segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21289: Notas de leitura (1299): “Capitães do Fim… Uma radiografia estatística”, por António Inácio Correia Nogueira; Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
O assunto dos Capitães do Fim não é propriamente uma novidade para ninguém, quem combateu a partir de 1970 sabe perfeitamente que em Mafra se fizeram fornadas de oficiais milicianos, fazia a recruta e a especialidade, eram promovidos alferes, lançados num teatro de guerra durante quatro meses, regressavam como tenentes e iam formar companhia.
A radiografia estatística que António Nogueira publica traz uma maior claridade sobre as origens, a escolaridade, a idade, o agregado familiar e eventuais profissões desenvolvidas, à data da incorporação. Ficamos igualmente com a informação se desenvolveram, ou não, contestação à guerra do Ultramar, o que pensam da instrução e dos instrutores que tiveram em Mafra, os critérios que foram utilizados para a sua seleção, como atuaram num teatro de guerra, quais as formas de protagonismo, como foram, na hierarquia militar, reconhecidos o seu trabalho.

E ficamos a saber um pouco mais das consequências da guerra para os capitães do fim, o que deles pensam os seus subordinados.

É uma radiografia que não deixa indiferentes. O que a Academia Militar não fornecia foi colmatado por eles. Centenas de mancebos têm toda a legitimidade em clamar, com orgulho, que não faltaram ao dever.

Um abraço do
Mário


Uma radiografia dos capitães do fim

Beja Santos

António Inácio
Correia Nogueira
“Capitães do Fim… Uma radiografia estatística”, por António Inácio Correia Nogueira, Chiador Editora, 2017, apresenta-se como uma obra complementar a que o autor dera à estampa no ano anterior sobre a história de capitães milicianos submetidos a uma formação acelerada. 

Como observa o autor, nos anos terminais da guerra colonial, a Academia Militar deixara de cumprir, por falta de candidatos, a sua missão capital: formar as elites militares intermédias de combate. Como a política do Estado Novo era intransigente na defesa do Império, custasse o que custasse, um dos expedientes encontrados foi a dos capitães do fim: em cerca de 14 meses fazia-se de um mancebo, muitas vezes em estádio avançado de licenciatura ou já licenciado, um capitão combatente para atuar num dos três teatros de guerra. 

Com ironia cáustica, alguns apelidavam estas novas elites 
de “capitães de proveta” ou de “aviário”. Reconheça-se que António Nogueira é mais justo ao recorrer à expressão “capitães do fim”.

De um modo geral, esta geração respirou outros ares bem diferentes dos oficiais milicianos que combateram ao longo da década de 1960. Vêm mais experimentados pelas lutas estudantis, coabitam, com maior ou menor intensidade, com agentes contestatários à guerra, da esquerda à extrema-esquerda. Enquanto uns desdenhavam a formação destes jovens capitães, a instituição militar apostava seriamente neles: o comandante de companhia tinha um papel fulcral na guerra, a guerrilha mostrava-se cada vez melhor apetrechada e com material de combate mais evoluído, enquanto as forças armadas permaneciam mal equipadas e pouco adaptadas ao crescimento da nova realidade miliciana. O autor preambula com eixos teóricos da guerra, mostra os períodos e fases do fenómeno subversivo, tal como eles eram apresentados aos cadetes em Mafra.

A base da obra de António Nogueira tem a ver com a construção de questionários, inquéritos que foram enviados e que obtiveram um considerável acolhimento, permitindo uma base aceitável de trabalho para a obtenção de uma radiografia de quem eram e em que se transformaram estes capitães do fim.

Vieram de todo o país, com preponderância para Coimbra, Lisboa, Porto e concelhos limítrofes, eram jovens com origens sociais, culturais e económicas muito diversas, jovens predominantemente nas idades entre 24 e 27 anos, nada de anómalo, os oficiais oriundos da Academia Militar eram promovidos a capitães com idades próximas. 

As habilitações académicas destes capitães eram díspares, essencialmente todos com frequência de cursos universitários, mais de 50% estavam entre o terceiro e o último ano de um curso superior. 70% eram solteiros e 30% casados. Exerciam a profissão de engenharia 13% dos incorporados, profissão prestigiada devido à industrialização iniciada na década anterior.

Fala-se detalhadamente da incorporação na EPI – Escola Prática de Infantaria (instrução, instrutores, ambiente, contestação à guerra). Não deixa de ser uma curiosidade o que se fica a saber sobre a seleção e formação de capitão: 

(i)  44,3% respondem desconhecer o motivo por que foram selecionados;

(ii) 18,3% declaram ter sido por já possuírem uma licenciatura;

(iii)  14,8% indicam ter sido escolha do instrutor;

(iv) 11% estão convictos de que foi por ocuparem os primeiros lugares da seriação psicotécnica;

(v) 5,2% por terem mais idade;

(vi) 4% pelas competências já adquiridas na vida civil. 

O autor comenta: 

“É estranho este conhecimento fracionado e superficial dos modos de seleção. É lacuna grave a forma como se comunicava na instituição militar. Mas surpreendente é a indiferença com que os questionados permaneciam desinformados sobre factos que condicionariam a sua vida militar futura”.

Após o círculo formativo de seis meses na EPI, a continuidade do processo era um estágio num dos teatros de guerra, com a duração de quatro meses, com o posto de alferes, e na qualidade de adjuntos dos comandantes de companhia do local onde eram colocados: 66% estagiaram em Angola, 28% na Guiné e 6% em Moçambique. 

De acordo com o inquérito, cerca de um quarto dos estagiários enfrentaram situações de guerra muito difíceis. Depois de regressarem do estágio, os futuros capitães do fim, agora promovidos a tenentes, frequentavam um curso de comandantes de companhia, também na EPI.

A radiografia estatística incide também sobre a formação e instrução da companhia, como decorreu esse comando em teatro de guerra, se houve protagonismos na guerra, se os capitães de algum modo participaram na conquista da democracia ou nos atos finais da descolonização. Um número elevadíssimo de capitães (mais de 90% foram louvados, cerca de 9% tiveram a atribuição de uma medalha ou de uma condecoração).

E temos agora as consequências da guerra para os capitães do fim: 

(i) 65% considera ter sido a participação na guerra gravosa para a continuidade dos seus estudos;

(ii)  para cerca de 13% o reatamento foi impossível;

(iii)  36% consideram que a guerra lhes acarretou problemas de saúde e instabilidade emocional que prejudicaram os seus relacionamentos familiares, na profissão e com os amigos. 

Mas há respostas afirmativas, quanto ao enriquecimento humano e profissional, reconhece-se valor à experiência das relações humanas, enriqueceu-se com a chefia de homens em situações adversas, houve enriquecimento cultural e sociológico. Quanto à passagem à disponibilidade, o grosso das respostas é eloquente: “Um imenso alívio”.

Nesta radiografia estatística também se procurou obter o contraditório dos comandados. 83% manifestam-se agradados com os desempenhos do seu capitão do fim.

Ao findar, o autor dá como comprovado que os capitães do fim tiveram desempenhos e protagonismos meritórios na guerra, na obtenção da paz e da democracia, e conclui com uma parte do poema de Ary dos Santos intitulado Retrato do Herói: Homem é quem tombando apavorado / dá o sangue ao futuro e fica ileso / pois lutando apagado morre aceso.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21262: Notas de leitura (1298): A política económica e social na Guiné-Bissau, por Carlos Sangreman, Doutor em Estudos Africanos (1974-2016) (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21288: Parabéns a você (1856): António Fernando Marques, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21284: Parabéns a você (1855): Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art da CART 1689 (Guiné, 1967/69)

domingo, 23 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21287: Controvérsias (142): Recebi algumas críticas e muitos insultos mas também muitas palavras de agradecimento de ex-combatentes, que se reviram no que está lá escrito, na minha tese de doutorammeto em antropologia sobre o uso de substâncias psicoativas durante a guerra colonial (Vasco Gil)




"Uma coisa é estudar a guerra, outra é viver a vida de um guerreiro". 

Foto (e legenda): © Vasco Gil (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Recorte da edição do Público, 2 de agosto de 2020: Texto de Patrícia Carvalho e fotografia de Daniel Rocha. O artigo só está disponível para assinantes. (Excerto reproduzido com a devida vénia...)

1. Mensagem de Vasco Gil, doutorado em antropologia pelo ISCTE [ CALADO, Vasco Gil Ferreira - Drogas em combate: Usos e significados das substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa [Em linha]. Lisboa: ISCTE-IUL, 2018. Tese de doutoramento. [Consult. 3 de agosto de 2020 ] Disponível em www: http://hdl.handle.net/10071/18841, técnico superior do SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependência, dependente do Ministério da Saúde; autor da entrevista ao "Público", de 2 de agosto de 2020:


Date: quarta, 6/08/2020 à(s) 13:54
Subject: Tese e entrevista sobre o uso de substâncias psicoativas na guerra colonial

Luís: Escrevi umas linhas. Se achar que faz sentido publicar, e que não será motivo de maior agitação no blogue, está à vontade para publicar: 


Deixo uma foto que poderá juntar. Vasco Gil
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Sou o autor da tese de doutoramento sobre o uso de substâncias psicoativas na guerra colonial e quero deixar alguns esclarecimentos sobre a entrevista dada ao "Público" [, edição de 2 de agosto de 2020] (*)

Em primeiro lugar, quero pedir desculpa pelo título e por algumas das fotos que ilustram a entrevista. A escolha não foi minha e admito que, quem não leu a entrevista, tenha ficado condicionado por algumas das fotos, que eventualmente passam uma imagem mais sensacionalista.

No entanto, quem leu com atenção constatou que o conteúdo não é esse. Nunca é dito que o consumo de drogas era generalizado ou mesmo a embriaguez. Pelo contrário, deixei bem claro que a descoberta da cannabis se deu numa fase mais tardia da guerra (no final do anos 60 e início da década de 70).

Este é um trabalho de Antropologia, pelo que não me preocupei em quantificar o uso desta substância. Deixei claro que apenas uma minoria teve contacto com a cannabis e a maior parte de quem consumiu fê-lo de uma forma experimental (uma ou outra vez, movido pela curiosidade). Mas houve alguns militares que passaram por Angola e Moçambique (na Guiné não existia cannabis) que descobriram a liamba e a suruma e usavam-na para alguns fins. Foi nesses que me foquei, mas sempre com o cuidado que ressalvar que a maioria nunca se apercebeu de nada.

Nunca uso o termo «drogados», que era um conceito desconhecido na altura. Mesmo «droga» não tinha o sentido que tem hoje. A maior parte dos militares que experimentaram fumar liamba e suruma durante a guerra não sabia bem de que se tratava, era apenas algo que viam outros fazer, nomeadamente os seus camaradas (brancos e pretos) de origem africana.

Devem ter sempre em mente que não há na tese ou na entrevista qualquer juízo de valor. Não entendo o uso de substâncias psicoativas como algo bom ou mau. O que me interessou foi perceber como é que num contexto de guerra era possível, mesmo que fosse pontual e não generalizado, o consumo de substâncias como álcool e cannabis.

E a minha conclusão foi que o uso de álcool e cannabis era um recurso terapêutico, isto é, algo que era consumido para ajudar a lidar com uma realidade muito, muito dura. De uma violência que eu não consigo sequer imaginar.

Na verdade, grande parte da tese é a explicar o quão dura foi a experiência de guerra para os militares que participaram na Guerra Colonial. E é essa violência que explica uma série de práticas. É essa a tese central.

Como tantos da minha geração, eu não conhecia nada sobre a Guerra Colonial. E descobri que foi muito mais dura e violenta do que eu supunha. Não sabia nada sobre o sofrimento, os traumas e a violência.

Tenho pena que não reconheçam que tentei fazer justiça a essa vossa experiência. Quando falo do uso de cannabis e dos episódios de embriaguez estou a criticar uma experiência de guerra tão dura ao ponto de alguns militares recorrerem a substâncias psicoativas para garantir um equilíbrio emocional (como recorriam a outros estratagemas, como o convívio, as cartas, a música, a fotografia, etc.). Não estou a criticar quem aumentou o consumo de álcool ou experimentou fumar cannabis.

Tudo o que disse atrás, aprendi com camaradas vossos, alguns que pertencem a esta comunidade. Não inventei nada, como é óbvio. Alguns trechos vêm de entrevistas, outros são citações de livros de memórias de guerra ou diários escritos na guerra (neste caso, qualquer um pode confirmar a veracidade do que é citado).

Eu aprendi como alguns de vós que os ex-combatentes se sentem muitas vezes injustiçados e pouco reconhecidos por tudo aquilo que foram obrigados a passar em África, mas não vejam em mim um inimigo. Pelo contrário, sou alguém que tentou trazer a lume mais um episódio da guerra que travaram.

Mesmo sabendo que o tema das drogas é um assunto delicado e tabu, ainda para mais para a vossa geração, acreditem que tentei fazer-vos justiça e dar a conhecer tudo aquilo que passaram.

Recebi algumas críticas e muitos insultos mas também muitas palavras de agradecimento de ex-combatentes, que se reviram no que está lá escrito.

Eu acredito que se lerem sem preconceitos e não virem nas minhas palavras um ataque à honra e uma qualquer motivação política, também se vão rever. (**)

Agradeço a todos aqueles que aceitaram colaborar com a minha investigação.

Vasco Gil
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(*) Vd. postes de:








Guiné 61/74 - P21286: Blogpoesia (692): "Balancear...", "Salpicos de bem..." e "Será desta", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


Balancear…

Aquele movimento de vai e vem, com tendência para parar.
Até pode ser o ramo longo duma árvore.
Uma carvalha grossa.
Faz o céu duma criança.
Até um adulto gosta de saborear.
Longas tardes, pelo verão.
O chilreio da pequenada.
Depois um banho na poça da fonte.
Ali na mata das Figueiras.
A noite caía sem dar conta.
E a Mãe em casa, com o jantar feito.
E ele não vem.
Quem lhe valia era o Pai.
Se lembrava do que fizera.
Só se é criança uma vez.
É pena, mas não volta mais…

Berlim, 16 de Agosto de 2020
10h24m
Jlmg

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Salpicos de bem...

Com salpicos de bem já se pode erguer um altar.
Onde se cultue o bem-fazer.
Onde a moeda de troca seja o ajudar a quem precisa.
Como erva daninha, o mal se espalha e definha tudo.
E, atrevida, se serve do sol e da chuva com a arrogância dum cidadão com suas contas em dia.
Não há remédio que a mate.
Só o arado, lavrando o chão a fundo, a poderá exterminar.
Por vezes, há que sacrificar os inocentes para se garantir a sobrevivência dos bons.

Berlim, 23 de Agosto de 2020
13h45m
Jlmg

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Será desta?

Espera longa nem sempre rende.
Se a esperança morre nada mais resta.
Esperar é viver de esperança.
Tudo traz o tempo.
Tudo tem sua hora.
Alguém a marca.
Quem espera vence, se não desespera.
Enquanto espero minha alma sonha.
Se, desperta a mente, a alma alcança.
Desistir é sempre perder por pouco...

Berlim, 22 de Agosto de 2020
13h8m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21259: Blogpoesia (691): "Subitamente", "Nada vai com ameaças..." e "Como um rio corre meu pensamento", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21285: (Ex)citações (368) : "Bem hajas, padre Jaquim, / 'Tás mesmo bom da cachimónia, / Foi linda a cerimónia, / Nunca tive um coro assim." (Luís Henriques, 1920-2012, na missa do seu centenário, em Ribamar, Lourinhã)


Lourinhã, Porto das Barcas, restaurante "Atira-te ao Mar" > 21 de agosto de 2020, 20h22 > Pôr do sol, o momento do dia em que os vivos e os mortos se conectam mais frequentemente... Nesse momento, o fotógrafo pensou no seu pai, Luís Henriques (1920-2012) que deixou a Terra da Alegria em 2012,  antes de completar os 92 anos.  Em vida, adorava esta paisagem atlântica, aonde vinhya "limpar a vista" (sic).


Lourinhã, Porto das Barcas, restaurante "Atira-te ao Mar" > 21 de agosto de 2020, 20h22 > A  (e)terna magia do pôr do sol sobre o nosso Atlântico...


Lourinhã > Cemitério loal > 19 de agosto de 2020 > Um dos netos do Luís Henriques (1920-2020), no dai em que faria 100 anos, junto à campa do avó e da avó Maria da Graça (1922-2014)




Ribamar, 22 de agosto de 2020, 19h57> O padre Joaquim Batalha regressa à sua casa, a Casa do Oeste, ali a 200 metros,  de "elétrico", depois de dizer a missa em que lembrou a memória do seu antigo paroquiano e amigo , o "Luís Sapateiro". Nas fotos, além do pároco de Ribamar, estão o Carlos Silvério [, antigo jogador de futebol, nosso grã-tabanqueiro nº 783, ex-fur mil at cav, CCAV 3378 (Olossato e Brá, 1971/73], a esposa, Zita (, que também fez com ele uma comissão em Bissau...)  e a Alice Carneiro. O Carlos e a Zita vivem em Ribamar, e são meus parentes. Assinalo também, com agrado,  a presença, entre outros parentes, do Luís Maçariço, de 81 anos, que esteve prisioneiro na Índia em 1961/62.

Ao Joaquim Luís Batalha, pároco da freguesia de Ribamar, e um dos mentores e dirigentes da Fundação João XIII - Casa do Oeste, ligam-me laços de afeto, apreço e amizade, desde os anos 80.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Ontem na igreja de Ribamar, na missa das 18h30, o padre Joaquim Batalha, um jovem de 81 anos, antigo pároco da Lourinhã, lembrou que a missa também era por alma do Luís Sapateiro, que deixou a Terra da Alegria em 2012. 

Estavam presentes filhos, netos e até bisnetos, mais alguns parentes do clã Maçarico, de Ribamar. As medidas de higiene e de distanciamento social são aqui escrupulosamente cumpridas, e a lotação máxima da igreja sõa menos de 100 pessoas, na atual situação de pandemia de Covid-19. E eu, que já não assstia a um missa, há anos, fiquei muito feliz pelo final inesperado.

No final na missa, o padre Joaquim Batalha, que era freguês e amigo do Luís Sapateiro, na vila da Lourinhã, deu-.lhe os parabéns pelo seu centenário. Cantou-se em coro os "parabéns a você" e os presentes no fim bateram palmas... Foi uma bonita cerimónia. O Carlos Silvério que estava a meu lado, comentou: " E esta, heim?!...Gostava de saber que resposta em verso é que o ti Luís daria ao Jaquim Batalha".

Pois aqui está a resposta que o meu pai, com quem falo com frequência, quando vou ao cemitério,  me mandou esta noite , para entregar ao padre Jaquim Batalha:


Os parabéns me cantaste,

Logo a mim que era uma gralha,

E com essa é que me calaste,

Ó Padre Jaquim Batalha.

 

Por minh’ alma era a missa,

Nos cem anos do nascimento,

Pregaste-me um susto, chiça!,

Com tanto contentamento!

 

C’o as palmas dos teus fregueses

Assustei-me de verdade,

É que eu me esqueço às vezes,

Que já estou na eternidade.

 

Sempre foste um brincalhão,

Quase tanto como o sapateiro,

Mas agora deste-me uma lição,

A mim que morri primeiro.

 

Um bom cristão está nos céus,

Com direito a aniversário,

Mas sempre a velar p'los seus,

Até se esquece do centenário,


Bem hajas, padre Jaquim,

‘Tás mesmo bom da cachimónia,

Foi linda a cerimónia,

Nunca tive um coro assim.


Luís Henriques (1920-2012), 

descendente dos Maçaricos, de Ribamar,  

pelo lado da mãe, Alvarina de Sousa (Lourinhã, c. 1895  - Lourinhã, 1922) ,

casada com Domingos Henriques,

e da avó Maria Augusta (Ribamar, 1864 - Lourinhã, c. 1938), 

casada com Francisco José de Sousa.

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21274: (Ex)citações (367): "O relógio da vida": uma prenda poética do Joaquim Pinto Carvalho e uma palavra de gratidão da aniversariante Alice Carneiro

Guiné 61/74 - P21284: Parabéns a você (1855): Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art da CART 1689 (Guiné, 1967/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21280: Parabéns a você (1854): José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Guiné, 1969/71)

sábado, 22 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21283: (In)citações (166): Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana - Parte II (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 18 de Agosto de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos um texto a que deu o título: "Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana", do qual publicamos hoje a II e última Parte.


Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana


Amílcar Cabral e Rafael Barbosa estavam ligados pela verve nacionalista, este clamava a sua adesão ao PAI, ele limitara-se a acompanhar a sua evolução; veio encontrá-lo enformado por cerca de 30 militantes, empregados da Farmácia Lisboa, quadros do Banco Nacional Ultramarino, da Estação Postal, da Estação Telegráfica, da empresa António da Silva Gouveia (CUF) e atletas do Sport Bissau e Benfica, filiou-se, reformou-lhe estatutos e orgânica, Rafael Barbosa continuou presidente, ele passou a secretário-geral, Aristides Pereira, o chefe da Estação Telegráfica seu adjunto, e rumou a Paris, a dar início à sua diplomacia de convencimento.

Amílcar Cabral e a primeira infância do PAIGC em Paris foram “amamentados” pelas remessas de $ (escudos) – então a 3.ª moeda mais forte do mundo - da sua mulher, a eng.ª silvicultora Maria Helena de Ataíde Vilhena Rodrigues, filha de um capitão médico e deficiente da guerra africana, no contexto da I Guerra Mundial.

Em Janeiro de 1960, viajou com o passaporte português de Paris para Túnis, discursou na I Conferência dos Povos Africanos sob o pseudónimo de Abel Djassi, conheceu Nelson Mandela e o caribenho e sociopata revolucionário Frantz Fanon, mentor do terrorismo e em representação da FNL argelina, que lhe apresentou o congolês Holden Roberto, líder da UPA, ainda ele não tinha ido a Washington receber a quantia de 100 mil dólares em dinheiro vivo das mãos do então senador John Kennedy.
O financiamento do terrorismo no norte de Angola, em Março de 1961, materializado no massacre de cerca de 10 mil civis, homens, mulheres e crianças, brancos, pretos e mulatos, foi devido a John Kennedy e ao seu Partido Democrata.

Quando a Maria Helena se lhe juntou em Paris, o exilado angolano Viriato da Cruz, fundador do Partido Comunista de Angola – que Cabral ajudará a reciclar no MPLA –, meteu uma cunha a Sékou Touré, este concedeu-lhes asilo, em Março desse ano mudaram-se para Conacri, deu-lhe uma avença como conselheiro técnico do Ministério da Economia Rural e empregou a Maria Helena como professora no seu liceu. Em Outubro foi a Dacar participar na Conferência de Quadros das Obrigações Nacionalistas, diferenciou o PAI guineense do PAI senegalês, Partido Comunista do Senegal, fundado por Majhmad Diop, também exilado em Conacri, militado por pan-africanistas e por ex-estudantes senegaleses em Paris, mudando-lhe o acrónimo para PAIGC, Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde. Foi encontrar em Conacri o emigrante João Bernardo Vieira, jovem da etnia papel, electricista de Bissau, sobrinho de João Máximo Vieira, carpinteiro de Bedanda, que fora o seu maior entusiasta da falhada fundação da referida associação desportiva juvenil – o destino a fazer o encontro entre os dois guineenses que darão água pela barba ao Governo, infernizarão a vida aos militares portugueses e talharão o destino da Guiné Portuguesa: o líder Cabral, pelo seu talento de estratega, a inteligência na acção, e o bisonho e improvável cabo-de-guerra “Nino”, que se iniciou como “libertador” da zona Sul, superou a famigerada Operação Tridente, foi o chefe das Operações das FARP (Forças Armadas Revolucionárias Populares), proclamou a independência no Boé, foi ministro, primeiro-ministro, fez um primeiro mandato de 19 anos de seu PR e, ao 4.º ano do seu segundo mandato, foi assassinado e o seu cadáver profanado.

Encontro também premonitório do futuro fatal a ambos e de grande contrariedade para as suas mães, que queriam ser portuguesas e sempre viveram em Bissau. D. Iva Pinhel, mãe de Amílcar, dizia que se o tivesse adivinhado político, não teria mourejado tanto para o formar (passava férias em Cabo Verde, as passagens aéreas oferecidas pagas pelo governo provincial) e Nino Vieira afirmava que a sua mãe, Florença de Pina Araújo, procurava todas as oportunidades para lhe ralhar e se convertera em spinolista convicta.

Em Conacri, Amílcar Cabral começou a acolher jovens guineenses da sua sementeira subversiva, os primeiros oriundos da Missão Católica de padres italianos da tabanca de Samba Silaté e outros, militares nativos, na disponibilidade e desertores, mobilizados e expedidos por Rafael Barbosa, os primeiros foram Osvaldo Vieira, Epifânio Amado e o furriel desertor Rui Djassi, os três empregados da Farmácia Lisboa, e, depois, Domingos Ramos e Carlos Correia, todos patrocinados pela dr.ª Sofia Pombo Guerra.

Nesse ano viajou para Checo-Eslováquia, para União Soviética e para a China, aqui permaneceu alguns meses, a receber lições de Mao Tsé Tung sobre a organização da guerrilha rural e do combate nas matas e bolanhas da Guiné contra um exército, o português no caso. O mestre viu no discípulo um homem do campo feito cosmopolita, o seu grande potencial de líder revolucionário e começou a ajuda à sua luta concedendo bolsas de preparação ideológica e militar a 30 jovens guineenses (a Checo-Eslováquia concedeu-lhe 25 e a União Soviética apenas 5).

Leopold Senghor
Entretanto, o seu anfitrião Sékou Touré, em razão do exposto, e Senghor, por não professar os princípios e fundamentos do marxismo, procrastinavam a autorização de bases de retaguarda à sua guerra, ora metiam uns na prisão, ora ameaçavam ou emitiam mandatos de captura contra outros e só lhas concederão rendidos às evidências e ao seu talento, a primeira a ser colhida foi de Senghor, que, em finais de 1960, lhe autorizou a abertura de escritório em Dakar.

Em 30 de Novembro desse ano, propôs a Salazar o recenseamento dos habitantes de Cabo Verde e da Guiné para “uma pessoa um voto”, a eleição de uma Câmara de Representantes das duas Províncias, pelos rácios de 1 deputado por 10 mil cabo-verdianos e de 1 deputado por 30 mil guineenses – uma espécie de assembleia constituinte de um só país – e preconizava a eleição de um Presidente da República comum.

Marrocos tornara-se destino de exílio de oposicionistas portugueses, predominando comunistas e delgadistas, Rabat e a MAC, Movimento Anticolonialista fundado por Viriato da Cruz, tornaram-se ponto de reunião e placa giratória da malta africana que deixava as 3 Casas do Império (Lisboa, Coimbra e Porto). A Maria Helena passava pela segunda gravidez, ora de risco, Amílcar Cabral instalou-a em Rabat, meteu o país e a cidade no seu roteiro, conquistou a consideração do rei Hassan II e, em 1962, este doou-lhe as primeiras 30 pistolas-metralhadoras russas PPSH – as “costureirinhas” e o seu “cantar”, sinistro e indelével na memória dos combatentes da Guiné.
A Rabat foi também parar o impetuoso rebelde Humberto Delgado, Tenente da Revolução do 28 de Maio, General da Força Aérea e o general mais novo do corpo de generais portugueses, notável diplomata militar, fundador da TAP, criador dos aeroportos de Lisboa e do Porto, etc., que passara de Presidente da Repúlica de Portugal eleito, em 1958, derrotado por fraude eleitoral, a refugiado no Brasil. Ao fim de 10 meses no Rio de Janeiro, a viver do subsídio de 30 mil cruzeiros da Associação de Beneficência e Cultura, o empresário Rui Amaral deu-lhe em S. Paulo o emprego de promotor de vendas do “Cestos de Natal Amaral”, na empresa Alimentos Seleccionados Amaral. Já com o estatuto de exilado político, concedido pelo Presidente Juscelino K. Oliveira, despediu-se do emprego, foi instalar o quartel-general do golpe militar do derrube de Salazar em Rabat e alçou o desertor de Angola, Major Pilav. José Ervedosa a seu Chefe de Estado-Maior.

Em 1961, como o MAC era contrário à violência, advogava a desobediência civil como arma de luta da independência, os líderes dos movimentos independentistas dos territórios administrados por Portugal apropriaram-se dele, reciclaram-no na CONCP (Confederação da Organização das Colónias Portuguesas), proclamaram a luta armada contra o colonialismo português, transferiram o seu Secretariado para Casablanca, a sua liderança exercida pela “troika” Amílcar Cabral (Guiné e Cabo Verde), Gentil Viana (Angola) e Marcelino dos Santos (Moçambique). Em Outubro esta “troika” foi a Nova Deli pedir a ajuda de Nerhu à luta da Liga de Goa pela libertação do Estado Português da Índia, Amílcar Cabral foi o seu porta-voz, este disse-lhes que ia reflectir – não lhe deu resposta, invadiu-o e anexou-o por mão militar à União Indiana.

Em 3 de Agosto de 1961, Amílcar Cabral anunciou a passagem da sua luta na Guiné à “acção activa”, eufemismo para não ferir as boas almas pacifistas, nórdicas e não só…, (a União Soviética monta o estaleiro da construção do muro de Berlim), e, em 13 de Outubro, enviou a Salazar e ao Povo Português a proposta da abertura do diálogo pela união da Guiné com Cabo Verde, a sua autodeterminação e a independência como fim último –, inflexível e casmurro, o velho foi recorrente em negar-lhe resposta.
Salazar e o seu fascismo à “português suave” acusavam decadência, os novos “ventos da história” demorarão a chegar a Lisboa, a oposição e um general não tiveram jeito nem força para o afastar do poder, o feito estava reservado à cadeira espreguiçadeira do forte do Estoril. Quando algum dignitário ou emissário internacional lhe invocava a ONU ou abordava a questão colonial, ele evocava logo os Descobrimentos e a sua identidade com o heroísmo dos seus antepassados do século XV. O embaixador americano em Lisboa reportou ao seu presidente que fora presente a um velho e, mal abriu a boca sobre o tema, levou logo com Luís de Camões, com o Infante D. Henrique e com Vasco da Gama (e ele não sabia quem eram…).

Em meados de 1962, a França libertou-se da Argélia e Ben Bella, primeira figura da FNL e especialista de assaltos a bancos foi alçado à honra de seu Presidente da República, precedente que inspirará o nosso Presidente Mário Soares a indultar os nossos brigadistas Carlos Antunes e Isabel do Carmo, condenados judicialmente por assaltos a bancos nacionalizados, e o nosso Presidente Jorge Sampaio, a condecorar Hermínio da Palma Inácio, o nosso assaltante da filial do Banco de Portugal na Figueira da Foz. Nenhum era dos DDT (donos disto tudo)…
A capital Argel passou a centro de gravidade revolucionária, a asilar tudo que parecesse revolucionário africano e oposicionista ao regime de Lisboa, os democratas e delgadistas lusos e suas famílias eram cerca de 40 almas, formataram a sua comunidade na FPLN, acrónimo de Frente Patriótica de Libertação Nacional, a “troika” Piteira Santos, Tito de Morais e Manuel Alegre em seus pontífices.

Em 1962, havia na Guiné Portuguesa 10 movimentos e correntes de opinião nacionalistas, (eram 21, considerando os de Cabo Verde), uns mais informais que outros, e, em Maio, Nino Vieira fez a sua iniciação de comandante guerreiro, montando um fornilho e uma pequena emboscada com pistolas de calibre civil “Unic” à CCaç 84, no troço de Mato Farroba da estrada Cacine-Cufar, sem sucesso. Dias depois, acabado os preliminares e quando se preparava para distribuir as 30 pistolas-metralhadoras PPSH, doadas pelo rei de Marrocos, escondidas sob o arroz no celeiro da quinta do Chiquinho, em Cubaque, foi capturado pela patrulha do Destacamento de Cufar, comandada pelo furriel mil.º Gonçalves, este deu-o como fugido ao fisco e foi levá-lo à cadeia de Catió e o administrador da circunscrição Pedro Duarte (irmão do dr. Abílio Duarte, ambos cabo-verdianos e militantes do PAIGC dos mais importantes) propiciou-lhe a evasão na mesma noite.
Havia mais de um ano que o Estado-Maior de Bissau e o seu comandante de Companhia sabiam quem era o Nino, o que andava e se propunha fazer. Os “donos” da nossa guerra da Guiné omitiam as informações desta natureza aos comandantes de patrulhamentos e de escoltas que não fossem oficiais…

A insurreição armada eclodiu no noroeste da Guiné, em Junho de 1962, numa lógica mais bandoleira que militar, a iniciativa foi do MLG (Movimento da Libertação da Guiné), com o assalto, pilhagens e delapidações nas estâncias de veraneio de Susana e Varela e o incêndio de uma serração em S. Domingos, por bigrupos com o efectivo de 200 guerrilheiros, instruídos em Bamako, capital do Mali, por ex-militares argelinos do exército francês, um deles era Momo Turé, que virá a enformar o trio que martirizou Amílcar Cabral.

O MLG era concorrencial e antecipara-se ao PAIGC na dotação de recursos humanos e de armamento; mas, por atalhos de entendimento, uma coligação informal da UPG, do MLG e do PAIGC desencadeou uma segunda vaga: entre 6 de Janeiro e 5 de Maio de 1963, cortaram a estrada Varela-S. Domingos, incendiaram o posto administrativo de Sedengal e o pontão entre Susana e Varela, atacaram Cajadi, Bigene e Samoge, montaram emboscadas ao CCav 252, causaram a morte a um soldado e ao seu comandante, Capitão Machado do Carmo, incendiaram o autocarro do Manuel Saad, da carreira de Bissau-S. Domingos e dois camiões dos madeireiros, etc..

 Da acção por parte do PAIGC, no Chão manjaco distinguiu-se o ex-professor primário Inocêncio Kani, que virá a ser o comandante do assassinato de Amílcar Cabral, enquanto no sul, na região continental e insular de Cacine, se distinguia Nino Vieira, nas acções nos chãos balanta e nalú, com assaltos a casas comerciais, sabotagens, cortes de estradas e na instrução e formação do primeiro corpo de Exército do PAIGC, uma numerosa força de guerrilha, um corpo de exército, dotada de metralhadoras antiaéreas, que acantonou nas ilhas do Como, Caiar e Catunco, coma missão de proteger a realização do I Congresso de Cassacá.

 Congresso de Cassacá

Ao invés de François Mendy e do seu MLG, Amílcar Cabral só desencadeou a sua guerra com o trabalho de casa feito, depois do estudo do terreno, do dispositivo militar português da Guiné levado ao pormenor, da autoria do então Tenente-Coronel Costa Gomes (em implementação desde 1958 e imutável até 1974), e concebeu a sua orgânica militar e o seu plano táctico-estratégico de acordo com as lições de Mao.
Cerca de 2/3 da dimensão da Guiné eram floresta e água. Na sua perspectiva de soberania, a tropa organizava-se em sectores geográficos, sedes de batalhões, e em quadrículas geométricas, nomadizava nas zonas urbanas e nas tabancas mais densamente povoadas, as quadrículas como áreas de acção de Companhias de Infantaria, com o efectivo de cerca de 150 homens, operava dia e noite, os seus reabastecimentos garantidos por terra, mar e ar. Mas jogava fora. O PAIGC estabeleceu a sua retaguarda no estrangeiro, organizou a sua luta em três frentes ou regiões político-militares, manobrava em Grupos e Bigrupos de combate de grande mobilidade e virtuosismo táctico, estes com o efectivo de 30 homens cada, estava para as matas e florestas como o peixe para a água, era noctívago nas suas ambulações bélicas, tanto pregava a tropa ao chão como a obrigava à dispersão, o seu reabastecimento a partir do estrangeiro, garantido pelas infiltrações das fronteiras, os “corredores” para a tropa – a permeabilidade das fronteiras foi o pecado mortal táctico-estratégico do Alto Comando português. E jogava em casa.

A partir de 1963 e durante 11 anos, o PAIGC foi constante na propalação (até 1974) da glória de dominar e “administrar” 2/3 de “áreas libertadas” na Guiné e de ter imposto o confinamento da soberania de Portugal a Bissau e Safim. Um embuste, “publicidade enganosa”, com sucesso junto da ONU, da OUA e das chancelarias mundiais que lhe sustentavam a guerra.
Esses “2/3 de áreas libertadas” não era mérito seu, era o grande activo da Guiné - o seu ecosistema de massas de florestas, água de rios e braços de mar.
Em 1963, o PAIGC tinha completado a implementação e activado o seu dispositivo militar na Frente sul e na Frente sul (a tropa demorou mais de um ano a iniciar a sua rarefacção, com a Operação Tridente), a manobra dos “primos Vieira”, Osvaldo e Nino evidenciava o virtuosismo decorrente do seu tirocínio em Pequim.

Para memória futura: Fui militar do contingente geral e servi na Guerra da Guiné com o posto de furriel miliciano, de meados de 1964 a meados de 1966, começamos baseados em Bissau, as três companhias operacionais para missões de intervenção. No primeiro ano fomos sempre até onde a soberania de Portugal fora, executando batidas, golpes de mão, cercos, assaltos, sofremos minas, flagelações, emboscadas e suas consequências, por terra e por água e nomadizamos em duas zonas problemáticas – 10 dias em Bironque, no Norte, e 67 dias em Cufar, no Sul. No Norte confrontamo-nos com o comandante Osvaldo Vieira e a sua malta e no Sul com o comandante Nino Vieira e sua malta. No segundo ano fomos para Nova Lamego, ambulamos por todo o Leste, cambamos o Corubal na fatídica jangada do Ché-ché, confrontamo-nos com o comandante Domingos Ramos e sua malta nas abrasivas áreas de Canquelifá, Beli e Madina do Boé e terminamos a comissão na tabanca fula e mandinga de Buruntuma, fronteira da Gconacri.
O PAIGC sujeitou-nos a situações umas mais difíceis e dolorosas que outras, mormente nas matas do Oio, Morés, Cafine, Cantanhez e Cufar, mas, mesmo nessas áreas da sua maior presença e mobilidade, a sua acção nunca configurou algo parecido com “área libertada”!
Não obstante ter sido actor nessa Guerra da Guiné “para nada”, parafraseando alguém, a sua primeira vítima foi a verdade.

Amílcar Cabral rompera com o MLG, tratou de o desnatar dos seus melhores recursos humanos e, na noite de 23 de Janeiro de 1963, inaugurou a sua Guerra da Guiné a solo, numa operação com lógica militar. Um comando do PAIGC formado na base de Koundara, Guiné-Conacri (a 30 km de Buruntuma), veio atacar a sede do BCaç 237, em Tite, no coração da Guiné, na margem esquerda do estuário do Geba, defronte a Bissau, vitimou uma sentinela, o soldado gondomarense Gabriel Moura, mas só no dia 26 é que comunicou o evento à ONU, porque o regresso dos atacantes ao seu PC, em Koundara, demorou 3 dias…

O General Humberto Delgado foi convencido por Álvaro e transumou-se de Rabat para Argel, chegou, invocou à comunidade conspirativa lusa o seu direito natural, de Presidente eleito de Portugal e a sua patente de General, impôs-se presidente da FPLN e comandante da luta da oposição salazarista. A pluralidade convertera a FPLN num saco de gatos, a maioria passou a negar-lhe interacção, a fazer finca-pé à anterior orgânica da FPLN e ele desenrascou-se mudando o P de patriótica para o P de portuguesa.

O General Humberto Delgado a votar nas Eleições Presidenciais de 1958

Em Setembro de 1964, a guerra rebentou em Moçambique, a FRELIMO aderiu à FPLN, e Amílcar Cabral, também convencido por Álvaro Cunhal, deixou Rabat e a família, passou a frequentar Argel, engrossou a FP(atriótica)LN, de saco de gatos oposicionistas passou a saco de tigres, a maioria dessa comunidade conspiradora lusa secundou a proclamação dos três dirigentes nacionalistas à luta armada no Portugal ultramarino, a CONCP propunha-se desencadear ataques de “bate e foge” aos quartéis da Metrópole, o general agoniou-se e em Outubro bateu com a porta.
A sua circunstância e as suas idiossincrasias tornaram Amílcar Cabral apenas fiel a tudo o relativo à guerra, a Maria Helena tendia para os princípios políticos do general, divorciaram-se, ela refez a sua vida sentimental com o seu ajudante de campo Henrique Cerqueira, regressou a Portugal após o 25A74 e deu aulas na Universidade do Minho.
Amílcar Cabral refez a sua vida sentimental com a moça guineense Ana Maria Voss de Sá, sua protegida com uma bolsa de estudo na Checo-Eslováquia, o PAIGC aureolou-a de espécie de viúva nacional, foi o seu representante à cerimónia do arrear da última bandeira portuguesa, na parada do quartel de Mansoa, em 9 de Novembro de 1974, - o último acto da exoneração de Portugal da sua soberania e a última missão do seu o último soldado, o nosso camarada Furriel Mil.º Eduardo Magalhães Ribeiro.

A notícia da morte do General Humberto Delgado na Extremadura espanhola chegou ao Café Bento ou nossa “5.ª Rep” no princípio de Maio de 1965, estávamos em recuperação, passáramos o mês de Abril em intervenção na região de Buba, investidos nas muito duras e sofridas Operação Faena, em Antuane, e Operação Faena, em Incassol. A indiferença ante a notícia foi geral, não provocou reacções de compaixão nem de simpatia – entendíamo-lo como mais que para se vingar de Salazar se passara para os turras, para os ajudar a infernizar-nos a vida, a estropiar-nos e a matar-nos. Pura desinformação. Houve suspeitas, não provadas, de que o General Humberto Delgado teria sido “oferecido” à PIDE pela FPLN ou “Grupo de Argel” ou pela CONCP, em consequência da sua ruptura com ela e por se ter recusado a caucionar a admissão a pretensão da extensão da intromissão dos líderes da guerra africana nos assuntos portugueses genuinamente internos. Votara-se à conspiração armada contra o regime, mas era seu ponto de honra não usar os soldados portugueses para seu alvo – assim o determinara na sua ordem de operação do assalto ao RI 13 de Beja.

Apoiar alguém a matar os seus compatriotas que cumprem o seu dever de soldados do seu próprio país, onde quer que o sirvam, não é igual a planear e lançar ataques aos seus mandantes, nos quartéis, S. Bento, Terreiro do Paço e Belém.

Manuel Alegre reunia em seu favor o talento de vate poético, cantado pela Amália, o de alferes miliciano na tomada de Nambuangongo, Angola, de conspirador do “golpe Botelho Moniz”, a visibilidade da sua militância democrática durante o PREC, mas foi rejeitado pelo voto para nosso Presidente da República e Supremo Comandante das Forças Armadas. A sua rejeição não terá a ver com o passado conspirativo no Grupo de Argel, mas pelo activismo do seu apoio aos “turras”, na Rádio Voz da Liberdade/Rádio Portugal Livre e em eventos. Os Combatentes - foram mais de um milhão! - se perdoaram não esqueceram…

Em jeito de conclusão, invoco Paul Veyne: “A História é um romance verdadeiro que tem o homem por actor”.
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Nota do editor

Vd. poste anterior de 21 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21279: (In)citações (165): Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

Guiné 61/74 - P21282: Meu pai, meu velho, meu camarada (65): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte III




Cabo Verde > S. Vicente > Mindelo > "23/7/1941. Chegada ao 1º Batalhão Expedicionário do R.I. nº 5 a São Vicente, Cabo Verde. Na fotografia estou eu com alguns camaradas da minha companhia. No porto do Mindelo fomos entusiasticamente recebidos. Luís Henriques". [Partida a 18 de Julho de 1941, do Cais da Rocha Conde de Óbidos, Lisboa]. Fonte: Arquivo da família.


Cabo Verde >S. Vicente > Mindelo > 14/8/1942. Desfile de tropas, no dia da infantaria. 
Foto Melo. Arquivo da família.




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 23/7/1941. Chegada à ilha e defile das tropas expedicionárias do RI 5. Lê-se no verso da foto: "O senhor governador da colónia passando revista ao batalhão expedicionário do RI 5, acompanhado pelo nosso comandante. Passa neste momento [revista] à 3º companhia. Meu capitão Martens (ou Martins ?) Ferraz". Não tenho a certeza do sítio, talvez seja Praça Nova. O governador seria, na altura, o capitão José Diogo Ferreira Martins.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.


Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte III



3. O Luís Henriques que faria cem anos, no passado dia 19 de agosto de 2020, se fosse vivo. Hoje, sábado, dia 22, vai ser celebrada na igreja de Ribamar, Lourinhã, uma missa, em sua memória, às 18h30. O celebrante será o padre Batalha, seu velho amigo e pároco de muitos anos na Lourinhã.

Tinha memórias muito fortes (incluindo registos fotográficos, de que se selecionam aqui alguns) dos difíceis tempos que passou no Mindelo, Ilha de São Vicente (26 meses, entre julho de 1941 e setembro de 1943; nos últimos 4 meses esteve hospitalizado, por problemas pulmonares, entre maio e agosto de 1943). Mas voltemos à partida, em 18 de julho de 1941, do paquete "Mouzinho de Albuquerque, que teve honras de título de caixa alta no vespertino "Di
ário de Lisboa":






Excertos do Diário de Lisboa (diretor: Joaquim Manso), sexta-feira,  18 de julho de 1941, p. 5,  Cortesia da Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivos > Diário de Lisboa / Ruella Ramos.



Foi, então, no T/T "Mouzinho", da Companhia Colonial de Navegação, que o 1º cabo inf Luís Henriques e outros expedicionários do 1º batalhão do RI 5, das Caldas da Rainha, rumaram para Cabo Verde, ilha de São Vicente, em 18 de julho de 1941, conforme notícia do "Diário de Lisboa", acima reproduzida. A viagem não era isenta de riscos, bem pelo contrário (, como jávimos no poste anterior): estávamos em plena II Guerra Mundial e estava acessa a batalha do Atlântico Norte.

O Batalhão do RI 5 (Caldas Rainha) ( a que pertencia o Luís Henriques e outros camaradas, naturais do concelho da Lourinhã) será depois integrado no RI 23 ,constituído em Cabo Verde, na Ilha de S. Vicente, sob o comando do Brigadeiro Augusto Martins Nogueira Soares (Agosto de 1941 a Dezembro de 1944).



Cabo Verde > S. Vicente > Mindelo > Praia da Matiota > Maio de 1943 > "Matiota e a sua baía que é a melhor de S. Vicente, aonde se passa um bocado divertido", lê-se no verso. Possivlement Foto Meo. Fonte: arquivo da família.

 As forças do RI 5 estavam aquarteladas no Lazatero, no sopé do Monte Cara,a oeste do Mindelo. Na altura não havia aeroporto (hoje em São Pedro). Nem a Baía das Gatas era uma praia turística...



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mapa de 2007, da autoria de Francisco Santos. Imagem copyleft. As forças do RI 5 focaram estacionadas no Lazatero, no sopé do Monte Cara,a oeste do Mindelo. (Fonte: Cortesia de Wikipédia. Reedição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

(Continua)
 
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Notas do editor:

Último poste da série > 21 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21277: Meu pai, meu velho, meu camarada (64): Foto do sargento Joaquim José Fitas, o meu tio Quim, na véspera de partir para Cabo Verde, como expedicionário, em plena II Guerra Mundial (Mário Fitas)

Guiné 61/74 - P21281: Os nossos seres, saberes e lazeres (407): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Março de 2020:

Queridos amigos,
Hoje é dia da primeira saída de Ponte de Lima. É uma estranha sensação ter andado catorze anos a ler periodicamente os jornais de Viana, Ponte da Barca ou de Arcos de Valdevez, entre outros, tudo esmiuçado, até a necrologia, sempre que se falava numa publicação, havia que fazer um telefonema para encomendar a obra, o primo em Viana do Carlos Miguel ficava responsável pelo caudal das compras, casos havia em que eu telefonava para bibliotecas e arquivos, começava um tempo de impaciência até chegarem as obras, tudo quanto se publicava sobre o Alto Minho tinha prioridade.
O Carlos Miguel tinha os seus ciclos nostálgicos, umas vezes dizia-me que não queria morrer sem que lêssemos certas obras, a tudo eu dizia que sim, e lembro-me perfeitamente de um dia ele me ter dito que já não sabia onde tinha posto a Casa Grande de Romarigães, de Aquilino Ribeiro, perguntei-lhe se achava bem a minha edição com ilustrações de João Abel Manta, estou ainda a vê-lo com uma pose quase religiosa quando comecei: "Quando se procedeu ao restauro da casa grande, que foi solar dos Meneses e Montenegros, houve que demolir paredes de côvado e meio de bitola em que há um século lavrava a ruína, ocasionando-lhes fendas por onde entravam os andorinhões de asas abertas e desníveis com tal bojo que a derrocada parecia por horas. Num armário, não maior que o nicho de um santo, embutido na ombreira da janela, que a portada, em geral aberta, dissimulava atrás de si, encontrou-se uma volumosa rima de papéis velhos".
E começou uma nova saga de leitura, peripécia vivida ali para os lados de Paredes de Coura.

Um abraço do
Mário


No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (3)

Mário Beja Santos

Hoje é dia de Ponta da Barca, mas sem ir ao Lindoso. Dentre as assinaturas que o meu saudoso amigo Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo fazia de jornais de imprensa regional constava o Notícias da Barca, que lhe lia religiosamente quando chegava. Não é a primeira vez que venho à região, em férias no Gerês era inevitável passar pelo Soajo e, sempre que possível, parar aqui para admirar a ponte e o casco histórico em Alto Minho, Carlos Ferreira de Almeida refere: “Rústico, montanhês, mas também fidalgo, o concelho de Ponte da Barca tem uma curiosa evolução. Na Idade Média, quando o transporte fluvial no Lima era relativamente intenso, Barca era, a jusante, o último embarcadouro possível. Desde a foz até aqui, o rio desliza, brando, serpenteando entre margens de salgueiros e bancos de areia. Daqui para montante, o Lima corre em leito geralmente baixo, com bastantes pedras e saltando de degrau em degrau”. Agora percebe-se como é itinerário apetecível para a lampreia. Tudo foi feito para aqui amesendar, o dia está relativamente acinzentado, para fazer horas para o almoço e despertar o apetite nada melhor que subir a ladeira e descer até ao rio. Se é verdade que o lugar relevante do seu património vai para a ponte, há muito a ganhar em visitar a Matriz, deve o seu risco ao engenheiro vianês Manuel Pinto de Vilalobos, harmoniosamente posicionada, com escadaria monumental, capelas laterais, valioso recheio, altar-mor rococó e cá fora brasão. Antes de lá chegar deu-se com quinta fidalga, coisa que não é nada incomum por estas bandas.






Ferreira de Almeida, muito curiosamente, entronca a vida rural circunvizinha a este casco histórico, os Paços do Concelho, dos meados do século XVIII, a Casa dos Farias, com muro fronteiro, ameado e brasonado, e a Casa de Santo António, edifício da segunda metade de 700, dotado de uma bela fachada e capela lateral com retábulo da época. É sabido que há farta discussão sobre a terra-berço de Diogo Bernardes, há a crença de que o bardo, figura-suprema do bucolismo, nasceu na margem direita do Lima, numa casa pertencente à família dos Pimentas, a Casa da Prova de Baixo e a da Prova de Cima, à cautela, e por pura ignorância na matéria, abstenho-me de comentários, seja o que Deus quiser. Segue o passeio e encontram-se belos azulejos a decorar o portão de casa da vila, irresistível não captar a imagem pela elegância dos desenhos e cores. E fica-se especado a contemplar a Capela de Nossa Senhora da Lapa, lá está bem à vista o brasão de armas dos Magalhães, confrange o mau estado relativo deste templo que transita do maneirismo para o barroco, paciência, é elegante e um dia terá obras.



Desce-se até à ponte, e dá-se a palavra ao que escreve Carlos Ferreira de Almeida: “A ponte tem um lugar relevante por ser, no género, uma das mais notáveis obras construídas no Portugal medieval. Ela é um singularíssimo exemplo de quanto uma arquitetura modifica uma paisagem que lhe cria novos volumes e outros pontos referenciais. Aí, nada ficou igual depois da sua construção. Com perto de duzentos metros de comprido de dez amplos arcos, apoiados em fortes pilares com talha-mares, conservando a altura dos primeiros templos, esta obra teve duas grandes reformas, uma nos fins do século XIX que visou o alargamento do seu piso e outra, em 1761, reconstruiu e modificou os dois arcos centrais. Da construção medieval conservam-se oito arcadas, ligeiramente quebradas. São as que se apoiam nos pilares que apresentam olhais. Foi, sem dúvida, uma obra inspirada no prestigiado modelo da de Ponte de Lima”.




Ponte da Barca tem, desde o século XVIII, feira quinzenal, que alterna com a dos Arcos de Valdevez. Junto da ponte há um edifício icónico que alguém da terra disse ser conhecido pelo velho mercado. O que importa é que está muito bem requalificado, e ali bem perto desponta, bem garboso, o pelourinho. Não deixa de ser curioso quando andei a arrecadar literatura avulsa sobre o verdejante Alto Minho encontrei uma brochura alusiva em que era o castelo de Lindoso a proposta mais apetecível para fazer turismo. Será, a visita fica para a próxima, o próximo agora é ir para a mesa e saborear rojões, à tarde quero passar por Bravães e mais alguma coisa, o meu saudoso amigo disse-me um dia que é preciso olhar para Bravães para perceber o sentimento português. Assim seja.


Imagine o leitor, e tome isto como ciência certa, que após o obrigatório caldo verde e a pratada de rojões e um café abagaçado para esmoer as banhas da fritura, se veio para a rua para passeio pedestre à beira Lima e seguir para outras paragens. A roda do destino trocou as voltas, andava-se por ali naquela amenidade a ouvir as águas revoltas do Lima quando se começaram a soltar as notas das concertinas, era festa rija com certeza, talvez romaria ou filarmónica a desfilar. Fui ver, e dali não saí e uma hora passou veloz. Não se percebe o minhoto sem a música e o baile. No interior da farta tenda concentrava-se no centro, em círculo, os mestres da concertina, jovens e adultos de diferentes idades, viola e creio que um reco-reco. A alegria dos bailantes era esfusiante. Como quem não sabe é como quem não vê, cheguei-me a alguém que era nitidamente da terra e que cumprimentava, prazenteiro, quem chegava e quem partia. Que festa era aquela, seria o orago da terra, quando se realizavam os bailes e outras perguntas adjuvantes. O dito senhor mirou o forasteiro e deu-lhe as seguintes explicações ou coisa parecida: “Meu caro senhor, o minhoto sem bailarico não pode andar alegre. O que aqui vê acontece todos os domingos, começa por esta hora e vai até os músicos e os bailantes se cansarem. Está-nos na alma este ritmo, este modo de dar ao corpo, temos diferentes modalidades de música folclórica, dança-se aos pares, as concertinas aceleram e anda tudo num rodopio. Onde há minhoto há concertina, temos ranchos folclóricos em todas as povoações, a música está-nos no sangue”. E ali estive, compartilhando à distância o que de vibrante há nos sentimentos lúdicos minhotos. E agora, não sem algum pesar, deixa-se esta festa para ir até Bravães, convém não esquecer que esta rota de saudade tem por mercê um limiano, um tanto vianês, que amou o seu terrunho até ao último dia da sua vida, e de quem fui cúmplice catorze anos a fio, lendo-lhe os jornais, os livros, as revistas, e ele escutava, fazia comentários, regressava até à Casa da Feitosa, guardava infinitas saudades, as tias, os primos, a consoada. E a viagem prossegue.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21256: Os nossos seres, saberes e lazeres (406): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21280: Parabéns a você (1854): José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21275: Parabéns a você (1853): Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 (Guiné, 1972/73)