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quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21792: Blogues da nossa blogosfera (147): PANHARD - Esquadrão de Bula (Guiné, 1963/1974) (3): Nos dias da guerra: As Panhard em Guidage (José Ramos, ex-1.º Cabo Condutor de Panhard AML do EREC 3432)



Do blogue PANHARD - Esquadrão de Bula (Guiné, 1963-1974), que estamos a seguir e que é editado pelo nosso camarada José Ramos, ex-1.º Cabo Condutor de Panhard AML, do EREC 3432, que esteve em Bula, de 1972 a 1974.


NOS DIAS DA GUERRA: AS PANHARD EM GUIDAGE

O ano de 1973 trouxe ao conflito que nos opunha ao PAIGC, novos desenvolvimentos no terreno com a introdução por parte destes de novo armamento, nomeadamente dos misseis terra-ar Strela-2M e que viriam a condicionar a ação dos meios aéreos. Mas igualmente dos seus objetivos de luta criando uma maior pressão sobre as unidades de quadrícula, ao qual o PAIGC somava vitórias no campo diplomático, e que procuravam igualmente criar condições para uma transição da guerra de guerrilha que até ai desenvolviam para uma guerra de carácter mais convencional. Intenção expressa no então desenrolar do designado INFERNO DOS 3 Gês: GUIDAGE, GUILEJE E GADAMAEL.

Durante o mês de Maio, desse ano o PAIGC desencadeou no Norte da Guiné a “Operação Nô Pintcha” mantendo o aquartelamento de Guidage sobre flagelação com a finalidade de o isolar, levando ao seu abandono e à sua posterior ocupação, através de um cerco realizado por um grande número de forças equipadas com meios de infantaria artilharia, foguetões, morteiros e mísseis.

Para concretizar esse objetivo foram também deslocados um elevado número de elementos e de meios para neutralizar a circulação entre Binta e Guidage através de ações que impedissem qualquer tentativa de abastecimento da unidade.

Ao fim de mais de um mês de cerco e de seis colunas de reabastecimento a Guidage, apenas em Junho o PAIGC voltou a flagelar o aquartelamento, o que indiciava que desistira desse objetivo, agora centrado a Sul em Guileje.


MISSÕES DO ESQUADRÃO

“Ao Esquadrão foram atribuídas diversas missões, em especial, escoltas e proteção a colunas, ações de presença, vigilância móvel dos itinerários e segurança a pessoal em trabalho num campo de minas.”

“Um pelotão foi destacado para reforço do BCaç 3832 até 16Jul72, instalando-se em Jugudul e Mansoa. Por períodos variáveis, cedeu ainda pelotões para reforço de diversos batalhões os quais foram destacados para Bissorã, de 05Out72 a 20Abr73, na dependência do BCaç 4610/72:”

“Para Catió, de 20Abr73 a meados de Set73, na dependência do BCaç 4510/72 e para Mansoa, a partir de 14Set73, na dependência do BCaç 4612/72, com vista a colaborar na segurança e proteção dos trabalhos das estradas em construção e das colunas de reabastecimento e de transporte de materiais.”


Fonte: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) (2002). 7.º Volume – Fichas das Unidades - Tomo II – Guiné. Lisboa: Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). 1.ª Edição.

Como missão específica atribuída, a este ERec, destaca-se a proteção do pessoal da Tecnil na construção das seguintes estradas:

Catió – Cufar
Bissorã – Mamedão
Jugudul - Bambadinca

Na sequência destes destacamentos um PelRec do ERec 3432, destacado em Mansoa, terá integrado uma coluna de reabastecimento a Guidage.

Nota: as fotos publicadas foram retiradas de a "Guerra" Episódio 32, de Joaquim Furtado - RTP1.

Em 15Jun saiu uma coluna auto de Guidage com destino a Binta, abrindo novo itinerário. A força era constituída por 1 GComb/1.ª/BCaç4512/72, Pel Sap do BCaç 4512/72, GMil 342, 1 Sec AM “Panhard” do ERec 3432, Pel Caç Nativos 56 e 65.

Fonte: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) (2015). 6.º Volume – Aspectos da Actividade Operacional - Tomo II – Guiné. Livro III, Lisboa: Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). 1.ª Edição.

Esta referência confirma a ida deste Pel Rec, embora se refira apenas à sua saída.

Esta é também descrita pelo ex. Fur Mil Cav Armando Lopes, ao Correio da Manhã num texto intitulado “A Minha Guerra”.

“Numa operação, tocou-nos dar proteção a uma coluna de reabastecimento para Guidage – um aquartelamento da nossa tropa, praticamente em cima da fronteira com o Senegal, país onde o PAIGC tinha instaladas as bases de apoio. A zona de Guidage escondia as principais rotas dos guerrilheiros para o interior da nossa província. Dias antes da operação, estalara um violento combate entre a nossa tropa e a guerrilha. Quando seguimos para Guidage, colados à coluna de reabastecimento, encontrámos pelo caminho as marcas dessa batalha: vimos as enormes crateras na picada e os destroços calcinados e retorcidos de camiões Berliet de transporte de pessoal. Soubemos, depois, que a tropa portuguesa tinha conseguido aguentar o ataque mas deixou para trás algumas viaturas. A Força Aérea bombardeou as Berliet abandonadas para impedir que caíssem nas mãos dos guerrilheiros. Chegámos sem problemas a Guidage, onde passámos a noite, e no dia seguinte segui com o meu esquadrão a caminho de Mansabá.”

Fonte: https://esquadraodebula.blogspot.com/search/label/Armando%20Lopes

Em conversa posterior, lembra-se que teriam ficado apenas uma noite, dormindo nas Panhard e saído no dia seguinte.
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Notas do editor:

Poste anterior de 3 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21220: Blogues da nossa blogosfera (135): PANHARD - Esquadrão de Bula (Guiné, 1963/1974) (2): Modelo à escala da Panhard AML 60, MX-03-19, do EREC 3432 (1972/74). Autor: João Tavares, da Associação de Modelismo do Montijo (José Ramos)

Último poste da série de 20 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21666: Blogues da nossa blogosfera (146): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (57): Palavras e poesia

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21594: Os nossos capelães (13): José Marques Henriques, ofm, esteve no CTIG, de 28/4/1974 a 9/10/74 (João Crisóstomo, Nova Iorque)



José Marques Henriques, sacerdote
da Ordem dos Frades Menores (Franciscanos)ofm), 
vigário paroquial da Conceição de Faro e Pechão.
 

1. Do João Crisóstomo (Nova Iorque) recebemos a seguinte mensagem;

Date: domingo, 29/11/2020 à(s) 21:26
Subject: Resposta ao email sobre os capelães

Caro Luís Graça,

Ainda sobre os capelães na Guiné… acabo de receber algo:

A 24 de Outubro enviei um email ao P. José Marques [Henriques] que está no Algarve. Acredito que esse email nem chegou ou o computador dele considerou-o como "junk" e o meu amigo nem o chegou a ver. 

Há dias liguei para o irmão dele (que era do meu curso) e chegou mesmo a ser franciscano mas saiu e vive agora no Algarve. 

E através dele confirmei os contactos e,  depois de falar com ele ao telefone,    enviei novo email, ( de que te fiz conhecimento em Bcc). 

Aqui está a resposta que acabo de receber. A informação não é muita mas mas é mais uma "janela" , a meu ver interessante e elucidativa.

Um abraço de saudades de nós dois para vocês os dois...

João e Vilma

2. Mensagem de José Marques Henriques, enviada ao João Crisóstomo (e que este partilha com a Tabanca Grande);

Subject: Resposta ao email sobre os capelães

Date: November 29, 2020 at 2:15:54 PM EST

Amigo João Crisóstomo, aqui vão alguns dados sobre a minha vida de capelão militar:

Parti para a Guiné como capelão, num avião da força aérea, no dia 27 de abril de 1974 (apenas dois dias depois do 25 de abril). 

Fui colocado no batalhão de cavalaria, em Bula, mas assistindo mais outros dois batalhões, estacionados em Canchungo e Cacheu. 

O meu trabalho desenvolveu-se, portanto, no território dos mancanhas e manjacos. Regressei a Portugal em outubro deste mesmo ano de 1974, num paquete cujo nome não recordo perfeitamente neste momento, mas que julgo ser o Niassa.

Antes de partir para a Guiné como capelão, estive a trabalhar no quartel da Amadora, desde o início de fevereiro de 74, como ajudante do capelão que aí estava colocado. Não fui para a Guiné logo a seguir ao curso, como pretendia, e apesar de ter sido o único a disponibilizar-me para partir para lá, porque fui rejeitado. Colocaram-me na Amadora para me conhecerem melhor. 

Tinha vindo da Guiné para o curso de capelães e, como é natural, durante esse curso dei o meu testemunho sobre o que se estava lá passando, e sobre os reais motivos que estiveram na origem da guerra desencadeada pelo PAIGC contra o regime colonial, mas parece que esse testemunho não agradou a Marcelo Caetano nem aos oficiais superiores do regime, a célebre brigada do reumático

Esta a razão por que só me deixaram partir para a Guiné como capelão, depois do 25 de abril. Aí assisti ao arrear da nossa bandeira e ao içar da bandeira dos Libertadores. O comandante de Bula - o coronel César - não se conformava. Dizia mesmo que tinha vergonha de ser português. 

Perante esta atitude, os capitães de abril e majores, tenentes e alferes, que estavam no terreno, resolveram, através dum abaixo-assinado, proceder ao seu saneamento. O que aconteceu, com a minha anuência. Só pus uma condição: não ser o primeiro a assinar.

Um abraço bem apertado deste teu amigo José Henriques 

3. Comentário do editor LG:

Obrigado, João. Tu nunca "brincas em serviço",  levas as coisas até ao fim e a "carta a Garcia". Agora, e na volta do correio, convida o nosso capelão a juntart-se à Tabanca Grande: tenho um lugarzinho bom para ele, à sombra do nosso poilão, o nº 822.

Recolhemos, na Net, mais os seguinte dados sobre o teu amigo e colega e nosso camarada José Marques Henriques_

(i) é da colheita de 1944 (faz anos a 3 de agosto);

(ii) natural de Ourém;

(iii) foi ordenado padre em 17  de maio de 1970;

(iv) foi missionário na Guiné-Bissau durante 44 anos, antes e depois da independência;

(v) mora em Faro;

(v) é o vigário paroquial da Conceição de Faro e Pechão.

Fonte: Directório da Diocese do Algarve > Pe. José Marques Henriques

Fonte: Jornal Folha do Domingo, (Faro) > 18 de maio de 2020 > Frei José Henriques celebrou 50 anos de sacerdócio, 44 na Guiné e os restantes no Algarve

Tem página no Facebook onde se vê que continua a ser muito acarinhado pelos cristãos da Guiné-Bissau, e nomeadamente os do chão manjaco (, ele esteve como missionário no Canchungo até há uns anos atrás, voltando a Portugal por razões de saúde)... 

Veja-se aqui este testemunho de Rita Gomes, em 22 de maio de 2020:

(...) Pai Henrique, todo o mundo está a sentir a sua falta, o seu ensino, a nossa igreja em Canchungo,  Cacheu nunca mais vai ser a mesma, alguns de nós eram crianças, pre-adolescentes e adolescentes, que saudade,  estou emocionada,  a presença do Senhor naquela época deixou a marca no coração de cada um de nós, que Deus lhe abençoe e protega cada dia da sua vida o nosso Pai Henrique, Amén. (...)
_____________

Nota do editor:



17 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19023: Os nossos capelães militares (9): segundo os dados disponíveis, serviram no CTIG 113 capelães, 90% pertenciam ao Exército, e eram na sua grande maioria oriundos do clero secular ou diocesano. Houve ainda 7 franciscanos, 3 jesuitas, 2 salesianos e 1 dominicano.

sábado, 28 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21588: Em busca de... (308): Camaradas do meu pai, Paulo Vitorino da Costa Gomes de Pinho, do EREC 2641 (Bula, 1970/72), que infelizmente teve um AVC em 2008 e perdeu a fala (Ana Pinho, filha)



Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4



Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8


Foto nº 9



Foto nº 10


Foto nº 11

Fotos, s/d, s/l, do álbum do camarada Paulo Vitorino da Costa Gomes de Pinho, EREC 2641 (Bula, 1970/72)

Foto (e legenda): © Ana Pinho(2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de Ana Pinho, filha de Paulo Vitorino da Costa Gomes de Pinho, EREC 2641 (Bula, 1970/72)

Data - domingo, 22/11, 14:47 
Assunto - Bula, EREC 2641



 
Boa tarde,

O meu nome é Ana Pinho e o meu pai, Paulo Vitorino da Costa Gomes de Pinho, fez parte do Esquadrão de Reconhecimento [EREC] 2641. Trouxe com ele montes de fotografias que acho que deviam de ser partilhadas.

Neste momento o meu pai já não está nos seus melhores dias e deixou de falar desde 2008. (Teve um AVC que lhe provocou a perda da fala.) Portanto, é muito difícil identificar as pessoas nas fotografias. Mas sei que ele gostaria de saber o paradeiro dos seus colegas.

Deixo aqui algumas provas. Se achar que é de seu interesse, tenho todo o gosto em digitalizá-las a todas.
O meu pai é o que se encontra dentro da Panhard [Foto nº 1].

Obrigada e fico a aguardar resposta,
Ana Pinho

2. Comentário do editor Luís Graça:

Ana, obrigado pelo seu contacto. Deixe-me que lhe diga que acho bonito o seu gesto, e mais do que isso: é um acto de grande ternura, e de amor filial. E vamos tentar ajudá-la... "porque os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são".

É uma situação dura, ter um pai, a sofrer as sequelas de um AVC, há 12 anos, e se calhar a pior das quais é não poder falar... Mas espero que ele possa comunicar consigo de outras maneiras, por exemplo, pelo gesto, pela escrita, ou não ? E espero também que ela possa manifestar alguma forma de regozijp por ver publicadas, no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, estas fotos que a Ana nos mandou, na esperança de poder encontrar ainda, vivos, camaradas dele, do EREC 2641 (**).

Infelizmente só temos, até agora, 1 referência ao EREC 2641 (Bula, 1970/72). Mas temos mais (uma dezena)  sobre o EREC 3432 (Bula, 1972/74) que foi substituir (ou render) a subunidade a que pertencia o seu pai. 

Temos inclusive, como membro da nossa Tabanca Grande, um camarada, do EREC 3432, que tem um blogue justamente dedicado a Bula e ao Esquadrões de Reconhecimento Panhard (, além de uma página no Facebook). Pode ser que ele nos ajude a legendar as fotos que a Ana nos mandou, sem legendas, e que nós procurámos recuperar e reeditar. [Vd. fotos acima, numeradas de 1 a 11].

O camarada que eu refiro é o José Ramos, ex-1º cabo cav, condutor de Panhard, do EREC 3432, que esteve em Bula, de 1972 a 1974. É possível até que tenha conhecido e convivido, mesmo que por pouco tempo, com o seu pai. Mas já se passou meio século, é muito tempo...

A Ana não nos  disse qual era posto e a especialidade do seu pai. Esses elementos devem constar da sua caderneta militar... Também não nos disse o pai mora, se alguma vez foi a algum convívio anual do pessoal do EREC 2641, etc. 

Por outro lado, é importante que nos diga em que fotos aparece o seu pai, para além da foto nº 1 (em que é impossível reconhecê-lo). 

Na foto nº 7, aparece um operador de transmissões. Na foto nº 2, há um condutor, de óculos escuros, rodeado de miúdos (presume-se que sejam de Bula, a localidade onde o EREC 2461 estava aquartelado). 

As outras fotos são de grupo (nºs 3 e 4) ou individuais, podendo ser também de camaradas e amigos do seu pai (nºs 8, 9, 10, 11)... Todavia, as fotos nº 8, 9 e 11 parecem-me ser do seu pai  (na nº 9, talvez já depois do regresso, há uma cadeirinha de bebé, atrás dele,  sem bigode...).

A Foto nº 5 é de Mansabá, e já foi por nós publicada (*). Um dos nossos coeditores, o Carlos Vinhal, estava lá e conta-nos como foi esse ataque ao aquartelamento de Mansabá,em 12 de novembro de 1970. Não sabemos como essa foto foi parar ao álbum do seu pai, já que se trata de uma região (Oio) diferente daquela onde o seu pai prestou serviço (região do Cacheu: vd. aqui a carta de Bula].

Vamos fazer um apelo aos camaradas que passaram por Bula, dos diferentes EREC, e sobretudo aos camaradas do seu pai, do EREC 2461 (1970/72). Pode ser que nos leiam e nos ajudem a legendar as fotos.

Em relação à possibilidade de nos mandar mais fotos do álbum do seu pai, teremos que trocar mais mails (ou falarmos por telemóvel) para ver: (i) a quantidade; (ii)  a qualidade; (iii) o estado em que estão; (iv) se estão emolduradas ou coladas no álbum; (v) o seu interesse documental (, por exemplo, fotos de grupo, de viaturas, de instalações, de lugares, de colunas e operações, etc.) 

Para já publicamos estas, que são uma amostra, e que vieram sem legendas.

_________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1091: Memórias de Mansabá (5): O terrível ataque ao aquartelamento em 12 de Novembro de 1970 (Carlos Vinhal)

(**) Último poste da série > 14 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21448: Em busca de... (307): Camaradas do Celestino Augusto Patrício Madeira, ex-fur mil, CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835 (Bissau, Mejo, Gandembel, Guileje, Gadamael, Ganturé, 1968/69) (Rui Pedro Madeira e Silva, neto)

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21363: Historiografia da presença portuguesa em África (231): "Madeira, Cabo Verde e Guiné", de João Augusto Martins; edição da Livraria de António Maria Pereira, 1891 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
Esta viagem de José Augusto Martins aporta dados de alguma utilidade, em primeiro lugar, o deslumbramento que ele revela pela Natureza e pela beldade feminina; mostra-se chocado pelas condições degradantes de quem habita em Bissau e tece considerações acerca da ocupação do território que mostram que este alto funcionário desconhecia aspetos fundamentais da presença portuguesa, à luz da Convenção Luso-Francesa de maio de 1886, a despeito da perda de uma parcela histórica, o Casamansa e a povoação de Ziguinchor, o tratado veio consagrar uma superfície que jamais tinha sido ocupada pela colonização portuguesa. José Augusto Martins é um narrador exímio, vale a pena acompanhá-lo na Guiné do princípio ao fim.

Um abraço do
Mário


Impressões de viagem quando a Guiné já era província, com fronteiras definidas (3)

Mário Beja Santos

O livro de viagens intitula-se "Madeira, Cabo Verde e Guiné", o seu autor é João Augusto Martins, veremos mais adiante que foi alguém influente na definição das fronteiras da colónia, a edição foi da Livraria de António Maria Pereira, 1891. É um testemunho único o que nos deixa alguém que andou a fixar fronteiras na Guiné, depois da Convenção Luso-Francesa. É extremamente crítico, se por um lado o vemos fascinado pelo feitiço africano, vai desvelando as mazelas do nosso comportamento colonial.
Veja-se o que ele nos diz sobre a superfície do território: “Segundo a Convenção estabelecida com a França, em 1886, os direitos da soberania portuguesa abrangeriam uma extensão de território, que, sobre o mapa, regula por 40 a 45 mil quilómetros quadrados, limitando-se porém a 70 ou 80 quilómetros quadrados os realmente dominados por nós até hoje. Os centros da nossa ocupação oficial resumem-se a Buba, Farim, Geba, Cacheu, Bolama e Bissau, sendo este último o de maior importância comercial”. Claro que os dados da superfície da Guiné estão errados, mas sabemos que a presença portuguesa estava mitigada, havia uma parte do território adquirida por Honório Pereira Barreto, a nossa presença em Bolama resultava da sentença arbitral do presidente norte-americano Ulysses Grant, e muitos dos testemunhos apresentados sobre a nossa presença em Buba, Geba e Fá advertiam para o estado arruinado das instalações e ao abandono progressivo dos colonos. João Augusto Martins vai falando de todas as regiões por onde passou, verificou a decadência da região de Bula, diz mesmo que cessou a exportação da mancarra, outrora tão abundante no rio Grande da Guinala, se bem que tenham aparecido outros mercados, como a borracha, a cera, o marfim, os couros e o arroz. Fala inclusivamente dos Bijagós que ele não visitou, enuncia o nome das ilhas e dos ilhéus principais, fala das riquezas em borracha, azeite de palma, arroz e madeiras e apela a que se institua no arquipélago um sistema administrativo, ao tempo muitíssimo ténue.

João Augusto Martins embarca na falácia de que a delimitação da Guiné se tinha traduzido numa perda enorme de território, isto quando se sabe que a nossa presença era marcadamente na orla costeira, o ponto mais longínquo era Geba, que entrara em declínio comercial e populacional. Como andara na fixação de fronteiras referiu-se aos limites atuais da nossa presença, manifesta-se inquieto com a decadência comercial a que chegara a colónia, tinham desaparecido grande número de casas estrangeiras estabelecidas em Bolama, decrescera o rendimento do imposto do tabaco e no meio daquela penúria continuava um estadão de secretarias e de funcionalismo ocioso, desorientado e sem vida própria.
É nesse contexto que emite uma exortação, sem esconder a crítica amarga:
“Quando um país sem condições de garantia nem de interesse pouco a pouco se desmembra em benefício de outras nações, dá lugar a que todos tenham o direito de supor que desmoralizado e enfraquecido, não pode mais utilizar com os seus esforços de colonização a parte territorial de que se sequestra. Dá lugar a que todo o português de hombridade e de carácter tenha o direito de pedir a venda das colónias improdutivas como todo o médico tem o dever de pedir a amputação de um membro esfacelado quando o organismo enfraquecido já não pode galvanizar de vida.
Os homens públicos do nosso país, apesar do que dizem todos os dias a imprensa e os adversários políticos, vivem medíocre e parcamente e morrem quase todos pobres. Mas o que é verdade é que, sendo pessoalmente honrados, poucos se preocupam em parecê-lo; é que, com relação às colónias, que só na vida contemporânea portuguesa o que resta de todo um ciclo de ininterruptos fastígios, que representam hoje o elemento mais positivo da nossa nacionalidade, com relação às colónias, não as conhecendo nem tratando de as conhecer devidamente, fazendo alarde de sentimentos patrióticos que se avolam com as palavras e se desvanecem com as letras, não tomando na verdade compreensão o século que atravessamos, faltando-lhes de todo o critério para julgarem devidamente dos problemas africanos, nada têm feito senão fantasmagorias ridículas, e infelizmente fatais à nossa integridade”.

E parece então que se dirige a todo o país, pede-lhe levantamento e regeneração:
“Ser pequeno e fraco não é um título de desprezo; mas ser ridículo e tíbio é motivo de vergonha.
A decadência política é a fonte perene de todos os nossos males; é a ela que se deve a imobilidade das nossas indústrias e da nossa instrução, a estagnação das nossas colónias e o adormecimento das nossas energias como povo”.

(continua)



Imagens retiradas do livro "Madeira, Cabo-Verde e Guiné", de João Augusto Martins.

Baobá-africano

Imagem tirada da Wikipedia, com a devida vénia. 
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21340: Historiografia da presença portuguesa em África (230): "Madeira, Cabo Verde e Guiné", de João Augusto Martins; edição da Livraria de António Maria Pereira, 1891 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21220: Blogues da nossa blogosfera (135): PANHARD - Esquadrão de Bula (Guiné, 1963/1974) (2): Modelo à escala da Panhard AML 60, MX-03-19, do EREC 3432 (1972/74). Autor: João Tavares, da Associação de Modelismo do Montijo (José Ramos)


Guiné > Região de Cacheu > Bula > EREC 3432 (1972/74) >  Panhard AML MX-03-19. Guarnição: Daniel Salgueira, aspirante miliciano cmdt; Ferreira Rosa, apontador; e Júlio Araújo (condutor)








Notável reprodução, em miniatura, da Panhard AML 60, matríula MX-03.19, do EREC 3432 (Bula, 1972/74). Cortesia do blogue do José Ramos, Esquadrão de Bula.


José Ramos
1. Do blogue Esquadrão de Bula, que estamos a seguir, e que é editado pelo  nosso camarada José Ramos,  ex-1º cabo cav, condutor de Panhard, do EREC 3432, que esteve em Bula, de 1972 a 1974 [, membro da nossa Tabanca Grande desde 4 de outubro de 2018,  com o nº 778, vive na Lourinhã e  pertence à  Liga dos Combatentes-Núcleo de Torres Vedras]


28 de julho de 2020 > Modelismo militar

O  modelismo militar permite recriar em escala reduzida diferentes tipos de armamento, de que são exemplo os veículos militares.

João Tavares enviou-nos o seu modelo da Panhard AML 60, inspirada na que o seu amigo e nosso camarada Daniel Salgueira comandou na Guiné e onde,  para além dele, estão representados o Júlio Araújo (condutor) e o Ferreira Rosa (apontador).

Pelo magnífico trabalho e pela partilha um muito obrigado,  João.

2. Comentário do editor LG:

Descobri que o João Tavares pertence à AMM - Associação de Modelismo do Montijo, com página aqui no Facebook. E tem um porfólio notável no dominio do modelismo, civil e militar.

A AMM foi criada em 1998 e tem hoje como objetivo a partilha de saberes e experiências, mostrando que o modelismo é bem mais do que a “construção de miniaturas à escala”...

Para quem não sabe, é no Montijo que, anualmente, se realiza o maior evento nacional dedicado ao modelismo.

Tiro aqui o quico ao talento do João Tavares e fico grato pela generosa  partilha deste modelo da Panhard AML 60 nas redes sociais.
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Nota do editor

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21207: Historiografia da presença portuguesa em África (224): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,

Dou como totalmente incompreensível o silenciamento de um texto tão precioso, redigido no exato momento em que tomávamos posse da península de Cacine e entregávamos a bacia de Casamansa à França.
O Capitão-de-Fragata Costa Oliveira é minucioso e não esconde a paixão desta descoberta guineense.

Deixa-nos um excelente relato sobre o chão Felupe. Alerta as autoridades para a importância do presídio de Bolor, era preciso muita firmeza para manter os Felupes respeitosos à presença portuguesa, cita Marques Geraldes que combatera com bravura Mussá-Moló na região do Geba, era indispensável "um severo corretivo àqueles selvagens, ocuparmos novamente o antigo presídio de Bolor".

E conclui, como bom marinheiro: "Será bom não esquecer que para auxiliar esta ou qualquer outra expedição que tenha de operar à beira-mar são indispensáveis as lanchas a vapor adequadas a esta perigosa navegação e um navio de guerra de maior lotação, que possa com o fogo da sua artilharia e escaleres armados, proteger o embarque e desembarque das forças militares e auxiliares".

E há outro dado fundamental deste documento: a Guiné não estava pacificada nem a Norte, nem no Centro, nem no Sul, e bem sabemos os sustos com que se vivia dentro das muralhas de Bissau, com os Grumetes e os Papéis prontos para as escaramuças. São dados que se pretendem silenciar quando se fala na nossa presença de cinco séculos na Guiné Portuguesa...

Um abraço do
Mário


Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (4)

Beja Santos

O Boletim da Sociedade de Geografia, 8.ª Série, N.º 11 e 12, 1888-1889, traz um importantíssimo trabalho do Capitão-de-Fragata Eduardo João da Costa Oliveira, sócio da Sociedade de Geografia e que fora o comissário português encarregado de estudar a demarcação das fronteiras à luz da Convenção Luso-Francesa.

É um documento precioso, na minha modesta opinião, um dos mais valiosos sobre a época em referência. Como se poderá ver neste e textos subsequentes. Costa Oliveira fora nomeado para dar execução ao tratado assinado por Portugal e a França, parte com o adjunto, um antigo secretário-geral da Guiné, o Sr. Augusto César de Moura Cabral.

O comissário português para a demarcação das fronteiras da Província da Guiné, em consonância com a Convenção Luso-Francesa de 1886, deixou-nos um esplêndido relato das suas incursões, repleto de observações vivacíssimas e considerações políticas de inestimável valor político. A Província de Cacine subiu até ao Corubal, vemo-lo agora no Geba, onde escreve:

“O futuro da Senegâmbia está ligado ao rio Geba. Geba e Dandum são pontos estratégicos e importantes do sertão, e, se fossem convenientemente guarnecidos e defendidos, assim como Sambel Nhantá, S. Belchior e outros pontos no Corubal, à sombra dessa protecção, havia de desenvolver-se rapidamente”.

Relata com imensa intensidade um ataque de formigas, bebe água como uma sanguessuga, um guineense resolve o problema preparando-lhe uma beberragem com sabão. Sente-se fascinado pela floresta, pelos rios e rias, é recorrente em exclamativas, assim: “É formosíssimo o sertão de Buba!”.
Estão agora a caminho de Contabane e não esconde a sua atração por todo este fascínio:

“Quem vê a Guiné de fora, e conhece somente os seus mangais e os lodos das suas extensas planícies, morbíficas e pestilenciais, não pode sequer imaginar as belezas que o seu interior encerra. Cursos de água cristalina correm em todas as direcções e sentidos; grandes manadas de gado vacum pastam sossegadamente na erva viçosa e fresca de seus vastos prados, matizados pelas cores variegadas de mimosas boninas; campos cultivados pela mão da mulher africana que, com o filho às costas e vergada sob o peso das costas cheias de maçarocas de milho, lá vai a caminho da povoação; florestas impenetráveis aonde abundam o ébano, o mogno, o pau-sangue e tantas outras madeiras apreciadas na Europa; caça variada e em prodigiosa quantidade, enfim, um encanto para quem pela primeira vez pisa o interior do tão cobiçado continente negro!

E dizem ser pobre a Guiné!

Pois será pobre um país onde a vegetação é tão vigorosa e rica; aonde há milhares de cabeças de gado bovino e lanígero; aonde vive o elefante em numerosos rebanhos; aonde há mel, cera e oiro nativo; aonde a árvore-da-borracha é vulgaríssima, e como que a completar todo este esplendor, rios enormes e navegáveis por onde se podem conduzir todas estas riquezas às capitais? Não, não pode ser! A Guiné é rica, muito rica, mas… desconhecida, e tanto basta!”.

Voltam a Buba, e a sua narrativa quase que ganha um cunho épico, vê-se que tem o condão para a literatura de viagens:

“Cobertos de pó e lodo, com o fato esfarrapado pelos acerados espinhos das florestas e extenuados de fadiga, entrámos em Buba, aonde éramos esperados pelos membros da Comissão Francesa, Comandante da Praça e destacamento, Capitão Bacelar, nosso companheiro de trabalhos, e muitos indígenas que, com verdadeira curiosidade infantil, se acotovelavam e apertavam para verem mais de perto os viajantes portugueses.

Buba, cabeça do concelho de Bolola, magnificamente situada na margem direita do rio Grande, defendida pelo lado de terra por forte paliçada e onze peças de artilharia e duas metralhadoras – mas sujeita a qualquer insulto pelo lado do rio – com um clima relativamente saudável, foi uma estação comercial florescente, quando a mancarra era cultivada naquela região”.

A terceira e última parte da sua viagem começa com algumas explorações na ilha de Bolama e depois partem para Carabane – Casamansa – Zinguinchor, que eram territórios portugueses que foram ocupados pelos franceses. Sobre a ilha de Carabane observa:

“A ilha é pequena e pantanosa. Ao NE e sobre areia fina e branca edificaram os franceses, em 1836, a povoação, que pouco tem prosperado. Apenas se notam uns três edifícios construídos à europeia, o posto ou residência do administrador, as casas Blanchard, Maurel Frère & Cª. e a residência do missionário. Na retaguarda do posto estende-se um vasto pântano, exalando continuamente miasmas paludosos. Há um posto aduaneiro, dirigido por europeus, e parece-me ser importante o movimento comercial. Carabane está abaixo de tudo quanto vimos na Guiné!”.

Seguidamente, temos uma descrição do Casamansa em que Costa Oliveira dá a palavra a Brosselard, o comissário francês. De facto, esta viagem formalizava a tomada de posse da região do Casamansa pelos franceses. Insista-se na riqueza dos pormenores, a sua narrativa, é bem perceptível, envia recados para os governantes de Lisboa. Por exemplo, explica a importância do presídio de Bolor e a necessidade de intensificar a presença portuguesa em chão Felupe.

É um texto irresistível:

“Naquele país sem outeiros nem vales por toda a parte se navega (e navegando se vai a toda a parte), por entre muralhas impenetráveis de viçosíssimos mangues que tapam as margens, sotopostos às verdes palmeiras de dez castas diferentes, aos corpulentos poilões, aos elevados cedros e a mil outras espécies de árvores tão antigas como o solo onde se prendem.

A perspectiva exterior da Guiné é, pois, encantadora; mas assim como entre essas ramagens floridas se aninham venenosas serpentes, também à sombra desse arvoredo parrado se aspiram miasmas que ameaçam morte; tudo está em resistir ao primeiro combate: a vitória fica segura para sempre.

É nesses plainos intermináveis e paludosos da Guiné Portuguesa que correm os rios de S. Domingos, de Geba ou Corubal, o Grande de Bolola, o Tombali, o Cumbijã e o Cacine, e seus muitos braços e esteiros que neles desaguam.”

É neste contexto que nos fala das ruínas do presídio de Bolor, em chão Felupe, e o porto de Bolor, deploravelmente em ruína. E observa:

“De toda a nossa Guiné, é esta a posição mais saudável e para lá vão convalescer os doentes de Cacheu, por ser um solo de areia desassombrado de matas em derredor e exposto às direcções frescas do mar”.

A mensagem que deixa nas suas conclusões é como que uma sacudidela aos governantes, aos políticos, enfim, aos vindouros:

“A Guiné é rica ou não é. Se é rica e pode ter ainda um futuro brilhante, dê-se-lhe o que for preciso para a fazer desenvolver. Se não é rica e o défice cresce anualmente em progressão assustadora, ceda-se à França”.

O capitão-de-fragata deixa-nos um testemunho espantoso da sua viagem em que concebeu uma carta da Guiné com várias limitações, circunscreve a topografia aos pontos por onde passou, mas é um documento riquíssimo. E a sua mensagem final tem algo de pungente, um território rico e fértil entregue à indiferença.







Extratos da Carta da Guiné Portuguesa, elaborada pelo capitão-de-fragata Eduardo João da Costa Oliveira.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21191: Historiografia da presença portuguesa em África (223): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Guiné 63/74 – P20644: (De) Caras (146): Um pequeno texto, cuja essência teve o BLOGUE na sua concepção (António Matos)

1. O nosso camarada António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem.

É verdade!

Estou vivo!

Felizmente com saúde e vontade de viver não me falta!

Ora agora caminhando, mais logo dando largas à cavalaria automobilística, depois com uma sessão de manutenção tipo a do Prof. Marcelo, isto é, umas braçadas na piscina e uns exercícios de hidroginástica, passando por umas viagens de índole não só paisagística mas também gastronómica, a verdade é que ainda ando sem muletas ainda que nuns dias doam as costas, num outro os dedos que começaram a entortar com a artrose, a maldita hérnia também tem um sono muito leve e, quando menos espero, desperta e lá vêem uns dias de ai ais, e umas horas deitado no chão até que a coisa passa até à próxima ….

A sequência dos dias é na base das 24 horas que a Terra demora a dar uma volta completa onde se tenta que a rotina seja “toureada” e que as surpresas apareçam tal-qual ou seja, de surpresa…

Pois bem, hoje cortei com uma determinada rotina indo almoçar a um restaurantezinho que costumo frequentar com alguma regularidade.

Como não estava acompanhado, coube-me uma mesa chegada a uma outra de 4 lugares ocupados por um casal que poderiam ser os pais de um dos 2 outros elementos (casal) presentes.

Não tendo nada a ver com esta história e numa 3.ª mesa, estava uma outra família que até ao momento, me passaria despercebida não fosse a interjeição duma criança (5 anos?) que, ao serem postas as vitualhas entre cada duas pessoas, berrou a plenos pulmões: “batatiiiiiinhas !!!”…

Ri-me eu, riram-se os meus vizinhos de circunstância e tudo isso sem a mínima perturbação do faciem da referida criança.

O almoço continuou e eu devorei literalmente umas pescadinhas de rabo na boca, acompanhadas por um bem aceitável arroz de grelos.

Nisto, sou chamado à atenção do cavalheiro da mesa ao lado que, em surdina (vi-me à rasca para o ouvir pois estou surdo dum ouvido e o zururu de restaurante não me permite muito mais do que dizer que sim nas conversas…) me pergunta se conheço o sr António Garcia de Matos ….

Algo me dizia que aquela cara não me era 100% estranha mas a farta cabeleira que provavelmente existira no passado, estava reduzida aos laterais, deixando uma enorme pista de aterragem no centro, o que , de todo, me cortou as hipóteses de num exercício de fotomontagem, descortinasse minimamente, de quem se tratava.

Respondi-lhe que sim, que conhecia o tal Matos ficando agora a faltar apenas a sua identificação.

Fez render o peixe (da conversa, não as pescadinhas ) perguntando-me pela Guiné, por minas...

Perguntei-lhe se tinha sido do meu batalhão mas não, não tinha sido.

O local, o barulho, a falta de ouvido, etc. fez-nos dar um salto no tempo apressando o final não sem que me tivesse dito que o seu nome acabava em “inho”.

Ora porra! foi a estocada final na esperança de o identificar.

Finalmente disse-me que ele próprio tinha feito a tal operação de fotomontagem mental colocando-me um bigode (acabei de rapar as barbas há 8 dias …) e não teve dúvidas da minha identificação.

Tinha, de facto, estado na Guiné mas numa comissão anterior à minha. BOLAS!!!

Mas, o que lhe trouxe à memória a minha pessoa foi, vejam bem!, o blog do Luís Graça!!!

Pois é verdade, era o Branquinho, aquele que escrevia igualmente naquela altura em que eu participava activamente.

Fiquei satisfeitíssimo pelo facto de ele ter dado o passo do reencontro e saí com a certeza de querer transmitir aos antigos e actuais tabanqueiros esta história da vida cuja referência foi, exactamente, o blogue!

Um abraço a todos e um especial ao Luís Graça.
António Garcia de Matos
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Nota de M.R.: 

Vd. Também o último poste desta série em:

28 DE NOVEMBRO DE 2019 > Guiné 61/74 - P20391: (De)Caras (118): A liberdade que as motos e as motorizadas nos davam... Ia-se de Bissau a Safim, Nhacra, Ensalma, João Landim... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAC 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20419: Efemérides (316): Foi há 50 anos que desembarquei em Bissau: fomos para a guerra, privilegiámos a paz! (António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71)


Guiné > Bissau > c.1970/71 > Chaimites evoluindo no estuário Geba em Bissau. À esquerda, o edifício das Alfãndegas
. As primeiras Chaimites chegam a Bissau, as V-200, para teste, em finais de 1970,  e depois a partir de 1971 vão substitundo algumas das nossas obsoletas viaturas blindadas, mas revelam alguns problemas, a nível da blindagem e do armamento.



Guiné > Região do Cacheu > Bula > CCAV 2639 (1969/71)  > A AM [autometralhadora] Panhard, companheira insubstituível nas nossas colunas.

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)





1. Mensagemn de António Ramalho, de 26 de novembro de 2019, 13h19

[ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas,  a viver em Vila Franca de Xira, membro da Tabanca Grande, com o nº 757: tem cerca de duas dezenas de referências no nosso blogue;  A ccav 2639, mobilizada pelo RC 7, partiu para o TO da Guiné em 22/10/1969m e regressou a 25/9/1971; esteve em Binar, Pete e Bula; comandante: cap cav Alfredo Jorge Gonçalves Farinha Ferreira;era uma companhia independente, adida ao BCAV 2868; a companhia chegou a Bissau em 28/10/1969, o Ramalho só um depois depois; ficou 3 semanas por Bissau, e o mandarem para o mato em 20/12/1969]


Caro camarada Luís Graça, boa tarde.

Querendo comemorar os 50 anos da nossa chegada à Guiné, homenageando todos aqueles que já partiram, elaborei o texto que anexo para analisares e publicares no nosso Blogue, se assim o entenderes.

Gostaria de ver maior participação de elementos da minha Companhia, tenho feito algumas acções de informação, não vejo resultados, contudo não desistirei!

Quando nos encontraremos num almoço em Algés?
Um forte abraço para todos.

António Fernando Rouqueiro Ramalho (757)





2. Fomos para a guerra e privilegiámos a paz! 

por António Ramalho

Desembarcado em Bissau em Novembro de 1969, fui acompanhado por um T6 na subida do Rio Geba, um ruído ensurdecedor. Antes disso atravessei o Golfo da Guiné apinhado de barcos de pesca, uma imagem lindíssima, qual baía de Cascais, logo ali tive o primeiro sobressalto na manhã seguinte!Na noite anterior o Uíge ficou ancorado ao largo com a proa para Norte. Do meu camarote via a Bissau nocturna. Na manhã seguinte, quando acordei, vi floresta. Pensei que já nos tinham levado para outro local. Ignorância minha. Como os rios na Guiné sofrem de influência marítima, o navio tinha rodado, tudo bem! 





T/T Uíge > Lisboa-Bissau > Outubro de 1969 > "O primeiro (e único) cruzeiro da minha vida.



Guiné > Região Cacheu > Bula > Ponta Consolação > CCAV 2639 (1969/71) > Capunga > Reordenamento

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



Desembarcado sem arma mas com bagagem, tinha à minha espera o meu conterrâneo João Unas, distinto marinheiro. Percorri Bissau num autocarro das Viagens Costa a distribuir camaradas pelos diferentes quartéis até que me apresentei no QG (Biafra), tal era a desordem! Feito o chek in fui almoçar ao Pelicano! 

Instalado nos Adidos à espera de transporte, ia diariamente ao QG (Biafra) saber da minha sorte. Não havia vaga, graças a Deus. Assim conheci melhor Bissau que, comparada com os dias de hoje está irreconhecível, um desconsolo! 

Mais tarde, nas poucas vindas a Bissau, era hóspede do meu amigo José Germano,  no quartel de Engenharia [, BENG 447], sempre principescamente recebido. Também em Bissalanca [, BA 12] saboreava as excelentes refeições e usufruía do ar condicionado dos Paraquedistas onde o meu conterrâneo João Belchiorinho me recebia. Já cá não estão os dois entre nós! 

Aproveitei os meus tempos livres para conhecer a cidade, os seus bairros. Fui ao Pilão, como era óbvio, aos seus mercados, às suas escolas e liceu, passei bons momentos na 5ª Rep., na Solmar, também fui ao Chez Toi, Messe da FA e passei pelo HM [ 241} conhecer e saber do estado de saúde de alguns camaradas que tinham sofrido umas pequenas escoriações numa emboscada em Binare. 

Fiquei com uma imagem que guardarei para toda a vida: sentados nos lancis dos passeios dos bairros de Bissau,  estudavam crianças à luz dos candeeiros da iluminação pública, que vontade de aprender, que encanto me proporcionaram aqueles jovens! 

Noutra ida ao HM apercebi-me da chegada de helicópteros. A minha curiosidade levou-me até às urgências, estarão a imaginar o dantesco cenário que presenciei naquela tarde! Que grande estímulo para um periquito! Resisti às imagens e ao ambiente tentando confortar aqueles que me ouviam... Não conheci ninguém! Na minha permanência nos Adidos em Bissau fiz rondas desde as antenas da EN, ao Presídio Militar onde numa das idas levei um oficial despromovido por “incompatibilidade” com outro oficial superior que foi calorosamente recebido pelos presentes, antes de o entregar tomámos uma cerveja e dei-lhe um abraço! 

Esperei um mês pela coluna de reabastecimento e lá fui até Binar (Missão do Sono) de onde voltei no mesmo dia para Bula, ficando alojado num Celeiro fora do quartel. Fui na GMC da frente, carregada de sacos com batatas, para resistir melhor ao eventual rebentamento de alguma mina, fazendo companhia a um condutor nativo que fazia a sua estreia nestas andanças. Era ele e eu. Lá nos safámos! 

O BCAV 2868 estava aquartelado em Bula nuns pavilhões desactivados (isotérmicos com ventilação estática) da petrolífera ESSO com piscina (entulhada), que em tempos fez prospecção de petróleo na província! 

Lembro-me perfeitamente da minha Consoada de 1969 no mato: um pacote de bolachas da MM [, Manutenção Militar,] e um cantil com chá. Soube-me tão bem! 

De Bula partimos para Capunga, Pete e Ponta Consolação para fazer o reordenamento das Tabancas, localizado no triângulo Bula, Choquemone (Base do IN) e Binare, aquartelados em magníficas e apropriadas instalações (tendas de lona) até ao fim da comissão! 


Guiné > Guiné > Região do Cacheu > Carta de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Ponta Consolação, ma margem esquerda do rio de Caleco ou de Bula, afluente do rio Mansoa. À direita da foz, ficava João Landim... Choquemone era uma das matas onde o PAIGC sempre teve as suas "barracas" (ou bases...).


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


Aqui reordenámos as Tabancas, construíram-se escolas com mão-de-obra nativa mas supervisionada por nós. No princípio sentiu-se alguma relutância das populações já que a nossa presença prejudicava o reabastecimento do IN, uma vez que era ali o seu celeiro. 

No campo da educação foram submetidos a exame e aprovados 18 candidatos, tiraram a carta de condução 41 elementos. Construíram-se 538 moradias, fabricaram-se 582.799 Adobos, construíram-se 3 Escolas: população reordenada 2.509 pessoas. 

Dado estar a pouca distância do Choquemone (Base IN) éramos apoiados pela rectaguarda por enormes peças de artilharia de grande alcance (Obuses) instaladas em Bula. Os dados de tiro para o aparelho de pontaria eram fornecidos por nós tendo como base a inscrição no topo dos bidões das sentinelas! 

Apesar desta missão, eramos escalados para integrar operações. Naquelas em que fiz parte,  o IN não quis contactos comigo, nunca trocámos tiros, nunca nos flagelámos. Já no acampamento fomos contemplados com algumas flagelações à distância. 

Na terça-feira de Carnaval de 1970 uma bala perfurou-nos um pipo de vinho, uma pena! Efectuámos 148 Operações, muitos patrulhamentos e escoltas, picámos quilómetros de picadas! Uma noite fomos sobrevoados no acampamento a baixa altitude por um avião, o Pictures Enterprise, ficando sem saber o que andaria a fazer por ali àquela hora da noite! 

Logo no princípio da nossa comissão, foi efectuada noutra zona da província [, no corredor de Guileje, no sul, na região de Tombali], uma operação para capturar 'Nino' Vieira. Não o conseguiram, tendo contudo capturado o Capitão Peralta, um cubano integrado nas fileiras do PAIGC, ficando gravemente ferido num braço. Assistimos à construção e asfaltamento da estrada de São Vicente que ligava BULA à margem direita do Rio Cacheu que mais tarde faria parte do nosso roteiro para Bissum. 

Apesar do permanente patrulhamento naquela estrada, era o cilindro que com a sua carga máxima abria a picagem da estrada diariamente. É nesta altura que se despenha um helicóptero, devido ao mau tempo, com deputados, sendo um deles meu conterrâneo, José Vicente Abreu, e Pinto Bull, natural da Guiné, avô da actriz Patrícia Bull. 

Fomos visitados em Capunga por Juan Carlos de Bourbon, mais tarde Rei de Espanha, acompanhado pelo Major Marcelino. Apareceram-nos de jipe, nunca soubemos qual a razão da visita. 

De repente somos confrontados com a “Paz Podre”. Não podíamos usar armas, é verdade. Íamos nas colunas com as mãos nos bolsos até que se dá a cilada aos nossos ilustres Majores na zona de Teixeira Pinto, sendo que estava preparada para o General Spínola, como disseram os SI [, Serviços de Informação]. Neste período ofereceram-se enormes quantidades de tabaco e vinho do Porto ao IN. 

Em Novembro de 1970, o Comandante Alpoim Galvão vai a Conacri tentar libertar elementos das NT e capturar elementos do PAIGC. Julgo ter tido mais êxito na libertação dos elementos das NT! 

Lema da CCAV 2639 (1969/71): "Pro bono pacis"
 (, para o bem da paz)
O Major Casquilho [, Luís Maria Coelho Casquilho,] caiu ao Rio Mansoa [, em 29/10/1070,] levando consigo o jipe e a máquina de projecção de filmes que, solícito, queria fazer chegar a horas a Bissau. Ultrapassou as Panhards que o iriam escoltar... e foi em frente, uma tragédia! 

Também capturámos uma Kalachnikov ao IN enquanto namorava na Tabanca. Não era bem a nossa missão, já que íamos era comprar galinhas! 

Celebrou-se o Dia da Cavalaria com pompa e circunstância em teatro de guerra! Construíram-se dois heliportos, um em Pete e outro em Ponta Consolação.

É substituído em Bula o BCAV 2868 pelo BCAÇ 2928 de onde sairia a seu tempo a CCAÇ 2789 que iria substituir-nos no reordenamento das Tabancas de Capunga, Pete e Ponta Consolação. Entretanto fiz parte de um Gr Comb composto por elementos de todos os Pelotões (presumo os mais bem comportados) com destino a Bissum/Bissorã onde fomos ajudar uma Companhia Açoriana a adaptar-se ao cenário de guerra, efectuando algumas rondas e patrulhamentos. Nunca participámos em qualquer outro tipo de operação! 

Éramos reabastecidos de víveres uma vez por mês por via fluvial. Para receber o correio fretávamos uma avioneta à Marinha. Dali ouviu-se o ataque a Bissau com mísseis às 22:00 horas de um qualquer dia de 1971, previamente conhecido e divulgado. Não foi surpresa para ninguém! Como forma de proteger a população da capital, faziam-se exercícios nocturnos de ofuscação de luzes. Mesmo assim estiveram muito perto de acertar nos alvos. Éramos sobrevoados por B26 da NATO a bastante altitude que mais tarde ouviríamos as suas barulhentas descargas “ecológicas”! 

No regresso de Bissum/Bissorã deslocaram-me para Ponta Consolação onde tive o privilégio de poder acompanhar o cabo enfermeiro Afonso Henrique da Silva Lucas ao nascimento de uma menina que baptizámos com Helga dos Reis já que nasceu ao meio dia do dia 6 de Janeiro de 1971. Também aqui fomos flagelados numa noite, felizmente sem consequências graves. Já em Pete, o ataque foi mais feroz, tendo o IN utilizado misseis que destruíram grande parte do aquartelamento, havendo alguns feridos, merecendo a visita das autoridades militares do CTIG. 

Entretanto, chega a CCAV 3420 comandada pelo então Capitão Salgueiro Maia, meu instrutor em Santarém. Aquartelou-se em Bula, para se adaptar ao terreno, mais tarde foi destacada para outros pontos da Guiné mais complicados. Não tiveram vida fácil! Mais uma vez para o mato para a sua adaptação a eventuais cenários reais com que se poderiam deparar. Uma manhã, ao romper do dia ouço um grande alvoroço nas hostes, os periquitos estavam irrequietos e assustados: nada mais, nada menos pelo barulho provocado pelos macacos a acordarem esfregando os olhos e que saltavam duns ramos para os outros cumprimentando-se em voz alta, de forma semelhante ao acordar humano. Passado o susto, lá se acalmaram! 

Só nos podemos orgulhar e sentir felizes: a Companhia regressou em 1971 com os mesmos homens com que chegou à Guiné em 1969, graças a Deus. Ainda que uns mais apanhados que outros! Hoje, que já muitos nos deixaram, é em sua memória que resumo a nossa permanência por aquelas terras há 50 anos! Que repousem em Paz!

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