompanhou esta aventura dos Descobrimentos, havia necessidade de alianças em África, elas materializaram-se no Congo, em finais da década de 1480, início da de 1490.

Lembra-nos o autor que Duarte Barbosa, feitor do rei português na costa de Malabar, descreveu pela primeira vez o sistema de castas em termos europeus, entre 1512 e 1515.
E escreve:  
“Os clérigos das dioceses portuguesas do Estado da Índia receavam o impacto do sistema de castas nas relações entre hindus e a comunidade cristã, já que os convertidos eram considerados inferiores às castas mais honradas, pois eles tinham de se misturar com indivíduos de diferentes origens. As resoluções do sínodo de Goa proibiam os cristãos de alimentar os indianos contra a sua vontade. O princípio indiano de hierarquia, por oposição ao princípio cristão e muçulmano de igualdade entre os crentes levantaria a questão no seio das comunidades cristãs na Índia suscetíveis ao conceito de pureza”.
E, mais adiante:  
“O conceito português de casta, aplicado ao sistema social indiano, disseminou-se, durante os séculos XVII e XVIII, pelo trabalho de autores franceses, holandeses e ingleses. O conceito de pureza e impureza era expresso através da descrição das fórmulas estabelecidas de tratamento dos alimentos, bem como da sua confeção e apresentação às castas mais elevadas”.
Esta impressionante investigação abarca a perceção europeia da China e do Japão, e voltando à Europa somos confrontados com a questão dos cristãos-novos e de novo com a pureza de sangue, a condição judaica. E assim chegamos às sociedades coloniais e as suas classificações étnicas. Bethencourt fala-nos dessa classificação em África, verifica-se que a taxonomia andava muito próxima nos vocabulários espanhol e português, e que os holandeses no golfo da Guiné adaptaram as anteriores práticas portuguesas no terreno.

Mais adiante, no capítulo que dedica às sociedades coloniais em África, o historiador dá-nos um apontamento de muita utilidade para entender o colonialismo português:
“Os portugueses viviam acima de tudo em portos ou em enclaves onde comerciavam escravos ou ouro, como por exemplo, na Mina, na Costa do Ouro do Golfo da Guiné. Em cada entreposto residia um número limitado de brancos, os quais estabeleciam uniões mistas e tinham filhos com nativas, mas estes descendentes eram reabsorvidos pela sociedade nativa local, pois não existia uma verdadeira colónia de dimensões mínimas. Na África Ocidental, na região dos rios da Guiné, muitas centenas de portugueses conhecidos como lançados ou tangomaus instalaram-se nas comunidades locais. Os tangomaus introduziram-se nas chefaturas locais e desempenharam um papel importante como mediadores entre as potências africanas e a portuguesa.
Nas últimas décadas do século XV criou-se uma sociedade colonial nas ilhas de Cabo Verde. Durante quase dois séculos, as ilhas funcionaram como plataforma para o comércio negreiro a partir da África Ocidental. Em 1582 viviam cerca de 16 mil pessoas nas ilhas, sendo a sua grande maioria escravos (87% da população total). Brancos e mulatos viviam lado a lado num curioso agrupamento de 1600 ‘vizinhos’, havendo já 400 negros livres casados e provavelmente menos de 200 brancos. Em 1731, os escravos representavam apenas 15% da população; a maior parte dos habitantes eram indivíduos livres de raça mista e negros”.

No prosseguimento de uma investigação tão gigantesca como esta, Bethencourt analisa os projetos e as políticas das principais potências coloniais, os modos de discriminação e segregação e envolve-se nas teorias da raça, uma matéria que é verdadeiramente fascinante para nos ajudar a compreender aquilo que se chamou racialidade científica e depois o arianismo forjado pelos ideólogos nazis.
Nas conclusões, Bethencourt dá como comprovado que o racismo foi motivado historicamente por projetos políticos e falando dos dias de hoje, deixa-nos uma importante chamada de atenção:
“A norma do comportamento antirracista prevalece agora na maior parte do mundo. Todavia, o racismo não desapareceu. Abandonou, isso sim, a reivindicação de diferenças físicas, substituindo-as pela incapacidade cultural. A migração não é criticada com argumentos físicos, mas sim através da ideia de atraso cultural e de incapacidade de adaptação. O argumento da inferioridade foi abandonado no debate político; agora, os imigrantes são acusados de desfrutarem de assistência social que não foi criada para eles. Continua a haver disputas sobre a identidade e exclusão; os critérios para a atribuição da cidadania são ainda a principal ferramenta para definir a pertença. Não obstante, as identidades nem sempre coincidem com a cidadania formal, já que as formas informais de discriminação podem ser extremamente poderosas sem enquadramentos institucionais ou a sua aplicação estatal. Sem este o estado da discussão no mundo ocidental, isso não quer dizer que os velhos problemas tenham sido resolvidos, quer aí, quer em qualquer outra parte. A violência diária entre etnias continua a ser visível em diferentes partes do mundo, tal como o são a escravatura e a escravidão, frequentemente baseadas nos preconceitos relacionados com a descendência étnica. Em resumo, é preciso ainda percorrer um longo caminho para cumprir o sonho da dignidade humana e da real implementação dos direitos humanos”.

Para conhecer mais sobre o pensamento de Francisco Bethencourt e os fundamentos deste monumental trabalho, ver o site do jornal Ionline

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 13 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20341: Historiografia da presença portuguesa em África (186): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (2): "Portugal Vasto Império", por Augusto da Costa (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20365: Álbum fotográfico de Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 (Bissau e Fulacunda, 1969/71) - Parte I


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8


Fotos (e legenda): © Domingos Robalo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Tabanca da Linha > Domingos Robalo.
Foto de Manuel Resende (2019)
1. Fotos do álbum de Domingos Robalo,  ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71; comandante do 22º Pel Art, em Fulacunda;  

[, Foto à direita: Domingos Robalo:

(i) tem página no Facebook desde março de 2009 e administra também o grupo Artilharia de Campanha na Guiné-BAC1/-GAC7;

(ii) vive em Almada, está ligado à Universidade Sénior Dom Sancho I, de Almada, onde faz voluntariado, desde julho de 2013, como professor da disciplina de "Cultura e Arte Naval";

(iii) trabalhou na Lisnave; é praticante de golfe;

(iv) e passou a integrar a Tabanca Grande, com o nº 795, desde 21 de setembro último]


Legendas das fotos acima publicadas (*)


(...) A minha mobilização para a Guiné ocorrera para cumprir uma rendição individual de um militar que não teve oportunidade de chegar ao fim. Ia substituir o furriel miliciano Batista [, António da Conceição Dias Baptista, natural de Murtal, São Domingos de Rana, Cascais ], que infelizmente não terminara a sua comissão no tempo normal. No dia 14 de fevereiro de 1969, morre heroicamente ao lado do seu Comandante de pelotão, o alferes Gonçalves [, José Manuel de Araújo Gonçalves, natural de Lisboa], São vítimas de um ataque IN no aquartelamento de Guileje.

(...) A sete de maio de 1969, embarco no “Niassa” com destino a Bissau (Fotos nº 1 e 2].

(...) Ao fim da manhã do dia 12 de maio, o navio “Niassa” está ao largo de Varela, aguardando a ida a bordo da Autoridade Marítima. Ao fim da tarde do mesmo dia está a acostar ao cais de Bissau.

(...) Sou dos últimos militares a desembarcar, por ser de rendição individual e por o meu destino ser o quartel da BAC 1 [Bataria de Artilharia de Campanha nº1, sediada junto ao QG (Quartel General)]. [Fotos 3, 4 e 5]

(...) Chego finalmente ao aquartelamento da BAC1, onde me espera um quarto com cama feita.
Sou recebido por Furriéis e Sargentos e Oficiais que me aguardavam com amizade e simpatia. Ainda hoje me encontro com alguns desses meus camaradas, o Mendes, o Glória, o Faro, o Chaves, o Correia, o Mendes de Almeida e outros tantos, e até o meu Comandante, à altura o Capitão M. Soares.

(...) Durante cerca de quatro meses permaneci em Bissau [, na BAC 1], participando nas “escolas de recrutas” que era levada a efeito com soldados do recrutamento da Província. [Fotos nºs 6. 7 e 8]

(Continua)

____________

Nota do editor:
Vd. postes de :


3 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20202: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte II: recruta no RI 5, Caldas da Rainha, na 5ª companhia, comandada pelo ten inf Vasco Lourenço


9 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20222: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte IV: Depois de 4 meses a dar formação de artilharia de campanha, a graduados de pelotões de morteiro, sou colocado em Fulacunda, a comandar o 22º Pel Art

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20364: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - IX (e última) Parte: Nunca mais esquecerei aquele abraço, num lojeca em Bissau, antes do meu regresso a casa, daquele negro de Fulacunda, o Eusébio, suspeito de colaborar com o IN, e a quem poderei ter salvo a vida...



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda >  22º Pel Art (Fulacunda, 1969/71) > "Eu e o Eusébio" [, um antigo milícia, suspeito de colaborar com o IN)

Foto (e legenda): © Domingos Robalo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >   "Porto fluvial", no Rio Fulacunda > Montagem de segurança > Um obus 14, rebocado por uma Berliet. Para i o desse e viesse...


Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1/ CAC 7, 1969/71) > IX (e última) parte 

[ Foto à esquerda: 
Domingos Robalo, 
ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71; comandante do 22º Pel Art, em Fulacunda; vive em Almada]


Está esta prosa mais longa do que eu imaginaria que fosse. Não termino sem antes referir o seguinte: em visita ao aquartelamento, o Comandante Chefe, General Spínola, é recebido com a formatura em parada. Repara que na parada estão alguns militares aprumados, mas sem a “boina negra” na cabeça, pergunta:

- Quem são aqueles que não têm boina negra?  [,os "boinas negras" era a malta da CCAV 2482]


- São o pessoal da Artilharia! [, 22º Pel Art, comandado pelo fur mil art Domingos Robalo]

Mudou o olhar, aconchegando o seu monóculo, concentrou-se nas tropas e população que o “adorava”, e é bom não esquecer estas palavras nem ter medo de as pronunciar. Falou de uma “Guiné Melhor”, a ser construída pelos Guineenses e seriam eles a decidir o seu futuro….

Estou a escrever estes factos, muito resumidamente, 50 anos depois de eles terem acontecido. Só agora dou o verdadeiro valor à memória. Coisas que aparentemente estavam escondidas ou apagadas, aparecem como se ontem tivessem sido vividas.

Mas, o deslizar a pena é como se estivesse a mexer um caldeirão onde as letras aparecem já escritas e a memória as traga à tona. Ideias que já estavam esquecidas, ultrapassadas e limpas aparecem agora em turbilhão.

Quase quatro anos de vida militar, por muito sacrifício que se tenha passado, não tem sido maior do que passar 40 anos com memórias que não tivemos oportunidade de contar ou “carpir”, como contributo de um desabafo coletivo que todos os jovens adultos do meu tempo deveriam ter feito. 


Ter-se-iam, porventura, poupado muitos dos traumas que vamos tendo conhecimento. O 25 de abril de 1974 trouxe-nos uma mudança radical de vida e de pensamento, com a esperança de uma vida em paz e de convivência com os povos que foram por nós colonizados. Com o golpe de Estado deu-se a “independência” aos povos das Colónias (então Províncias Ultramarinas), mas aprisionando-se memórias com uma barreira imposta, e auto-imposta como capa de proteção por um período da vida de quase todos os jovens adultos daquele tempo.

Conforme estou escrevendo, vou avivando essa vivência, mas também não posso nem devo calar o afronto que se fez aos militares portugueses de origem africana que, após a independência, foram assassinados por grupos que se diziam de libertadores. Libertadores de quê? 


Mais grave considero ainda que as autoridades portuguesas tenham tido conhecimento da situação e à época fez-se um silêncio total.

Através de um tripulante do navio Rita Maria ou Alfredo da Silva [, já não recordo ao certo,] fui sabendo de situações que ocorriam na Guiné. Segredo, pedia-me ele; as informações eram muito confidenciais.

Na minha Unidade, em Bissau, foram-me atribuídas várias funções:

-Participar na instrução básica e de cabos na especialidade de artilharia a militares naturais da Província da Guiné;

-Participar nas principais ações do TO, sempre que a artilharia era requisitada;

-Participar nas regulações de tiro de artilharia e elaboração das respetivas “cartas de tiro”, nos vários pelotões espalhados pelo TO;

-Participar, junto do Comando da Unidade, na então designada “sala de informações e operações”...





Infografia da emboscada de 22/2/1971,no decurso da Acção Mabecos, que envolveu forças do BCAV 2922, numa operação de escolta e segurança a forças de artilharia no trajecto Amedalai - Sagoiá - Rio Sagoiá - Rio Cimangru [... e não Camongrou] - Piche 4E545 - Rio Nhamprubana. As baixas das NT foram todas da CART 3332 (**).


Participei na Acção “Mabecos”, na terça-feira de carnaval no ano de 1971 [, em 22 de fevereiro de 1971, três meses depois da Op Mar Verde,invasão de Conacri]. 

Operação complicada, malo rganizada / planeada, com três mortos  e um soldado apanhado à mão que apenas foi libertado no pós-25 de abril de 1974 [, º 1º cabo Duarte Dias Fortunato, foto à direita]: nesta operação, debaixo de fogo na emboscada que sofremos [, no subsetor de Piche, perto da fronteira,quando íamos flagelar Foulamory, na região de Boké] eu próprio tomei a iniciativa de “ordenar”, ao pelotão [, Pel Art,]  de Sare Bacar, para desengatar um obus 14,0 cm e responder ao fogo IN, que estava a ser intenso.



Guiné > Região de Gabu > Carta de Piche (1957) > 1/50 mil > Detalhes > Percurso Piche > Amedalai > Sagoia > R Sagoia > R Cimongru > R Nhamprubana. A sudeste dwe Piche ficava a base do PAIGC, Foulamory,na região de Boké, ao alcance, a partir da fronteira, da artilharia portuguesa (peça 11.4 e obus 14).

Infografia: Blogue Luís Graça % Camaradas da Guiné (2019)



Eu estava sob as ordens do Capitão Osório, homem da artilharia, já falecido. No relatório desta operação está referido a forma elevada como o pessoal da Artilharia participou na resposta ao fogo IN.

O tempo vai correndo inexoravelmente. Estamos em abril de 1971, já com a comissão quase a chegar ao fim. Por vezes vagueei por Bissau na compra de alguns objetos para fazer embarcar num navio com destino a Lisboa.

Num desses dias, acompanhado pelo Furriel Franco, vagueávamos pelas ruelas transversais à avenida onde se situava o hospital civil [, hoje Hospital Nacional Simão Mendes]. Entrámos numa pequena loja, com uma montra muito pequena, onde estavam expostas uma camisas azuis com um monograma interessante.

Entro na loja,  secundado pelo Furriel Franco, e dirijo-me ao balcão onde estão dois “negros”.  De repente sinto-me abraçado por um deles e o peito a apertar. Não percebia o que se passava, mas a primeira impressão era o de estar a ser alvo de agressão.

Passado o sufoco e o outro negro olhando impávido e sereno para mim, recupero o fôlego e sinto que o abraço forte afinal tinha aspeto fraternal. Mas se aquilo é um abraço...

Olho para a cara do “negro” e não podia acreditar... Quem era aquele negro que assim me abraçava? Nem mais: 


- O Eusébio de Fulacunda!!!... (*)

Aquele “negro” reconhecendo-me, estava com aquele abraço a agradecer o pouco que eu, uns meses antes, lhe tinha feito naquele final do mês de setembro de 1969.

Para mim, tinha sido pouco o que lhe fizera. Mas para ele terá representado o reconhecimento de que era um ser humano como qualquer outro. Daí, aquele abraço que eu senti ter a força do Universo. Não é a cor da pele que diferencia os homens.

Onde quer que estejas, Eusébio, nunca me esquecerei de ti nem daquele abraço.

Para finalizar o meu texto. Não posso nem devo esquecer os mortos e os estropiados que as guerras sempre provocam. Elas podem ter um início, mas nunca sabemos quando terminam. Será que a nossa já terminou?

Domingos Robalo

Furriel de Artilharia, 

nº 192618/68

____________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 4 de novembro de 2019 
Guiné 61/74 - P20313: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte VIII: Fulacunda, usos e costumes... Lembro-me pelo menos de uma menina que foi a Bissau ao "fanado", e não voltou... Não havia, na época, preocupação de maior com a Mutilação Genital Feminina, por parte das autoridades. civis e militares


Vd. postes anteriores:

25 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20274: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte VII: Em Fulacunda, também havia milagres...

20 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20260: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte VI: Eusébio, um preso que eu mandei tratar com dignidade e que me vai ficar reconhecido

12 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20232: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte V: Rumo a Fulacunda, com o 22º Pel Art, passando por Bolama, e com batismo de fogo

9 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20222: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte IV: Depois de 4 meses a dar formação de artilharia de campanha, a graduados de pelotões de morteiro, sou colocado em Fulacunda, a comandar o 22º Pel Art

5 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20206: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte III: recebido em Bissau, pelos camaradas do BAC 1, de braços abertos, na noite de 12/5/1969

3 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20202: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1

26 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20178: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte I: Apurado para todo o serviço militar


(**) Vd.poste de  23 de fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3926: Efemérides (17): Piche, 22 de Fevereiro de 1971 ou... Carnaval, nunca mais! (Helder Sousa)

Guiné 61/74 - P20363: Parabéns a você (1712): Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1970/72)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 18 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20360: Parabéns a você (1110): António Mateus, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)