terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24066: Notas de leitura (1556): Em "A Minha Guerra a Petróleo", por António José Pereira da Costa; Chiado Editora, 2019 - "Cerca das 281330AGO71", uma memória de guerra, uma apreciação de um facto (Carlos Vinhal)


Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Mansabá ea lgumas das tabancas (Mansomine, Manhau, Mantida, etc.) desactivadas no tempo da CART 2732 dentro da sua zona de acção, que a Leste, terminava na bolanha de Manhau (Vd. poste P12150, de Ernesto Duarte)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)


N
o meu primeiro comentário no Poste 24063, fiz referência ao infortúnio que atingiu o então Cap Faria Monteiro, comandante da CART 3417, quando pisou uma mina antipessoal ali para os lados de Manhau.

No seu livro "A Minha Guerra a Petróleo", o nosso camarada António José Pereira da Costa, Cor Art Ref, faz referência este incidente nas páginas 159 a 167, porque o Cap Monteiro era, e é, seu amigo. Porque a narrativa está muito pormenorizada e fiel ao acontecimento, pelo menos nas horas difíceis passadas em Mansabá e em que eu e os meus camaradas tivemos a nossa modesta intervenção, não resisti a transcrever aqui no Blogue o capítulo na íntegra. Só espero que o nosso esforço tenha minorado a extensão dos ferimentos sofridos pelo Cap Monteiro.

A propósito, o livro "A Minha Guerra a Petróleo" ainda pode ser adquirido, tendo um custo actual de 14,00€, através da WOOK, por exemplo.
São 187 páginas de leitura interessante complementada com algumas fotos.

CV
********************

Cerca das 281330AGO71[2]

Este texto não é só mais uma memória de guerra, uma apreciação de um facto que veio ter comigo. Será a maneira como observei algo que sucedeu a outra pessoa e a memória que disso guardei, influenciada por situações que vivi antes e depois. Julgo que este texto pode ser considerado uma homenagem.

Saindo de Mansabá em direcção a nascente encontrávamos três pequenas localidades abandonadas: Mansomine, Manhau e Mantida. No tempo da paz eram servidas pela estrada que seguia para Banjara - esta já a mais de 18 km de distância - e que, na altura em que por ali andei, também já fora abandonada. Não pertencia ao nosso sector. Era apenas algo de que se falava...

Nos patrulhamentos que realizávamos naquela direcção, marcou-me especialmente a visão do quartel de Manhau, abandonado e destruído. Segundo apurei, fora um destacamento da Companhia de Mansabá, ocupado quinzenalmente por um grupo de combate e um pelotão de milícia com umas condições de vida muito más e para onde era necessário levar tudo, até a água, numa viatura-tanque. Qual seria a vantagem táctica de uma posição com aquelas características? Como tantos outros "quartéis da malta", acabara abandonado e destruído "à granada de mão", por volta de 1966.

Naquela altura, ainda se reconheciam as duas fiadas de arame farpado, agora ferruegnto e quebrado aqui e além, vagamente esticado entre as últimas varas que o tinham suportado. O cavalo-de-frisa ainda se mantinha de pé, mas inútil não chegava a vedar o acesso ao interior da área quadrada, que deveria ter tido cerca de trinta a quarenta metros de lado. No interior, nenhuma construção ou mesmo restos do que pudesse ter sido uma, eram identificáveis com clareza, mas no exterior, o sistema de iluminação continuava bem representado por alguns postes: uns já caídos, outros resistindo às intempéries numa posição quase vertical. Cada poste não era mais do que um tronco de palmeira cravado no solo, ao qual havia sido adossado pela geratriz um "abat-jour" cilíndrico deveras original.

Era constituído por um bidon vazio que tinha sofrido umas pequenas, digamos, adaptações. Uma das tampas - a que ficaria para baixo - fora removida, mas a outra apenas havia sido separada da superfície lateral do cilindro em pouco mais de metade do perímetro. Depois de aberta a geratriz oposta à que fora pregada ao poste, um petromax ficava pendente da face inferior da tampa, no interior do cilindro. Julgo que assim se pretendia preservar o candeeiro dos ventos e das chuvadas, mantendo o perímetro do aquartelamento iluminado. Sempre que um dos Petromax fraquejasse, o "electricista de noite" tinha uma tarefa a cumprir. Considero este abat-jour mais uma prova do "desenrascanço nacional" e do engenho (que não arte) dos Portugueses.

Todavia, o sistema fornecia pouca iluminação para que os defensores pudessem observar a área circundante da posição. Em compensação, o In dispunha de uma visão privilegiada sobre ela, a algumas centenas de metros de distância. Agora, olhar para este "quartel" era contemplar uma espécie de peça de arqueologia militar, que entristecia se procurássemos saber o que levava a que o destacamento fosse construído, sabe-se lá com que esforço, e depois abandonado. Depois deste, era a tabanca de Mantida, onde os militares que guarneciam Manhauiriam buscar laranjas de boa qualidade e correndo os inerentes riscos. Era uma lenda, mas para que tenha surgido é necessário que, pelo menos uma vez, lá tenham ido...

Devo ter ido a Manhau e Mantida duas ou três vezes, mas para além da visão das ruínas do quartel, tenho a imagem de uns dois metros de estrada onde a erva não tinha crescido, passado mais de um ano. Tinha sido ali... segundo se dizia e eu acredito, pois - soube dpois - que, além da mina que vitimara o Monteiro, havia mais três que o furriel de minas e armadilhas tinha detonado.

Eu estava em Bissau com a Bateria Ati-aérea, quando o Joaquim Evaristo me deu a notícia. O Monteiro[4] tinha pisado uma mina anti-pessoal. Há notícias que não podem ser dadas de outra maneira: de modo brutal e com uma frase curta e, como todas do mesmo tipo, de significado imediatamente dedutível. Não sei porquê, mas não fui logo ao Hospital. O Joaquim foi e, pouco tempo depois, só medisse:
- Está sem um pé.

Logo que me foi possível fui ao Hospital e localizei-o. Estava num quarto, deitado na cama com uma perna esticada e a outra erguida e apoiada em algo que se parecia com uma almofada...

Fiquei sem saber o que dizer, mas o silêncio de poucos segundos tornou-se impossível de suportar. Nestes momentos, sabemos que é necessário dizer ou fazer qualquer coisa, mas não temos a ideia do que possa ser. Se calhar, concentramo-nos em nós e no que sentimos, quando deveríamos considerar que o ferido ou o doente grave que ali está é que deverá estar antes de tudo.

Tartamudeei qualquer coisa, nem sei o quê. Depois tentei saber como as coisas tinham sucedido. A estrada abandonada ainda conservava as rodeiras, as marcas dos pneus das viaturas que por ali tinham passado. E foi ao movimentar-se pela área entre rodeiras que encontrou a mina.

Por outras experiências que tive, sei que a surpresa inicial deu lugar ao espanto e à pergunta feita a si mesmo:

- O que sucedeu?

Depois é uma mistura de dor sentida e uma vontade de sair dali, de tudo aquilo que não seja verdade e de um turbilão de perguntas que acabam por se redizir a uma certeza: "Estou gravemente ferido. Isto também me aconteceu a mim".

- A mim? Porquê a mim?

Os outros têm muito que fazer. A nós, nada mais resta do que aguentar a dor e sentir revolta contra a falta de sorte e a irreversibilidade da situação

Dez dias depoi de ter completado 24 anos!...

À chegada dos reforços vindos de Mansabá, os enfermeiros da sua Companhia já tinham garrotado a perna e metido o soro, procedimentos habituais nestas situações. Agora eram sete quilómetros em coluna, de regresso ao quartel, num percurso em que se queria evitar solavancos, sempre excessivos para quem sofre. Porém, nesse dia chovia e, devido à pouca visibilidade, os helicópteros não voavam. Podia ser que as condições melhorassem, mas há dias em que nem os astros ajudam. Cerca das cinco da tarde confirmou-se que o héli não viria e não houve outra solução que não fosse a evacuação, em coluna auto. A espera inglória na enfermaria foi angustiante. Uma tortura que nada justificava. 

Por fim, o pessoal de enfermagem "depositou" a maca numa das viaturas e a coluna partiu em marcha moderada. Seria uma viagem até Mansoa e daí, em ambulância, até ao hospital. Todavia a viagem de Mansoa a Bissau "não estava prevista" e a coluna por ser de quase cem quilómetros, até Bissau, debaixo de chuva intensa. Já tinham passado bastantes horas e o sofrimento físico e psicológico somavam-se, numa aritmética de revolta sem fim, que só terá tido uma paragem pelas seis e meia da tarde à entrada do Hospital Militar de Bissau. Tinham decorrido cinco horas.

Ouvi a descrição do Monteiro e, não podendo ou não sabendo, dizer mais, respondi-lhe que agora "era necessário reagir". No segundo imediato apercebi-me da agressão que tinha cometido. Há coisas que, mesmo que se pensem, não se dizem e o Monteiro fez-mo sentir respondendo-me.
- Reagir? Reagir, reages tu que tens duas pernas. Agora eu só tenho uma...

Fiquei sem palavras. Uns instantes de silêncio depois, despedi-me e deixei o quarto. Além do monte de gaze que marcava agora o fim da perna fiquei impressionado com a cor das gengivas que o ferido apresentava. Brancas. Disseram-me que era do soro que lhe fora ministrado, durante muito tempo. Por mim, penso que era um indício de anemia pela perda de sangue.

Poucos dias depois, voltei com o major Gaspar, nosso amigo e meu segundo-comandante. Ainda estou para saber o que o terá levado a aparecer, naquele dia, com as fitas das condecorações e com o brasão do Regimento de Artilharia n.º 3 (de Évora) sua unidade habitual. Era à tarde e os feridos e doentes tinham sido postos na varanda do hospital, talvez numa tentativa de lhes melhorar a disposição, se tal fosse possível...

A conversa foi curta e eu8 procurei ficar calado. O nosso amigo, talvez por ser mais velho, parecia ter maior capacidade de diálogo, mas, ao fim de alguns minutos, o silêncio acabou por surgir. O Monteiro disse, de repente e num tom que parecia subtil, mas que comportava uma crítica muito amarga e contundente:

- O meu major está muito bonito, com as condecorações!

Com o sol já baixo, ficou-me a imagem do major Gaspar com os olhos marejados, a dizer, como se se justificass:

- Calhou. Isto não é nada. Já estavam postas nesta camisa quando a vesti hoje.

Não arranjo melhor expressão para descrever a nossa saída da varanda: "Fugimos"

E chegou a véspera da evacuação para Lisboa.

De novo, o major e eu fomos ao hospital. O jantar já fora distribuído há muito e os corredores estavam desertos e escuros. Eu tinha para mim que seríamos recebidos com frieza, se não mesmo com agressividade. Porém, ao entrarmos no quarto, fomos saudados com alegria e boa disposição. Era a saída da Guiné, o retorno à "Metrópole" e à família. Era o fugir dali, um lugar onde não pertencia, para um sítio onde poderia reencontrar os seus, aqueles que havia deixado pouco mais de dois meses antes.

Fiquei surpreendido por falarmos com certo à-vontade e eu, já não me lembro a propósito de quê, disse qualquer coisa como:

- Pois é, a vida está má!

O Monteiro tratou-me pela alcunha e comentou:

- Boa piada PK! Boa piada! Olha, que até o meu coto se ri!... - e, agarrado à perna, abanava-a com as mãos.

Foi então que concluí que uns produtos daqueles que tiram as dores e dão boa disposição, talvez euforia, deveriam ter andado por ali, misturados na sopa ou mesmo em todo o resto do jantar.

O Gaspar, por seu turno, aproximou a orelha do coto entrapadíssimo e, pedindo-lhe que ligasse o transmissor, comentou a qualidade da música que estaria a ouvir.

Mais uma vez fiquei sem saber o que dizer. Não me lembro se saí por minha iniciativa, por não poder suportar o surrealismo daquela cena, ou se fui levado pelo final da visita, decretado pelo meu segundo-comandante, para meu alívio, confesso.

A partir daqui e ao longo da minha vida, fui recordando duas situações que desenterrei na memória e que envolviam pernas, as pernas do Monteiro. Uma ainda na Academia e outra já quando éramos oficiais.

Nunca tive grande jeito para um qualquer desporto em especial. Contudo, um dia descobri o basquetebol. Achei-o curioso, mas cedo concluí que deve ser dos jogos de bola mais difíceis de praticar. Ou seria "o árbitro" que me perseguia? Certo é que, sempre que eu tocava na bola fazia falta, "por passos". E não havia maneira de aprender a técnica. E aquela regra é tão apertada, convenhamos!...

Apesar disto, não desisti e resolvi aprender com o Monteiro. E uma das coisas que ele me ensinou foi que, ao receber a bola com ambas as mãos, eu deveria escolher um "pé-eixo" que, a partir daí não poderia mexer. Era como se estivesse soldado ao chão. Pelo menos, foi o que entendi. Acabei por desistir da aprendizagem, mas mantive o gosto pela modalidade, graças às indicações do meu improvisado mestre.

Recordei também a cena na Sala de Oficiais da Escola Prática de Artilharia para onde o nosso curso de tenentes tinha sido enviado para o Curso de Promoção a Capitão, que, depois, não valeu. Mas isso já são questões laterais. Uma manhã, no rádio da sala passava "Les Champs-Elysées", na voz de Joe Dassin. Bela melodia e letra curiosa e bem construída Andávamos pelos nossos vinte e dois a vinte e cinco anos e fôramos musicalmente educados na música europeia. Tínhamos cinco anos de francês, no ensino secundário, e numa música como aquela era fácil encontrar encanto. Imediatamente constituimos uma libha de seis ou sete bailadores com as mãos apoiadas no ombros do que nos ficava ao lado. Depois, em sincronismo, atirávamos alternadamente a perna direita para a esquerda e a perna esquerda para a direita, ao rítmo da música, uma gajice própria dos jovens que éramos, apesar de já todos termos um ano de África, em Angola, em Moçambique ou na Guiné para onde partíramos três e só dois haviam voltado. Naquela idade, ainda tínhamos uma certa garridice que permitia enfrentar o futuro com certo ânimo e confiança, mesmo tendo já adquirido uma certa (má) experiência da vida e sabendo que os tempos que se avizinhavam tinham tudo para ser de provação. A dada altura alguém comentou:
- Olhem só para isto! Os futuros comandantes das companhias de Artilharia que irão para o Ultramar!...

O grupo desfez-se, de imediato. Caíramos em nós. No fundo, éramos oficiais respeitáveis e conscientes dos nossos deveres e não podíamos permitir-nos a brincadeiras como aquela...

Depois da evacuação para Lisboa, tive notícias dispersas do Monteiro, até nos encontrarmos na AM na celebração dos trinta anos do nosso curso. Nessa altura, disse-me que era professor. "Professor", mas com P Grande. Por mim pensei:

- Ainda bem! Nem outra coisa era de esperar de um Homem da minha geração!

Mem-Martins, 10 de Agosto de 2018

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Notas do autor:

[2) - Esta é a maneira de referir nas comunicações militares ou em documentos escritos, algo que sucedeu cerca das 13 horas e 30 minutos do dia 28 de Agosto de 1971. Fica assim constituído o chamado "grupo data-hora".

[3] - Naquele tempo, nas unidades tipo Regimento da Metrópole, havia um "electricista de dia" nomeado por escala.

Guiné 61/74 - P24065: A nossa guerra em números (22): De um total de 1570 minas e outros engenhos explosivos implantados pelo PAIGC (de 1972 a 20 de abril de 1974), mais de três quartos foram neutralizadas pelas NT, com destaque para as minas A/P

Fonte: Relatório da 2ª Repartição/CCFAG relativo ao período de 1Jan73 a 150ut74, citado por CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, 2015), pág. 497.


1.   A propósitos das minas e outros engenhos explosivos usados na guerra do ultramar / guerra colonial (*), escrevemos:

(...) "As minas (A/C e A/P) e armadilhas (fornilhos, etc.) foram um dos "ossos mais duros de roer" na guerra que tivemos de enfrentar no TO da Guiné... Não sabemos quantas foram montadas, identificadas e levantadas... De um lado e do outro... Impossível haver estatísticas. Mas foram dezenas e dezenas, senão centenas, de milhares, ao longo dos anos, as minas que montámos, de um lado e do outro, para provocar baixas no campo do inimigo e desmoralizá-lo... Uma "arma suja", nesta e noutras guerras...

Pior ainda, não sabemos quantas foram accionadas pelas nossas viaturas, ou pelos nossos pés... Nem o número de mortos, feridos e incapacitados, provocados por estes engenhos mortíferos... Falamos de minas terrestres, mas também as havia aquáticas" (...)

Pedro Marquês de Sousa (em comentário de ontem, no Facebook da Tabanca Grande Luís Graça), escreveu:

(...) Durante o ano de 1973 foram detectadas 750 minas implantadas pelo PAIGC. Em Moçambique esta ameaça (minas) era ainda maior do que na Guiné, pois no mesmo ano (1973) temos o registo de mais de 2000 colocadas pela FRELIMO das quais 665 foram detonadas pelas nossas tropas (uma média de 55 minas detonadas por mês)" (...). (Ver livro do autor, ten cor na reserva, "Os números da Guerra de África", Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pp.174 , 184 e 185.

2. Veja-se o nosso poste P23450 (**):

Pedro Marquês de Sousa, no seu livro "Os números da Guerra de África"(Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 381 pp.), dá-nos algumas "dicas" sobre o consumo de minas A/C e A/P por parte das NT em Moçambique:

(i) para o ano de 1972, aqui vai um resumo das quantidades das principais munições e granadas fornecidas, em milhares de unidades (por arredondamento por excesso ou defeito) (adaptado por nós, op cit, pág. 301):

Munições 7,62 mm > 2152,3
Granadas de mão defensivas > 4,2
Granadas de mão ofensivas > 41,8
Granadas de morteiro 60 mm > 6,3
Granada de morteiro 81 mm > 5,7
Minas A/P (antipessoais) > 43,2

(ii) estranhamente, os consumos de minas nos anos de 1970 e 1971, em milhares, são muito díspares:

Minas A/C: 0,5 (1970) | (-) (1971)
Minas A/P:1,3 (1970) | 50,7 (1971)


Obviamente, as NT usavam muito mais das minas A/P do que as minas A/C...

Quanto aos prémios, na década de 1970, os valores já eram outros. Diz o Luís Dias [ex-alf mil Inf, CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), o nosso especialista em armamento]:

(...) Segundo corria no meu tempo, o que rendia eram as minas A/P a 1000 pesos, a mina A/C a 3000 pesos e as rampas de foguetões ou os foguetões 120 mm a 5000 pesos.(...) (**).


3. Ainda relativamente ao TO da Guiné, temos alguns dados referentes aos últimos anos da guerra, e às minas implantadas (pelo IN) e neutralizadas (pela NT) (vd. quadro acima).

Nos anos de 1972, 1973 e 1974 (até 30 de abril), o PAIGC implantou  1570 minas e engenhos explosivos, com destaque para as minhas A/P (sete em cada dez):

  • minas A/P: 1132 (72,1% do total); neutralizadas: 80,2% (quatro em cada cinco);
  • minas A/C: 381 (24,3% do total); neutralizadas: 74,8 % (um em cada quatro);
  • outros engenhos explosivos: 57 (3,6% do total); neutralizadas: 35,1% (um em cada três).
Total (minas e outros engenhos explosivos )minas aquáticas, armadilhas e outros): 1570 (100,0%); neutralizados: 77,6% do total (quase quatro em cada cinco).

De um total de 1570 minas e outros engenhos explosivos foram neutralizadas, pelas NT, 1218  (77,6%), o que é um "score" notável.

Houve, por certo, muito mais minas e armadilhas que ficaram por detetar,  e que provavelmente fizeram ainda vítimas (nomeadamente entre civis e animais) muito depois da guerra ter acabado.  

De qualquer modo, estes números  (***)tem de ser lidos no contexto do agravamento da situação político-militar no CTIG. Segundo o relatório da 2ª Rep/CCFAG, acima citado:

(...)  "O ano de 1973, juntamente com os primeiros meses de 1974 até ao 25 de Abril, constituem um período de nítido agravamento da situação militar, económica e político-subversiva no território da Guiné.

Este estado de coisas reflectia a agudização do problema colonial português, especialmente no plano internacional. Os movimentos emancipalistas, em particular o PAIGC, recebiam apoios ou ajudas de toda a ordem, cada vez mais generalizados, com destaque para os que eram canalizados através da ONU e OUA.

(...) As forças do PAIGC não só revelaram uma notável capacidade de manobra e confirmaram o extraordinário potencial de combate que lhes era atribuído, como alteraram profundamente o seu conceito de manobra no TO, passando da actuação dispersa em superfície para a concentração maciça de meios sobre objectivos definidos, normalmente distantes uns dos outros, com o propósito de hipotecar as reservas das NT no local oposto onde pretendia exercer o esforço. (...) (Negritos nossos).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24063: Roncos que davam prémios (em dinheiro)... mas podiam custar a vida: a deteção e levantamento de minas...

(**) Vd. poste de 22 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23450: A nossa guerra em números (18): o consumo de munições e granadas pelo exército

(***) Último poste da série > 8 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23505: A nossa guerra em números (21): o esforço financeiro global, de 23 mil e 900 milhões de euros (em valores de 2008), dividiu-se por Angola e Moçambique (25%) e pela Metrópole (75%)

Guiné 61/74 - P24064: Notas de leitura (1555): Quem mandou matar Amílcar Cabral? (José Pedro Castanheira, jornalista, "Expresso", 22 de janeiro de 2023) - II ( e última) Parte - Uma acusação de peso, a de Aristides Pereira: "Para todos os efeitos, goste-se ou não, o Amílcar foi morto como cabo-verdiano" (que não era: nasceu em Bafatá, viveu 10 anos em Cabo Verde, numa vida curta de 49 anos...).


Capa da revista do Expresso, edição de 16 de Janeiro de 1993.

"A reportagem de José Pedro Castanheira publicada na Revista do Expresso em 16 de Janeiro de 1993 teve o mérito de reacender em bases de investigação proba e rigorosa a investigação histórica quanto às motivações e constituição do complô que levou ao assassínio de Amílcar Cabral" (*)

1. Segunda e última parte do artigo de José Pedro Castanheira (JPC), "Quem mandou mandar Amílcar Cabral?" (Semanário "Expresso", edição de 22 de janeiro de 2023, Revista, pp. E|32 - E|37), publicada trinta anos depois da reportagem de 1993 (vd. capa, acima, da Revista do Expresso, de 16 de janeiro desse ano). 


JPC, jornalista e escritor, de 70 anos de idade, dedicou perto de metade da sua vida a tentar  responder à pergunta sobre o "autor moral", o "mandante",  da morte de Amílcar Cabral (AC) e a respetiva teia de cumplicidades . Desde 1993, ele tem explorado quatro hipóteses de investigação, apontando para os presumíveis "mandantes" do crime: 

(i) uma ação do gen Spínola e dos seuseus íntimos colaboradores, na iminência de "perder a guerra":

(ii) uma operação especial da PIDE/DGS, além fronteiras (a semelhança do que acontecera, em 1965, com o gen Humberto Delgado, assassinado com a sua secretária depois de cair numa cilada, em Espanha; 

(iii) uma jogada maquiavélica e antecipada de Sékou Touré, um ditador que sonhava com a "Grande Guiné", e via no Amílcar Cabral um rival de estatura pan-africana;

(iv) o desfecho inevitável da crescente conflitualidade existente no interior do PAIGC, entre os combatentes (guineenses) e a "nomenclatura", dirigente (cabo-verdiana).

Na nota de leitura anterior (**) fizemos, resumidamente, o ponto da situação sobre  o que se sabia sobre uma  eventual participação da parte portuguesa: não há indícios, nem factuais nem documentais, que permitam incriminar quer o gen Spínola (na altura, governador-geral e comandante-chefe da Guiné) quer a polícia política do regime.

Na segunda parte do seu artigo, o JPC explora a informação que ele tem continuado a recolher  sobre o eventual envolvimento de Sékou Touré bem como dos grupos que, dentro do PAIGC, podiam ter razões para assassinar o  seu  líder. 

Sékou Touré tem, contra si, o facto de ter "[recebido] no palácio os assassinos de Cabral ainda o cadáver estava quente, após o que os enviou para a tenebrosa cadeia de Camp Boiro, onde foram interrogados e torturados por forma a alterarem o sentido do seu depoimento — como o testemunhou o cabo-verdiano Alcides Évora (Batcha), convocado para servir de intérprete da polícia de Conacri" (JPC, Revista, E|36).

Dos arquivos de Conacri, o silêncio é total.  O que não admira,  quando se sabe que Sékou Touré, heroi da luta anticolonialista, governou com mão de ferro o seu país, de 1958 até ao ano da sua morte, em 1984.

 JPC também não conseguiu entrevistar Leopoldo Senghor (que suspeitava do envolvimento de Sékou Touré na morte do AC), mesmo munido de uma carta pessoal do então presidente da República Portuguesa, Mário Soares,

Dos franceses (que tudo fizeram, ao que parece, para derrubar Sékou Touré, inimigo fidalgal da França, antiga potência  colonizadora) também não houve luz verde para consultar, como era previsível,   os arquivos  secretos das "secretas", o "Service de documentation extérieure et de contre-espionnage" (SDECE). Idem, por parte da Itália, do Vaticano, etc., com os seus arquivos fechados a sete chaves.

Dois diplomatas da antiga Jugoslávia estiveram nas exéquias do AC, em Conacri, tendo constatado (e relatado) "um largo descontentamento dos ativistas e combatentes do PAIGC" em relação ao seu secretário-geral e líder histórico. 

Agostinho Neto, membro da Comissão Internacional de Inquérito, revelou, por sua vez,  que foram ouvidos cerca de 500 membros do PAIGC, presentes em Conacri, e desses "só 20 se exprimiram abertamente por Cabral".  De resto, parece que toda a gente sabia da "morte anunciada" do AC, em Conacri, exceto os cabo-verdianos... 

Deve-se realçar que tanto as informações dos diplomatas jugoslavos como de Agostinho Neto são de fontes secundárias. JPC cita-os em segunda mão. 

Infelizmente, por outro lado, diz JPC, "dos interrogatórios efetuados pelas  três comissões de inquérito nada se sabe. Muitas das confissões foram  arrancadas sob tortura. As cassetes áudio e/ou as respetivas transcrições desapareceram". Estamos a falar de um total de 465 pessoas!...

E o que é que resultou do apuramento da verdade dos factos e dos implicados na conspiração que levou à morte de AC ?... Houve "43 acusões de participação no golpe, 9 de cumplicidade e 42 de suspeitos. Todos guineenses"...

Como Pilatos, Sékou Touré lavou as mãos  e entregou-os ao PAIGC para fazer um simulacro de julgamento revolucionário e passá-los a seguir pelas armas, "nas regiões libertadas", para lá da fronteira.   

Não se sabe ao certo quantos fuzilamentos é que houve. JPC aponta para um número que parece ser mais consensual entre as diversas fontes: uma centena, não havendo na lista nenhum cabo-verdiano

"Na minha investigação, investiguei 23 nomes, entre os quais o matador, Inocêncio Cani, e os alegados cabecilhas, Momu Touré e Aristides Barbosa", anteriormente libertados por Spínola do Tarrafal.

'Nino' Vieira, entrevistado por JPC em Bissau,  falou da "matança de muita gente". Mas ele sempre desmentiu as insinuações ou suspeitas do seu envolvimento, de que se começou a falar mais abertamente depois do seu golpe militar de 14 de novembro de 1980.  De qualquer modo, na Guiné-Bissau, ainda hoje, há um silêncio sepulcral sobre o caso da morte do AC, enquanto em Cabo Verde o assunto continua a suscitar viva discussão.

JPC tentou, também em vão, recolher depoimentos de membros da Comissão Internacional de Inquérito. Abordou o embaixador de Cuba, em Conacri, Óscar Oramas,  um dos primeiros a chegar ao local do crime: não só confirmou  as más, mesmo péssimas, relações entre Osvaldo Vieira e Amílcar Cabral, como apontou a sua presença na cena do crime, "escondido atrás daquelas árvores" (sic)... 

Mesmo munido de uma carta de Manuel Alegre, amigo do embaixador da Argélia, dos tempos da rádio de ARoel,   Messaudi Zitouni, JPC nunca conseguiu o depoimento deste... 

Também esteve duas vezes com Joaquim Chissano..."Disse-me que reservava o relato para as suas próprias memórias. Até agora só saiu o primeiro volume (...) que termina em 1963". 

Da extensa bibliografia que já se publicou sobre AC (muito mais do que sobre qualquer outro dos líderes nacionalistas  de países como Angola ou Moçambique), o JPC destaca o livro de Julião Soares Sousa ("Amílcar Cabral. Vida e Morte de um Revolucionário Africano", Veja, 2012). Na sua opinião ( e na opinião de outros especialistas), é "a melhor e mais completa biografia" do AC. (Resultou de um trabalho académico do autor, o seu doutoramento em história pela Universidade de Coimbra.)

No capítulo sobre o assassínio do AC, Julião Soares Sousa, que é guineense, diz  não haver "margem para dúvidas": (...) "foi obra de dissidentes do PAIGC, com uma grande probabilidade de ter sido também um grande complô em grande escala, que ultrapassa as fronteiras da Guiné-Conacri" (citado por JPC, Revista, E|37).

JPC cita ainda duas fontes, a seu ver, importantes: o livro-testamento de Aristides Pereira e a série da RTP, "A Guerra", realizada por Joaquim Furtado: o episódio nº 25. emitido em 2012, é inteiramente consagrado à morte de AC. Pedro Pires é um dos muitos entrevistados, e o seu depoimento deve ser tido em conta (mesmo que ele continue, ainda hoje, a manter a sua tese  do complô português). 

Aristides Pereira, sucessor de AC à frente do PAIGC,  entrevistado por José Vicente Lopes ("Minha Vida, Nossa História", Spleen, 2012), "fala sem filtros, com uma clareza e limpidez totais, acentuando de forma porventura definitiva a responsabilidade de um importantíssimo sector da ala guineense na elimição de Cabral" (JPC). Cite-se as suas palavras: 

"Para todos os efeitos, goste-se ou não, o Amílcar foi morto como cabo-verdiano" (e de facto, o não o era: nasceu em Bafatá,  viveu apenas 10 anos em Cabo Verde onde fez o liceu, o que é pouco mesmo numa vida curta de 49 anos...).

Chegados ao fim da leitura do artigo, alguns leitores dirão que a montanha pariu um rato... No meu caso (não li o livro de JPC, publicado em 1995), fico com as ideias mais arrumadas. O autor fez um trabalho de investigação jornalística, sério, intelectualmente honesto, com rigor e método. Não é um trabalho académico. Mas tem 4 hipóteses de investigação, todas elas verosímeis.  

As duas primeiras, envolvendo a parte portuguesa, perdem hoje força, por falta de provas. Não se trata de "limpar a honra" dos portugueses (os militares e a polícia política), mesmo que entre os cabecilhas do matador, Inocêncio Cani, estejam dois ex-tarrafalistas, Momu Touré e Aristides Brabosa. As hipóteses iii) e iv) ganham força, nesta e noutras investigações mais recentes como a do cabo-verdiano Daniel dos Santos ("Amílcar Cabral: um outro olhar", Lisboa, Chiado Editora, 2014).  

[ Condensação / negritos: LG]
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Notas do editor:

 (*) Vd. postes de 


29 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19146: Notas de leitura (1115): Quem mandou matar Amílcar Cabral, reportagem publicada no Expresso em 16 de Janeiro de 1993 (2) (Mário Beja Santos)

(**) Vd. poste de 7 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24044: Notas de leitura (1551): Quem mandou matar Amílcar Cabral? (José Pedro Castanheira, jornalista, "Expresso", 22 de janeiro de 2023) - Parte I - Talvez "o maior mistério da absurda e inútil guerra colonial"... (Luís Graça)

Último poste da série "Notas de leitura": 13 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24062: Notas de leitura (1554): Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (3) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24063: Roncos que davam prémios (em dinheiro)... mas podiam custar a vida: a deteção e levantamento de minas...

Guiné > Região do Cacheu > Chão felupe > 1974 > BART 6522/72 (1972/74) > Deteção e levantamento de minas A/P. António Inverno, (*)

Foto (e legenda):  © António Inverno (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Região do Cacheu > Pel Caç Nat 60 > Estrada São Domingos - Susana > 13 de novembro de 1969 > A primeira mina A/C detetada e levantada: na imagem o alf mil Nelson Gonçalves e o 1º cabo Manuel Seleiro.

Foto (e legenda): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC colocando uma mina", Fundação Mário Soares / DAC – Documentos Amílcar Cabral, disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43786 (com a devida vénia)

Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  O rebenta-minas com rodado duplo à frente e sacos de areia na cabine, sem tejadilho... Uma GMC, adaptada, com 12 rodas...

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

1. As minas (A/C e A/P) e armadilhas (fornilhos, etc.) foram um dos "ossos mais duros de roer" na guerra que tivemos de enfrentar no TO da Guiné... Não sabemos quantas foram montadas, identificadas e levantadas... De um lado e do outro... Impossível haver estatísticas. Mas foram dezenas e dezenas, senão centenas, de milhares, ao longo dos anos, as minas que montámos, de um lado e do outro, para provocar baixas no campo do inimigo e desmoralizá-lo... Uma "arma suja", nesta e noutras guerras...

Pior ainda, não sabemos quantas foram accionadas pelas nossas viaturas, ou pelos nossos pés... Nem o número de mortos, feridos e incapacitados, provocados por estes engenhos mortíferos... Falamos de minas terrestres, mas também as havia aquáticas... 

As minas eram o terror de quem fazia colunas logísticas, de quem tinha que se deslocar por picadas (intransitáveis no tempo das chuvas...), de quem fazia operações no mato e tinha que se aproximar de alvos do inimigo... Era o terror de guias e picadores, dos condutores dos "rebenta-minas" (que seguiam à frente das colunas logísticas)... Mas também da população: muitas tabancas, em autodefesa, bem como destacamentos e aquartelamentos das NT, eram cercadas  por campos de minas... 

Enfim, toda a gente tem histórias de minas e armadilhas, teve camaradas que morreram ou ficaram feridos com o accionamento de minas, A/C ou A/P, mas também conheceu camaradas que foram heróis, sobretudo a leventar minas: sapadores ou graduados (alferes e furriéis) com o curso de minas e armadilhas que se tirava em Tancos, se não erro...

O tema está bem documentado no nosso nosso blogue. Temos cerca de 220 referências sobre minas e armadilhas (**)... 

O que toda a gente também sabe é que as minas também davam... "patacão", desde que fossem identificadas e levantadas, ou só identificadas e destruídas... A partir de 22/9/1967, uma mina anticarro (desde que detectada e levantada/capturada com todos os seus componentes) valia tanto como um canhão s/r, um LGFog (RPG 2 ou 7), morteiro pesado ou médio, ou seja, 2 contos (o que equivaleria, a preços  de hoje,  a 771 euros). A mina ou "fornilho, antipessoal, só valia metade, mil escudos... (Afinal, uma GMC, um Unimog ou uma Berliet sempre valia mais do que um homem.)

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Capitulo IV - Ano de 1964 

Anexo n° 1 - Normas para a atribuição de prémios pela captura de material ao inimigo

(CIRCULAR N° 2219/B DE 25 DE Abril da 2ª- Rep/QG/CTIG)

1. Pela captura ao lN de pistolas, espingardas, pistolas metralhadoras e morteiros serão atribuídos prémios, desde que a sua apreensão se verifique nas seguintes condições:

a. Em acções de combate (sob o fogo do lN);

b. Como consequência directa de acções de combate.

Não é atribuído qualquer prémio ao material dos tipos indicados que seja simplesmente encontrado (inclui-se aquele que tenha sido abandonado pelo lN devido ao funcionamento de armadilhas montadas pelas NT).

2. Serão também atribuídos prémios pela captura de minas ou armadilhas  apess [antipessoal, A/P]  e minas ou fornilhos acar [anticarro, A/C].

A designação "fornilho", além do seu significado clássico, engloba também as cargas explosivas convenientemente preparadas e prontas a serem accionadas.

Terão a designação de fornilho acar [A/C]  ou armadilha apess [A/P] consoante a respectiva quantidade de explosivos e o fim a que se destinam.

A estes materiais serão atribuídos prémios nas seguintes condições:

a. Detectado e capturado com todos os seus componentes;

b. Detectado e destruído.

3. Os prémios a atribuir são os seguintes:










4. A atribuição de prémios individuais é dificil, além de se considerar passível de afectar a disciplina e a eficiência operacional das unidades, pelo que se considera excepcional.

Aos Comandos de Batalhão competirá definir, para cada caso, se o prémio deverá ser atribuído individual ou colectivamente.

5. Os Comandos de Batalhão, para os fins de atribuição de prémios, informam o QG das condições em que se verificou a apreensão de material (1.a. ou 1.b. e 2.a. ou 2.b.).

6. Os Comandos de Batalhão devem enviar ao QG, mensalmente, a relação do material apreendido.

7. Modelos para a relação a que se refere o número anterior.







8. A presente Circular substitui a de referência, n° 1843/B de 02Dez63.


Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro II (1.ª edição, Lisboa, 2014), pp. 288/289.


Capítulo I - Ano de 1967 (...): Directivas do Comandante-Chefe

Directiva para "Atribuição de prémos a militares e CIVIS por apreensão de material de guerra ao inimigo" do Comandante-Chefe de 22 de Setembro (referência ao oficio n° 1042/B, do SGDN, 2.ª Rep, de 31 Mar67). Esta directiva substituiu a distribuída com o n° 1980 em 101200Jul67.

" 1. Com vista a conseguir um procedimento uniforme nas Províncias Ultramarinas da Guiné, Angola e Moçambique quanto aos prémios a atribuir a militares e civis por apreensão de material de guerra ao inimigo, Sua Ex". o Ministro da Defesa Nacional, por seu despacho de 07Mar67, determinou o seguinte:

a - Os prémios devem ser iguais nas diferentes Províncias Ultramarinas e para os três Ramos das Forças Armadas;

b - Os prémios por captura de material inimigo devem ser atribuídos quaisquer que sejam as circunstâncias em que esta se efectue;

c - O montante dos prémios deve ser igual para militares e civis;

d - Deve ser também recompensado quem fornecer elementos que conduzam à captura de material do inimigo. O montante para cada caso deve ser fixado pelo Comando-Chefe;

e - No caso de apreensão do material levada a efeito por um grupo de civis ou unidade militar, a repartição do prémio pelos seus componentes ficará ao critério do Comando-Chefe;

f - Os prémios a atribuir deverão ser os constantes da tabela que a seguir se indica:


 [Tabela e negritos: editor LG ]


2. Os comandos dos três Ramos das Forças Armadas da Guiné, o Comando da Polícia de Segurança Pública da Guiné, a Organização Provincial de Voluntários, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado e os Serviços de Administração Civil da Província, devem fazer entrar em vigor, em 22/9/67 a tabela de prémios estabelecida pelo despacho de Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional referido no número anterior. [...]"

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro II (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 47-48

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7480: Estórias avulsas (46): Desminagem entre S. Domingos e Susana (António Inverno)

(**) Ver uma pequena amostra de postes:

4 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2327: PAIGC - Instrução, táctica e logística (6): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VI Parte): Minas I (A. Marques Lopes)

8 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4304: (Ex)citações (27): Lembrando a memória de meu tio Manuel Sobreiro, morto por uma mina (Nelson Domingues)

4 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9850: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (52): Bula - A guerra das minas (2) - Os "eleitos"

4 de janeiro de  2014 > Guiné 63/74 - P12540: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (5): Sou do famigerado XX Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas, iniciado a 8 de Agosto e terminado a 17 de Setembro de 1966, na Escola Prática de Engenharia (EPE), em Tancos


11 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14993: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (15): De 19 a 22 de Junho de 1973


Guiné 61/74 - P24062: Notas de leitura (1554): Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
A viagem do olhanense João Peres à Guiné é um testemunho afetivo que nos embala a memória. Viajou com o Núcleo de Olhão da Liga dos Combatentes, chocou-lhe aquelas estátuas dispersadas, depositadas a esmo na fortaleza de Cacheu, como se não fossem resquícios de uma memória comum, nenhuma nação pode vicejar sem memória e o relacionamento com Portugal não se pode rasurar. Conversou com imensa gente, de todas as idades, de todas as profissões, é comedido no seu desapontamento com o estado lastimável em que encontrou a Guiné. Mas é aquele povo que não se rende às diabruras do destino que o empolga a todo o instante, veja-se o que ele escreve de um médico carinhoso, de um produto de bananas, das fainas dos pescadores Felupes, são retratos admiráveis, vão do coração dele para o nosso. É este o significado de tais retratos, singelos e só comprometidos com o afeto inabalável.

Um abraço do
Mário



Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (3)

Mário Beja Santos

Este livro intitulado "Retratos" tem como autor João Peres, terá sido autarca em Olhão, chefiou à Guiné uma delegação do Núcleo de Olhão da Liga dos Combatentes, esta sua obra espelha a sua atração pelo feitiço africano, será este o primeiro livro do autor, no escaldo de uma viagem de saudade. Na ficha técnica ficamos a saber que a edição é de 2011, João Peres é natural de Olhão, bancário aposentado, ex-autarca e colaborador do jornal "O Olhanense".

Enceta o seu caderno de retratos com uma síntese da história da Guiné. Fala-nos da jangada de Ché-Ché indispensável para a travessia do Corubal, conta a história de Bubacar que chegou a conhecer a jangada no tempo da guerra, agora é ele que cuida dela, limpa filtros, aperta a cabeça do motor, tem muitas histórias para contar, naquela jangada já mulheres deram à luz. “Ganha para comprar uma saca de arroz para o mês, com o pouco que sobra compra sal, açúcar, óleo e café. No dia de folga, vai à pesca com rede, apanha peixes e camarão. A jangada, a tabanca e a família são a sua vida. O sol muito vermelho dá-lhe sinal de que está na hora, é a última viagem naquele dia. Amanhã, bem cedo, vai verificar o óleo, o combustível, antes de pôr o motor da jangada a trabalhar”.

E prosseguirão as histórias, a de Armando Ernesto Gomes, o Tio Bill, escapou aos acontecimentos da carga no Pidjiquiti em 3 de agosto de 1959, ele é o presidente da Associação dos Marinheiros. “Caminha pelo cais como se a sua vida tivesse sido passada quase naquele local. Está velho e cansado. Sonhou com um país independente, mas que ficou muito aquém pela falta de desenvolvimento”. Segue-se a história de Lumumba, que aos 18 anos ingressou no Exército Português. Quando se avizinhou a independência da Guiné-Bissau, receando represálias, foi para o Senegal, onde trabalhou alguns anos. Depois voltou à Guiné, tornou-se num construtor naval. E temos Ocante Dju, garoto de 10 anos que vive no Interior, onde a escola ainda não chegou. Ajuda o pai na pesca, já sabe escalar o peixe, tirar-lhe as vísceras, salpicá-lo de sal e pô-lo ao sol. “Não sabe ler, se calhar não vai ter oportunidade, ignora que noutros países as pessoas têm água canalizada, energia elétrica. Ocante sem ter acesso a tudo isto é feliz no seu mundo”. Ana Maria é uma linda rapariga, a sua mãe, durante a guerra, relacionou-se com João Pedro, natural de Guimarães. Maria ficou grávida nos últimos meses da comissão de João Pedro. Sempre que encontra portugueses segreda-lhes que o seu pai é português. Apesar de todas estas adversidades, é uma mulher batalhadora, ainda acredita que o pai venha de Guimarães reconhecê-la como filha.

Mário Andrade é guineense, estudou num seminário em Portugal, foi sacerdote no Minho, em Bissau ficou às ordens do bispado. Elaborou um projeto para visitar as populações do país. Dividiu a área territorial em setores, quantificou o tempo e custos por cada a ser visitado, era um projeto em que ele propunha o apoio de Portugal para haver vacinas e pessoal de enfermagem. Tempos depois foi chamado pelos seus superiores, era-lhe confiada a missão de evangelização, ajuda humanitária e vacinação.

Nestes retratos de João Peres ganham relevo os agricultores, mulheres grandes, há Cissoco, artista plástico e pedreiro, esteve a trabalhar em Bafatá, visitou a casa onde nasceu Amílcar Cabral e pensou em fazer vários desenhos, pediu ao governador algum material e deixou trabalho plástico, é homem de sonhos, gostaria de ver transformada esta casa onde nasceu Amílcar Cabral num museu. Há também Cassamá que é professor primário, colabora com a cooperação portuguesa. João Peres visitou Madina do Boé, conversa com enfermeiras, taxistas, velhos artesãos, criadores de gado, velhos combatentes do PAIGC e outros aliados dos portugueses, há também curandeiros, pescadores Felupes, produtores de banana, jornalistas, fala-se do Islão, do desporto, da dança, de Amílcar Cabral e de Spínola.

Alguém o tocou muito, Paulo Mendes, um médico que tirou o curso na Universidade de Coimbra. Faz do hospital a sua casa, pede todo o apoio possível aos seus colegas portugueses. “Visita os doentes internados acompanhado de outros médicos. Dirige-lhes palavras amigas, anima-os para que ganhem força. Preocupa-o muito a ala da Pediatria, onde estão crianças a lutar pela vida em cada segundo que passa. Tenta por todas as maneiras que medicamentos, oxigénio, alimento adequado não faltem a estes anjos que ainda agora começam a viver. O Dr. Paulo Mendes assegura-se de que tudo está a funcionar como previsto. Retira-se para o seu gabinete. Liga o computador. Prepara uma mensagem para enviar a um dos seus amigos em Portugal. Precisa do envio de medicamentos para garantir a vida a algumas crianças. A mensagem segue. Há avião dentro de 48 horas. Se os medicamentos chegarem as crianças salvam-se. É um país ainda dependente a quem Portugal tem perdoado a dívida. É assim a vida de um diretor clínico num país que vive com muitas dificuldades”.

Livro profusamente ilustrado, tocante esta paixão pelas coisas de uma África, assumidamente despretensioso. Quando fala da nossa presença na Guiné, ele que viu as esculturas desconjuntadas e arrancadas de Bissau na fortaleza de Cacheu, faz bem em lembrar-nos e lembrar aos guineenses que é necessário repor estas figuras nos seus lugares, todo o país tem direito à memória, não é puro acaso este afeto e esta interação, aquelas centenas de milhares de jovens que ali combateram renderam-se ao povo afável e a inversa é também verdadeira. Daí aqueles vídeos de septuagenários que vão ao interior da Guiné visitar povoações onde viveram aquartelados, o choro lancinante das lavadeiras, os velhos milícias e caçadores nativos que reconhecem o viajante, os abraçam tão afetuosamente, lhes pedem apoio, lhes mostram com o mesmo extremo cuidado os seus documentos pessoais ciosamente metidos em plásticos, assim como os acompanham na visita aos velhos quartéis, ao que deles resta.

É por isso que nos toca a singeleza dos retratos de João Peres que nos desvela o mesmo povo amável que nos acolheu, meio século antes.

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Notas do editor:

Poste anterior de 10 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24055: Notas de leitura (1552): Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série Notas de leitura de 12 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24060: Notas de leitura (1553): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte XI: Cobumba, manga de minas?!... Vamos lá levantá-las e noutro dia arrasar aquela... brincadeira!

Guiné 61/74 - P24061: Parabéns a você (2145): Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845 (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24053: Parabéns a você (2144): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68)

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24060: Notas de leitura (1553): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte XI: Cobumba, manga de minas?!... Vamos lá levantá-las e noutro dia arrasar aquela... brincadeira!


Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1956)  > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda,  Cobumba, Cufar e rio Cumbijã.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da leitura do livro de Manuel Andrezo, pseudónimo literário de Aurélio Manuel Trindade, ten-gen ref,  que foi cap inf no CTIG, o último comandante da 4ª CCAÇ e o primeiro da CCAÇ 6. Fez a sua comissão sempre em Bedanda, entre julho de 1965 e julho de 1967. (*)

Com mais três comissões, primeiro na Índia, depois em Moçambique, como capitão (1962/64) e outra em Angola, já como major (1971/73), é um militar condecorado com Medalha de Prata de Valor Militar com Palma, Cruz de Guerra, colectiva, de 1.ª classe, Cruz de Guerra de 2.ª Classe, Ordem Militar de Avis, Grau Cavaleiro, Medalha de Mérito Militar de 3.ª Classe e ainda Prémio Governador da Guiné.

Participou no 25 de Abril, como major, tinha então 41 anos e estava colocado na EPI, Mafra. 

À frente da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67), o cap inf Trindade revelou-se um excecional comandante operacional, como testemunha o episódio autobiográfico, um pouco extenso mas revelador das qualidades de um grande milatar de infantaria que a seguir se transcreve (no original, "Alerta Minas!, pp, 57-65).

 A narrativa. em que o autor privilegia os diálogos (entre o "capitão Cristo" e os seus subordinados, os alferes e o seu guarda-costa, Lassen), é também reveladora das duras condições em se travava a guerra contra o PAIGC. 

Na época (1965/67), o IN já recorria em larga escala a um das mais sujas e temíveis armas, que eram as minas A/C e A/P, além das armadilhas ou fornilhos. Provocaram muitas vítimas, entre mortos e estropiados. 

Numa companhia, de praças africanas e quadros metropolitanos, como a 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, em que não havia um sargento sapador, o capitão determinado e destemido,  pega na sua  faca de mato e em 10 metros de cordão,  e faz, ele mesmo,  esse trabalho, meticuloso e perigoso, que era levantar as minas, identificadas pelos picadores, no percurso entre o porto exterior de Bedanda e as imediações da tabanca de Cobumba... Ou seja, nas barbas da guerrilha e da população IN. Com 3 Gr Com e dois morteiros 81.  Em seis horas, das 10h00 às 16h00, levantou quatro minas, que deram direito ao prémio então instituído por apreensão de material ao IN em combate. Com o dinheiro recebido, os participamtes da operação fizeram uma farra, beberam uns bons  copos de cerveja.

Percebe-se melhor, com episódios como este, porque é que houve, no TO da Guiné, grandes combatentes, grandes comandantes operacionais
que sabiam mandar e ser obedecidos, não porque puxavam dos galões, mas porque  davam o exemplo como líderes  (etimologicamente falando, os que vão à frente mostrando o caminho). O cap inf Trindade foi seguramente um deles.

Imagem à direita: Pormenor da capa do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército. Na foto da capa, podemos ver o "capitão Cristo"("alter ego" do autor), sentado ao centro, com a mão direita no rosto, visivelmente bem disposto, em agradável convívio na casa do Zé Saldatnha [
antigo militar,   e depois encarregado da Casa Ultramarina, em Bedanda, e onde se comia lindamente, graças aos dotes culinários da esposa, a balanta Inácia]. Por trás, em pé, os alferes Carvalho e Ribeiro e ainda o dono da casa, o Zé Saldanha.


Cobumba, manga de minas ?!... Vamos lá levantá-las 
e noutro dia arrasar aquela... brincadeira! 
(pp. 57-65)

por Manuel Andrezo / Aurélio Manuel Trindade

Cobumba, logo do outro lado do [rio ] Cumbijã [a oeste de Bedanda] era uma área controlada pelos guerrilheiros e constituía um perigo para a navegação no rio e também para o pessoal
dos barcos quando ancorados no porto exterior de Bedanda

A tabanca ficava a 2 km do porto e todos os homens estavam armados constituindo uma milícia do inimigo.

Nas proximidades havia um acampamento de guerrilheiros que tinha por missão estabelecer a ligação a Chugué e a Cabolol, ao mesmo tempo que controlava a tabanca e flagelava o porto. 

Cobumba está localizada na área da companhia de Cufar, mas o que lá se passa interessa mais a Bedanda porque é pelo rio e pelo porto que a Companhia, uma vez por mês, recebe os géneros para a alimentação, as munições e todos os demais reabastecimentos, incluindo medicamentos. É portanto uma área sensível para os militares de Bedanda

É raro a companhia de Cufar subir 
frequente a de Bedanda, com ou saté Cobumba, mas éem autorização do Comando do Batalhão, penetrar na área, atravessando o rio de noite no porto exterior. 

Por isso e porque a livre descarga dos barcos sempre preocupou o capitão Cristo em termos de segurança, resolveu atravessar o rio, penetrar em Cobumba e fazer uma batida para localizar o acampamento inimigo. Era preciso ir lá urgentemente, até para poder combater o mal-estar causado por aquela outra operação em que nem o rio foi atravessado.

─ Lassen 
 [1] ─ chamou o capitão Cristo, ─ vai chamar os nossos alferes.

─ Sim, nosso capitão. Também vou chamar o nosso alferes Ribeiro?

─ Sim, Lassen, quero aqui no gabinete todos os nossos alferes.

Meia hora depois os alferes batiam à porta do gabinete do capitão e entravam.

─ Bom dia, meu capitão, há guerra?

─ Guerra há sempre porque estamos em zona de combate e cercados por todos os lados. Agora, no entanto, quero tratar duma guerra especial. Falem-me de Cobumba, começamos pelo Oliveira.

─ Meu capitão, eu nunca fui a Cobumba pois estou na companhia há pouco tempo. Dizem que é perigoso ir lá sem apoio aéreo. Os guerrilheiros estão no meio da população e todos os homens estão armados. Dizem que o caminho entre o porto e a tabanca está minado.

─ Carvalho, sou todo ouvidos.

─ Meu capitão, o Oliveira tem razão. É uma zona má. É impossível chegar lá de surpresa, o rio é muito largo. Peço ao meu capitão para pensar um pouco antes de decidir ir lá sem outra companhia.

─ Muito bem, é a sua vez, Cordeiro.

─ Meu capitão, aquilo em Cobumba é duro, mas quem vai à guerra dá e leva. É verdade o que já foi dito. Penso, no entanto, que ou vamos sozinhos ou não vamos, porque o batalhão não vai pôr uma companhia à nossa disposição.

─ Se quiser ir a Cobumba, ─ diz o Ribeiro ─ conte comigo que eu gosto de festa. 
Tudo o que foi dito sobre Cobumba é verdade. Já lá fui e fiquei à porta, não nos deixaram entrar na povoação. É uma tabanca grande, com as casas espalhadas e estendidas de ambos os lados da estrada. O terreno favorece quem defende. Quando lá fui apenas chegámos até às primeiras casas. Depois, bem depois foi o inferno e tivemos que retirar. Todos os homens estão armados. Um grupo mais aguerrido está num acampamento que fica próximo, quase, quase agarrado à povoação. Além disso, Cobumba pode ser facilmente reforçada por indivíduos vindos do Chugué e de Cabolol. Penso que é possível lá ir, mas teremos dissabores. Além disso, o porto exterior, do lado de lá, costuma estar minado e a estrada para Cobumba também. Para mim, no entanto, o mais perigoso é atravessar o rio que é largo naquele ponto e tem de ser atravessado de noite. Para aniquilar a 1ª secção, basta um homem do lado de lá, à espera, pronto para lançar uma granada de mão para dentro do barco. Se tal acontecer, perdemos uma secção e não atravessamos o rio. É possível irmos lá mas com muito cuidado.

─ Muito bem, estou elucidado. Em resumo, riscos elevados na travessia, um percurso por estrada minada, baixas se uma mina for accionada e guerrilheiros postos em alerta. Na povoação, quando lá chegarmos, encontraremos um grupo aguerrido que nos vai impedir a entrada e que pode ser rapidamente reforçado. No final, temos que retirar e regressar ao rio para o atravessar de novo com a hipótese de, nessa altura, sermos acossados pelos guerrilheiros. É este o resumo de tudo o que me disseram. Eu acrescentaria que não temos apoio aéreo e que se tivermos mortos ou feridos teremos que os trazer para casa às costas. Correcto, este resumo?

─ Está sim, meu capitão ─ disseram os alferes.

─ Muito bem 
 disse o capitão Cristo. ─ Vamos a Cobumba por fases. Na 1ª fase levantamos as minas no porto exterior e limpamos a estrada. Vamos fazer isto amanhã. Quem na companhia já levantou minas?

─ Ninguém, disse o Ribeiro. ─ Tínhamos um sargento que fazia isso mas já foi transferido. Eu posso levantar.

Como ninguém sabe levantar minas vou fazer eu o serviço. Saímos amanhã de manhã, às 9 horas. Vou eu com o Ribeiro, o Cordeiro e o Carvalho. O Oliveira toma conta do aquartelamento e providencia para que, às 10 horas da manhã, estejam três barcos de borracha com motor no porto exterior. Vai lá uma camioneta levá-los para não cansar os homens. Vamos a pé e quando chegarmos, o pelotão do Carvalho entra nos barcos e passa para a outra margem ficando instalado a sul da estrada. Os barcos regressam e passam o pelotão do Cordeiro que vai ficar do lado norte da estrada. O Ribeiro monta segurança no porto, do lado de Badanda, impedindo envolvimentos. Leva dois morteiros 81 e monta uma base de fogos no mesmo local. Nomeia um sargento e três soldados para picarem o porto e a estrada. Sinalizam as minas e eu levanto-as. Não regressamos a casa enquanto não picarmos a estrada e as minas não forem levantadas. Eu não posso levantar as minas e comandar a tropa ao mesmo tempo. O Cordeiro substitui-me no comando da tropa que está na margem do lado de Cobumba enquanto eu estiver a levantar as minas. Tem de resolver todos os problemas porque eu não venho embora sem levantar as minas e não deixo o meu trabalho por mais tiroteio que haja. A vossa missão é dar-me segurança, a mim e aos homens que picam a estrada. Entendido?

─ Sim, meu capitão.

─ Só mais uma coisa. Formem os homens meia hora antes de sairmos e expliquem-lhes o que vamos fazer e qual o nosso objectivo. Quero que seja bem frisado que não pretendemos ir a Cobumba mas apenas levantar as minas para termos o porto e a estrada desimpedidos. Quando regressarmos, quero que os homens possam comparar o que fizemos com o objectivo que tínhamos e deduzam se cumprimos ou não a missão. Podem sair. Às 9 horas estamos todos na povoação comercial para sairmos.

─ Até logo, meu capitão ─ disseram os alferes.

─ Até logo.

À saída do gabinete os alferes traziam cara de preocupados. O caso não era para menos. Iam levantar minas e só o capitão as sabia levantar. Uma mina podia rebentar e perdiam logo o capitão. Podiam ter que pagar um preço muito elevado pelas minas.

O capitão tinha razão. As minas tinham que ser levantadas para demonstrar aos guerrilheiros que não valeria a pena voltarem a colocá-las porque não seria isso que impediria o avanço da tropa de Bedanda quando esta quisesse passar. 

Por outro lado, ia haver tiroteio de certeza. Os guerrilheiros ouviriam as camionetas e os motores dos barcos, e instalar-se-iam na orla da tabanca à espera da tropa. É certo que se tudo resultasse, esta acção iria ter um efeito positivo no moral dos soldados, enquanto os guerrilheiros ficariam preocupados e com o moral em baixo.

Os pensamentos do capitão e dos seus alferes, quais seriam? Apreensão? Receio? Todos tinham que saber o que fazer no caso de a operação dar para o torto. Todos tinham que estar preocupados em providenciar todo o material necessário para o trabalho que iam executar. O capitão Cristo transmitiu as ordens ao seu guarda-costas.

─ Lassen, quero a minha arma bem limpa aqui no gabinete. Quero todos os carregadores com munições e quatro granadas de mão, duas ofensivas e duas defensivas. Quero a minha faca de mato preparada e quero um cordão com dez metros de comprimento. Não quero o cordão muito grosso. Dizes ao nosso sargento do material de guerra que se não tiver cordão bom na arrecadação que vá à povoação comercial comprá-lo. Quero ver tudo isso antes da noite. Vamos sair, prepara-te para saíres comigo.

─ Sim senhor, nosso capitão. O Joãozinho 
 [1] também vai?

─ Vai, mas só lhe dizes amanhã de manhã ao café.

─ Onde vamos?

─ Não sei, e a ti não te deve interessar muito o local onde vamos.

No dia seguinte, às 9 horas da manhã, o capitão chegou à povoação com os pelotões do Carvalho e do Cordeiro. O Ribeiro já estava à sua espera com o seu pelotão pronto para integrar a coluna. O capitão mandou o Ribeiro seguir à frente pois a segurança no porto era a primeira acção a executar. A seguir ia o Carvalho e por fim o Cordeiro.

Seguiam pela ordem em que tinham de actuar. Praticamente não houve conversas. Os oficiais tinham confiança uns nos outros e sabiam que todos se tinham preparado muito bem para cumprirem a sua parte da missão. Às 10 horas chegaram ao porto exterior ao mesmo tempo que chegavam as viaturas com os barcos que, rapidamente, foram preparados para a travessia. O Carvalho atravessou com o seu pelotão e desapareceu no tarrafo  [2] 

Os barcos regressam e só um deles iniciou nova viagem para transportar o capitão, os seus guarda-costas e a equipa que ia picar a estrada. O capitão desembarcou e esperou na outra margem enquanto a equipa de picagem começava picar o porto e a estrada. O barco regressou à outra margem, por segurança. Estava tudo silencioso. 

Os homens do Carvalho e do Cordeiro estavam já à frente, a cerca de 1 km da margem. Foram mandados parar e abrigar nos ouriques da bolanha. No porto não foi localizada nenhuma mina. Começaram a picar a estrada e de imediato localizaram e sinalizaram uma mina. Foram também mandados parar e abrigar-se nos ouriques  [3]  . O capitão Cristo avançou.

─ Cordeiro, aqui Cristo. Foi localizada a primeira mina, vou começar o levantamento. Como vai isso por aí? Está tudo demasiado silencioso. Tanto tu como o Carvalho devem ter cuidado com os fulanos. O pior que nos podia acontecer era os gajos meterem-se entre nós e o rio em vez de nos atacarem do lado de Cobumba, escuto.

─ Cristo, aqui Cordeiro. Vejo alguns elementos a vigiarem-nos do lado da povoação. Julgo que eles ainda não perceberam qual é a nossa ideia, escuto.

─ Cordeiro, aqui Cristo, aguenta o barco e não me chateies mais.

─ Ribeiro, aqui Cristo. Morteiros apontados a Cobumba. Fogo apenas à ordem do Cordeiro. Aguenta-me essa retaguarda e cuidado com envolvimentos por indivíduos que atravessem o rio, mais acima ou mais abaixo. Sem ti e sem os teus barcos estamos perdidos.

─ Cristo, aqui Ribeiro. Esteja descansado. Se eles quiserem vir que venham pois saberão que estamos muito bem preparados para uma boa recepção. Sorte no levantamento das minas.

─ Cordeiro, Carvalho e Ribeiro, aqui Cristo. Vou iniciar agora o trabalho. Terminado.

O capitão, com a sua faca de mato, começou a picar a estrada a toda a volta da mina. Identificou esta mina e transmitiu a identificação ao Lassen para que a transmitisse aos pelotões. O Lassen transmitiu a indicação.

─ Cordeiro, Carvalho, Ribeiro, mina identificada. É de madeira e de pressão. Cristo continua a picar a terra em volta para a desenterrar completamente porque receia que esteja armadilhada. Terminado.

O capitão, indiferente a tudo o que se passava à sua volta, continuava a picar a terra, tentando fazer um buraco debaixo da mina. O suor escorria-lhe pela testa. Era grande a tensão pois sabia que um pequeno erro podia ser a sua morte ou, no mínimo, a sua incapacidade física. Os seus guarda-costas estavam a 5 metros de distância com os ouvidos atentos à voz do capitão. 

Eles sabiam, como veteranos de guerra que eram, que o seu capitão corria perigo e que eles nada podiam fazer para o ajudar. Conseguiu furar a terra por baixo da mina sem a molestar e começou a passar o cordão por baixo. O cordão passou, a mina foi amarrada e o capitão disse ao Lassen para informar os alferes.

─ Carvalho, Cordeiro, Ribeiro. Mina presa pelo cordão, capitão vai puxar a mina depois de se abrigar. Se rebentar, é porque está armadilhada e não há problema. Terminado.

A mina foi puxada e não rebentou. O capitão retirou e guardou o cordão, tendo de imediato retirado o detonador da mina. Entregou a mina ao Joãozinho para que a fosse levar ao porto, tendo recomendado para que o detonador e a mina ficassem separados, e seguiu para o local onde outra mina já tinha sido localizada. Já havia três minas localizadas e os picadores ainda só tinham andado 300 metros.

Agora, junto da segunda mina, o capitão começou a repetir as operações de levantamento. O terreno desta vez era mais duro. A mina foi identificada e era igual à anterior. Mais uma vez o Lassen informou os alferes e perguntou se havia novidades por Cobumba.

─ Cristo, aqui Cordeiro, há movimentos em Cobumba. Deve estar próximo um arraial de porrada, escuto.

─ Cordeiro, Cristo diz para aguentares. Mas se necessário, avancem mais um bocadinho. Continua a não querer entrar em Cobumba, a missão principal é protegêlo enquanto levanta as minas. Diga se entendeu, escuto.

─ Lassen, aqui Cordeiro, ─ diz ao Cristo que o festival vai ser grande, mas nós aguentamos. Terminado.

O capitão continuava a levantar a mina. Já estava toda a descoberto, faltava apenas fazer o buraco por baixo para meter o cordão quando o tiroteio rebentou. O barulho dos tiros dos guerrilheiros e a resposta dos soldados tornavam aquela área um inferno. Calmamente, o capitão continuava a levantar a mina.

─ Cristo, aqui Cordeiro, isto está um inferno. A orla da povoação está cheia de homens e de armas. Estou a ser atacado e o Carvalho também. É difícil aguentar o barco, acabe com as minas senão ainda cá ficamos todos.

─ Cordeiro, aqui Cristo, não exagere. Eles não querem que a gente levante as minas, mas eu vou levantá-las, é a nossa missão principal. Aguenta-te e não me chateies que eu tenho que me concentrar no que estou a fazer. Pede ao Ribeiro fogo de morteiro sobre Cobumba, vê com a Companhia para apoio de fogo de artilharia. Assim que terminar o trabalho eu digo-te e vamos embora. A segunda mina está pronta a ser puxada e só tenho mais duas para levantar. Terminado.

─ Nosso capitão, ─ disse o Lassen ─ há uma metralhadora enfiar-nos, os tiros batem aqui perto de nós. Deixe isso porque parado e desabrigado é um bom alvo.

─ Lassen, vai chatear a tua tia. Quem manda aqui és tu ou sou eu? Se tens medo vai-te embora que isto aqui é para machos.

Se nosso capitão fica eu fico, mas isto está muito perigoso. Eu e o Joãozinho vamos tomar posições.

─ Afasta-te. Não quero ninguém a menos de 5 metros de mim. Agora deixa-me trabalhar.

Já tinham ido duas minas e a terceira estava quase. Serenamente o capitão Cristo levantou a terceira e ainda uma quarta. Nem ouvia o tiroteio à sua volta. Os alferes estavam preocupados, mas a pressão dos guerrilheiros abrandou com as granadas de morteiro e da artilharia sobre Cobumba. O tiroteio foi diminuindo e terminou com tiros esporádicos, mais para mostrar presença do que para vencer a batalha. O capitão tinha vencido. Bedanda tinha cumprido a missão e os soldados aperceberam-se de que massa era feito o seu capitão.

─ Cordeiro, Carvalho e Ribeiro, levantei as quatro minas. Não foi localizada mais nenhuma. Cumprida a missão, vamos regressar a Bedanda. O Ribeiro manda avançar os barcos para a margem de cá. O Carvalho e o Cordeiro mandam retirar metade dos pelotões e tomam posição junto do tarrafo do porto e aguardam. Logo que estejam instalados, os restantes avançam para os barcos. Na segunda viagem vai o resto do pessoal. O Ribeiro fica atento. Se recomeçar o tiroteio vindo de Cobumba, devemos nós recomeçar o fogo sobre a povoação. Assim que chegarmos à outra banda regressamos à Companhia. Os barcos vão nas viaturas que já devem estar voltadas para Bedanda. Escuto.

─ Cristo, aqui Cordeiro. Entendido, escuto.

─ Aqui Cristo, vou dirigir-me para o porto.
 
Apenas com tiros esporádicos dos guerrilheiros fez-se a travessia do Cumbijã. O regresso a Bedanda foi o prémio apetecido. Tinham começado a acção às 10 horas da manhã e só foi dada como terminada às 4 horas da tarde. Tinha valido a pena o sacrifício e toda a tensão vivida porque a missão foi cumprida e provaram aos guerrilheiros e à própria companhia que eram capazes de ir a Cobumba, sempre que quisessem, as minas não seriam obstáculo. 

Todo o dinheiro das minas ─ o material capturado dava origem a uma gratificação ─ foi transformado em cerveja. Beberam oficiais, sargentos e praças, todos os que tinham tomado parte na operação. A alegria era grande entre todos. Antes de ir descansar, o capitão falou com os alferes.

─ Tudo correu bem e a vossa tropa portou-se maravilhosamente. Fizemos o que tínhamos planeado e isso é importante. É preciso mostrar ao inimigo e aos nossos soldados que vamos onde quisermos e quando quisermos. Por isso, nunca podemos deixar de cumprir as missões que planearmos. Obrigado ao Antunes, o nosso artilheiro-mor, pelo apoio de fogo que nos prestou. Estamos todos de parabéns. Digam isso aos homens. Depois de amanhã, voltamos a Cobumba para arrasar aquela brincadeira. Falaremos disso amanhã. Agora vão descansar, que bem precisam.

─ Lassen.

─ Pronto, nosso capitão.

─ Pega na arma e nas granadas. Quero tudo bem limpo e arrumado. Vou-me deitar. Que ninguém me acorde. Enquanto eu não sair do gabinete não estou para ninguém a não ser que o sangue comece a correr no quartel. Diz isso aos nossos alferes. Se eu não aparecer à hora de jantar, jantam sem mim.

─ Sim senhor, nosso capitão

E assim começou o repouso e o descanso dos guerreiros.
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Notas:

 [1 ] Larsen e Joãozinho: guarda-costas do capitão.

 [2] Tarrafo: terreno junto dum rio com arborização ligeira por oposição a mata cerrada.

[3] Ouriques: diques, numa bolanha, geralmente feito de lama e paus, para controlar a entrada e saída de água nos arrozais.

[Seleção / revisão e fixação de texto / parênteses retos / título / negritos, para efeitos de publicação neste blogue: LG]
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Último poste da série "Notas de leitura" > 10 de fevereiro de  2023 > Guiné 61/74 - P24055: Notas de leitura (1552): Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (2) (Mário Beja Santos)