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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10463: Estórias cabralianas (74): Danado para as cúpulas... (Jorge Cabral)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Jorge Cabral, ele mesmo, ex-alf mil art, Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71.

Foto: © Jorge Cabral (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Mais um estória do nosso alfero (*)... Começou em abril de 2007,  a nº 1... Já lá vamos na 74, à espera do lançamento do prometido livro de antologia que será, dizem, um acontecimento social de arromba na noite de Lisboa... (LG) (**)

Danado para as cúpulas ? 
por Jorge Cabral


 – Branquinho, eu era danado para as cúpulas ? –  perguntei-lhe um dia destes, porque  habitualmente me socorro da sua memória. Ainda há meses, logo depois do almoço da CCS do Bart 2917, em Guimarães, no qual contaram tantas estórias do meu  Missirá, tive de procurar confirmação junto dele. Praticamente eram todas invenções, pois também têm direito…

A esta questão, o Branquinho nem soube responder.
Cúpulas ? Quais cúpulas?

Lá lhe relatei o encontro com o Belmiro, um Rapaz dos  Morteiros, que esteve connosco largos meses. Vinha com um cunhado e a certa altura  afiançou-lhe:
Aqui o Alferes era danado para as cúpulas!

Não percebi.. Sorri e concordei:
– Pois era !  Mas a expressão não me saiu da cabeça.

Danado para as cúpulas? Matutei, matutei e penso que descobri.

Em Missirá, a mesa das refeições servia também de secretária, na qual escrevíamos  as nossas cartas e aerogramas. No início até me pediam para escrever às namoradas. Mas depois da má experiência, documentada na estória “O Básico Apaixonado” (***), passei a funcionar como uma espécie de Ciberdúvidas [da Língua Portuguesa]:
 – Meu Alferes,   como se escreve isto? Meu Alferes como se escreve aquilo?

Ora, uma tarde o Belmiro perguntou-me:
– Meu Alferes, f…..é com u ou com o?
– Mas para quem estás a escrever? Põe copular, é assim que se diz.

Não sei se seguiu o meu conselho. A carta era para o irmão e certamente o Belmiro  gabava-se das suas proezas sexuais.

Mais de quarenta anos depois deve ter relembrado a palavra.
– Mas atenção,  Belmiro, como  a outra, esta também se escreve com um o.

Bem, aqui entre nós, o ou u não interessa mesmo nada. Até porque é bem melhor de fazer do que de escrever…

 Jorge Cabral
______________

Notas do editor:

(*) Últimos postes da série, publicados no ano em curso:

29 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10307: Estórias cabralianas (73): O Conde de Bobadela (Jorge Cabral)

(...) Estou no Tribunal de Mafra à espera de um Julgamento, quando uma mulher me interpela:
- É o Senhor Conde, não é?

Hesito, mas para evitar mais conversa, respondo:
-Sou sim. Como vai a senhora?
-Ai, que já não se lembra da Aurora! Eu trabalhava em casa do Senhor D.Ilídio. O Senhor Conde ia lá muito, quando estava na tropa. (...)


9 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9873: Estórias cabralianas (72): Ressonar... à fula (Jorge Cabral)

(...) Além de ressonar, sempre falei a dormir. Um dia em Missirá propus-me descobrir, de que falava, o que dizia. Ora, havia lá um velho gravador de fita, máquina pertencente a não sei quem, enfim nossa, pois viviamos numa espécie de “economia comum”. Resolvi pois gravar uma das minhas noites. (...)
(...) Há uns tempos recebi uma simpática mensagem de uma leitora das “estórias cabralianas”. Gabava-me o humor mas alertava-me, algumas indiciavam uma certa “fixação mamária”. Nada de grave, que não pudesse ser tratado no seu divã, de psicanalista, presumo. (...)

3 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9304: Estórias cabralianas (70): Sambaro, o Dicionário e o Afecto (Jorge Cabral)

(...) Agora que tenho tempo, tornei-me um caminheiro. Logo pela manhã abalo pela cidade. Travessas, calçadas, pátios, becos, vilas, percorro devagar essa Lisboa escondida, quase invisível. Foi num desses passeios que encontrei Ansumane. Um negro velho e calvo, que entre a Travessa da Lua e o Beco das Estrelas, arengava em crioulo. (...)

(**) O nosso alfero veio logo protestar: "Luís, a antiguidade é um Posto! Comecei em Dezembro de 2005! O 'Básico Apaixonado' é de 7 de Janeiro de 2006, tendo sido posteriormente republicado". 

 E eu tive que lhe dar razão: "Querido 'alfero': Os meus neurónios já não andam bem!... Fui lá atrás, a dezembro de 2005 (!), aos postes da I Série (que já ninguém lê), descobrir algumas preciosidades tuas, as primeiras estórias cabralianas, de que fiquei logo fã, repubicadas depois,  mais tarde,  na série do mesmo nome... Bato-te a pala e peço-te mil e uma desculpas pelo lapso biocronológico. É verdade, aqui(e lá) a antiguidade é(era) um posto... Foi "pela mão do Humberto Reis" que a gente se reencontrou em Lisboa, em dezembro de 2005... Abraços, longos. Luís".
  
(***) Vd. poste de 23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)

(...) O Pel Caç Nat 63 esteve quase sempre em Destacamentos. Comigo em Fá e Missirá. Antes no Saltinho, e depois no Mato Cão. Para os Destacamentos eram mandados os especialistas que a CCS [do Batalhão sediado em Bambadinca] não queria. Assim, tive maqueiros que não podiam ver sangue, motoristas epilépticos e até um apontador de morteiros cego de um olho. Tudo boa rapaziada, aliás! (...)

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8892: Estórias cabralianas (67): Lagarto ka ta tchora! (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, pai do "nosso alfero" (*), com data de hoje [, foto à direita, num dos últimos 10 de Junho, em Belém, no Séc. XXI]

Amigos!

As crónicas do Cherno [ Baldé] fizeram-me lembrar do Sitafá. Aí vai 'estória', com o desejo que o joanete do Luis não o incomode mais…
 Abraços
Jorge Cabral 


2. Estórias cabralianas >  Galinhas, Carapaus, Crocodilos e o Puto Sitafá
por Jorge Cabral [, ex-Alf Mil Art, Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71]

Em Missirá não existiam rafeiros, até porque era muito mais uma Tabanca do que um Quartel. Lá viviam duzentas almas, pelotão Nativo e pelotão de Milícias, mais população e, no meio de toda esta gente, apenas dez europeus, o que levou muitas vezes o Alfero a interrogar-se: Afinal quem 'colonizava' quem?
De Fá tínhamos trazido o Sitafá. Puto simpático, protegido do Branquinho, ajudava na cozinha e já falava um português razoável, variando de sotaque, consoante a origem geográfica do cozinheiro.
Dos gerúndios alentejanos aos bês nortenhos, assimilara tudo, mas a sua grande dificuldade era entender o Alfero, porque este utilizava muitas expressões idiomáticas, provérbios e o calão alfacinha.
Assim, tendo-lhe pedido o rádio, ficou radiante, pois o Alfero lho prometeu "para quando as galinhas tivessem dentes". Durante dois meses, o bom do Sitafá, perseguiu as galinhas, agarrou-as, abriu-lhes os bicos e espreitou esperançado…
Outra vez, foi muito sério perguntar,  ao Cabo Freitas, como eram em Lisboa as corridas de carapaus. É que ouvira o Alfero comentar… "O gajo anda para aí armado em carapau de corrida"…
O pior porém aconteceu em Março de 1971.
Logo de manhã, o cozinheiro acordou o Alfero aos gritos:
– O Sitafá desapareceu!
–  Desapareceu? Mas como?
Terá sido raptado? –  perguntou o Amaral.
–  Ou então passou-se para os Turras alvitrou o Cabo Barroso.
Vocês estão é malucos! –  berrou o Alfero. –  O mais certo é ter regressado à sua Tabanca. Vamos procurá-lo. Uns pela estrada de Finete. Eu, o Mamadu e o Demba, em direcção à Aldeia do Cuor, pois aí é possível cambar o Geba para Fá.
Ainda nem um quilómetro havíamos percorrido, avistámos o Sitafá, ao pé do rio. O primeiro a chegar junto dele foi o Demba. E o Sitafá logo gritou:
Lagarto ka ta tchora!
Lagarto ka ta tchora? O Alfero percebeu. É que na véspera o Puto assistira à valente piçada que pregara ao cozinheiro e, como este era de choro fácil, avisara:
– E agora não quero cá lágrimas de crocodilo…
Certamente intrigado, o Sitafá viera espreitar os crocodilos. Pelos vistos, nenhum havia chorado…
Jorge Cabral 

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

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Nota do editor:

(*) Vdf. os dois últimos postes da série, publicados no ano corrente:


(...) Foi na prisão de Alcoentre que conheci o Mãozinhas, por intermédio do meu amigo e cliente, o 24, nome que ganhou há muito tempo, num bordel, sito à Rua do Mundo. E porquê, 24? Ora, é fácil adivinhar. O tamanho, melhor, o comprimento (...)


(...) Estava calor e todo o quartel dormia a sesta. Em cuecas, o Alfero urinava contra a parede (bem não urinava, mijava, pois na Tropa, ninguém urina, mija). Eis que um jipe se acerca. Nele, três alferes de Bambadinca, acompanhados de duas raparigas. Ainda a sacudir “o corpo do delito”, disfarça, cora, mas que vergonha (!). Claro, ninguém lhe aperta a mão. Elas são a filha do Senhor Brandão e uma amiga de Bissau, cabo-verdiana. Vêm visitar Fá. Chama o fiel Branquinho. Que os leve a todos para o Bar, enquanto ele se veste e se penteia. Regressa impecável. À paisana, de camisinha branca, calças azul-bebé. (...)


quarta-feira, 4 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8217: Convívios (326): 17º Encontro do Pessoal de Bambadinca, 1968/71, em Coimbra, 21 de Maio: Em busca de alguns "desenfiados" (António Damas Murta)


 Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) / CCAÇ 12 (1969/71) > 1969 > A famosa rampa de acesso ao quartel  (e posto administrativo) de Bambadinca >  Entrada leste (por aqui passava originalmente, até 1970, a estrada Xime-Bambadinca-Bafatá, enquanto não feita, pela Tecnil, uma nova, alcatroada, que contornava o quartel e a povoação,  situados num planalto).

 Foto: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. O António Damas Murta, ex-1º cabo cripto da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)  mandou-me uma lista de "camaradas de Bambadinca (1968/71) de quem não tem contacto actualizado" (sic)... Isso significa que não foi possível fazer chegar, até eles, por carta, por correio electrónico ou por telefone/telemóvel, o convite para o 17º Convívio que se vai realizar em Coimbra, no proxímo dia 21... (*)

Pode ser, entretanto, que esses camaradas nos leiam (ou alguém das suas relações) e entrem em contacto com o organizador do encontro (António Damas Murta)...  Aqui fica a lista do pessoal que anda "desenfiado"

(i) António Manuel Martins Branquinho  (ex-Fur Mil At Inf, 1º Gr Comb,  3ª Secção, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971): Não temos notícias dele desde o nosso regresso, em Março de 1971... Vivia em Évora. Estava reformado da Segurança Social.

(ii) Arménio Monteiro da Fonseca (ex-Sold At Inf, 2º Gr Comb, 2º Gr Comb,  1ª Secção, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971): Reencontrei-o, com muita alegria minha (e dele), o ano passado, no 16º Convívio; é taxista no Porto, na empresa Invictus, e conduz (ou conduzia) o  famoso táxi nº 69.... Não o via desde o nosso 1º Encontro, em Fão, Esposende

(iii) Carlos Alberto Costa (Não sei quem é)

(iv) Carlos Alberto Rentes dos Santos (ex-1º Cabo Aux Enf , CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971)...Vive em Amarante; 

(v) Faustino Gonçalves Martins (Não sei quem é)

(vi) Horácio Lopes Carneiro (Não sei quem é)

(vii) Ismael Quitério Augusto (Ex-Alf Mil Manutenção, CCS do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70): Engenheiro,  esteve ligado à RTP e às telecomunicações... Já nos encontrámos alguma vezes, juntamente com o Fernando Carvalho Taco Calado, ex-Alf Mil Transmissões, da CCS do BCAÇ 2852 (1968/70),. nomeadamente em 2007, no encontro que se realizou na casa do Alentejo. Vive em Lisboa.

(viii) Joaquim Rocha Carlos  (Julgo tratar-se de um camarada de Sines, pertencente ao Pel Rec Daimler 2206, comandando pelo Alf Mil Cav J. L. Vacas de Carvalho; esteve o passado no 16º encontro)

(ix) Joaquim João dos Santos Pina (Ex-Fur Mil At Inf, 1º Gr Comb, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971): Vive em Sines, é professor reformado. Já nós encontrámos, nomeadamente na Casa do Alentejo, em 2007, no 13º Encontro do Pessoal de Bambadinca.

(x) José Marques Alves (Não sei quem é)...

... Não é grande ajuda, mas dá algumas pistas (**). Um Alf Bravo. Luis

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segunda-feira, 28 de março de 2011

Guiné 63/74 - P8010: Memória dos lugares (149): O Pel Mort 2106, do Fur Mil Lopes, que esteve em Bambadinca (1969/70) (Vítor Raposeiro / Gabriel Gonçalves / Arlindo Roda / Humberto Reis)


 Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector de Bambadinca > Aquartelamento de Bambadinca >  Finais de 1970 > Pessoal do Pelotão de Morteiro 2106 festejando a peluda, uma vez terminada a sua comissão... Um dos furriéis deste pelotão era o Lopes, natural de Angola. Lembro-me dele e o Humberto Reis também. Era mais velho três meses do que nós. O que é feito dele?  Era um bom camarada, conforme testemunha aqui o Humberto Reis:

" (...)  Neste destacamento [da Ponte do Rio Udunduma] estava permanente um Grupo de Combate da CCAÇ 12, que vivia em buracos como as toupeiras (rodava todas as semanas). Ou melhor dizendo: eram três apartamentos subterrâneos tipo T Zero...



"Com este destacamento passou-se um episódio que diz bem do carácter que presidia à união de todos os operacionais (operacionais eram aqueles que iam para o mato e as sentiram assobiar e não os que viviam no bem bom dentro dos arames farpados e que nunca sentiram o medo de levar um tiro).


"Um domingo à noite estávamos a jantar na messe [, em Bambadinca], nesse dia calhou-me estar dentro do arame, e de repente começámos a ouvir rebentamentos para os lados da ponte. Pensámos que era o destacamento que estava a embrulhar e automaticamente nos levantámos (eu e mais alguns até estávamos vestidos à civil), fomos a correr aos respectivos quartos buscar as armas e quando chegámos à parada já lá estavam alguns Unimog com os respectivos condutores à espera (ninguém lhes tinha dito nada mas a ideia foi a mesma - é a malta da ponte a embrulhar, temos de os ir socorrer ). Até um dos morteiros 81 levámos e aí vai o Fur Mil do Pel Mort [2106] com uma esquadra, o Lopes que era natural de Angola (tão bem organizada que era a nossa administração militar, que o colocaram na Guiné!).


"Felizmente, quando chegámos à ponte, verificámos que não era aí, mas sim 2 Km mais à frente, na tabanca de Amedalai, pelo que seguimos até lá. Escusado será dizer que quando o IN notou que chegaram reforços,  fechou a mala e foi embora" (HR).


Foto: © Vitor Raposeiro (2010). Todos os direitos  reservados





 Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector de Bambadinca > Aquartelamento de Bambadinca > 22 de Março de 1971 > CCS do BART 2917 (1970/72) e CCAÇ 12 (1969/71) > Álbum fotográfico de Gabriel Gonçalves (ex-1º Cabo Cripto,  CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71) > Foto nº 6 > "Na foto, estou eu acompanhado do cripto da companhia do Xime (não me lembro do nome), junto dos memoriais da nossa companhia, a CCaç 12 [CAÇ 2590], e do Pel Mort 2106" (GG)"... Estes memoriais foram, entretanto, destruídos a seguir à independência.

Foto: © Gabriel Gonçalves (2008). Todos os direitos Direitos reservados





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector de Bambadinca &gt >  1970 > O Fur Mil At Inf Arlindo Roda, da CCAÇ 12, e o Fur Mil Lopes, do Pel Mort 2106 (1969/70), algures num destacamento (talvez Nhabijões), junto do Mort 81. 

Este Pel Mort 2106 teve equipas nos seguintes aquartelamentos e destacamentos: Xitole, Mansambo, Saltinho, Ponte dos Fulas, Nhabijões, Enxalé, Xime, Missirá, Taibatá e Fá. Foi rendido em Dezembro de 1970 pelo Pel Mort 2268, por ter terminado a sua comissão. 

Infelizmente, a história do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) não traz a composição das subunidades adidas... Mas deste Pel Mort costumam, no entanto, aparecer alguns elementos nos convívios anuais do pessoal de Bambadinca desta época (1968/71).

De acordo com os elementos apurados pelo nosso camarada Benjamim Durães sobre as unidades sediadas em Bambadinca, o Pel Mort 2106 esteve em Bambadinca entre Março de 1969 e Dezembro de 1970. Foi antecedido pelo Pel Mort 1192 (Mai 67 / Mar-69) e pelo Pel Mort 1028  (Set-65 Fá Mandinga; Nov-66 Bambadinca Mai-67). Sucedeu-lhe o Pel Mort 2268 (Dez 70 / Set 72) e, por  fim, o Pel Mort 4575/72  (Jul 72 / Abr 74). 

Uma dúvida que tenho, é a de saber se Bambadinca chegou a ter artilharia pesada, e nomeadamente obuses 14, no final da guerra... Há fotos com carcaças carcomidas de obuses, que podem muito ter vindo das zonas fronteiriças do leste, a caminho de Bissau, e que poderão ter ficado por ali... aguardando embarque. (LG)

Foto: © Arlindo Roda (201o). Todos os direitos  reservados

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Nota do editor

Último poste da série > 28 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8009: Memória dos lugares (148): Enxalé, a desilusão... Onde está a arquitectura colonial ? (Henrique Matos)

sexta-feira, 18 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7962: Efemérides (63): 17 de Março de 1971, o regresso casa, no T/T Uíge, cansados da guerra: foi há 40 anos! (Tony Levezinho / Humberto Reis / Luís Graça)








T/T Uíge > 17 Março de 1971 > Dia da partida de Bissau para Lisboa. Regressávamos da guerra, cansados da guerra,  uns mais apanhados do clima  do que outros, alguns com chumbo no corpo (o Pina, o Fernandes, por exemplo, enquanto o Marques, o António Fernando Marques,  iria fazer outra comissão no Hospital Militar Principal, na sequência da mina A/C em que ele caiu com mais o 4º pelotão)...

Regressávamos  num navio da marinha mercante da Companhia Colonial de Navegação (uma empresa, fundada em Angola em 1922, para assegurar os transportes marítimos das colónias portuguesas com a Metrópole, sendo o paquete Vera Cruz o seu navio mais emblemático)... Uíge, de seu nome. Niassa, para lá. Uíge, para cá. 


Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente,  nessa viagem de regresso à Pátria (e à impossível normalidade, já que as nossas vidas nunca mais seriam como dantes),  servia-se a bordo, na classe turística, reservada aos sargentos,  uma sopa de creme de marisco, seguida de um prato de peixe (Pescada à baiana) e um de carne (Lombo Estufado à Boulanger)... Sem esquecer o luxo de uma sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king... ou de mais uns uísques... Enfim, as pequenas delícias do sistema...

Obrigado ao Humberto Reis e à sua memória de elefante por me lembrar ontem, em comentário ao poste P7957,  que o 17 de Março de 1971 foi o primeiro dia do resto das nossas vidas...  E já lá vão 40 anos!...


Nomes e moradas de alguns de nós, furriéis milicianos da CCAÇ 12 (eram todos de rendição individual)  ficaram registados, entretanto,  numa folha de papel, nas costas da ementa do jantar a bordo, tavez no último dia, seguramente no alvoroço do regresso...

Alguns de nós nunca mais se voltaram a encontrar: foi o caso do Luciano Severo de Almeida, natural do Montijo, desaparecido em condições trágicas (ao que me contaram mais tarde) ... O António Branquinho (não confundir com o homónio do Pel Çaç Nat 63, que vive hoje na Covilhã, e que era nosso vizinho de Fá Mandinga, ele e o Alfero Cabral), esse, voltou para a Évora (e nunca mais deu sinais de vida), o Fernandes para o Barreiro e para a CUF, o Levezinho para a Sacor (mais tarde, Petrogal) e para os braços da sua querida Isabel.... O Humberto, para os da Teresa...  Enfim, vidas!

Voltei a encontrar o Fernandes, o Jaquim Fernandes,  em 1994, no 1º encontro do pessoal de Bambadinca, em Fão,  Esposende... O José Manuel Rosado Piça, o grande Piça, para os amigos, esse, também o revi uma vez .... O que será feito de ti, camarada, com os setenta e muitos (anos) em cima das canetas ? Tinhas na altura quinze anos a mais do que nós, sendo da mesma idade do Cap Inf Carlos Brito (que também nunca mais vi, depois de 1994, sabendo apenas que vive em Braga)...

Mesmo assim, ficámos amigos... todos, para sempre ! O Tony, o Humberto, esses e eu, ainda nos encontrámos na Lourinhã, antes do 25 de Abril, com as respectivas caras metades (eu, solteirinho, que a Alice só aparece mais tarde...) num memorável almoço de safio de fricassé feito pelo meu amigo Cabeça de Abóbora (O Zé Maria, dono Café Central), já falecido há muito... E depois, mais tarde, quando fui viver para Lisboa, em 1975, reforçamos a nossa amizade... Entretanto, o Tony exilou-se em Sagres há já largos anos, com a sua Isabel.... Hoje sou vizinho do Humberto, em Alfragide, mas víamo-nos muito mais vezes... em Bambadinca: aliás, partilhávamos o mesmo quarto... Enfim, vidas! (LG)


Fotos: © António Levezinho (2006). Todos os direitos reservados
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Nota de L.G.:

Último poste da série > 10 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7922: Efemérides (61): Op Lança Afiada, triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, 8 a 19 de Março de 1969 (Torcato Mendonça)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7291: Estórias avulsas (100): A mina, que seriam duas (António Branquinho)

1. Mensagem de António Branquinho, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63, Fá e Missirá, 1969/71, com data de 20 de Setembro de 2010:

Caro Carlos Vinhal
Caso assim o entendam, em anexo, envio um texto e fotografias com vista a uma possível publicação no Blog.

Um abraço
António Branquinho


A MINA, QUE SERIAM DUAS

Missirá, pelas 6 da manhã, preparação e início de mais uma operação de rotina.

António Branquinho > Enxalé em 1971

O Pelotão tinha sido “convocado” para proceder a uma operação de reconhecimento e patrulhamento, conjuntamente com outros dois grupos de combate. Tínhamos ainda como objectivo, desactivar uma mina anti-pessoal, detectada há já muito tempo.

Durante o percurso íamos passando por locais paradisíacos, com palmeiras, mangueiros, outras árvores exóticas e pequenos cursos de água. Se não houvesse guerra e tivesse dinheiro, não me importava de construir uma vivenda num daqueles locais. Maldita guerra!

Ia eu nestas cogitações, quando me dá uma valente dor de barriga. Desta situação avisei o Jorge Cabral, como comandante do Pel Caç Nat 63, informando-o que iria sair do trilho para fazer uma necessidade fisiológica. Estava eu, a preparar-me para baixar as calças, quando se ouve um violento estrondo. De imediato, ponho-me a correr em direcção à cabeça da coluna, ainda com as calças em baixo. Sabendo da existência da tal mina, corri de imediato ao encontro do Jorge Cabral, pensando que a mesma tinha sido accionada pelos elementos da frente. Por sua vez o Jorge Cabral pensou, que eu ao sair do trilho teria accionado outra mina. Encontrámo-nos ao meio do percurso, em direcções opostas, ficando ambos estupefactos e felizes por estarmos sãos e salvos.

Como seria de esperar, gerou-se uma certa confusão. Após a acalmia das “tropas” e de se averiguar a situação, constatou-se que tinha rebentado uma mina (reforçada com granada de canhão sem recuo), na retaguarda da coluna. Tendo esta provocando dois mortos e vários feridos, uns graves e outros leves.

Perante esta situação, via rádio, pediu-se a evacuação dos elementos atingidos pelos estilhaços da mina. De imediato procedeu-se à organização da segurança a prestar aos meios aéreos.

Bambadinca > À porta do Depósito de Géneros, com o 1.º Cabo Injai, do Pel Caç Nat 63.

Há já cerca de duas horas, que os grupos de combate estavam devidamente instalados, quando se ouviu o som característico dos helicópteros. Eram dois. Voando em círculos, aterraram numa clareira. Do seu interior saíram duas enfermeiras pára-quedistas para se inteirarem da situação. Verificaram que além dos feridos havia dois mortos, recusaram de imediato o transporte destes, levariam só os feridos. Comunicaram esta decisão aos pilotos, com a qual eles concordaram. Ao aperceber-me daquela decisão, pedi-lhes para que transportassem também os mortos. Mantiveram a sua posição, dizendo:

- Não levamos os mortos!.

Perante as suas atitudes drásticas, quanto ao meu pedido “passei-me”. De modo, bastante drástico e enervado, empunhei a G3 em riste, puxei a culatra atrás e vociferei:

- Levais os mortos ou… dou-vos um tiro nos c….!

Como seria óbvio, eu não daria nenhum tiro, era só “ronco”. Uma coisa é certa – levaram também os mortos.

Em consequência de todas estas peripécias, não mais me lembrei da dor de barriga. Lembrei-me sim, ao regressarmos a Missirá de beber não sei quantas “bazucas” para matar a sede.

Missirá > 1971 > A criança é filho de um soldado do Pelotão

Enxalé > 1971 > À esquerda o Fur Mil Pires do Pel Caç Nat 63. Eu à direita. Dos outros não me lembro os seus nomes.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7029: Tabanca Grande (246): António Branquinho, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71)

Vd. último poste da série de 13 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7278: Estórias avulsas (99): Flora e Fauna de Galomaro (António Tavares)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7029: Tabanca Grande (245): António Branquinho, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71)

1. Mensagem de António Branquinho, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63, Guiné, 1969/71, com data de 20 de Setembro de 2010:

Caro amigo e companheiro

Sou irmão do Alberto Branquinho e  como vocês prestei serviço militar na Guiné.

Iniciei a Comissão em 23/09/1969 e terminei-a em finais de Outubro de 1971 (não me lembro da data correcta).

Fui em rendição individual, tendo sido colocado no Pel Caç Nat 63, que era comandado pelo ex-alferes miliciano Jorge Cabral, colaborador do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Desde o primeiro dia que somos amigos. Amizade esta que mantemos até à data.

O Pelotão era composto, na sua maioria,  por elementos oriundos da própria Guiné, o alferes, furriéis, cabos e alguns soldados adstritos ao Pelotão eram brancos. Por este facto, os chefes militares e outros, por vezes "esqueciam-se" de nós, nomeadamente, no que dizia respeito ao fornecimento atempado de géneros "frescos", sendo os enlatados (fiambre, conservas várias, chouriço, etc.) a base da nossa alimentação.

Durante bastante tempo (muitos meses) estivemos privados de gerador de electricidade e de arca ou frigorífico a petróleo e consequentemente do prazer de uma bebida fresca. Era uma festa quando nos deslocávamos à sede do Batalhão (Bambadinca), bebiam-se umas "bazucas" e uns wiskys gelados, era até cair - tirava-se "a barriga de misérias".


António Branquinho no Enxalé


Quando o Pelotão era mudado para outro Destacamento, o que se verificava frequentemente, era uma carga de trabalhos, uma vez que os soldados do Pelotão tinham consigo as mulheres e filhos, pelo que tinha de se arranjar transporte para todo aquela gente. Além das respectivas famílias, eram as galinhas, os cabritos e toda a traquitana inerente às lides domésticas (tachos, pilões, panelas, cabaças, alguidares, etc.). Era uma confusão! Eu passava-me.

O Jorge Cabral incumbia-me sempre destas missões, dizia que eu tinha uma certa sensibilidade para estas "operações". Tomava esta decisão por ser o furriel mais antigo e,  talvez, por uma questão de confiança. Numa das várias mudanças de Destacamento que efectuámos, apareceu-me com uma garrafa de wisky na mão, para festejarmos o fim da instalação do Pelotão. Estava tão desgastado e stressado que lhe tirei a garrafa da mão, mesmo à temperatura ambiente ia bebendo tudo de um só trago. Como era de esperar apanhei tamanha bebedeira, que passei o dia todo a dormir.

Após várias deslocações, estive em vários Destacamentos, na zona de Bambadinca: Fá, Missirá, Bambadinca, Ponte do Rio Udunduma, Nhabijões, Xime, etc.

Durante a minha Comissão, estive adstrito a dois Batalhões, sediados em Bambadinca (Sector L1): BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72.

Terminei a Comissão em beleza, a não ser um senão, incompatibilizei-me com o substituto de Jorge Cabral, em Bafatá. Era uma pequena cidade, mas tinha muitas mordomias de que já há muito não estava habituado.

Escrevi este pequeno texto, como cartão de apresentação, havendo muito mais histórias para contar, desde que haja disponibilidade e pachorra para tal.

Um abraço
António Branquinho

Missirá, 1971 > António Branquinho (de pé) e Amaral

Missirá, 1971 > António Branquinho, Amaral e uma bajuda

Missirá, 1971 > Pires, Branquinho e Amaral


2. Comentário de CV:

Caro António Branquinho, é caso para dizer: que belos padrinhos! Ser irmão do Alberto Branquinho e amigo do Jorge Cabral dá-te muita responsabilidade.

Faz favor de entrar, a Tabanca é toda tua, como soi dizer-se, mas tens de a compartilhar com os outros 448 camaradas e amigos. Note-se que a tua entrada não faz aumentar o número de tertulianos, pois há muito estás na listagem da página.

A tua apresentação está muito completa, porque de uma só penada descreves o quão difícil era ser parte de um Pelotão de Caçadores Nativos. A diferença da língua, dos usos e costumes, eram, para quem chegava de novo, um choque. Bem sei que passado pouco tempo nos apercebíamos de quanta dedicação aqueles homens nos dedicavam. Penso que seria mais difícil acompanhá-los no mato, já que estavam adaptados a um terreno e a um clima, para nós, hostis.

Disto tudo nos vais falar com certeza, baseado na tua experiência de contacto com aqueles bravos homens.

Ficamos assim na expectativa das tuas narrativas e fotos. Já agora, se tiveres por aí uma foto actual, manda para que te possamos conhecer, se nos cruzarmos por aí algures. Obrigado.

Recebe um abraço que te envio em nome da tertúlia.

O teu camarada e amigo
Carlos Vinhal
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7023: Tabanca Grande (245): Armando Fonseca, ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42 (Guiné, 1962/64)

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2033: In Memoriam (2): O saudoso Amaral da horta e dos presuntos de Missirá (Jorge Cabral / António Branquinho)

Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Cuor > Missirá > Pel Caç Nat 63 > 1971 > O António Branquinho, de pé, e o Amaral, vestidos à civil. Eram dois dos furriéis milicianos do Pel Caç Nat 63.

Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Cuor > Missirá > Pel Caç NAT 63 > 1971 > O António Branquinho, uma bajuda e o Amaral (sentado).

Fotos: © António Branquinho / Jorge Cabral (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem que nos acaba de chegar, à caixa do correio, enviada pelo Jorge Cabral, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 :


Caro Luís: Hoje é tristeza que envio. A morte do Amaral causou-me imensa dor. Abraço Grande
Jorge

MORREU O AMARAL!

Andei um ano à procura do número de telefone do Amaral. Na semana passada consegui. Liguei logo, disposto a brincar. Perguntei por ele e ouvi:
- Morreu há dias, sentiu-se mal no casamento do filho, autópsia inconclusiva.

Abafei um soluço, e viu-o, à minha frente, simpático, risonho, bonacheirão... Informei o Branquinho, que me remeteu duas fotografias, e três apontamentos. Fala dos presuntos e da horta, episódios que já referi, romanceando (1), mas prometeu mais.

Passaram já trinta e seis anos. Porquê, então, esta tão grande mágoa? É que ele era, é da Família.

Camarada, Amigo, Irmão, tal como o Branquinho, que sei, sentiu igual desgosto. Amaral! Vamos continuar a contar as estórias da tua estadia em Missirá. Dessa forma, estou certo, continuarás vivo e entre nós.


Jorge Cabral


2. Texto do António Branquinho (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63)

Jorge: Conforme pediste, em anexo envio-te 2 fotografias com o saudoso Amaral em Missirá no ano de 1971, eu e ele trajados a civil para esquecer que nos encontrávamos no teatro de guerra na Guiné.

Lembrar o amigo e camarada:

(i) Quando íamos buscar géneros alimentícios a Bambadinca, incluindo nestes o bidão de vinho, logo que o mesmo era descarregado no nosso depósito de géneros em Missirá, dizia:
- Branquinho, vamos meter o espicho no pipo (bidão) para o provar afim de vermos se é de boa colheita.

Após isto, disse ser uma maravilha, comentando ser da colheita de 1969!...

(ii) Outra história, não estória:

Em Missirá conseguiu fazer uma horta, por força de sementes que trouxe da sua zona em Portugal, nomeadamente pepinos, tomates, nabiças, melancias, etc. Quando os produtos estavam quase prontos para consumir houve uma tremenda seca, pelo que a horta sucumbiu.

Perante esta situação fez um grande pranto à horta chorando copiosamente. Em Missirá os milícias caçavam muitos javalis. Perante este excesso de animais o Amaral lembrou-se de fazer presuntos dos mesmos. Dito e feito. Passado algum tempo, junto ao depósito de géneros sentira-se um cheiro nauseabundo. O que seria? Depois de muito cogitar chegámos à conclusão que se tratava dos presuntos do Amaral (javalis) (1). Aquilo eram bichos mais bichos e a carne putrefacta devido ao intenso calor e à falta de gordura dos animais.

Entre estas, muitas mais histórias te poderia contar acerca do nosso amigo e camarada Amaral.

Um abraço

António Branquinho

3. Comentário de L.G.:

Amigos e camaradas:

O In Memoriam foi estreado com o Zé Neto, o primeiro tertuliano a morrer (2)... Hoje recebi a triste notícia de que mais um dos nossos que deixou a Tabanca Grande mais pobre e mais triste... O Amaral, ex-furriel mil do Pel Caç Nat 63, em Missirá, sendo comandante o alf mil Cabral, já não está connosco. Ele não pertencia, formalmente, à nossa tertúlia, mas o Jorge (e agora o Branquinho) já nos tinha evocado aqui a figura desse camarada, que alguns de nós conheceram (a malta de Bambadinca, 1969/71)...

Um abraço de solidariedade para o Cabral e para o Branquinho, seus camaradas e amigos. Se mais alguém o conheceu, ao Amaral, que nos mande fotos ou notas sobre este camarada, cuja memória perdurará através do nosso blogue. Luís Graça, em semi-férias.

________

Notas dos editores:

(1) Vd. post de 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)


(...) Chamavam-lhe, os africanos, o furriel Barril, não sei se pela sua compleição física, se por via da fama e do proveito que ganhara como bebedor quotidiano e calmo. Estou a vê-lo ao serão, bebendo à colher, com paciência e estilo, enquanto o alferes declamava, e o maqueiro Alpiarça escrevia a uma das dezenas das madrinhas de guerra.

Junto à fonte o Amaral havia construído uma viçosa horta, na qual os tomateiros, as alfaces e as couves medravam fortes, e dera-lhe na cabeça fabricar presuntos utilizando quartos traseiros de onças. Desta actividade lembro o cheiro nauseabundo, que até os mosquitos afastava.

Um dia aconteceu. Três vacas do mato, bichos que pareciam burros, invadiram a horta, banqueteando-se, com as saborosas verduras, o que o deixou, em fúria. Ciente que o criminoso volta sempre ao local do crime, eis na manhã seguinte o Amaral, emboscado, pronto a vingar-se. Pum, pum, pum, três tiros certeiros, e logo, eufórico, pedindo-me para ir a Bamdadinca transaccionar a carne.

Desmanchados os bichos e face à avaria da única viatura, contratou carregadores, aos quais pagou. Fazendo de cabeça as contas, anteviu um lucro fácil que lhe atenuasse a dor da horta destruída. Chegados ao Batalhão, porém, o vaguemestre olhou, cheirou e concluiu. Carne estragada, imprópria para consumo. Catorze quilómetros ao tórrido calor ...tinham sido fatais.

Gastou dinheiro, perdeu a horta e nunca o vi tão triste. Para o animar, aventurei-me a provar dos seus presuntos. Intragáveis, quase vomitei...

Ai, Amaral, Amaral, porque não te dedicaste à pesca!...

Jorge Cabral


Vd também post de 13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá (Jorge Cabral)

(...) Nem respondeu este Major. Logo outro se adiantou, interrogando o Amaral, sobre as povoações mais próximas. Em sentido, sério, calmo, respondeu o Amaral:
- Mato a Norte, mato a sul, mato a leste, mato a oeste, meu Major.

(Ah! Grande Amaral, vais fazer-me companhia na porrada!). Mas o pior estava para vir! Sua Excelência queria testar o plano de defesa:
- Qual o sinal, nosso Alferes?
- Uma granada - improvisei eu.

Tendo-me dirigido à arrecadação não encontrei nenhuma granada ofensiva. Peguei então numa defensiva, e zás, lancei-a. Tudo tremeu! Manteve-se de pé o General, mas o caco caiu.

Entretanto os meus soldados, querendo mostrar heroicidade, encostaram-se ao arame, de peito descoberto, alguns mesmo sem arma.

(Agora sim, está tudo perdido! Que vergonha! E logo eu, neto de um herói de Chaimite).

Recomposto o Caco, olhou-me uma última vez e disse:
-Já vi tudo!.

Ao encaminhar-se para o helicóptero, ainda lhe ouvi comentar para a comitiva:
-Porra, que não é só o Alferes! Estão todos apanhados!

Deve porém ter ficado impressionado, pois três dias depois voltou. Eu não estava. Tinha ido a Fá, buscar uma garrafa de whisky, prenda mensal do Capitão João Bacar Djaló. Contou-me o Branquinho que, quando o informaram da minha ausência, Sua Excelência exclamou:
- Ainda bem!

(2) Vd. post de 31 de Maio de 2007> Guiné 63/74 - P1805: In memoriam (1): Adeus, Zé Neto (1929-2007) (José Martins, Humberto Reis, Luís Graça, Virgínio Briote e outros)

quinta-feira, 14 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1072: Uma comunidade de afectos: relembrando o Furriel Branquinho (Pel Caç Nat 63) (Jorge Cabral)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 > Março de 1970 > Dois amigos, o Alf Mil Jorge Cabral, e o Fur Mil Branquinho.
Foto: © Jorge Cabral (2006)


Companheiro Luis,
Também graças ao blogue, estou a recordar os Amigos do Pelotão. Hoje é a vez do Branquinho.

Um grande Abraço
Jorge


Os Amigos

Todas as minhas estórias, aventuras e desventuras, foram vividas colectivamente, entre Amigos, no meu Pelotão, que constituía, acima de tudo, uma Comunidade de Afectos.

De todos, furriéis, cabos, soldados, guardo as mais gratas recordações, mas hoje quero realçar, porque é de Justiça, o meu Amigo Branquinho.

Ao longo da vida conheci e trabalhei com muita gente, mas jamais encontrei alguém tão leal. Entre nós, logo desde o início, estabeleceu-se uma tal cumplicidade, que nem sequer necessitávamos de palavras para nos entendermos. Juntos estivemos vinte e um meses, e nunca surgiu a mais leve desavença. O Branquinho, mais do que o meu braço direito, foi sempre o Amigo Certo, na Alegria e na Tristeza.

É tempo de te dizer, Branquinho, Obrigado! Pela quotidiana, sã e total fraternidade!

Às vezes eu próprio me interrogo. Saudades da guerra? De quê? Dos Amigos! E de entre eles, do Branquinho. De poder contar com um Amigo como ele, nesta época de compadrios, interesses e troca de favores, sim, faz-me sentir saudades!

Jorge Cabral

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P529: Estórias cabralianas (5): o Amoroso Bando das Quatro em Missirá

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Reguladodo Cuor > Missirá > 1969 > Aqui esteve destacado, com o seu Pel Caç Nat 63, o Alf Mil Art Cabral, em 1970/71 /(1)
Arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)


O Amoroso Bando das Quatro (2)

Jorge Cabral (ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71; hoje, advogado e professor universitário):

Nos Destacamentos em que vivi, todos eram bem recebidos, à boa maneira da gente da Guiné, cuja cativante hospitalidade foi muitas vezes confundida com subserviência ou portuguesismo.

Djilas, batoteiros profissionais, artesãos, doentes, feiticeiros, alcoviteiros, parentes dos soldados, visitavam o aquartelamento e às vezes ali permaneciam, fazendo negócios, combinando casamentos, tratando-se ou tratando, ou simplesmente descansando. Desconfio mesmo que alguns guerrilheiros terão passado férias em Missirá…

Uma regra porém, tinham todos de cumprir à chegada. Deviam apresentar-se ao Comandante, dizer quem eram e o motivo da visita. Claro que muitos mentiam, o que era irrelevante, pois o que interessava era o significado simbólico da apresentação, como expliquei muitas vezes aos que não concordavam com esta política de porta aberta.

Estávamos pois, habituados às mais estranhas personagens, mas ficámos agradavelmente surpreendidos, quando num dia de Dezembro, ao pôr-do-sol, entraram no quartel quatro trabalhadoras sexuais. Eram jeitosas fulas do Gabu que, respeitadoras da hierarquia, comigo combinaram os preços e as condições dos serviços, encarregando-me da cobrança.

Encontrando-se o Furriel Branquinho com paludismo e o Cabo Morais com dor de dentes, restavam apenas sete brancos, capazes de usufruir de tão inesperada benesse. Efectuados os pagamentos, começou a actividade, que eu previa satisfatória, mas que a curto prazo foi interrompida por alta gritaria.

Primeiro, irrompeu uma, dizendo ter sido enganada, pois cabo e furriel a queriam usar, com um só pagamento. Acontecera que o cabo substituíra o furriel na função, pensando que a mulher não repararia, esquecendo-se que o Furriel tinha um braço engessado, pormenor que logo a alertou. Furiosa, acolheu-se na minha cama, juntando-se à que lá se encontrava.

Ainda nem um quarto de hora passara, logo à porta do abrigo aparece outra, queixando-se do Cabo Rocha. Dizia ela que não era como as raparigas de Lisboa, que até no sovaco… Também esta se meteu na minha cama.

De seguida, surgiu a terceira afiançando que o Básico-Cozinheiro era suma bajuda, pois sangrava, sangrava. Claro, mais uma na minha cama.

Eis-me assim feito sultão, aconchegado entre as quatro, tranquilo e em Paz. Rei e súbdito, protector e protegido, entre seios e ventres, negros e suaves, nunca dormi tão bem.
De manhã partiram.

Quem as teria mandado, passou a perguntar todos os dias o Básico-Cozinheiro, sarado já o freio e louco de desejo.

Garanti-lhe ter sido uma oferta do Movimento Nacional Feminino. Convencido, sei que lhes escreveu, implorando uma repetição. Nunca lhe responderam. E o certo é que elas não voltaram…

© Jorge Cabral (2006)
_____________

(1) Amigos e camaradas: Deixem-me hoje ser tendencioso: Quero confessar aqui, em público, que sou fã das estórias cabralianas, o que não significa menor apreço pela produção literária dos demais tertulianos... L.G.

Jorge: Da tua janela vê-se outra Guiné, outra guerra, outro mundo, os homens e as mulheres em carne e osso… O teu sentido de humor é único… Sou fã das tuas short stories… Cuida-me bem dessa mina literária… Eu sei que é uma técnica difícil… Quanto à tua carta (que eu pressupus aberta…), ela merece o meu aplauso e a minha total concordância (3)… Amigalhão, um abraço. Luís Graça

Sobre a pessoa do Jorge Cabral, vd. post de 17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXII: Vocês não tenham medo, não fujam, sou o Cabral (Fá, 1969/71)

(2) Vd. posts anteriores:

21 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCIII: Bendito Cabral, entre as mandingas de Fá e as balantas de Bissaque

5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum...

"A mulher do Major e o castigo do Cabral

"Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso (...)

Guiné 63/74 - CDXXII: Estórias cabralianas (2): rally turra ?

"Numa tarde de tédio convenci o motorista da viatura existente em Missirá, um humilde Unimog, a dar um passeio. Pretendia visitar o Enxalé, seguindo pela estrada de Mato Cão, pela qual não passava qualquer veículo há muito tempo.

"Progredimos alguns quilómetros, e perto de S. Belchior, ouvimos tiros, pelo que retrocedemos, perdendo no regresso um jericã (...)"

6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXIX: Estórias cabralinas (3): o básico apaixonado

"O Pel Caç Nat 63 esteve quase sempre em Destacamentos. Comigo em Fá e Missirá. Antes no Saltinho, e depois no Mato Cão.

"Para os Destacamentos eram mandados os "especialistas" que a CCS [do Batalhão sediado em Bambadinca] não queria. Assim, tive maqueiros que não podiam ver sangue, motoristas epilépticos e até um apontador de morteiros cego de um olho. Tudo boa rapaziada, aliás! (...)"

18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos

"Dos quatro Comandantes de Bambadinca que conheci, apenas o Polidoro Monteiro me mereceu consideração. Dos outros nem vou dizer o nome, e de dois a imagem que guardo é patética (...)".

(3) Vd post de 15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXVI: Carta (aberta) ao Luís (Jorge Cabral)

"O Jorge era, para mim, o mais paisano dos militares que eu conheci na Guiné: alferes miliciano, foi o comandante do Pel Caç Nat 63 (...).

"Em Fá [e depois em Missirá] não se limitava a ser um heterodoxo representante do exército colonial, actor e crítico ao mesmo tempo. Era também homem grande, pai, patrão, chefe de tabanca, conselheiro, amigo do PAIGC, poeta, antropólogo, feiticeiro, cherno, médico, sexólogo, advogado e não sei que mais. Um verdadeiro Lawrence da Guiné. Alguns dos seus amigos e companheiros de Bambadinca (aonde ele ia com frequência matar a sede) chegaram a recear que ele ficasse completamente cafrealizado!" (...)