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quarta-feira, 17 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11411: Memória dos lugares (230): Olossato dos anos cinquenta (Leopoldo Correia)

1. Na sua mensagem do dia 17 de Março de 2013, o nosso camarada Leopoldo Correia (ex-Fur Mil da CART 564, Nhacra, Quinhamel, Binar, Teixeira Pinto, Encheia e Mansoa, 1963/65), enviou-nos também para publicação, além das fotos de Bafatá, fotos do Olossato do ano de 1959.


Fotos do Olossato em 1959, cedidas por um familiar ligado ao comércio local (Casa Gouveia )





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Nota do editor:

Último poste da série de 16 de Abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11402: Memória dos lugares (229): Bafatá dos anos cinquenta (Leopoldo Correia)

terça-feira, 16 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11402: Memória dos lugares (229): Bafatá dos anos cinquenta (Leopoldo Correia)

1. Em mensagem do dia 17 de Março de 2013, o nosso camarada Leopoldo Correia (ex-Fur Mil da CART 564, Nhacra, Quinhamel, Binar, Teixeira Pinto, Encheia e Mansoa, 1963/65), enviou-nos para publicação algumas fotos de Bafatá do ano de 1959.


1. Fotos de Bafatá, de 1959, tiradas por um familiar ligado ao comércio local (Casa Marques Silva), casado com uma senhora libanesa filha do senhor Faraha Heneni


Foto nº 1 > Cheias de Bafatá, 1959



Foto nº 2 > Cheias de Bafatá, 1959. O mercado local.


Foto nº 3 > Cheias de Bafatá, 1959


Foto nº 4 > Bafatá, 1959. "A fonte pública de Bafatá, 1948".



Foto nº 5 > Bafatá, 1959. O jardim, junto ao Rio Geba. Estátua de Oliveira Muzanty


Foto nº 6 > Bafatá, 1959.  Um estabelecimento comercial [Presume-se que seja a Casa Marques da Silva]



Foto nº 7 > A família Marques da  Silva em Bafatá, em 1959. O rapaz ao centro da foto era o Xico, filho de uma Balanta e do Marques da Silva, ambos já faleceram. Talvez alguns dos nossos camaradas desse tempo ainda se recordem deles.
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Nota do editor:

Último poste da série de 15 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11401: Memória dos lugares (228): Vistas aéreas da doce e tranquila Bafatá, princesa do Geba (Fernando Gouveia)

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6826: Efemérides (49): Acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 no cais do Pindjiguiti, Bissau (2) (Leopoldo Amado)

Os graves acontecimentos do Pindjiguiti em 3 de Agosto de 1959 

II parte do texto do Leopoldo Amado, historiador guineense e membro da nossa tertúlia (publicado igualmente no blogue Lamparam II, em post de 21 de Fevereiro de 2006):

Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte (*)

A independência do Gana (1957) e as perspectivas da independência da Guiné Conakry e do Senegal (1958 e 1959) rapidamente transformaram a predisposição latente de luta pela independência dos guineenses num entusiasmo difuso, alimentado pela expectativa imediatista duma iminente libertação pacífica da Guiné, à semelhança do que ocorrera com os territórios africanos vizinhos.

Coincidentemente, e sob o impulso de elementos directamente doutrinados por Amílcar Cabral, registou-se em 1957 uma primeira grande greve dos trabalhadores no cais de Pindjiguiti em Bissau (12), apesar de que é a independência da República da Guiné que iria doravante funcionar como o ponto de partida e o leitmotiv para um amplo movimento para a independência.

Chega-se assim aos inícios da década de 50 do século XX com um nacionalismo guineense já mais amadurecido, pois, nesse período, para além de toda a carga histórica e cultural que comportou a resistência à ocupação colonial, este nacionalismo começou a ser directa ou indirectamente influenciada pela evolução política no Senegal e na Guiné Conakry, apesar de que as organizações surgidas na altura terem um carácter incipiente, reflectindo todos eles um certo idealismo.

O primeiro das organizações políticas a aparecer foi o MING (Movimento Nacional para a Independência da Guiné). Todavia, António E. Duarte Silva (13) atribui a paternidade da fundação do MING, em 1955, a José Francisco Gomes ("Maneta") e Luís da Silva ("Tchalumbé"), não obstante saber-se que o MING tinha por detrás a mão de Amílcar Cabral, não teve propriamente acções conhecidas e nem grande projecção.

Segui-se-lhe o PAI (Partido Africano para a Independência, fundado em 1956 por Amílcar Cabral (e que só se transformaria em 1962 em PAIGC), apesar deste Partido ter sido forçado a experimentar um período de profunda hibernação (1956-1959), dado que o Governador Peixoto Correia, depois de devidamente informado sobre as actividades de Amílcar Cabral, proibiu-o de estabelecer residência na Guiné, transferindo-o compulsivamente para Angola.

Portanto, é nesse hiato em que as actividades do PAI quase desaparecem, que é fundado o MLG (Movimento para Independência da Guiné), um movimento que integra sobretudo os guineenses, nomeadamente os dignatários com que Cabral havia começado a trabalhar desde 1952 e que, entretanto, assumem a liderança desse movimento.

João Rosa, um dos líderes históricos do MLG lembra (segundo o seu auto de interrogatório na PIDE datado de 1962) de ter integrado este movimento a convite de José Francisco Gomes e de ter participado na primeira reunião do MLG em princípios de 1958, na qual estiveram igualmente César Fernandes, Ladislau Lopes, este último mobilizado por Rafael Barbosa, elemento que viria a revelar a grande veia mobilizadora, chegando mesmo a protagonizar em entre 1959 e 1959 uma rotura que praticamente definhou a estrutura residual do MLG em Bissau, apesar de que em jeito de révanche e antecipação ao PAI, sempre ia desenvolvendo uma ou outra acção clandestina com o objectivo de demarcar-se publicamente do PAI, à semelhança do correio que enviou a todas as repartições públicas no dia 8 de Fevereiro de 1960, de um “Comunicado do Movimento de Libertação”, de resto, em tudo semelhante a “Representação” que o Lacerda produziu a pedido de César Mário Fernandes e José Francisco Gomes (assinada por várias pessoas) ao Presidente da República de Portugal em 1955, aquando da visita deste à Guiné.

Eram ainda da nata fundadora do MLG indivíduos tais como Tomás Cabral de Almada, Paulo Lomba Aquino Pereira e José Ferreira de Lacerda, o patriarca do MLG e líder consensual deste movimento, tido desde 1948 como o líder do Partido Socialista (14), que só não participou no acto da fundação do MLG porque à data da sua consumação encontrava-se em Lisboa, no gozo da licença graciosa na qualidade de funcionário administrativo, tanto mais que segundo palavras de Elisée Turpin, "(...) logo após a Segunda Guerra Mundial, uma organização que tinha como cérebro principal o guineense José Ferreira de Lacerda, funcionário público em Bolama, o qual liderava um movimento que de alguma forma tinha influência no Conselho do Governo colonial, chegando quase a ganhar uma eleição para o provimento desse órgão, quando foi abafado e reprimido pelas autoridades coloniais (...)(15)”.

Outra peça documental imprescindível para se compreender e enquadrar as acções do MLG, pelo menos do período que se estende de 1958 ao Pindjiguiti, são os clarividentes autos de interrogatório (16) da PIDE a Isidoro Ramos (ainda vivo). Aí ele é taxativo ao lembrar-se de, em princípios de 1958, ter visto um grupo de indivíduos em frente a Farmácia Lisboa que o abordarem sobre questões relativas a independência, aliás, reunião essa em que também se encontravam Ladislau Justado Lopes (enfermeiro), Epifânio Souto Amado (empregado de farmácia), César Mário Fernandes (empregado do trafego do cais de Pindjiguiti), Rafael Barbosa ( “ O Coxo”, ou “Patrício”, oleiro da construção civil), José de Barros (guarda-fios dos CTT).

Nos autos de interrogatório de Isidoro Ramos, este lembra de, uns dias mais tarde, ter sido abordado por Ladislau Justado Lopes que o informou de que iriam formar um Movimento de Libertação e que estavam a ver que pessoas é que podiam ser admitidas, pelo que imediatamente anuiu ao convite no sentido de integrar o Movimento de Libertação, após ter sido informado pelo seu interlocutor de que Fernando Fortes (funcionário da estação postal dos CTT) e Aristides Pereira (telegrafista dos CTT) também faziam parte desse grupo.

Aliás, salvo raras excepções, de 1958 a 1961, numa amálgama inextricável, alguns destacados dirigentes do MLG e do PAI, indistintamente, partilharam, voluntária ou involuntariamente o mesmo espaço político (17) coincidindo essa fase com o período em que ainda se acreditava ser possível, a breve trecho, sobretudo da parte do MLG, o início do processo que havia de conduzir a Guiné "dita portuguesa" à independência.

Na verdade, a criação em Bissau, em 1958, do MLG (Movimento de Libertação da Guiné), a par das perseguições das autoridades coloniais, constituiu-se no mais sério problema para os propósitos unitários que Amílcar Cabral postulava na luta contra o colonialismo português na Guiné. O MLG, que desenvolvia acções numa perspectiva política pouco elaborada, cedo hostilizou Amílcar Cabral, a quem alcunhou pejorativamente de "caboverdiano".

Este movimento acusava os caboverdianos de terem ajudado os portugueses na dominação colonial da Guiné e, perante a iminência de independência, pretenderem substituir os colonialistas. A miragem de uma independência prestes a concretizar-se, à semelhança do que ocorreu nas colónias francesas da Guiné "dita francesa" e do Senegal, precipitou nas hostes do MLG a tendência para a organização de um movimento que procurasse congregar no seu seio alguns poucos guineenses ilustres, dando assim primazia a necessidade de sublimação das inquietações mais personalizadas que colectivas, relegando para um plano secundário a preparação para a luta armada e a estruturação do movimento em termos populares.

O ambiente de luta pela independência, levou a que os nacionalistas guineenses e caboverdianos de Bissau se posicionassem a favor do candidato da oposição, Humberto Delgado, nas eleições presidenciais de 1958 que opuserem este a Américo Tomás. Conta Aristides Pereira que “(...)eu, o Fortes e outros patriotas organizámos as coisas de maneira a dominar a situação e fizemos um trabalho subterrâneo de forma a que chegasse às pessoas o que quiséssemos, por exemplo, as listas de voto de Humberto Delgado. Foi assim que a administração ficou perplexa quando apareceram em todos os círculos votos a favor do mesmo. Mas apesar de haver muito boa vontade da nossa parte, havia também muita falta de experiência. Porém, as nossas acções só começaram a ter alguma expressão prática depois da passagem do Amílcar na Guiné. Antes eram apenas ideias (18)".

Como quer que seja, é dado adquirido que o PAI, enquanto tal, até pelo hiato referido que caracterizou a sua quase inacção entre 1956 e 1959, não teve, pelo menos directamente, uma acção ou influência decisivas nas acções que viriam a desembocar em Pindjiguiti. Diferentemente do PAI, a mesma asserção já não pode aferir-se relativamente ao MLG que teve, de facto, uma assinalável e directa participação directa nos acontecimentos. Efectivamente, activistas do MLG tais como César Mário Fernandes (empregado do tráfego do cais de Pindjiguiti), Paulo Gomes Fernandes e José Francisco Gomes tinham-se há muito empenhado em acções de discreta mobilização e consciencialização política dos trabalhadores portuários em geral e dos marinheiros e estivadores do cais de Pindjiguiti em particular (19).

Com feito, Amílcar Cabral só regressaria a Guiné em Setembro de 1959 (14 a 21 de Setembro), isto é, um mês após Pindjiguiti, mas não antes sem ter feito um verdadeiro périplo aos países africanos recém independentes (Congo Kinshasa, Gana, Libéria, etc.) junto dos quais começou discretamente a procurar apoio político e material para a luta de libertação nacional. Assim, a reivindicação a posteriori da paternidade de Pindjiguiti por parte do PAI(GC) só se pode compreender na medida em que o MLG como o PAIGC partilhavam indistintamente o mesmo espaço político, a mesma clientela, chegando mesmo muitos membros do PAI a serem concomitantemente do PAI e vice-versa, de resto, tendência essa que em certa medida se acentua mesmo depois de consumada a rotura, sobretudo a partir do momento em que, a partir de Conakry e Dakar, Amílcar Cabral passou a produzir e a expedir para Bissau inúmeros panfletos que, à cautela, omitiam de propósito quer a sigla do PAI como a do MLG, para apenas se referir ao Movimento de Libertação da Guiné e Cabo-Verde, os quais, de resto, eram clandestinamente distribuídos em Bissau por elementos de filiação dupla (20), particularmente os que, não renegando o MLG, de alguma maneira permaneceram no PAI sob a influência de Rafael Barbosa, mesmo após a cisão.

Curiosamente, a PIDE conseguiu tardiamente reconstituir, através da sua rede informadores em África, todos os passos de Amílcar Cabral neste périplo (itinerário, autoridades contactadas, assuntos versados, etc.), na medida em que tal reconstituição só se concluiu quando Amílcar Cabral tinha já tinha saído de Bissau, onde, numa estada de cerca de uma semana (14 a 21 de Setembro de 1959), informou os correligionários que iria instalar a Sede do exterior do PAI em Conakry, a qual, doravante, se articularia com a Sede do PAI do interior, que acabou clandestinamente por ser instalada pouco depois numa palhota em Bissalanca (21).

Na sua meteórica passagem por Bissau, Amílcar Cabral acordou com os seus principais colaboradores, na altura Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Rafael Barbosa (22) e João da Silva Rosa em como largaria tudo e seguiria para a República da Guiné (Conakry) de onde enviaria directrizes. Efectivamente, a decisão de Amílcar Cabral de escolher um poiso de apoio na Guiné-Conakry foi devidamente sustentada com o exemplo de Pindjiguiti, pois que para ele era a prova iniludível da natureza permanentemente violenta do sistema colonial que, sintomaticamente, tinha maior força nos centros urbanos, donde a razão porque era preciso proceder a uma extensa e meticulosa preparação para a guerra de libertação e a mobilização dos camponeses para responder com violência à violência colonial.

É essa linha de raciocínio esse que presidiu ao envio, a 15 de Novembro de 1960, de um Memorandum a que Salazar nem sequer se dignou responder e que propunha uma série de medidas, “para a liquidação pacifica da dominação colonial "(23), secundando-o também, na mesma lógica, a “Nota Aberta ao Governo Português”, na qual, em jeito de “’ultima tentativa “para a liquidação pacifica da dominação colonial" (24), reitera o teor do Memorandum de Novembro de 1960.

No entanto, em Bissau, consumada que foi a rotura entre o PAI e o MLG, este último Movimento de Libertação quase que desapareceu, vindo todavia a ressurgir-se das cinzas no além fronteiras, a saber, em Dakar, Ziguinchor e Conakry, sobretudo a partir do momento em que um número relativamente considerável de nacionalistas guineenses tiveram que acorrer a essas países recém independentes, seja na qualidade de emigrantes económicos, seja para darem continuidade as acções políticas, ou motivados conjuntamente pelos dois factores, sobretudo após Pindjiguiti e a subsequente grande vaga de repressão que em Abril de 1961 foram efectuadas pela PIDE, seguindo-se-lhe uma outra, igualmente da responsabilidade da PIDE, ocorrida em Fevereiro de 1962 (25). Nestas correntes de emigração, divisam-se motivações que se reportavam a certo sentimento de concorrência em relação ao PAI, mas também era possível descortinar nelas um certo frenesim alimentado pela ideia imediatista da independência.

Foi o caso, por exemplo, dos enfermeiros que fugiram para a Guiné Conakry desde 1959 e que todos a trabalhavam todos no Hospital “Ballay” como, Paulo Dias (que veio posteriormente a ascender ao cargo de Presidente da FLING-COMBATENTE, uma das facções dissidentes da FLING (Frente de Libertação para independência Nacional da Guiné, surgida em Dakar a 3 de Agosto de 1962), João Fernandes (26) e Inácio Silva (27), Fernando Laudelino Gomes (28), sendo este último o locutor principal de um programa emitido semanalmente a partir da rádio Conakry, o qual era basicamente alimentado pelas notícias que basicamente denunciavam as reais ou pretensas atrocidades do colonialismo e que eram alimentadas sobretudo pelas notícias que César Mário Fernandes e Rafael Barbosa enviavam clandestinamente para Laudelino Gomes.

No Senegal, o MLG enraizou-se sobretudo entre os inúmeros refugiados guineenses ali instalados, calculados em cerca de 60.000 pessoas. Dakar acolheu ainda outras organizações tal como a UPG (União Popular para a Libertação da Guiné), a UPCG (União Popular para a Libertação da Guiné) o Rassemblement Democratique Africain de La Guiné (RDAG) que desde 1956 fez propaganda no sul da Guiné, em especial na área de Cacine e a UNGP (União dos Naturais da Guiné-Portuguesa), enquanto que em Conakry o médico e nacionalista angolano-santomense, Hugo Azancot de Menezes, propositadamente expedido para Conakry no quadro do Centro de Estudos Africanos (uma dissidência protagonizada no seio da Casa dos Estudantes do Império essencialmente por Amílcar Cabral, guineense-caboverdiano, Mário de Andrade, angolano e Francisco José Tenreiro, santomense) e do MAC (Movimento Anti-Colonial), passou a enquadrar embrionariamente os guineenses nacionalistas ali emigrados através do Mouvement pour l’indépendance des Territoires sous la domination portugaise.

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Notas do autor:

(12) Os registos desta greve cuja cópia não possuo ou não encontro de momento, mas que cheguei de manusear e ler, encontram-se nos arquivos da PIDE/DGS, na Torre do Tombo. O mesmo se dirá dos registos da PIDE sobre Pindjiguiti.

(13) Duarte, António E., A independência da Guiné-Bissau a descolonização portuguesa, Edições afrontamento, 1977, p. 32

(14) Entrevista de Rafael Barbosa a Leopoldo Amado.

(15) Entrevista de Elisée Turpin a Leopoldo Amado em Bissau.

(16) no seu auto de interrogatório do dia 10.3.1961

(17) Cf. Cabral, Amílcar, Evolução e Perspectivas da Luta, p. 12. Igualmente, nos processos da extinta PIDE, agora abertos à investigação do grande público em Portugal, é possível deduzir a asserção referida.

(18) Entrevista de Aristides Pereira, ex-Secretário-Geral do PAIGC a Leopoldo Amado.

(19) Entrevista de Paulo Gomes Fernandes a Leopoldo Amado.

(20) Eram, por exemplo, os casos de Alfredo Menezes D’ Alva, Epifânio Souto Amado ou um Fernando Fortes, entre tantos outros.

(21) O estabelecimento da sede do PAI em Bissalanca data de 1959, tendo funcionado até Fevereiro de 1962, altura em que foi detectada e tomada de assalto pela PIDE com a ajuda de elementos do Exército português, tendo aí sido presos Rafael Barbosa, Momo Turé, Paulo Pereira de Jesus e outros elementos proeminentes do PAI surpreendidos em pleno sono. Com a sede do PAIGC tomada de assalto pela PIDE e preso Rafael Barbosa, seu principal animador, foi desmantelada a rede clandestina do PAIGC em Bissau. A alguns nacionalistas foram fixadas residência em Chão Bom, Tarrafal, excepto Rafael Barbosa que a troco de "colaboração", foi-lhe fixada a obrigatoriedade de se apresentar todos os dias na sede da PIDE em Bissau. Foi apreendido na sede do PAIGC imenso material de propaganda que incluía inúmeros panfletos, correspondências de Amílcar Cabral, para além de armas.

(22) Rafael Barbosa foi acusado em reunião do MLG de ter escondido Cabral aquando da passagem deste último em Bissau, pois tinha anunciado numa reunião anterior deste Movimento a intenção de Amílcar Cabral em reunir com os dirigentes do MLG. Como à cautela Amílcar Cabral rodeou-se de todos os cuidados e apenas se encontrou com Luís Cabral Rafael Barbosa e Fernando Fortes, o facto reforçou as desconfianças nas hostes do MLG sobre as reais intenções de Amílcar Cabral e do PAI.

(23) Andrade, Mário, Obras Escolhidas de Amílcar Cabral – A prática revolucionária (Unidade e luta II), Vol. II, Comité Executivo de Luta do PAIGC, Seara Nova, 1977, pp. 27 à 31.

(24) Ibidem, p. 33-34.

(25) Em Maio de 1962, o PAIGC difundiu largamente um comunicado em que reclamava a libertação dos presos em Bissau, Cadique, Bedanda, Cafal, Cufar, Cantone, Catió, Cotumba, Cafine, Cassumba, Fulacunda, Empada, Tite e nas Ilhas de Bubaque, Canhabaque, Sogá, Caravela e Formosa. Era o período em que quer a mobilização do PAIGC como a consequente repressão dos agentes de mobilização (que apareciam armados de pistolas em diversas tabancas) ia no auge.

(26) Estudou com uma bolsa do Mouvement pour l’ independece des Territoires sous la domination portugaise. Regressou da URSS em 1967 e esteve em Dakar cerca de dois meses antes de partir para Bamako (Mali), onde foi assinalado pela PIDE, em 1970, quando ali exercia como médico cirurgião Bamako, Mali.

(27) Em 1970, encontrava-se em Dakar, segundo uma nota da PIDE.

(28) Em 1964, encontrava-se com problemas psíquicos em Dakar, pelo que a sua mãe foi buscá-lo a Dakar e levou-o a Bissau. Já em Bissau, foi preso pela PIDE em 1966 e acusado de ser o locutor principal que emitia notícias de incitação à revolta a partir da rádio Conakry.
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Nota de CV:

Vd. poste de 3 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6821: Efemérides (46): Acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 no cais do Pindjiguiti, Bissau (1) (Leopoldo Amado)

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6822: Efemérides (48): A CCAÇ 5 e as comemorações do 11.º aniversário dos acontecimentos do Pidjiguiti (ou Pindjiguiti) (José Martins)


1. Mensagem de José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 2 de Agosto de 2010:


Boa noite camaradas
Junto nota do que se passou em 3 de Agosto de 1970.

Abraço
José Martins




Vista do aquartelamento de Canjadude

Fotos: © José Corceiro (2010). Direitos reservados


Gatos Pretos
Companhia de Caçadores n.º 5

Camaradas de Armas que partiram há 40 anos

João Purrinhas Martins Cecílio

Furriel de Infantaria, NMEC 46341858, prestava serviço no Batalhão de Caçadores 10 quando foi mobilizado.

Foi aumentado ao efectivo da Companhia em 28 de Maio de 1970, vindo da Companhia de Caçadores 2464 e da situação de evacuado, assumindo as funções de Comandante de Secção.

Foi abatido ao efectivo da Unidade em 3 de Agosto de 1970 por ter falecido em combate, devido a ferimentos graves contraídos aquando do rebentamento de uma mina.


Carlos Alberto Leitão Dinis

1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro, NMEC 09227569, natural de Oliveira do Hospital, prestava serviço no Batalhão de Caçadores 8 quando foi mobilizado.

Foi aumentado ao efectivo da Companhia em 30 de Março de 1970, assumindo as suas funções na Secção de Saúde.

Foi abatido ao efectivo da Unidade em 3 de Agosto de 1970 por ter falecido em combate, devido a ferimentos graves contraídos aquando do rebentamento de uma mina.



Como o PAIGC comemorou, na zona de Canjadude, a passagem do 11.º Aniversário do Massacre de Pi(n)djiguiti

Actividade Operacional

3 de Agosto de 1970 - O Inimigo implantou uma mina anticarro no itinerário Canjadude - Nova Lamego e flagelou o aquartelamento pelas 22 horas. Estas acções devem prender-se com as comemorações do dia 3 de Agosto. Destas acções resultaram 2 mortos para as Nossas Tropas.

(Nota sobre a data de 3 de Agosto de 1959 – Acontecimentos de Pidjiguiti ou Pindjiguiti, em Bissau, com violenta repressão de estivadores grevista, causando várias dezenas de mortos)

Relatório da Flagelação feita pelo IN ao Aquartelamento de Canjadude em 03AGO70

01. Situação Particular

Em 030745AGO70 accionamento de 1 mina anticarro no Uelingará, itinerário de Canjadude-Nova Lamego.

Desde 02SET69 que o IN não se revelava no Sector da Companhia. O último ataque ao Aquartelamento deu-se em 11JUL69.

02. Missão da Unidade

Defesa do Aquartelamento com as forças existentes neste, segundo o plano de defesa, atendendo a que 1 Pelotão se encontrava de reforço a Nova Lamego.

03. Força Executante

a) Alferes Miliciano de Infantaria Deodato Santos de Carvalho Gomes

b)
1.º Pelotão – Furriel Miliciano Borges
3.º Pelotão – Alferes Miliciano Sousa
4.º Pelotão – Alferes Miliciano Martins
Pelotão de Milícia n.º 254
Formação

c) Meios constantes em b).

d) ____________

e) Armamento e equipamento orgânico do pessoal e de defesa do Aquartelamento.

04. Planos Estabelecidos

A defesa do Aquartelamento segundo o plano estabelecido.

05. Desenrolar da Acção

Em 032210AGO70 um grupo IN de cerca de 50 elementos desencadeou a flagelação ao Aquartelamento com Morteiro 6 cm, RPG 2, RPG 7 e armas automáticas das direcções Leste e Nordeste do Aquartelamento e a cerca de 800 metros. O pessoal dos postos de sentinela reagiu imediatamente assim como o Morteiro 81 do Aquartelamento, seguindo-se a reacção conjunta de toda a guarnição segundo o Plano de Defesa, tendo o IN retirado cerca das 22H25, continuando as nossas armas a bater a zona de retirada na direcção de Canducuré.

O IN utilizou a estrada de Ganguiró e Canducuré-Canjadude na aproximação e retirada. Feito o reconhecimento da base de fogos IN e do itinerário de retirada, encontraram-se poças de sangue no local de instalação assim como ao longo da estrada. Em Ganguiró o IN dispersou na direcção de Cabuca, seguindo cerca de 5 elementos na direcção de Rio Buoro-Siai.

06. Resultados Obtidos

Devido à reacção imediata das NT o IN foi forçado a retirar, tendo deixado no local da instalação o material indicado no anexo b), tendo-se encontrado manchas de sangue, o que leva a pressupor ter tido o IN alguns elementos feridos e provavelmente dois mortos.

07. Serviços

Nada

08. Apoio Aéreo

Nada

09. Ensinamentos colhidos

Devido aos resultados obtidos pelo accionamento da mina anticarro em 030745AGO70, o IN certamente pretendeu aproveitar uma possível desmoralização do pessoal

10. Diversos

Nada.

Documentos anexos

Anexo A

1 - Material extraviado:

Causas do extravio:
Reacção ao ataque IN ao Aquartelamento
1 Porta granadas m/964 – distribuído ao Furriel Miliciano Borges;

2 – Material danificado

Causas da ruína:
Reacção ao ataque IN ao Aquartelamento
1 Percutor partido da Metralhadora Ligeira Dreyse 7,9 mm n.º B-974

3 – Munições consumidas

Causas do consumo:
Reacção ao ataque IN ao Aquartelamento
a) 8.000 Cartuchos 7,62 mm
b) 2.000 Cartuchos 7,9 mm
c) 50 Granadas explosivas Morteiro 60 mm;
d) 60 Granadas explosivas Morteiro 81 mm
e) 2 Granadas incendiárias Morteiro 81 mm
f) 30 Granadas explosivas LGF 8,9 cm;
g) 20 Dilagramas

Anexo B

Material IN recolhido após o ataque:
a) 2 Granadas RPG 2
b) 2 Cargas propulsoras RPG 2
c) 2 Carregadores de Kalashnikov

Anexo D

Elementos dignos de realce devido a sua conduta durante o ataque IN ao Aquartelamento

1.º Cabo NM 01432766 – Francisco José Mocinho Ferra – Apontador de Armas Pesadas.

É de salientar o comportamento do 1.º Cabo Ferra, pois logo que se desencadeou a flagelação, correu para o Morteiro 81, do qual é apontador, e logo que foi localizada a posição IN bateu-a com rara pontaria, provocando quase de seguida o silencia do IN.

Foi graças, em grande parte, à sua reacção plena de energia que a flagelação durou apenas alguns minutos. Sempre calmo e cumprindo as ordens do Comando, continuou a bater a zona e o possível itinerário de retirada e que veio a constatar-se posteriormente, ter sido feito com grande eficácia.

(Elementos retirados do estudo para a elaboração da História da Companhia de Caçadores n.º 5)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6788: Patronos e Padroeiros (José Martins) (13): Avós - Santa Ana e S. Joaquim

Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6821: Efemérides (46): Acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 no Pindjiguiti, Guiné (1) (Leopoldo Amado)

Guiné 63/74 - P6821: Efemérides (47): Acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 no cais do Pindjiguiti, Bissau (1) (Leopoldo Amado)

1. Hoje, dia 3 de Agosto de 2010, completa-se mais um ano sobre os trágicos acontecimentos do Pidjiguiti, ocorridos no já longínquo ano de 1959. 

Lembrando essa data, vamos republicar os Postes DLXXV de 22 de Fevereiro, DLXXXVI de 25 de Fevereiro e DLXXXVIII de 26 de Fevereiro de 2006, da nossa I Série, de autoria do nosso tertuliano Leopoldo Amado, lusoguineense, de quem aliás não temos notícias há já algum tempo. Presume-se que continue a viver e a trabalhar em Cabo Verde


Guiné > Canjadude > 1974 > Posto de controlo do PAIGC, vendo-se um grupo de guerrilheiros aramados de kalash e de RPG-7.

Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006) . O João Carvalho, ex-furriel miliciano enfermeiro da CCAÇ 5 (1973/74), é hoje farmacêutico e membro da nossa tertúlia.


Os graves acontecimentos do Pidjiguiti em 3 de Agosto de 1959

Iniciamos hoje a publicação de um importante texto, inédito, do historiador guineense, Leopoldo Amado, doutorando em história contemporânea pela Universidade Clássica de Lisboa e membro da nossa tertúlia, sobre o significado dos acontecimentos de 3 de Agosto de 1959, na perspectiva da luta, mais recente, de libertação nacional, liderada pelo PAIGC, e da tradição, mais antiga, de resistência dos guinéus à colonização europeia (incluindo a portuguesa).

Devido à sua extensão, o texto teve de ser repartido em várias partes. Apesar de assoberbado com os preparativos para a defesa da sua tese de doutoramento, o nosso amigo Leopoldo quis ter connosco uma especial atenção, o que muito nos honra.

Não temos dúvida, que este seu paper, alicerçado em minuciosa investigação empírica, baseada em documentação de arquivo (incluindo os ficheiros da PIDE/DGS) e em entrevistas a actores-chaves, vem fazer luz sobre uma parte da nossa história comum recente assim muito mal conhecida, contada, analisada e explicada. Obrigado, Leopoldo! (LG).
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Caro Mário Dias,
Caro Luís Graça,
Restantes tertulianos,
Amigos e camaradas,

Como prometi, segue em anexo o meu comentário sobre o testemunho presencial de Mário Dias, à propósito de Pindjiguiti. Estou aberto a qualquer reparo, chamada de atenção, troca de ideias e experiências, caso houverem.

Seguem também, igualmente em anexo, duas ou três fotos (bom, mais imagens que fotos) que se reportam ao Pindjiguiti. Infelizmente, todos em ficheiros Word, mas o Luís Graça (ou alguém da Tertúlia) certamente saberá os converter em ficheiros normais de imagem, se se entender publicar o meu texto, apesar do seu desmedido tamanho. Uma sugestão: talvez se deva publica-lo no Blogue, mas em formato PDF, devido aos itálicos, palavras entre comas/aspas e sobretudo devido as notas de rodapé.

Peço entretanto ao Luís que me faça o favor enviar o texto de volta, depois de composto e introduzido as imagens que não consigo converter em ficheiros normais de imagem, a fim de que o possa publicar nos meus blogues:

Lamparam I

Lamparam II

Um abraço e boa semana de trabalho a todos
Leopoldo Amado


Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - I Parte

O testemunho presencial de Mário Dias é sem dúvida uma peça imprescindível para um melhor enquadramento da historiografia da guerra colonial “versus” guerra de libertação, de resto, algo que enquadra perfeitamente no significativo esforço que a Tertúlia tem vindo a desenvolver de forma empenhada, entre outras plausíveis razões, porque todos estão profundamente conscientes – penso eu – de que os povos sobrevivem sempre às turbulências próprias de uma guerra, qualquer que ela seja, donde a importância do estabelecimento da necessária ponte de ligação com as novas gerações, através da memória histórica.

Porém, apesar de muito limitada no tempo (11 anos) e no espaço (cerca de pouco mais de 30.000 Km2), as malhas históricas em que se processou e se desenvolveu a guerra colonial e/ou guerra de libertação, conforme o lado dos contendores onde nos posicionamos, a mesma revela-se de uma profunda complexidade, tanto pelo potencial de estandardização factual que a sua evolução comporta, como pelas intrincadas conexões que os acontecimentos ou episódios inerentes apresentam, aconselhando este estado actual dos conhecimentos a espécie de humilde resignação metodológica ante a evidência, de resto compreensível, das eventuais ou prováveis obliterações decorrentes do eventual défice de objectividade ou não com que a temática é aqui e acolá aflorada, contanto nos convençamos de que tanto as abordagens que procurem explanar uma visão de conjunto (aparentemente, a mais cómoda) como as parcelares (aparentemente, a mais trabalhosa) afiguram-se por um lado autonomamente importantes e, por outro, altamente complementares aos esforços tendentes a uma mais cabal e bem sucedida reconstituição histórica.

Assim, o justamente ou o impropriamente denominado Massacre de Pindjiguiti (abstemo-nos metodicamente, pelo menos por agora, a tecer juízos de valor), apresenta-nos como bom exemplo para se ilustrar a complexidade referida, na medida em que, não obstante inéditos e importantes, os factos relatados como fazendo parte da sua decorrência apresenta-se-nos também, à jusante e montante da ocorrência, como factores limitativos à uma abordagem com horizontes mais abrangentes.


Guiné-Bissau > Luís Cabral, o primeiro presidente da República da Guiné-Bissau (1974-1980).

Efectivamente, à jusante de todo o processo que o antecedeu, por um lado, Pindjiguiti não foi senão um marco, uma referência e, muito provavelmente, o cumulativo e o auge de um sentimento que se expressou como se expressou – violentamente é certo –, pese embora a fuzilaria e o derramamento de sangue que lamentavelmente resultou em mortes, mas em cujos acontecimentos, tanto à jusante como a montante, apresentam suficientes elementos que nos permitem, tanto quanto possível, conferir uma interpretação histórica a fenomenologia que, por comodidade, designaremos Pindjiguiti. Eis o percurso que iremos tentar delinear para doravante para situarmos a contextualização histórica de Pindjiguiti.

Convenham-nos então que Pindjiguiti, isto é, o fenómeno considerado enquanto tal, é deveras tributário de inúmeros acontecimentos que o antecederam, desde os mais longínquos aos mais próximos, uns e outros dependendo da longevidade, intensidade e/ou projecção que tiveram no imaginário colectivo guineense.

Assim, independentemente das influências exteriores e dos ulteriores desenvolvimentos no plano internacional que directa ou indirectamente desembocaram no boom das independências africanas em 1960, o povo guineense sempre resistiu à colonização. Atestam-no, entre outros aspectos, a denodada resistência oferecida a ocupação colonial portuguesa que, iniciada nos finais do século XIX, prolongaram-se praticamente até a ao início da segunda metade do século XX, mediando assim pouquíssimo espaço de tempo o final do período da resistência à ocupação e o da emergência do embrionário nacionalismo guineense que, coincidente e curiosamente, surge concomitantemente no preciso momento em que o poder colonial também tinha acabado de criar as condições para a implantação da administração e o seu domínio sobre o território.

É certo, outrossim, que acontecimentos tal como a segunda Grande Guerra e suas ressonâncias na Guiné, diminutas que sejam, contribuíram igualmente com a sua quota-parte para que o povo guineense começasse a questionar o seu papel e o seu lugar.

Aliás, Rafael Barbosa lembra-se (1) de, durante a segunda guerra mundial, os jovens em Bissau se terem se posicionado do lado dos Aliados contra a Alemanha de Hitler, seguindo com entusiasmo e acrescido interesse (sobretudo pela BBC e outras rádios internacionais) o evoluir dos acontecimentos no teatro das operações, tal a convicção da que tinham os jovens guineenses da adopção, por parte de Portugal, de uma espécie de neutralidade dúbia, apoiando subtilmente a Alemanha de Hitler, pelo que não se pode a partir destes aspectos aferir-se da crença ou da antevisão, por parte desses (ainda) imberbes nacionalistas, de que na II Grande Guerra jogava-se, de certo modo, o futuro dos povos das colónias africanas.

Estava-se na Guiné, isso sim, perante manifestações libertárias, mas algo difuso, tanto mais que junto aos grumetes e elementos da pequena burguesia local, independentemente do grau da sua justeza ou de qualquer outro juízo de valor que elas se possam fazer, pelo menos por parte de alguns desses africanos, bifurcavam-se também na vontade oculta de ascensão na sociedade e estruturas de poder coloniais.

Vivia-se, convenhamo-nos, naquilo a que hoje se convencionou de certa maneira denominar de protonacionalismo, mas de per si este facto não deixa de ser demonstrativo de que, na década de 40 do século XX, essas aspirações libertárias quase que apenas se manifestavam como contraponto da exploração imposta pelo desumano e repressivo aparelho colonial e só de forma subsidiária e residual como resultante de uma hipotética influência ou impulso importados do movimento das ideias e aspirações libertárias que já se fazia sentir no plano africano e até internacional, mormente através do movimento pan-africanista cujas ressonâncias – não obstante terem a chegado a Guiné em 1910 com a fundação da Liga Guineense –, não tiveram nem continuidade e nem expressão assinalável, tal a repressão que o temerário Teixeira Pinto (autrement conhecido pelo epíteto de “Pacificador”) engendrou contra os seus membros mais activos e que conduziu posteriormente a sua proibição em 1915.

Para lá do ambiente gerado pela longa e penosa guerra de ocupação colonial (“pacificação”) versus resistência à ocupação – que durou oficialmente até 1936 (apesar de que várias importantes revoltas foram aqui e acolá assinaladas até aproximadamente 1950), o relacionamento entre o aparelho colonial e as populações guineenses era, em geral, bastante hostil. Inclusivamente, em 1942, toda a estrada de Plubá foi aberta pelos prisioneiros que, na maior parte dos casos, eram presos porque não quiseram ou não puderam pagar a daxa ou o imposto de palhota.

Guiné > Amílcar Cabral e Nino Vieira, na época da guerrilha. Amílcar viria a ser assassinado em 1973. Nino, por sua vez, derrubará o sucessor de Amílcar, o seu meio-irmão Luís Cabral, através de um golpe de estado militar (1980).

Fonte: desconhecida.

Durante todo o período que durou a II Guerra Mundial, no tempo do Governador Vaz Monteiro, havia em Bissau, Safim e Quinhamel algo que em muito imitava os campos de concentração na Alemanha do Hitler. O maior assassino era o administrador de Bissau, António Pereira Cardoso, que veio a ter aqui preso o Benjamim Correia. A partir daí, o filho da Guiné tomou consciência de que havia que lutar pela sua causa (2)".

No início, a pequena burguesia organiza-se num quadro africano, mas cujo fim não é ainda a independência nacional. Trata-se de mais um desejo confuso de encontrar o seu lugar, de emergir socialmente. Mas a dominação portuguesa não é ainda contestada, a aspiração a assimilação mantém-se, nesta etapa, largamente espalhada. Isto apesar de alguns elementos da elite guineense são já serem sensíveis a uma “reafricanização”.

A prova eloquente do acima dito é o facto de a maior parte dos "notáveis" guineenses da sociedade colonial pertencerem ao Conselho Legislativo do governo da Guiné, tais como Mário Lima Whanon (comerciante), Dr. Augusto Silva, Joaquim Viegas Graça do Espírito Santo (aposentado e comerciante residente em Bafatá), Dr. Armando Pereira (advogado), Benjamim Correia (comerciante), Carlos Domingos Gomes (comerciante) e Dr. Severino de Pina (advogado) (3).

A estes juntaram-se outros guineenses pertencentes à pequena burguesia, sendo de reparar a participação de cabo-verdianos e de portugueses que na altura eram claramente anti-situacionistas. Este grupo, que não escondia igualmente as suas pretensões de ascensão na sociedade colonial, dava também, paradoxalmente, o seu inequívoco apoio ao emergente nacionalismo guineense.

Portugal > Lisboa > s/d > Cartaz de propaganda de apoio à luta dos povos das colónias africanas portuguesas. Cartaz da UAC - Unidade Anti-Colonial.

Imagem gentilmente cedida por Jorge Santos, membro da nossa tertúlia (2005).

Os notáveis desse grupo que se destacaram, tendo por isso merecido um registo das suas actividades pela PIDE, foram Eugênio Rosado Peralta (industrial de pesca), Manuel Spencer “Tuboca” (comerciante) e Fernando Lima ( comerciante). Estes membros da pequena burguesia foram acusados de fomentarem a rebeldia entre os guineenses considerados indígenas, chegando mesmo alguns deles mais tarde a aderir aos ideais de libertação, embora sem nela tomarem parte activa (4).

Com efeito, a maior parte dos povos da Ásia tornou-se independente após a II Guerra Mundial. Em Outubro de 1946, com o fim de realizar a união de todos os africanos, realizou-se lugar em Bamako (Mali) uma reunião em que se fixaram os princípios do Rassemblement Démocratique Africain (RDA), propondo-se a fusão de todos os agrupamentos e partidos democráticos de cada território num partido democrático unificado, passando o RDA a ser inicialmente dirigido por um Comité de Coordenação, apesar de que sempre se debateu ao longo dos anos com a unidade proclamada.

No decorrer deste período a acção das massas africanas, as organizações políticas e os seus dirigentes impuseram nos territórios vizinhos, sobretudo nas colónias francesas, um certo número de realizações no campo económico e social que eles próprios que eles próprios consideraram positivas, pelo que a ideia da unidade das organizações políticas africanas na luta pró-independência ganha novamente vulto entre essas mesmas massas e nas organizações não aderentes ao RDA.

As organizações que não aderiram ao RDA agrupam-se no MAS (Movimento Socialista Africano) e na Convenção Africana, esta animada por Leopoldo Sédar Senghor. Em 1957, foi criado o PAI, o qual lança a ideia da independência africana. Em Julho de 1958, verifica-se uma reunião em Paris dos principais dirigentes africanos, onde se reafirmou o principio da unidade com vista à independência. Em Maio-Junho de 1958 a França atravessou uma grande crise, retomando o destinos do país o General De Gaulle. Este desloca-se a Conakry e no decurso da sua visita declara que os povos da África sob dominação francesa podiam escolher entre responder “sim” e aceitar a sua Constituição que sob o nome da “Comunidade” substitua a chamada “União Francesa” ou responder “não” caso em que o território se tornaria independente.

A maior parte dos territórios, confiantes nas promessas feitas, votou “sim”. Só a Guiné por votação popular realizada pelo PDG respondeu “não” em 28 de Setembro de 1958 à Constituição do general De Gaulle e em 2 de Outubro a sua independência era proclamada.

Esse feito deveu-se sobretudo a acção do PDG (criado em Maio de 1947), sete meses depois do Congresso de Bamako, o qual resultou da fusão étnica das associações que na Guiné Conakry e especialmente à acção de Sékou Touré que dirigia o sindicato e era o Secretário Político do Partido.

Repúlica da Guiné-Conacri > Bandeira nacional > A simbologia das cores...
Fonte: Wikipedia (2006)

A República da Guiné adoptou uma bandeira tricolor – vermelho, amarelo e verde em que o vermelho simboliza a determinação do povo em aceitar todos os sacrifícios até ao derramamento do sangue, o amarelo a cor do sol e das areias de África e o verde a cor da esperança e da vegetação africana, cores estas que se encontram nas bandeiras de quase todos os países do Oeste africano, diferindo apenas a disposição.



Em Março de 1952, Cabral subscreveu com outros uma exposição a Sua Excelência o Presidente da República, em que entre outras coisas, reclamavam a retirada de Portugal do Pacto do Atlântico.

Cabral desembarcou em Bissau a 20.9.52, no navio Ana Mafalda, tinha ele 34 anos. Chegou a Bissau a sua mulher a 2.11.52. Cabral foi contratado pelo Ministério do Ultramar como Adjunto dos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné até 18.3.55, data em que regressou à Metrópole. Em 1952, Amílcar Cabral rumou para a Guiné colonial, após ter estado em Cabo Verde (1949), onde, segundo o próprio, fez "todas tentativas de acordar a opinião pública contra o colonialismo".

Nessa época, Portugal tinha o compromisso internacional de apresentar o Recenseamento Agrícola da Guiné e até então este trabalho não fora sequer iniciado. Depois de vários contactos de trabalho, particularmente nos momentos em que o Amílcar exercia interinamente as funções de chefe de serviço, o Governador decidiu confiar-lhe a execução daquela importante tarefa, na qual veio a ser secundado pela engenheira Maria Helena Rodrigues, sua esposa. "Em cada tabanca deixava uma palavra como ele a sabia dizer, embora o povo só viesse a interpretá-la devidamente quando lá chegasse a palavra de ordem do Partido para a luta (6)”.

O Recenseamento Agrícola acabou por permitiu a Cabral conhecer mais de perto as populações e os seus problemas, constituiu-se assim na antecâmara da mobilização urbana que se lhe seguiu.

Em 1952, Amílcar Cabral sugeriu a formação de um Clube de Futebol apenas reservado aos naturais da Guiné opinando que dentro do mesmo devia existir uma biblioteca para a elevação do nível cultural dos associados. Várias reuniões foram realizadas tendo também para a arrecadação de fundos sido efectuado um baile no bairro Chão de Papel.

Nessa altura, tentou, aparentemente sem sucesso, Amílcar Cabral quis disfarçar as actividades políticas com a criação de um clube desportivo e recreativo cujos subscritores da petição foram: o próprio Amílcar Cabral, Carlos António da Silva Júnior, João Vaz, Ricardo Teixeira, Pedro Mendes Pereira, Inácio Carvalho Alvarenga, Paulo Martins, Julião Júlio Correia, Martinho Gomes Ramos, Víctor Fernandes, Bernardo Máximo Vieira.

O aparente insucesso acabou todavia acabou por insuflar a ideia de associativismo. Segundo Luís Cabral, " (…) o projecto de associação começava a tomar corpo e a ter aceitação, enquanto o Amílcar provava não estar disposto a recuar diante das dificuldades. E a denúncia surgiu (…) (6)”.

A não admissão, neste clube, de europeus acabou por gerar dissidências deixando os propósitos do seu mentor bem à vista: lançar as bases duma organização de nativos irmanando-os na mesma fé e nos mesmos destinos. O clube não chegou a ser autorizado, mas o certo é que ficou entre os nativos a ideia duma união entre todos.

Com efeito, durante a sua permanência nesta cidade, diz uma notada PIDE, “o Eng.º Amílcar Cabral e a sua mulher comportaram-se de maneira a levantar suspeitas de actividades contra a nossa presença nos territórios de África com exaltação de prioridade de direitos dos nativos e, como método de difundir as suas ideias por meios legalizados, o Eng.º pretendeu e chegou a requerer juntamente com outros nativos, a fundação de uma agremiação desportiva e Recreativa de Bissau, não tendo o Governo autorizado (7)”.

A mesma nota dava ainda conta de que “(...) eram anti-situacionistas o João Vaz, ajudante de mecânico, de 33 anos, natural de S. Tomé, Carlos António da Silva Semedo Júnior, de 21 anos, estudante, a estudar em Lisboa; Pedro Mendes Pereira, enfermeiro de 1ª classe de 52 anos, Inácio Carvalho Alvarenga, 42 anos; Julião Júlio Correia, de 50 anos de idade, Martinho Gomes Ramos de 35 anos, Víctor Fernandes, de 30 anos Bernardo Máximo Vieira, de 33 anos, tendo esses mesmos indivíduos assinado uma petição no sentido da criação de um clube denominado Clube Desportivo e Recreativo de Bissau, destinado ao desenvolvimento de actividades nativistas, superiormente orientadas pelo engenheiro Amílcar Cabral.

As reuniões, presididas por Cabral para esse fim realizavam-se clandestinamente na casa de João da Silva Rosa (guarda livros da NOSOCO). Tomaram parte nessas reuniões o Isidoro Ramos, João Rosa, Víctor Robalo (agricultor em Bigimita), Martinho Ramos (empregado da Gouveia), José Maria Dayves, Elisée Turpin (empregado ao tempo da SCOA), Godofredo Vermão de Sousa (professor primário), Crates Nunes (carpinteiro). Para essas actividades, chegaram até de organizar um baile muito frequentado no Chão de Papel, tendo Estevão da Silva (Alfaiate), na altura nomeado tesoureiro.

Um cartoon histórico alusivo ao reconhecimento, por parte do Portugal democrático, da independência da Guiné Bissau, em 10 de Setembro de 1974. Fonte: Gaiola Aberta. nº8 (1 de Outubro de 1974) © José Vilhena (1974) (com a devida vénia).

Imagem gentilmente cedida por Jorge Santos, membro da nossa tertúlia (2005).

Foi com estes fundos que se financiaram as cópias dos Estatutos que Cabral elaborou e que depois o levou a uma reunião para ser apreciado e na qual foram aprovados, secundando este acto a constituição de uma Comissão que os deveriam levar a aprovação do Governador, porquanto foram inicialmente entregues e esta entidade não o submeteu a despacho com a brevidade que os interessados então pretendiam. Que essa Comissão foi então constituída por João Rosa, Víctor Robalo e João Vaz (alfaiate) que igualmente não conseguiu aprovação do Governo, exactamente porque uma das cláusulas dos Estatutos aludia ao facto de que nesta agremiação que não podiam tomar parte os europeus e caboverdianos, razão pela qual passou-se a dizer que Cabral estava feito com os grumetes.

Depois de 1954, alguns povos de África tornaram-se independente. No Sul da Guiné, mais concretamente em 1956, registaram-se no Sul da Guiné certas actividades dos nativos, nas áreas de Cacine e Bedanda a favor do chamado Rassemblement Democratique Africain, tendo-se mesmo formado o que apelidaram de “clubes de trabalho”, em quase todas as povoações vizinhas. Prenderam-se alguns responsáveis e deu-se a fuga de outros, pelo que estas acções foram desmanteladas.

Em 1955, José Ferreira de Lacerda (9), futuro patriarca e líder lendário do MLG, redigiu, a pedido de César Mário Fernandes e José Francisco Gomes (assinada por várias pessoas) uma “Representação” que foi entregue ao Presidente da República de Portugal aquando da visita deste a Província da Guiné, documento esse onde se condensava, segundo os seus subscritores, o essencial das aspirações da Guiné.

Paralelamente, nas eleições para membros do Conselho do Governo da Província da Guiné faziam parte dos elementos favoráveis aos candidatos da “oposição”, os seguintes guineenses: Benjamim Correia, Armando António Pereira (advogado de 54 anos e candidato a membro do Conselho do Governo da Província, proposto pelo grupo de Benjamim constituído pelo branco Luís Mata-Mouros Resende Costa, 36 anos de idade, natural de Bissau, que nesse processo encarregou-se de expedir circulares, em colaboração Gastão Seguy Júnior (9), 36 anos, oficial de diligências do Juízo de Direito da Comarca, natural de Bolama (10).

É igualmente digna de registo a existência, mais ou menos paralela, de outro grupo de nacionalistas que actuava sob a coordenação de Mário Lima Wanon e do qual faziam parte o Dr. Artur Augusto Silva (11), o Dr. Severino de Pina, Godofredo Vermão de Sousa, Víctor Robalo, Armando António Pereira, Manuel Spencer e Crates Nunes. Embora as acções desenvolvidas nesta fase da luta fossem poucas, devido à feroz repressão e apertada vigilância da PIDE, o certo é que contribuíram para a mobilização em Bissau, particularmente nas camadas ligadas à pequena burguesia local.

Leopoldo Amado
Fevereiro de 2005

(Continua)
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Notas do autor  (LA):

(1) Entrevista de Rafael Barbosa a Leopoldo Amado em Bissau.

(2) Entrevista de Elisée Turpin a Leopoldo Amado.

(3) Cf. Proc. 4415 - CI (2), Arquivos da PIDE, Torre do Tombo, fls. 34

(4) Cf. Proc (Proc. 5466 - CI(2), , Arquivos da PIDE, Torre do Tombo, fls. 307

(5) Cabral, Luís, Crónica da Libertação, Edições "O Jornal", 1984, p.36

(6) Segundo Víctor Robalo (Entrevista concedida a Leopoldo Amado em Bissau) "(…)aquilo morreu mas, o Amílcar não parou. Depois, veio a ideia da criação da cooperativa, cujo nome já não me lembro. Era uma cooperativa cuja sede havia de ser na minha ponta. Foi a última tentativa para a criação de uma cooperativa agro-pecuária... Era uma cooperativa de sociedade por quotas de 500 escudos na altura. Cada cooperativista entrava com o que tivesse até completar aquilo, que era para ver se as coisas marchavam"

(7) Nota datada de 3.5.55, Proc. N.º 3589 – CI (2)9.

(8) Segundo Rafael Barbosa (entrevista de Rafael Barbosa a Leopoldo Amado), José Ferreira de Lacerda estudou em Coimbra e teria sido aluno de Salazar.

(9) Gastão Seguy Júnior , como oficial de Justiça, foi acusado de propagandista quando sempre que os assuntos indígenas subiam ao poder judicial, observando-se este facto com maior clareza aquando julgamento do administrador aposentado, António Pereira Cardoso, acusado de ter praticado carnificina junto as populações indígenas.

(10) Proc. PC5519 - CI(2), 1956, fls.119-120

(11) O Dr. Artur Augusto Silva (*), pai do nosso amigo e conhecido PEPITO, foi advogado de muitos nacionalistas guineenses acusados de "subversão” e "terrorismo". Correligionário político e colega de Álvaro Cunhal durante o período de estudos em Coimbra, desempenhou um papel importantíssimo no processo de defesa e consciencialização dos guineenses.
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Notas de CV:

Sobre os acontecimentos do Pindjiguiti ver postes de:

15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXV: Pidjiguiti, 3 de Agosto de 1959: eu estive lá (Mário Dias)

18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLVII: Antologia (36): o massacre do Pidjiguiti (Luís Cabral)

21 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXIII: Pidjiguiti: comentando a versão do Luís Cabral (Mário Dias)

22 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXV: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - I Parte

25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVI: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte

26 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVIII: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - III (e última) Parte

26 de Fevereiro de 2006 >Guiné 63/74 - DLXXXIX: Pidjiguiti: resposta do Mário Dias ao Leopoldo Amado

2 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4452: Controvérsias (15): O 'massacre do Pidjiguiti', em 3 de Agosto de 1959: o testemunho de Mário Dias

27 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6793: Notas de leitura (136): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (2) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série Efemérides de 16 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6599: Efemérides (45): Inauguração do Monumento aos Combatentes da Guerra do Ultramar, em Vila do Conde (Vasco Santos, ex-1º Cabo Cripto, CCAÇ 6, Bedanda, 1972/73)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5758: Pré-publicação de Mulher Grande, de Mário Beja Santos (3): Dois anos maravilhosos: S. Domingos, Varela, Ziguinchor, antes da guerra...


Guiné-Bissau > Região do Cacheu > S. Domingos > Estádio de Amizade de S. Domingos > 1º Festival Cultural de S. Domingos: Nô laba rostu di nó Guiné (S. Domingos, 18-20 de Dezembro de 2009) > Dançarinos balantas de Ingoré. O festival foi um sucesso, envolvendo cerca de 5 mil participantes e espectadores. Juntou diferentes grupos artísticos, culturais, teatrais, folclóricos, de Aramé, Elia, Suzana, Varela, Cacheu, Ingoré, S. Domingos e Ziguinchor.

Segundo a AD - Acção para o Desenvolvimento que organizou esta iniciativa, "a valorização das diferentes facetas das manifestações culturais dos grupos étnicos existentes na Guiné-Bissau, alguns em perigo de desaparecimento por razões de absorção e integração por outras etnias, como os banhuns, cassangas e baiotes, permite à maioria o conhecimento e acesso a essas manifestações culturais, retirando-as do esquecimento e promovendo-as a património cultural nacional".

Por outro lado, "a actuação de grupos culturais locais favorece a criação e consolidação dos movimentos contra uma “cultura” urbana que despreza a tradicional, porque rural, lutando contra a intolerância e discriminação sexual e religiosa".


Foto: © João Graça (2009). Direitos reservados


1. Pré-publicação de excertos do próximo livro do nosso amigo e camarada Mário Beja Santos, Mulher Grande. Trata-se da terceira parte do Capº III (*):

Mulher Grande > III > A Guiné em chamas ou o “Tubabo Tiló”
por Mário Beja Santos


[III. 3] A exaltação de S. Domingos


S. Domingos era uma aldeia, a nossa casa ficava a 500 metros do porto. Olhe para o mapa e veja como estávamos próximos da fronteira. Pelo estradão, estávamos a 45 ou 50 minutos de Suzana, no bom tempo, e logo a seguir tínhamos a praia de Varela, a minha inesquecível praia de Varela. Por vezes íamos pelo estradão de Suzana até ao Cabo Roxo, não pode imaginar o panorama que dali se desfruta.

Para quem, como nós, até agora tinha estado longe de tudo, S. Domingos, se bem que uma povoação insignificante, aproximava-nos de território francês, e como o Albano mantinha relações muito cordiais com as respectivas autoridades, passei a ir com regularidade a Ziguinchor.

Era tudo em dimensão diminuta, estávamos, como disse, perto do porto, tínhamos uma tasca quase à porta de casa. A administração ficava em frente à nossa casa, a seguir havia a escola e um pouco mais abaixo o madeireiro. A nossa casa era o centro de S. Domingos, digo isto sem nenhum exagero, pois a estrada para Ziguinchor e para Varela passava-nos à porta.

Quando lá chegámos, depois de um longo dia de viagem que começou em Pirada, seguimos por uma picada até Sonaco, depois Bafatá, voltei a fazer aquele percurso que passa por Mansabá, revi Bissorã, onde matei saudades, seguimos depois por Barro, Sedengal até S. Domingos. Quando chegámos quase ao anoitecer, cheia de pó por dentro e por fora, olhei para a casa e disse para comigo: “Mais uma casa velha para arranjar, mais móveis para comprar, mais costura, pareço a Penélope, aprumo e desmancho, quando me estou a afeiçoar às coisas, chegou a hora de partir!”.

A casa impressionou-me bem, tinha gerador e não tinha prisão no rés-do-chão, como no Gabu. Estávamos lá há poucos dias, quando fomos convidados pelos colegas do Albano a visitar Ziguinchor. Foi uma sensação maravilhosa de ter um restaurante a algumas dezenas de quilómetros de casa, havia lojas de tecidos e um estabelecimento onde se podiam comprar produtos franceses, sobretudo conservas. Não pode imaginar a minha alegria de entrar numa outra loja que tinha livros franceses, comovi-me quando vi romances da Colette, Romain Rolland e André Gide.

Para minha surpresa, na primeira vez que vim à rua em S. Domingos abeirou-se um branco com a pele muito tisnada, tirou o chapéu colonial e saudou-me: “Sou o Toscano, não sou parente do seu marido, sou o Toscano madeireiro”. O chefe de posto era o Braga, branco tal como a mulher, fui madrinha do filho que ali nasceu, estávamos ali há mais de um ano. Recordo que havia dois padres italianos em Suzana.

Penso que vamos encontrar bastantes imagens da região de S. Domingos, das férias em Varela, dos passeios com amigos franceses, aqui nos meus álbuns. Tenho agora uma confidência a fazer, foi em S. Domingos que pela primeira e única vez vi o Albano com os copos. Ele foi dar um passeio, eu estava de cama, quando regressou vinha a rir-se, fez-me uma careta e disse: “Benedita, desculpe, hoje não durmo aqui, não estou bem, senti que bebi demais, o padre recebeu vinho para a missa, fomos provar, não sei como me embebedei!”. Dito isto, com as mãos a agarrar a barriga dava grandes gargalhadas, caiu no chão, levantou-se e saiu. Eu olhava para aquilo tudo sem abrir a boca, sinceramente o único medo que tive foi que aquelas cenas se voltassem a repetir.

O importante é que eu sentia mais alegria em S. Domingos, a tal sensação de estar perto de tudo, de poder viajar, encontrar gente, comprar uma revista, passear, ter a satisfação de marcar um almoço ou um lanche. E a certa altura, quando a professora partiu tive a emocionante experiência de dar aulas. Senti que era uma vocação tardia, iria gozar aqueles momentos com toda a intensidade.

Desculpe insistir, desde Bissorã que eu não me dava tão bem com a Guiné. Às vezes penso que foi Ziguinchor que mudou tudo. Logo que chegámos a S. Domingos mudámos de motorista, o Guilherme foi trabalhar para a meteorologia em Bissau, o Albano admitiu o Xuxo, era ele que me levava às compras em Ziguinchor.

Aos sábados, sempre que possível, íamos passear a Varela. Nunca mais esqueci Varela com o seu extenso areal e palmares ao fundo, o concessionário do restaurante continuava a ser o Sr. Refrega e o ajudante, o Sr. Vasco. O governador da Guiné tinha aqui um palácio. Foi tudo saqueado em 1961, logo a seguir ao ataque a S. Domingos. Faço-lhe uma confidência, não sei se me estou a repetir, nunca mais me ocorreu querer voltar à Guiné, mas ainda hoje tenho saudades de Varela e de algumas viagens que fiz a Ziguinchor.

Em 1959, fizemos obras na casa de S. Domingos (durante as obras vivemos na casinha de Varela) e demos uma festa. Onde gostávamos de receber era em Varela. É neste período que eu senti uma grande mudança no estado de espírito do Albano. Pela primeira vez, via-o trazer trabalho para casa, eram os relatórios sobre a evolução da situação no Senegal, em Bissau sabia-se perfeitamente a qualidade e a quantidade de informações que ele possuía.

Várias pessoas me disseram mais tarde que não havia ninguém na Guiné, no Norte, tão bem informado como o Albano. Regularmente, por este tempo, o Albano era chamado a Bissau para reuniões de carácter confidencial. Como não havia estabelecimentos comerciais em S. Domingos, acompanhava-o, fazíamos a viagem até Cacheu, daqui para Teixeira Pinto e depois Bissau.

A recordação que melhor guardo foi este período maravilhoso de 2 anos, o Albano começara a estudar a economia dos Felupes e preparara uma monografia sobre a habitação dos Banhuns. Sei que não vai acreditar, mas a Christine Garnier viveu uma semana em nossa casa, viajava discretamente para o Senegal, quando chegou começou por dizer que preparava uma reportagem, mais tarde abriu o jogo, quando revelou a finalidade da sua viagem ficámos de boca aberta: fora o próprio Salazar que lhe pedira um relatório sobre o que se estava a passar no Senegal, trabalhou o documento com o Albano todas as noites, ele mais tarde confessou-me que o documento identificava com inteiro rigor as novas realidades.

Já disse e insisto que nunca falava de trabalho com o Albano, mas uma noite ele confessou-me: “Benedita, tudo vai mudar na Guiné com o que se está a passar em Dakar e Conacri, há gente que está a ser preparada para a guerra, não lhe escondo que há gente a fugir da Guiné para nos fazer guerra. Temo o pior”. Antes de partir, a Garnier disse-nos que o relatório tinha sido enviado à D. Maria, a governanta de Salazar. Desculpe estar tão repetitiva.

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

[Continua]
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 2 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5747: Pré-publicação de Mulher Grande, de Mário Beja Santos (2): Da Guerra do Turu-Ban ao Tubabo Tiló, passando pelo deslumbrante Corubal