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quinta-feira, 2 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4630: Destas não reza a História (Manuel Maia) (4): História da esgraçadinha

1. Mensagem de Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74, com data de 30 de Junho de 2009:

Caro Vinhal,
Espero possa estar dentro dos parâmetros requeridos.


HISTÓRIA DA ESGRAÇADINHA

Chamava-se Sousa, Zé Sousa, casado, pouco mais de vinte anos, estaria a entrar nos vinte e dois...

As saudades roíam, traço comum a todos quantos por essas terras de África suportavam a canícula e o afastamento dos seus...
Para o Sousa, as saudades da família, pais e muito recentemente mulher, essa Maria Rosa que lhe aquecera a cama e afogueara o corpo uns vinte dias antes do embarque eram algo que não conseguia superar...

Dera o nó lá na igreja da terra pouco antes de o meterem naquele pássaro de metal que o levaria à Guiné.

O Zé e a Rosa, a Maria Rosa, haviam sido imprudentes, tentações do diabo...

Coitada da Maria Rosa, orfã de pais desde tenra idade, vivia com a avó, a Ti Clarinda, uma mulher de armas que criara os filhos (quatro que não vingaram além da idade escolar, e a Felismina, mãe da Rosa, que morrera ao dar à luz o seu rebento...

O genro, pai da Maria Rosa acabaria cadáver à mercê do pó das minas, profissão que abraçara faz tempo para dar melhor vida à família...

A Ti Clarinda lá foi levando a água ao seu moinho, que é como quem diz, criando a neta.
Foi avó e mãe de Rosa...

Agora, coitada, estava quase cega, cansada de uma vida de trabalho, de atribulações...

O Zé que lhe namorava a neta, era um bom rapaz, trabalhador.
Andava à jorna de lavrador em lavrador para ganhar o seu pão honestamente, ele também, filho de gente muito humilde e de trabalho.

Até que um dia, o Zé e a Rosa, a Rosa e o Zé, passaram além da Taprobana, descontrolaram-se e... a solução foi casar...

Nunca passara na cabeça do Zé fugir à responsabilidade...

Até porque a Rosa, coitada, era orfã de pai e mãe...

Mas agora que o sr. padre Olegário os casara, impusera à Rosa que fossem viver para casa dos seus pais.

- E a minha avó, Zé?

-Vais visitá-la quando quiseres, mas o lugar de uma mulher casada é na casa do marido... Quando entenderes passas pela sua casa. Não te preocupes que os vizinhos são gente boa e todos lhe põem uma mão, está descansada. Depois de eu regressar da tropa, da guerra, logo que a gente possa, fazemos uma casinha naquele cibo de terra que o meu pai comprou ao sr. António Regedor, e depois a tua avó vai viver com a gente... podes dizer-lhe.

-Coitada da minha avó!

Partira uns escassos vinte dias, três semanas, do enlace (tinham-lhe dado 15 dias de licença e o capitão deu o resto...)

As saudades roíam-no, e a falta daquele corpo quente colado ao seu com um cheirinho tão apetitoso, empurravam-no para o copo, que no seu caso específico de homem do campo passava obrigatóriamente pela água pé dos lavradores ou pela mistela de uvas que se fazia na casa do seu pai com predominância para o vinhão ou jacqué, para dar cor, e muito americano que não precisa de tratamento...

À falta disso e como não conhecia as bebidas de sociedade, nunca tinha provado scotch, gin ou algo similar, refugiava-se na popularíssima cerveja - que à altura ainda não sustentava jogadores da bola nem as sads do mesmo - emborcando garrafa atrás de garrafa, numa procissão de 33cl que acabaria por derivar para a chamada bazzoka de litro...

Foi este o começo de vida atribulada do Zé Sousa, um militar como tantos, que até à submissão face à cerveja, se pautara sempre por um comportamento perfeitamente normal, senão mesmo exemplar...

As saudades moíam-no, era assaltado pela dúvida.
O que estará ela agora a fazer, a sua Rosa?
E se algum bandalho lhe dirigia palavra quando ia visitar a avó?

Os ciúmes roíam-no deixando-o à beira de um ataque de nervos.
Tornava-se irrascível.
O álcool fazia o resto.
A sua vida encontrava-se agora num patamar de perigo dada aquela dependência evidente.
O capitão proibe que lhe vendam álcool.
O Zé inicia uma fase complicada de ressaca...
Não tem dinheiro para poder sequer pensar em férias na Metrópole.
Logo, a ideia era beber até cair na esperança de ver o tempo voar...

Mas era custoso.
Os dias arrastavam-se caracoleando ao invés de voarem como era a sua vontade e a de todos, afinal...

Um dia, o Zé fazia anos e estava em regime de abstinência total (claro que não era total pois a solidariedade não era palavra vã entre militares e havia sempre forma de controlar o obstáculo...
Especialmente depois de uma operação sabia bem uma geladinha e depois um cigarro.

o capitão comutou-lhe a pena por um dia e permitiu-lhe contornar o castigo ao deixar que comprasse uma grade de cerveja para si e os amigos mais próximos...

Estranhamente o número de amigos do Zé, diminuiu drásticamente e vai daí, ele para não desperdiçar o líquido, fez-se às outras 33, de g3 em punho, não para iniciar qualquer guerra mas porque com o gatilho abria rapidamente uma garrafa...
Foi o bom e o bonito...
Uma vez mais cirandou entre as duas fiadas de arame farpado (o tal onde os bandos se acoitavam...)

Trazia vestida a sua farda mais usual naquelas paragens... calção (fora do regulamento...) e faca de mato à cinta, numa reedição tarzaniana, a pedir meças a qualquer Weissmuller de pacotilha...

Deixáramo-lo à espera que os etílicos vapores fizessem efeito e vencido pelo cansaço entregando-se então nos braços de Morfeu, num amplexo do tamanho do mundo...

Depois de domado por Baco ou por Dionísio (consoante a apetência grega ou romana no desafio sistemático que este lhe fazia, e no qual era sempre apanhado, havia que deixá-lo dormir...

Não era nenhuma novidade este comportamento pelo que ninguém suspeitou do que pudesse via a seguir...

Subitamente o Zé Sousa saiu a correr em direcção ao mato.

Saíram uma meia dúzia em seu encalço, mas este mal os avistou, embrenhou-se naquela perigosa mata fugindo. Era um local perigoso para os escassos seis homens que haviam saído em seu encalce.
Haveriam de regressar uns quarenta ou cinquenta mas debalde...

Soube-se depois através da prisão de um inimigo que ele fora capturado por população hostil às nossas tropas e entregue ao PAIGC.

Nem a Maria Turra falaria nele...

Maria Rosa receberia o fatídico telegrama e caiu para o lado, fulminada...

A Ti Clarinda haveria de assistir ao funeral da neta...

Esta história correu mundo em romance de cordel, e foi cantada ao vivo nas feiras apoiada pela voz plangente de um violino.

Preparem as esponjas que a hora é de chorar!

Com um abraço a toda a tabanca me despeço hoje
Manuel Maia
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4610: Blogpoesia (51): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (VII Parte): De Pombal (1755) até ao regente D. Miguel (1828)

Vd. último poste da série de 14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4519: Destas não reza a História (Manuel Maia) (3): Desertei depois de ter vindo da Guiné

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4543: Fauna & Flora (25): Cobras & Bichas (Manuel Maia)

1. Mensagem de Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74, com data de 12 de Junho de 2009:

Assunto: Fauna & Flora - Cobras & Bichas...

Caro Vinhal,

Vivia o período do merecido descanso no pós-Cantanhez, ali para os lados de N`hacra (radio emissora), mais própriamente em Fatim, destacamento do Dugal, sede da Companhia à beirinha da estrada que ligava Bissau a Mansoa.

O Dugal tinha a fama, e já agora o proveito para quem lá estava, óbviamente, de possuir uma cozinha de eleição, uma vez que os segredos culinários eram passados de Companhia para Companhia...

Assim, por exemplo, o camarão à indiana e o arroz xáu-xáu ou as bocas de um caranguejo azul, (pinças enormes que mais pareciam de sapateira ou até lagosta...) entre outros, eram pratos que faziam as delícias de quem tinha a felicidade de ser convidado da Companhia, e nessa altura, na messse, o pessoal aproveitava para tirar a barriga de misérias, procurando esquecer a fome que te parto do Cantanhez...

Mas este vosso camarada, o Fur Mil Moura, o Fur Mil Brito e o Alf Mil Dias, desterrados que estavam, a dezassete longos quilómetros de picada sinuosa e esburacada, apenas duas vezes puderam sentir-se filhos de um deus maior, ao sentirem primeiro o requintado convite e depois a passadeira vermelha da entrada que nos conduziria ao espaço de deleite onde os restantes furriéis, sargentos, demais alferes e capitão serviam de anfitriões aos tais
homens de ombreiras pejadas de dourados, cofiando bigodes uns, e esforçando-se por apresentar um ar inteligente outros, olhando-nos sempre, sempre do alto das dragonas...

Que felicidade, nós ali, convivendo com os deuses do Olimpo, não num tu cá, tu lá... que isso seria abusação, como diria o brasileiro, mas perto deles, respirando o mesmo ar, porventura absorvendo resquícios das suas auras, de estrategas conceituados, muito dados ao alfinete e ao mapa, aos soldadinhos de chumbo e demais artefactos das projecções das suas guerras...

Cirandavam de copo na mão que pousavam na bandeja do diligente soldado, vestido a rigor, sempre que pretendiam debitar conhecimento.

Olhavam em redor depois do esforço da explicação à espera dum simples menear de cabeça concordante ou de embasbacado e arregalado olhar que terminaria num coçar de nuca imbecil, de quem não conseguira apreender a sua sagacidade, a sua capacidade de raciocinio, e o brilhantismo da sua exposição, só ao nível dos eleitos, de semi-deuses, por manifesta estreiteza de vistas, leigos que éramos no que concerne aos altos estudos militares, onde as guerras eram traçadas com o rigor do esquadro e a precisão do compasso...

Noblesse oblige, saíramos lá do acanhado e bafiento tugúrio onde havíamos sido colocados no pós guerra, levando vestida a nossa roupinha melhor com a camisa verde e os calções regulamentares, divisas de bico p´ra baixo apostas, olhando-nos mutuamente a ver se parecíamos bem, o alferes ele também no seu melhor.
A barba aparada, os cabelos apresentáveis, lá fôramos, e valera a pena.

Evidentemente que ninguém gosta de pontapés no sítio onde as costas mudam de nome, uma vez bem tratados, fomos vivendo espreitando outra oportunidade que não surgia...

Assim, solicitei a um telegrafista, uma apitadela quando tivesse conhecimento da eminente chegada desses cabos de guerra, para, fazendo-nos de convidados, podermos beber aqueles conhecimentos (evidentemente que não enjeitávamos o Casal Garcia gelado da ordem, e hoje, visto a esta distância creio bem que era mesmo o leit motiv da nossa pretensão de secundar aquela visão do etéreo a que subíramos...)

O chefe, almadense de gema, vinha já dos tempos de Bissum, e sem pretender fazer qualquer analogia com o barbeiro do Porto que passou a cabeleireiro e hoje se auto intitula escultor capilar, nem mais, era o que poderíamos chamar de construtor de sabores...

Constava aqui e ali, da existência de uma relação assolapada entre este mestre cuca e o Teixeira, um lingrinhas educado na tutoria do Porto, e a saber mais que o Papa...

Mas voltemos às questões exclusivamente culinárias...

Um dia, soubemos via rádio da eminente visita de uns três de dragonas largas acompanhados de um alferes, guarda de campo de um deles, assim estão a ver a modos que um AB, (segundo a senhora Allen, pelo que li aqui no blog, que afirma ser usual ouvir-se então em Bissau a piada em que a monocular figura dizia para o ajudante de campo: - Bruno toma nota...)

Pois seriam quatro as visitas importantes à sede.
É o momento aprazado para nos fazermos convidados, sugeri ao alferes que de imediato concordou.

Vamos todos? Alvitrei...

- Não tem de ficar um, senão o Capitão zanga-se, dissera o Dias.

Tiradas as sortes, o azarado foi o Brito...

Nessa conformidade preparámo-nos eu, o Moura e o Dias para aparecer, de surpresa, pouco antes da hora de almoço que aí... ficávamos pela certa.

Entretanto, os soldados Valadas e Cardoso (Baião) saíram para a caça...

Davam cabo das estrias das G3 disparando cartuchos aos quais tiravam as balas e colocavam anilhas de chumbo (dos reordenamentos usadas para prender as chapas de zinco...).

Tinham um stock grande ainda do tempo de Cafine...

O chumbo espalhava-se e as hipóteses de abater umas rolas ou outras aves pequenas para além dum nhec ou leitão da tabanca, eram significativas.

Saíra entretanto o Unimog para trazer o almoço para o destacamento.

Tão depressa tinham saído pela tabanca como regressavam aos altos berros.
O Valadas lamentáva-se com a mão a tapar um dos olhos a dizer:

- Ai Jesus que estou cego, ai Jesus que estou cego!!!

O Cardoso, esse repetia:

- Fugiu-me a p...

Atirei-lhe quatro ou cinco tiros e fugiu-me a p... P... de merda!!! Fugiu-me a p... de merda!

Imediatamente o alferes disponibilizou o jeep que nos haveria de levar ao Dugal para nos abancarmos à mesa, por forma a levar o Valadas, o cabo enfermeiro que litarelmente não sabia o que fazer, e um condutor até ao Dugal para ser visto pelo Antunes, furriel enfermeiro.

Lá se foi o nosso almoço, Dias, lá se foi o nosso Xáu-Xáu, disse o Moura...

Ficáramos sem transporte que nos permitisse chegar a tempo, na qualidade de penetras na almoçarada do Dugal...

O Valadas que era de Aveiro e adepto do Beira-Mar, ficou à Belenenses, sendo obrigado a andar com uma camoneana pala no olho...

Durou quase um mês...

Grande pontaria da cobra que com uma cuspidela, prejudicou a vítima, Valadas, e os três cristãos entre os quais este vosso escriba, de aspirarem a uma almoçarada daquelas...

Nós perdemos de vez a hipótese de comer as iguarias do chef almadense pois pouco depois cairia em desgraça perante o capitão que recebeu a confirmação das suspeitas sendo informado que ele servia cerveja gelada ao Teixeira, tirada dos frigoríficos da messe numa altura em que uma das arcas da cantina estava avariada e como a outra era aberta muitas vezes não permitia refrescar as bebidas...

De castigo foi enviado para o meu destacamento.

Já não chegava ter uma cobra na tabanca, agora presentearam-nos com uma bicha, disse o Dias...

Um abraço ao Vinhal extensivo a toda a tabanca.
Manuel Maia
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4519: Estórias avulsas (34): Desertei depois de ter vindo da Guiné (Manuel Maia)

Vd. último poste da série de 14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4524: Fauna & flora (24): Companhia indesejável no meu bura… ko morreu, sem apelo nem agravo, no Cachil (José Colaço)

domingo, 14 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4519: Destas não reza a História (Manuel Maia) (3): Desertei depois de ter vindo da Guiné

1. Mensagem de Manuel Maia (*), ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74, com data de 11 de Junho de 2009:

Caro Vinhal,
Junto envio este texto para enquadrares onde entenderes.


MAU GRADO OS 39 MESES DE TROPA, FUI CONSIDERADO DESERTOR...

Encarei o serviço militar como uma inevitabilidade a que não me devia eximir já que não tendo própriamente apetência para herói, também não me via na miseranda pele de refractário, ou, pior ainda, na asquerosa figura de desertor como alguns figurões deste Portugal, a quem alguém chamou amordaçado, mas que eu rotulo de enxovalhado, a carecer duma expurgação de todos esses vampiros, chacais e abutres que lhe sugaram o sangue e esventraram entranhas...

Seria na perspectiva de quem não gosta de fardas, que interiorizei a passagem pelo serviço militar como um acidente de percurso.

Quando assentei praça no RI5 da bela cidade de Bordalo, sabia por amigos que por lá tinham passado, que ou virava chico devorando toda aquela prosápia do conhecimento livresco da arte bélica com as mais estapafúrdicas tácticas, para debitar depois a informação balística e mostrar conhecimento armamentista - de cor e salteado - tendo por objectivo conseguir uma nota de curso muito alta que me pusesse a salvo de uma mobilização individual, ou então, a mais óbvia, e que se enquadrava mais comigo, aceitando, sem violentar em demasia a minha sólida aversão a fardas, que continuaria a ser um civil com aquela obrigatoriedade, por isso, quanto mais cedo, melhor...

O expectável, na altura era ainda de 18 meses (para passar depois a 21, tendo este vosso camarada permanecido exactamente um quarteirão deles...)

Vingou portanto a segunda tese. Assim, como primeira medida para nunca ter a tentação de consultar uma que fosse das obras de cariz bélico que me forneceram logo à chegada, amarrei-as bem com corda e coloquei (aquele, para mim, indesejável conhecimento armamentistista, táctico, balístico...) bem fechadinho dentro do armário, não fosse perder-se alguma...

Devo dizer-vos, sem pejo nenhum, que já passava muito mais de mês da minha presença em terras de Malhoa, quando pressionado por camaradas temerosos por qualquer porrada que pudesse apanhar, acabei por fim defazer a primeira continência.
Até aí conseguira sempre esquivar-me a esse acto de que não gostava.

Veio Tavira - C.I.S.M.I. - num quartel (antigo convento) em obras, implicando que uma boa parte dos instruendos pudesse ter autorização de pernoitar fora.

Alugámos um quarto (mais propriamente a sala de jantar de uma casa modesta onde os proprietários plantaram quatro camas, encavalitadas duas a duas,(oriundas, da tropa, mas com uma operação de maquillage numa repintura branco hospitalar...) tendo ainda direito a tratamento da roupa (estávamos impossibilitados de ir a casa de fim de semana, que ali acontecia só ao sábado de manhã.

Paralelamente, e como éramos quatro, as hipóteses de casamento para a neta perdida iam ganhando algum alento, sendo que a moça quando pressentia algum de nós no quarto, arranjava sempre uma justificação qualquer para ter alguma coisa que fazer ali, trazendo roupa engomada... desculpe que vinha fazer a cama... fazendo alarde de uns decotes generosos...

Nenhum de nós casou na parada, mas era comum acontecer e o Comandante da Unidade no discurso de boas-vindas alertava para o facto...

O Algarve dessa altura já tinha muito turismo, com os reduzidos biquinis das inglesas e holandesas, a fazerem arregalar a vista ao militar...

De lá rumei a terras de Viriato largando a diagonal vermelha dos ombros por troca com as também vermelhas de Cabo Miliciano (mais uma invenção portuguesa como o nónio do Pedro Nunes ou a quilha das caravelas p´ra vencer o Atlântico em substituição da chata do mais calmo Mediterrâneo até aí conhecida) NENHUM EXÉRCITO DO MUNDO tinha ou teve Cabos Milicianos...

No RI 14 tive um episódio digno de figurar no anedotário nacional ou como sketch de um filme cómico...

Era usual o Sargento da Guarda (profissional) desenfiar-se para ir dormir a casa com a família (nada de mais justo, afinal a guerra daqui era de brincar...). No seu lugar ficava depois da formatura de recolher um dos Cabos Milicianos de serviço com Sargento de Dia à Unidade.

Um dia estava este vosso camarada a dormir ferrado, já de madrugada num catre igual aos da cadeia, ali ao lado, quando disparou o alarme numa barulheira infernal...

Foi um espectáculo verdadeiramente circense com tudo quanto era gente a correr para os locais de defesa, como se porventura o inimigo estivesse ali, para tomar as terras de Viriato...

Sem saber exactamente o que fazer, deambulei por ali a ver no que davam as modas, até que após um bom pedaço de tempo, de telefonemas para a Casa da Guarda a que eu ou um dos Cabos RD que ali estavam, íamos pondo água na fervura sobre a invasão...

Não se via inimigo nenhum, há muito que os espanhóis haviam perdido a ideia expansionista, os ciganos de então não se atreviam (já não diria o mesmo agora, quer sejam ciganos ou outros quaisquer... não, não é xenofobia...) portanto a guerra não era concerteza nem mesmo que a do Solnado se tratasse...)

Entretanto clareou, e os ânimos serenaram...

Ensaio não fôra, portanto o Comandante, um homem carregado de dragonas nos braços do casacão preto cheio de bordados que víamos às vezes quando requeria um grupo de recrutas para lhe varejarem e colherem a azeitona da sua propriedade na zona, usando naturalmente a mão de obra gratuita os carros e combustível da tropa (isto não é para aqui chamado...) o Comandante chamou aqui esta vosso camarada ao seu gabinete e disparou:

- Que estás aqui a fazer? Chamei o Sargento da Guarda!

Enchendo-me de brios do alto das minhas vermelhas divisas, numa posição de sentido que faria invejar qualquer profissional, especialmente os que faziam gala na cagança (era este nome que davam àquela sequência toda de bater com os calcanhares um no outro para gerar uma sonora pancada, fechar os punhos lateralmente, atirar com o peito para fora, qual galo de Barcelos no acto da cantoria...) e numa voz tronituante respondi:

- Saiba Vossa Excelência, meu Comandante que quem se encontra de serviço como Sargento da Guarda desde o toque de recolher até à alvorada sou eu próprio, Cabo Miliciano 08865271, hoje também Sargento de Dia à Unidade da 2.ª Companhia de Instrução.

- Mas... para quem não gostava de fardas, desenrascaste-te bem - dirão os mais afoitos...

O homem gostou.
Pôs-me à vontade, expliquei-lhe que não havia sido o autor do aviso de guerra e o electricista do quartel haveria de explicar-lhe que se tratara de um curto circuito...

Vai daí, o comandante acabou com todo aquele mise-en-scène, e acabaria por dar uma porrada ao Sargento...

De Viseu haveria de rumar para a cálida planície alentejana (como vêm fiz uma autêntica volta a Portugal nesse meu mourejar interno antes do embarque para a Guiné).

Ao invés de ir de combóio, como acontecera aquando da viagem para Viseu que demorara desde Pedras-Rubras, 14horas (sim leram bem catorze horas, tive de fazer dois transbordos e esperar umas horas em cada um deles, para cobrir cento e poucos quilómetros na linha da Beira Baixa), aproveitei e fui no carro do Barbosa de Ermesinde que acabaria por ir para o Biambe, e com o Maia de Coimbra, que iria para Encheia, onde permaneceria pouco mais de sete meses até à evacuação para Lisboa motivada pelo tiro que apanhou de ricochete na cabeça).
(Envio-vos daqui um abraço pois estou certo que seguis esta nossa tabanca)

Pois essa Yeborah mourisca, de que tanto gosto, recebeu-nos no RI16, outro antigo convento (para quem não professa nenhuma religião parece uma espécie de perseguição...) e dali haveríamos, Batalhão formado, de rumar à nossa Guiné.

Aqui, passadas as passas (não do Algarve pois as de Tavira, como vos disse, até nem foram nada más, antes pelo contrário, mas... as africanas, como todos vós mais ou menos passastes, com períodos em Bissum/Naga, Cafal Balanta (naquele belo edificio que tive oportunidade de vos mostrar no poste 4481), Cafine, ali ao perto, escassos 2 km, mas vivendo em tendas (como se na praia nos encontrássemos, dando assim à comissão uma vivência de férias...), para finalmente me quedar por Fatim, destacamento do Dugal, perto de N´Hacra.

Regressado, ao fim de uns dias (aqui vem finalmente a razão do título do escrito...) dei entrada no Hospital Militar do Porto com problemas estomacais sérios.
Fui visto pelo Dr. Barbosa Leão (já vos explico porque fixei este nome...) que me haveria de internar.

-Tenha paciência doutor, mas internar, nem pensar. Farto de tropa estou eu. Moro aqui perto, Pedras-Rubras, posso deslocar-me facilmente.

-Sendo assim, terá de preencher um formulário de pedido de pernoita fora. Por mim não ponho obstáculos.

Entretanto após diagnóstico haveria de me receitar dois medicamentos que não poderiam ser tomados isoladamente (presumo que um deles, porventura deveria ser uma espécie de protector para o estômago...).
Desloquei-me à farmácia, mas só havia um que trouxe, ficando depois de ir ligando para saber quando chegaria.

Óbviamente, desandei, e de quando em vez lá ligava, mas a resposta era sempre a mesma, terá de aguardar...

A consulta desse médico era às quartas. Ainda fui a uma outra para tentar tomar uma beberragem que permitisse a detecção da extensão do problema via Raio-X (ou outro qualquer...), mas não consegui porque vomitava de imediato.
A solução passava por ir aguentando até à chegada do medicamento.

O tempo rolou, e uma bela quinta-feira, estando a 100 kms de distância em casa de familiares, recebo um telefonema muito preocupado da minha mãe a dizer-me que haviam ligado do hospital considerando-me desertor.

-Apresenta-te hoje ou amanhã, dissera, aflita...

-Não se preocupe! Eles não me prendem!

Segunda-feira, este vosso camarada, por volta das dez da madrugada, deu entrada no HMR 1 do Porto.

Dirigi-me à enfermaria, perguntei ao Sargento de serviço o que se passava comigo para me ameaçarem daquela forma...
Quando se apercebeu que era eu, o sargento disse-me:

- Estás f..... pá!

- F.... porquê meu primeiro?

- Por onde tens andado? Já por várias vezes todo o mundo pergunta por ti e ninguém te conhece. Se calhar vais de cana...

-Isso é que era bom! Não se preocupe Primeiro, porque eles p´ra guerra não me mandam mais, pois faço-lhes um manguito...

-Vê lá se atrranjas um pijama.

-Um quê?

-Um pijama, pá. Estás internado tens de andar de pijama e apresentar-te assim...

-Não me lixe, meu Primeiro, não me lixe... Nem que a vaca tussa, eu não vou falar com o Comandante de pijama.

Arranjei umas calças, por sinal curtas e apertadas, uma camisa, uma boina, e... já ia.
Diz-me o sargento:

- E as divisas? - Eu dava tanta importância àquilo que até me esquecia do seu uso...

Arranjei umas de um Furriel internado, coloquei-as, e de novo o Sargento me chamou a atenção:

- Olha lá, olha lá pá, o Furriel agora tem as divisas ao contrário. São com o bico para cima.

- Ou me aceitam de bico p´ra baixo, ou nada feito.

E assim foi. Bati à porta do gabinete do Comandante e acto contínuo acompanhando um simples dá licença, entrei... boina na mão para não ter de fazer saudação militar, pudera eu sentia-me civil...

- Quem és tu?

Lá me apresentei e disse:

- Andam para aí a chamar-me desertor...

- E és. Já estás desenfiado há mais de quinze dias.

- Isso é que era bom! Eu falei com o Dr. Barbosa Leão e ele disse que podia dormir em casa.

- Não assinei nenhum pedido.

- Na altura quando quis fazer o pedido, não havia ninguém na secretaria e como tinha mais que fazer...

- Onde estiveste?

- Vim da Guiné.

- Pronto, pronto, vai à tua vida e trata lá disso.

Eu que não suporto desertores fui-o considerado um dia!

Um abraço a toda a tabanca
Manuel Maia
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4481: Os bu...rakos em que vivemos (12): Cafal Balanta contribui para o desenvolvimento nacional (Manuel Maia)

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4414: Destas não reza a História (Manuel Maia) (2): Quem matou Inesa?

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4481: Os bu...rakos em que vivemos (12): Cafal Balanta contribui para o desenvolvimento nacional (Manuel Maia)

1. Mensagem da Manuel Maia (*), ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74, com data de 7 de Junho de 2009:

Caro Carlos,
Com o pedido de colocação logo que possível, claro está, na secção de Bu...rakos, segue o texto anexo onde tentarei colocar a fotografia .
Agradecia que me informasses se recebeste com a dita (continuo desajeitado a este nível).


Um Bu...rako para tapar o buraco do desenvolvimento

Manuel Maia no seu bu...rako de Cafal Balanta

Depois dum breefing de apresentação formal à nata de arquitectos portugueses, onde nomes como Siza Vieira, Alcino Soutinho, Tomáz Taveira e tantos outros tomaram assento, a palavra (e até aquela pinga de Borba que guardava religiosamente para um destes eventos – definitivamente, gosto desta palavra, tem estatuto, tem... boa leitura como a pinga tinha boa bebida...) enchendo de adjectivação elogiosa o fautor destas linhas, um arquitecto naif de gosto requintado (as palavras são deles...), foi com inusitado prazer que ouvi da boca do nosso Primeiro, ele também um conceituado homem do risco com obra feita, nessa bela cidade da Guarda, onde ressaltam as cortes dum traço enérgico, seguro, insinuante, só ao alcance de grandes mestres, um rasgado elogio sobre o design, o aproveitamento dos materiais, o seu enquadramento no resto da paisagem, e ainda a decoração dum estilo informal para quem não dispunha de tempo face aos seus afazeres profissionais...

Severiano, o Ministro da Defesa, guinéu como sabemos, exultou face ao quadro exposto, e claro a tradicional maquete de esferovite (de qualidade superior à que o Frank Gary fez para o Santana Lopes, relativa ao Parque Mayer e onde abichou um milhãozito...) o pormenor soberbo (Ministro dixit) das clarabóias que lhe emprestam uma luminosidade fabulosa evidenciada do lado direito da foto.

Evidentemente que pedimos desculpa pelo ar um pouco desarrumado da Câmara mas isso deveu-se à inoportuna doença da engomadeira...

Os presentes (tudo gente fina, atrever-me-ia mesmo a chamar-lhes a nata deste belo recanto tão cantado por poetas avoengos) denotando uma educação rafinée, ignorou a nossa preocupada explicação não fazendo nota de... devo dizer-vos que nada recebi nem tão pouco pensei fazê-lo, mas... ó Maia, tem paciência pá, tens de pereceber que deste modo até parece mal, tens de te cobrar pelo teu serviço... (aquelas tretas do costume...) mas como sou homem de ideias fixas e não queria ter depois à perna o Fernando brincalhão, meu ex-colega de liceu, e hoje Ministro das Finanças, que não enjeitaria a oportunidade para se vingar da alcunha que lhe pusemos na altura, mantive-me firme como uma rocha e fiz mais este sacrificiozito pelo país...

Entretanto, o próprio Presidente da República, que como sabemos, por inerência de funções é em ultima instância o Chefe Supremo das Forças Armadas (há quem goste de pronunciar ármádas, mas ele há gostos p´ra tudo...), ao que me disseram esteve largo tempo à conversa com o Severiano para pensarem na introdução de casernas pequenas deste tipo, para albergarem uma meia dúzia de soldados ao invés daqueles inestéticos armazéns pejados de camas do tipo hospitalar encavalitadas - salvo seja - umas nas outras...

Ora assim sendo, cá voltaremos a ter mais um desígnio nacional cumprido, ou seja, o da criação de postos de trabalho.

Vai ser uma lufa-lufa para as bandas da empresa onde aquele rapaz, Jorge Coelho, é manda-chuva, com intermináveis filas de desempregados a preencherem ficha para tomarem parte nesses trabalhos de feitura de novos quartéis, que tanta falta fazem agora para estas guerras de alecrim e manjerona... (que até já à porta desta nossa Tabanca bateram...)

A ser verdade, será provável uma remodelação geral nas ditas Forças Armadas, que a acrescentar ao regime de self-service, implementando restaurants em vez de cantinas, com serviço à la carte servido em porcelana Vista Alegre, apoiando dessa forma a indústria nacional, ao invés do prato único em disco de alumínio, como era apanágio no nosso tempo, e acabando também, definitivamente, a chamada marmita, (que ainda se usou na campanha de África) por obsoleta e inestética...

Como vêem, uma pequena coisa pode despoletar uma bolha (não a do jogo em que estão a pensar que essa é assim mais ou menos proibida, embora vá funcionando com alguma regularidade), mas sim uma bolha de desenvolvimento que aportará postos de trabalho, criação de riqueza (enfim, já sabeis a restante terminologia...)

Quem diria, à la longue que aquele meu (e dos colegas de apartamento, que não quero os louros só para mim...) projecto poderia redundar, a modos que, factor primordial de desenvolvimento do país.

Se porventura algum dos camaradas tabanqueiros puder informar das démarches nécèssaires para registar patentes, agradecemos.

Agora, posto isto, digam-me francamente:

- Haverá algum bu...rako mais bu...rako que este?

Venha de lá o prémio...

Um abraço para ti, extensivo a toda a Tabanca
Manuel Maia

Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Cafal Balanta > Destacamento da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (1972/74)

__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4456: Blogpoesia (48): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (V Parte): III Dinastia (Filipina)

Vd. último poste da série de 18 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4369: Os bu...rakos em que vivemos (11): Banjara City, capital do Oio (Fernando Chapouto, CCaç 1426, 1965/66)

terça-feira, 7 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4154: Destas não reza a História (Manuel Maia) (1): Estou na Guiné há treze meses e a minha mulher está grávida

1. Mensagem de Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74), com data de 4 de Abril de 2009:

Agora é uma história verídica que teve como protagonista um indivíduo algo ingénio de Trás-os-Montes (profundo) que evidenciava claramente um coeficiente de inteligência baixíssimo e que por isso mesmo nunca deveria ter sido sujeito a situações com as da vivência de uma guerra.

Teríamos uns treze meses e picos de presença sofrida mas também pejada de situações engraçadas, por vezes roçando mesmo o estatuto de hilariantes, quando me foi contada esta que ora vos transmito.

Determinado soldado, casado, recebeu carta da família informando-o de que iria ser pai.

Irradiando uma satisfação do tamanho do mundo, o soldado em questão, sorriso rasgado de orelha a orelha, mostrou a missiva a um dos seus camaradas, amigo mais chegado:

- Vês pá, vou ser pai. Só peço a Deus que me deixe chegar são e salvo à terra para conhecer o meu filho que está p´ra chegar.
- Olha lá pá, retorquiu-lhe o amigo, com quantos meses de gravidez está a tua mulher?
- Sei lá!!!

Falando para os seus botões, o amigo murmurava:

- Como hei-de dizer a este gajo, a este caramelo, que o filho não é dele?

- Tu sabes há quantos meses estamos na Guiné?
- Isso sei! Nós viemos no dia de S. António e estamos em Julho... são, deixa cá ver...
- São treze meses, pá, treze longos meses feitos semana passada, na Terça-feira...
Então como é que é possível a tua mulher estar grávida de ti? Com quantos meses está de barriga? Tu não vês que a gravidez demora nove meses?
- Sei lá? Disso não percebo nada.
- Olha que essa mulher não serve p'ra ti, pá.
- Não serve proquê?
- Se ela gostasse de ti não te tinha feito o que fez.
- Que é que ele fez?
- Ela fez, ela fez, quem fez foi a irmã dela.
- A irmã dela, tua cunhada? Já não estou a perceber nada.
- Foi assim, eu andava enrabiscado com a irmã dela, mas a gaja um dia meteu-se cum tipo lá da terra dela. Quando fui no Domingo de Páscoa p'ra mor de namorar, ela tinha fugido com um gajo lá da terra.
- E quem foi que te contou?
- Foi a que agora é minha mulher. Disse-me, olha Tone, a minha irmã pôs-tos.
- Ela quê?
- Deixa lá rapaz, deixa lá, ela foi-se embora.
- Se tu quiseres posso ficar nas vezes da minha irmã.
- Se ela quis ir embora pois atão boa viaje.

- Começamos a namoriscar os dois e eu de vingança contra a primeira, casei-me co'a mais velha.
- Que idade tem ela?
- É mais velha do que eu p'rá aí uns sete ou oito anos. Deve ter trinta ou trinta e um, mas não fiquei a perder porque ela tem carta de tractor.
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4147: Blogpoesia (38): A Criatura e Rambo Guinéu (Manuel Maia)

sexta-feira, 27 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4087: Blogpoesia (33) : O bardo de Cafal Balanta (Manuel Maia)

Guiné > Região de Tombali > Cantanhez> Cafal Balanta > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74)> O artista na "cova nua de Cafal" com a bolanha ao fundo. Foi a 1ª noite de Cafal...

Guiné > Região de Tombali > Cantanhez> Cafal Balanta > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74)> O Manuel Maia, ao centro, em pleno casino, com o Campos, das transmissões, e o Valadas, à mesa do restaurant...

Guiné > Região de Tombali > Cantanhez> Cafal Balanta > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74)> Descanso dos guerreiros. Da esquerda para a direita, Laranjeiro, Antunes (cabo enfermeiro), o autor destas linhas (Manuel Maia), Campos (transmissões), Luz (armas pesadas).

Guiné > Região de Tombali > Cantanhez> Cafal Balanta > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74)> Nem só de guerra vive o homem... Comendo os meus cajús matinais sob a generosa árvore, tendo ao lado a habitação/tenda que passamos a ocupar, fartos que estávamos do miserabilista aspecto da cova onde a poeira e/ou lama misturada com palha, nos servia de soalho...

A mudança de estatuto valeu-nos um ataque ao arame, dias depois, que mau grado a desagradabilidade proporcionada, me trouxe a convicção de que bati o record mundial de salto em comprimento quando me atirei literalmente em voo para a cova donde haveria de ripostar, juntamente com quem já lá estava...

Fotos e legendas: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados



1. Texto poético-satírico, contemporâneo, do nosso Camões do Cantanhez, Manuel Maia, enviado em 5 de Março último.

Parafraseando Bocage, sou mais dado à ramada que ao bardo...

Miscigenado sangue temos,lusos,
de Celtas e outros povos cá intrusos,
daí força e porfia de vencer...
Quisera ser um bardo p´ra exaltar
os feitos portugueses d´além-mar
mas falta-me o engenho, arte e saber...

País que foi de Gamas e Cabrais,
d´intrépidos valentes generais,
briosos e da luta nunca ausentes,
vive hoje grande crise de valores,
pois chefes, da ignorância são cultores,
e ao funeral da grei, vão sorridentes...

Ineptos uns, ladrões são os restantes,
eis pedigree dos nossos governantes,
corruptos os da esquerda ou da direita..
Resvalam obras fora d´orçamento,
reservas naturais viram cimento,
por PDMs feitos pela seita...

É tempo de mudança, surja alguém,
pois já só se acredita, creio bem,
num D. Sebastião, envolto em bruma...
A urgência desta troca empurra a escolha
p´ra alguém dos combatentes que recolha
esp´ranças e vontades, uma a uma...

Nota do autor:

Somos mais de 500 mil que poderão virar dois milhões. Façamos algo pela Pátria traída e pelos milhares de camaradas ex-combatentes a viverem na mais completa ostracização, minguados de tudo, de condições básicas de sobrevivência, de tratamento médico, de carinho, de um olhar atento, de uma voz amiga que os reconforte, de alguém que os ouça nesta recta final da vida em que todos nos encontramos. É urgente, é imperioso. Saibamos ser solidários.
Temos sabido sê-lo com guinéus, com timorenses, façamo-lo agora connosco próprios...

Um abraço a toda a tabanca.

____________

Nota de L.G.:

(*) 25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4078: Blogpoesia (32): João, 20 anos, apto para todo o serviço... (José Brás)

segunda-feira, 9 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4004: Memória dos lugares (18): Cafine, no Cantanhez, ocupada pela 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (Manuel Maia)




Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Cafine > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74) , Os Terríveis > Imagens da 'ocupação' de um dos lugares míticos de uma região libertada que era então um verdadeiro 'ex-libris' do PAIGC, aparentemente inexpugnável desde 1966 até finais de 1972.

Fotos: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > Cadique > Junho de 2007 > Não confundir com Cafine... Pedras que falam da CCAÇ 4540 - Somos um Caso Sério - que esteve aqui, em Cadique, em pleno coração do Cantanhez, na margem esquerda do Rio Cumbijã, de 12 de Dezembro de 1972 a 17 de Agosto de 1973. (**)


1. Mensagem do Manuel Maia, ex-Fur Mil, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74) (*)

Caro Luis não sei se cheguei a enviar estas fotografias de Cafine que evidenciam termos sido "os primeiros" (fizemos o quartel...) numa das paredes do forno que lá construímos, bem como o problema que representava "circular" por trás da cozinha. Só de barco!

Numa dessas fotos pode ver-se o saudoso Lima que morreu de acidente juntamente com o Afonso (outro furriel) na semana do regresso (***).

Um dos jacarés fora abatido por ele [, o Fur Mil Lima].

Um abraço.

Manuel Maia

P.S. - Sabes alguma coisa mais do pessoal que foi em missão de solidariedade [à Guiné-Bissau] ? Tenho um amigo, e conterrâneo, entre eles (Tabanca de Matosinhos), e gostaria de saber se está tudo bem.


2. Comentário de L.G.:

Manuel:

(i) Obrigado, pelas imagens de Cafine (que eu estou sempre a confundir com Cadique). Temos poucas imagens do Cantanhez, do tempo da guerra.

(ii) A malta está bem, está de volta, por terra (falei com o José Manuel Lopes, ao telefone; tenho falado também Luisa Valente Lopes). Devem chegar na 3ª feira. O Carvalho era pressuposto vir de avião [, no sábado passado ou no próximo ?] .

(iii) Vocês aguentaram Cafine até quando ? Foram rendidos por outra sub-unidade ? Se sim, sabes qual ?

(iv) Explica-me melhor essa história da "captura fortuita" do Rafael Barbosa, primeiro presidente do Comité Central do PAIGC, preso pela PIDE em Fevereiro ou Março de 1962, deportado para a Ilha das Galinhas, libertado por Spínola e, mais tarde, depois da independência, acusado de estar envolvido na conspiração que levou ao assassinato de Amílcar Cabral. Condenado à morte, viu a pena ser comutada em prisão perpétua, por Luís Cabral... 'Nino' Vieira, de etnia papel, como o Rafael Barbosa, mandou-o libertar... Morreu em 2007.

Um abraço, Luís
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd.poste de 14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Apresentação de Manuel Maia ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

(...) Fui Furriel Miliciano da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 que rumou, depois do necessário IAO do Cumeré, para Bissum/Naga.

Aí nos mantivemos uns sete a oito meses para sermos apanhados na famosa operação do Cantanhez que implicou a ida de dois Grupos de Combate, (entre os quais o meu...) para Cafal - Balanta, ficando adstritos à Companhia residente (que ali se encontrava apenas há dias...) vivendo em condições infrahumanas em buracos escavados no solo sem a possibilidade de protecção de "tecto" pois o homem do monóculo não autorizava senão panos de tenda e folhas de palmeira.

Esta parceria com Cafal durou uns três a quatro meses até à chegada do resto da minha Companhia que foi destacada para Cafine (distando cerca de 2 km dali...)

Então, já reunidos, passámos a viver em tendas de campanha até termos concluída a feitura dos reordenamentos, consubstanciada em largas dezenas de habitações para a população. Só então procedemos à construção de mais algumas para serventia da companhia...

Foi um trabalho insano, mas que nos deu plena satisfação e que permitiu, estou certo, - a juntar ao episódio da captura algo fortuita de Rafael Barbosa, líder guinéu do PAIGC (em rota de colisão com os dirigentes caboverdeanos...) - a saída precoce da região, a título de prémio, creio bem...

Foram nove ou dez meses ali passados, naquela zona minguada de tudo menos de mosquitos e balas... (...)


(**) 22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2871: Excerto do Diário do ex-Alf Mil A. Nunes Ferreira (CCAÇ 4540, Cadique, 31/1/73 a 20/2/73)

(...) 20 de Fevereiro de 1973:

(...) Amanhã vamos sair novamente em missão operacional e há notícias de que o Caco Baldé vem aqui mais uma vez a Cadique, desta feita acompanhado de uma equipe da TV alemã para filmar alguns aspectos do destacamento e o andamento dos trabalhos de construção da estrada Cadique – Jemberém. (...)

(***) Vd. poste de 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3915: Cancioneiro do Cantanhez (1): De Cafal Balanta a Cafine, Cobumba, Chugué, Dugal, Fatim... (Manuel Maia)

Vd. outros postes do Manuel Maia:

13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72, o Camões do Cantanhez

23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3928: PAIGC: O Nosso Livro da 1ª Classe (Manuel Maia, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610, Cafal Balanta / Cafine, 1972/74)

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3950: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assasinos (7): Manuel Maia, o bardo do Cantanhez

1. Mensagem, algo original, do Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74)

Caro Luis tive oportunidade de ler comentários de camaradas relativamente ao artigo supracitado (*), de que espreitei a parte evidenciada na caserna, e decidi também, à guiza do que tantos já fizeram, dizer de minha justiça pela forma de sextilhas...

Presumo que se trata de jornalista jovem a querer "ganhar espaço" e influenciado por gentalha que teima a apelidar-nos de maus da fita.


Se porventura achares por bem dar a conhecer ao resto do pessoal da caserna, fá-lo. Um abraço do Manuel Maia. (**).


Assente em deturpada narrativa
de escória desertora, fugitiva,
escriba da Visão, agride, insulta.
Do vilipêndio, a geração sofrida,
em nome dos que lá deram a vida
exige-lhe o pedido de desculpa.

Não fomos assassinos, mercenários,
mas antes combatentes, solidários
com povos que aprendemos a gostar.
A prova está no enorme abraço dado
entre afros e as gentes deste lado
de cada vez que encontro tem lugar...

Depois da desastrosa entrada em cena,
terá de retractar-se a estulta pena,
p´ra além do que é dever, está o direito.
Da exigência não abramos mão
pois mancha a veterana condição
e mortos mereciam mais respeito...


___________

Notas de L.G.:

(*) 27 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3947: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (6): Luís Graça, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)

(**) 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3915: Cancioneiro do Cantanhez (1): De Cafal Balanta a Cafine, Cobumba, Chugué, Dugal, Fatim... (Manuel Maia)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3915: Cancioneiro do Cantanhez (1): De Cafal Balanta a Cafine, Cobumba, Chugué, Dugal, Fatim... (Manuel Maia)





Guiné > Região de Tombali > Cafal Balanta > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74)> O Manuel Maia no seu hotel de muitas estrelas...

Fotos: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados

Texto enviado por Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74)


2ª PARTE DA HISTÓRIA DA 2ªCCAÇ BCAÇ 4610/72, EM SEXTILHAS (*)
por Manuel Maia (**)


34
O grupo, sem alferes, foi comandado
por Maia, o mais antigo graduado,
na zona onde actuavam fuzileiros.
Com Zé Maria,Moura e os rapazes
mostrámos ser também assaz capazes,
ao nível dos melhores entre os primeiros...


35
Um dia, Paiva, furriel Cafal,
tentado p´lo viçoso laranjal
avança resoluto p´ros citrinos...
Com dois soldados, sacos carregados,
a tiro logo ali são atacados,
salvando-lhes os fuzas seus destinos...

36
Corria a madrugada e um fogachal,
estremecendo arame de Cafal,
semeia o medo e o caos de repente.
Passado instante a malta então reage,
põe cobro ao grande arrojo, vil ultraje,
e expulsa do sector a turra gente...


37
P´ra registar estudos fluviais,
Marinha requereu que junto ao cais
Terríveis protegessem seu pessoal.
De noite,ao serviço da secção,
Barbosa levou tiro de raspão,
por ter cigarro aceso em breu total...


38
Cafine era o local, que foi criado,
por este grupo, mais sacrificado,
para alojar orquestra(i) p´ra chegar.
Começa ali a saga tabancal
com chapa/zinco, adobe tinto a cal,
reordenando as gentes do lugar...


(i) pessoal que não ia ao mato


39
Já fartos de gazela estilhaçada,
trouxemos p´ro quartel uma manada,
de vacas inimigas para abate.
Tão logo, via rádio uma mensagem,
obriga a soltar gado na pastagem
p´ra lá da tal bolanha, onde há combate...


40
Psícola foi termo conhecido
p´ra referir acções em que o sentido
visava dar aos afros importância...
Não raro, exageros se cometem
que as posições da tropa comprometem
esvaziando à ideia, a relevância...


41
Reconheceu Bissau o empenhamento
na luta feita guerra e sofrimento,
daí o prémio DUGAL, merecido.
Com grupo no CHUGUÉ, outro em FATIM,
´speramos comissão chegar ao fim,
felizes por saber dever cumprido...


42
Depois de nove meses/sacrifício,
vivendo ou vegetando(?) em tal suplício,
na terra onde a fartura era de balas.
As casas chapa/zinco construídas
p´ras gentes das aldeias destruídas,
seriam a razão p´ra fazer malas...


43
P´ra trás ficava tudo que era horrendo,
buraco, casa/campa, algo tremendo,
da sub-humana vida experimentada.
CAFAL, a sensação mais dolorosa
jogados para zona mais perigosa,
na frente da bolanha atribulada...


44
Saídos do inferno de CAFAL,
rumamos,p´ra CAFINE,em zona igual,
dois grupos p´ra COBUMBA, uma outra frente.
Chegados a FATIM vimos o céu,
que o CHUGUÉ, certamente também deu,
e o DUGAL emprestou, seguramente...


45
Na hora de partir, já eminente,
desgraça surgiria,em acidente,
p´ra todos nós da forma mais brutal...
buscando últimas prendas na cidade,
partiram, moderada velocidade,
uns quantos furriéis,para seu mal...


46
Foi junto a NHACRA, rádio emissora,
soltou-se o banco em tão maldita hora,
no asfalto AFONSO e LIMA caem sós.
Enquanto o transmontano se finou,
co´a morte açoreano ´inda lutou,
p´ra se apagar dois dias logo após...


47
Roubados de entre nós pela má sina,
de forma tão marcante,e repentina,
lembrá-los deixa os olhos rasos de água.
Um ar sereno e calmo AFONSO tinha,
enorme coração LIMA detinha,
tristeza, choros, raiva, a nossa mágoa...


48
Nem tudo correu bem, infelizmente,
morrendo quatro tão precocemente,
bem novos para estarem de partida.
A crise de asma um deles sucumbia,
enquanto alcoolizado outro fugia,
desastre aos outros dois roubou a vida...


49
Varreram-se, já, nomes da memória
p´ra deles ter registo nesta história
que foi a nossa, grada mas sofrida...
assim, requeiro a todos o favor
de fornecerem dados com rigor
lembrando uma ocorrência, bem vivida...


50
Foi PRATA a comandar grupo primeiro,
LINDORO no segundo a timoneiro,
ALMEIDA do seguinte a tomar norte.
No quarto é de OLIVEIRA a condução,
justiça leva ALMEIDA e chega então,
um pira p´ra africana,antes do FORTE...


51
BARRADAS, GINJA, são profissionais,
milicianos todos os demais
sargentos desta nossa companhia...
CASEIRO, VIOLANTE, AFONSO, ANTUNES,
dos p´rigos lá do mato estão imunes,
à banda dão fulgor, categoria...


52
CORTEZ ruma a Bissau, cunha é TRANSPORTE,
NAVEGA tem na escuta a mesma sorte,
na urbe encontra ALMEIDA o paradeiro.
Um curso de tabanca p´ro FRAGOSA,
a paz da secretária MARTINS goza,
dos negros,professor,foi o CORDEIRO.


53
RIBEIRO,pira calmo e recatado,
TEIXEIRA, um brincalhão endiabrado,
de paciência feito o ZÉ MARIA.
São LIMA e MOURA dois homens de mato,
tal como o BRITO, embora mais novato,
no MAIA, a irreverência contagia...


[Oitava decassilábica]

Olhando a vida à volta do passado,
imposição/catarse necessária,
revejo,a breve instante emocionado,
AFONSO (ii), mente sã e libertária
da guerra interventor mas desfasado...
ao lado em postura solidária,
ANTUNES enfermeiro brincalhão,
e LIMA (iii), um enorme coração.


(ii) Afonso, furriel miliciano de transmissões morto em acidente na semana da partida.

(iii) Lima, furriel miliciano de Op Esp, morto em acidente na semana da partida.

Antunes, furriel miliciano enfermeiro, morto em acidente pouco depois da chegada


_________

Notas de L.G.

(*) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 , o Camões do Cantanhez

(**) 14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Apresentação de Manuel Maia ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3896: Do purgatório de Bissum / Nagal ao infermo de Cafal Balanta / Cafine (Manuel Maia, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610, 1972/74)

1. Mensagem de Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74):


Assunto - Do purgatório de Bissum Nagal ao infermo de Cafal Balanta / Cafine



Para alguém ligado à história [ como eu], a preocupação com as fontes deverá ser de primordial importância...

Não foi exactamente assim que se passou comigo relativamente à informação que passo a debitar, dado que estou a confiar demasiado na memória, que obviamente não é de elefante...

De qualquer forma, não estarei muito longe da realidade se apontar estes dados:

13 Junho 72

Embarque em avião das Forças Armadas para Bissau. De imediato rumamos ao CUMERÉ onde tiraríamos o chamado IAO que deveria ser um período de aclimatação e aprendizagem sobre a temática de guerra ,mas não foi conseguido (creio que para a esmagadora maioria dos formandos a nível de todos todos batalhões)... E porquê? Quem ministrava o ensino já não queria arriscar – milicianos - e a generalidade dos indivíduos do quadro nada percebia do assun ...

Finais de Junho 72

Chegada a BISSUM/NAGA para o necessário período de sobreposição com quem estava de partida.

Dezembro 72

Partida dos 1º e 3º grupos para CAFAL BALANTA ( CANTANHEZ) onde ficaríamos adstritos até à chegada do resto da companhia.


15 de Março 73

Chegada do resto da companhia ao Cantanhez (CAFINE) com a consequente mudança dias depois (2 semanas?) dos grupos já referenciados por forma a ter a companhia de novo toda junta.

Convirá referir que a distância quilométrica entre as duas localidades não ultrapassava os dois quilómetros( passávamos o dia de um lado para o outro, ora na função de reordenamentos na segunda localidade, ou tão somente para gastar o tempo...

A estrada era uma recta enorme com apenas uma ligeira curva. Mesmo assim, o IN colocou uma mina anticarro que vitimou um soldado de Cafal e feriu gravemente outro.

Obviamente que o objectivo do engenho fora destinado para uma situação de mais vitimas ( quatro vezes ao dia uma Berliet com vinte ou trinta militares fazia aquele trajecto de manhã e de tarde levando pessoal dos grupos 1º e 3º para o trabalho de feitura de habitações para a população em CAFINE) durante as tais duas ou três semanas que mediaram entre a chegada do resto da malta e a necessária reunificação...

15 de Junho 73

Partida dos 2º e 4º grupos para COBUMBA.

25 de Setembro 73

Chegada ao Dugal e seus destacamentos de FATIM e CHUGUÉ.


5 de Julho 74

Chegada ao Cumeré.

13 de Julho 74

Embarque para Lisboa.

Se me fosse perguntado em termos religiosos como classificaria as várias localidades por onde passei naquele périplo de vinte e cinco meses, ao reportar-me a BISSUM, poderia, usando a expressão "saudade apesar de tudo..." , apelidá-la de purgatório, atendendo a que os cerca de seis meses ali passados, apesar de isolados de tudo, não foram aquilo que se pintava em Bissau, (quando chegamos bviamente inquirimos "meio mundo" sobre o local para onde íamos e a resposta, invariavelmente, apontava para um sítio onde o verbo "embrulhar" se conjugava com inusitada repetição...)

Não foi isso que aconteceu...

De forma perspicaz, o capitão da unidade que nos antecedeu, atribuía aos muitos e contínuos êxitos obtidos fora de portas - pelo grupo de milícia nova em que a apreensão de armamento IN acontecia com bastante frequência - um comando de pessoal branco em operação provavelmente conjunta...

Ora o timoneiro da minha companhia como homem inteligente, utilizando a badalada expressão futebolística de que em equipa que vence não se mexe, deu continuidade à fórmula ganhadora, e continuou a somar pontos para um campeonato em que foi guindado aos lugares cimeiros em termos de operacionalidade...

A juntar a isto, o próprio nome do líder, Terrível, ( daí a designação da companhia...), serviria para obrigar o HOMEM GRANDE a pensar na solução para o sul usando a lógica do raciocínio: "Se ele pacifica uma zona complicada como BISSUM/NAGA, será o homem indicado para me resolver a questão lá em baixo..."

Se bem pensou, "mal o fez", diria eu ...

É que mercê desse raciocínio algo simplista obrigou-me a conhecer o inferno, que
posso, sem quaisquer sombras de dúvidas, localizar como sediado no eixo CAFAL BALANTA-CAFINE (infelizmente não vos posso fornecer as coordenadas...) .

Dentro de dias tentarei, (se para isso tiver o engenho e a arte...) enviar-vos algumas fotografias das casas/covas de CAFAL onde não nos faltava o envio aéreo por parte do PAIGC de metal quente sob a forma de RPG, canhoada, ou simples bala de Kalash, em substituição dos frescos de pára-quedas que o homem do monóculo prometera...

Acabaria por conhecer o céu quando em Setembro de 73, mercê do excelente serviço de reordenamentos e porque não dizê-lo, do qualificado trabalho operacional, o madeirense (não, não é esse em que estão a pensar...) Bettencourt Rodrigues (o homem que fazia as vezes de Spínola...) num rasgo de inteligência e de justiça decidiu conceder-nos o céu, (é certo que sem as virgens como propicia Alá...) para que pudéssemos enfim saborear as coisas boas da vida ...

Até lá, um abraço a toda a malta.

__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Apresentação de Manuel Maia ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 , o Camões do Cantanhez

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

1. Mensagem de Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, com data de 10 de Fevereiro de 2009:

Foi com enorme satisfação que recebi o teu mail dando-me conta da necessidade de voltar a escrever para luisgraçaecamaradasdaguine@gmail.com o que acabei de fazer mas... quase instantâneamente foi-me devolvida à guiza do que acontecia sempre...

Nesta conformidade vou aproveitrar esta via para fornecer os dados que me foram solicitados.

Fui Furriel Miliciano da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 que rumou depois do necessário IAO do CUMERÉ, para BISSUM/NAGA.
Aí nos mantivemos uns sete a oito meses para sermos apanhados na famosa operação do Cantanhez que implicou a ida de dois Grupos de Combate, (entre os quais o meu...) para CAFAL - BALANTA ficando adstritos à Companhia residente (que ali se encontrava apenas há dias...) vivendo em condições infrahumanas em buracos escavados no solo sem a possibilidade de protecção de "tecto" pois o homem do monóculo não autorizava senão panos de tenda e folhas de palmeira.

Esta parceria com Cafal durou uns três a quatro meses até à chegada do resto da minha Companhia que foi destacada para CAFINE (distando cerca de 2km dali...)

Então, já reunidos, passamos a viver em tendas de campanha até termos concluída a feitura dos reordenamentos consubstanciada em largas dezenas de habitações para a população. Só então procedemos à construção de mais algumas para serventia da companhia...

Foi um trabalho insano, mas que nos deu plena satisfação e que permitiu, estou certo, - a juntar ao episódio da captura algo fortuita de Rafael Barbosa, líder guinéu do PAIGC (em rota de colisão com os dirigentes caboverdeanos...) - a saída precoce da região, a título de prémio, creio bem...

Foram nove ou dez meses ali passados, naquela zona minguada de tudo menos de mosquitos e balas...

Dali fomos descansar para um local perto de Nhacra chamado DUGAL que dispunha de dois destacamentos, CHUGUÉ e FATIM onde aguardei até aos últimos quinze dias (de novo fomos para o Cumeré) antes do embarque final para Lisboa.

Sou licenciado em História e pretendo, se acaso me for facultado, óbviamente, enviar para a "tabanca" a história da minha Companhia em sextilhas (tenho-a também em prosa...) onde são respeitados os cânones desta vertente poética.

Relativamente ao envio das duas fotografias não me é possível fazê-lo
ainda, porquanto sendo debutante nesta tecnologia, terei ainda de colher informações que me levem ao cumprimentro do desiderato.

Um abraço.

2. Mas ainda no mesmo dia, o nosso novo camarada enviava as fotos da praxe.

Caro Vinhal

Graças ao meu filho foi possível enviar-te as fotografias.

Como temi que para o blog luisgraçaecamaradasdaguine@gmail, pudesse ser de novo devolvido tomei a liberdade de enviar para ti esperançado que seja possível fazeres o favor de as colocar no seu devido lugar.

Um abraço e o pedido de desculpas por usar o teu mail.


3. Comentário de CV

Caro camarada Manuel Maia, este poste é só para formalizar a tua apresentação à Tertúlia, porque já tens trabalho publicado no Blogue.

O texto que nos enviaste com o teu desejo de aderires à Tabanca Grande, é importante ser conhecido, para que te conheçamos melhor.

Justifico o meu destempo, dizendo que tinha um determinado alinhamento para apresentar dos diversos camaradas que tinha em espera, tendo o Luís entretanto publicado o teu trabalho do poste 3886(*).

Quanto ao utilizares o meu endereço, fizeste muito bem, porque ele está destinado aos assuntos do Blogue. Aliás se enviares as tuas mensagens para os dois endereços, mais certeza terás de que serão entregues. Tinhas um erro no endereço do Luís, (graça em vez de graca), não fosse teres recorrido a mim ainda não tinhas conseguido contactar o nosso Blogue.

Está tudo bem e isso é que é importante. Esperamos agora a tua colaboração na feitura da História da tua Unidade.

Deixo-te um abraço em nome da tertúlia.
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 , o Camões do Cantanhez

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 , o Camões do Cantanhez


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) > Os Lassas na abertura da estrada Cufar/Cobumba. Em Novembro/Dezembro de 1972, a 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72, de que o Manuel Maia, novo membro da nossa Tabanca Grande, era Fur Mil At, integra as forças de Spínola que vão tentar reconquistar e ocupar o coração do mítico Cantanhez: Cobumba, Chugué, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cafine, Jemberém...

Foto: ©
Mário Fitas (2008). Direitos reservados.

1. O Manuel Oliveira Maia fez há dias uma primeira tentativa para entrar em contacto connosco e ser admitido na nossa Tabanca Grande. Não mandou fotos, por que ainda anda às voltas com estas novas tecnologias... É o que deduzimos, de resto, da leitura do seu blogue, MAMOM, aberto em Janeiro passado e contendo já vários postes sob o título "Evocação da Guiné". Diz ele, em jeito de apresentação:

"Tenho 58 anos, sou licenciado em História pela FLUP [Faculdade de Letras da Universidade do Porto] e só agora estou a começar a 'gatinhar' nas novas tecnologias. Por isso mesmo não consigo ainda dominar esta máquina que me tem baralhado. Com o tempo chego lá".

Pois é, Manuel, isso com o tempo (e a teimosia) a coisa vai. Tudo se aprende, haja força de vontade.
Entretanto, recebemos hoje um segunda mensagem do Manuel Maia, que diz o seguinte:

"Português dos quatro costados, apreciador de ditados populares, decidi tomar a nuvem por Juno e utilizar o conhecidíssimo 'quem cala consente', daí o atrevimento de escrever, de forma faseada, aquilo que tinha solicitado há dias e que dá o título a este mail, esperançado em que alguém da companhia possa lê-lo. Desde já o meu muito obrigado".

Pois é, Manuel, a gente não cala mas consente. Isto quer dizer que estás mais do que autorizado, tens luz verde para entrar na nossa Tabanca Grande e sentar-te à sombra do poilão. Com tempo e vagar, mandas-nos algunas fotos e conta-nos por onde andaste, com a tua 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 (já percebi: Bissum, na região de Bula, Cafine, Cafal Balanta., na região do Cantanhez / Cacine..).

E, olha, parabéns, pela arte e engenho de narrar, com humor, os feitos gloriosos dos Terríveis que ousaram penetrar no Santo dos Santos, que era, para o PAIGC, o Cantanhez. Furriel Maia, estás aprovado com 20 valores. São trinta e três sextilhas, ou seja, estrofes de seis versos de dez sílabas métricas. Não os revi todos, mas batem certo: são mesmo decassílabos... Ou não fosses tu um homem de letras, e quiçá um émulo de Camões.... O Camões do Cantanhez!

Fico a aguardar o resto do poema épico, agora a entrar - espero bem - no mítico Cantanhez, lá por alturas de Novembro/Dezembro de 1972, quando o velho Spínola decidiu reconquistar e ocupar essas míticas terras de Tombali, numa prova de força contra o PAIGC: Cobumba, Chugué, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cafine, Jemberém... Vou ver depois como chamar a esse novo Cancioneiro... (LG)


2. Assunto - HISTÓRIA EM SEXTILHAS DA 2ª CCAÇ BCAÇ 4610/72


2ª CCAÇ BCAÇ 4610/72, OS TERRÍVEIS


1. Da mais remota aldeia ou simples terra
chegaram aprendizes para a guerra,
à Eborina urbe alentejana.
Três meses lá passados chegou dia
do voo p´ra Guiné que ninguém queria,
p´ra trás ficava o Templo de Diana...


2. Corria o ano dois após setenta,
manhã dia antonino,calorenta,
em terra há corações despadaçados.
No voo baptismal p´ra maioria,
vai tropa dos Terríveis,que escondia,
seus medos peito adentro,bem fechados.


3. Pousada a nave,agreste é a paisagem...
em camiões Berliet se faz viagem
até ao Cumeré, p´ro I.A.O.
Em cada face há rios de suor
vincando esgares e rictos de estupor,
nas rugas desenhadas pelo pó...


4. No Cumeré surgiu nova instrução
com muitos pius saudando a comissão
que ora começavam, coitaditos...
De fardas novas, pele esbranquiçada,
são alvo da chacota e gargalhada
dos velhos que gozavam periquitos...


5. Desajustado,bronco e petulante,
republicano guarda é o comandante
do nosso batalhão de Bissorá.
Destino de Bissum foi libertário
livrando-nos do velho salafrário
a Bula, a administração nos ligará.


6. Bissum passou a ser morada nova
e os nervos aos Terríveis pôs à prova
daí as muitas noites mal dormidas.
Enquanto em casa a música (a) descansa,
no mato ,atirador faz segurança
travando assim as turras investidas...

(a) Pessoal que não ia ao mato


7. A sobreposição foi conseguida,
serena,com quem estava de partida,
de volta p´ra Lisboa, por Bissau.
Pintada fôra a manta com mil perigos
de ataques incessantes inimigos,
buraco...afinal nem era mau...


8. E desse tempo há coisas que ficaram,
partidas/praxe com que nos brindaram,
algumas bem gozadas,vejam bem...
Na messe à noite,em plena cavaqueira
connosco, bem bebido, em brincadeira,
alferes velho,ali,conta vantagem...


9. No mato, embrulhara manga deis...
(recorda pelo menos vinte e seis...)
nalguns sentira mesmo uns sustozitos...
Mostrava o seu galão,com arrogância
ao turra a quem cheirava, inda à distância,
julgando impressionar os periquitos...


10. Aterra no seu braço um vil mosquito
sem respeitar velhice, algo esquisito,
com tanto sangue pira,ali à mão...
A frase foi marcante pois lembrava
que a sua comissão se acabava
e a nossa, acabaria um dia,ou não...


11. Tainadas e petiscos, noite afora,
para empurrar o copo,sem demora
dos piras, p´ra cerveja ,sai a massa...
caçadas p´la velhice, são galinhas
do mato,algo enfezadas, mas durinhas...
que mais não são que abutres p´ra desgraça...


12. O tempo foi passando,devagar,
mais lento que a vontade militar,
até surgir primeiro fogachal...
falhada e curta fôra flagelação
que teve p´ros Terríveis o condão
de ensinamento p´ro perigo real...


13. Primeiro ataque há medo e confusão
que geram caricata situação,
no ar pairavam sustos, grande é o drama...
às quatro morteiradas do inimigo
Terríveis, responderam...do abrigo,
a tiro de espingarda e dilagrama...


14. As balas tracejantes da milícia,
p´ra quem ataque é óptima notícia,
à noite dão um ar de foguetório...
na messe, alto betão protege audazes,
Almeida e Maia,acalmam seus rapazes
formando o grupo frente ao refeitório...


15. Ao pânico de início seguiu logo,
a calma a analisar poder de fogo,
co´a ajuda da milícia sabedora.
Saído da tabanca,Eusébio(b) berra:
- Pára essa merda toda, acaba os guerra
mi misti poupa bala,cá põe fora!!!

(b) milícia


16. Do simples dilagrama, à morteirada,
angústia e raiva ali é despejada,
travado apenas foi grupo terceiro.
Enquanto no quartel,há confusão,
Almeida e Maia formam pelotão
havia que impor ordem no terreiro...


17. Às vezes,lembro aqueles fins de tarde,
a lavadeira ali,fazendo alarde,
dos dotes que lhe deu a natureza...
Bajuda prometida de milícia,
rasgado tem sorriso de malícia,
a torneada Quinta, uma beleza...


18. Coragem mostra ter milícia nova,
por actos de bravura que renova,
a cada compromisso para acção.
Nas notas p´ra Bissau, branca é chefia,
Inchunfla é comandado com mestria,
de cada vez que faz golpe de mão...


19. Milícia velha um dia, por ciúme,
da nova, p´ra quem ronco era costume,
fogueira quis fazer em pleno mato...
a ideia era atrair a turra gente
tomar as suas armas facilmente,
ganhar direito à fama, ao estrelato...


20. Coluna estava imóvel, faz bocado...
de trás, parti, semblante carregado,
à cata do porquê dessa inacção...
- Nós tem que ter fogueira furriel!
Faz frio, manga dele aqi nos pele...
pessoal pá,não guenta a situação
...


21. Está a andar para o quartel,directamente!
Vais lá fazer um fogo que te aquente...
disse eu a Armando, o guia da secção.
- Pessoal tem de ir nos sítio dos bandido
se não vais lá, furriel, ficas fodido,
Armando...pá, faz queixa ao capitão...


22. Cantina foi o ponto de paragem
para aquecer gargantas da friagem
daquela madrugada quase ronco...
Suborno fôra a via que eu usara
travando,com cerveja,a sanha ignara
do pessoal de Armando,guia bronco...


23. Com Marcelino Mata, a lenda viva,
operação fizemos, punitiva,
às tropas inimigas do sector.
Sucesso retumbamte o resultado
do chefe militar, idolatrado,
que olhava os p´rigos, sempre sem temor...


24. Do mato após dois dias regressados,
sofridos, fartos já dos enlatados,
comida,banho e cama são anseios...
Jantar nos negam dando por razão
abono de combate com ração,
sabendo não haver ali mais meios...


25. Do peixe da bolanha e arroz/cimento
que havia alimentado o regimento,
notada foi a ausência do Caseiro.
Já fartos do menú que este dispensa,
Almeida e Maia encontram na despensa
o dito, a comer frango com casqueiro...


26. Com delicado pé, quarenta e cinco,
derruba Almeida a porta chapa/zinco,
com Maia,no apoio,do seu lado.
À guiza de castigo,fica então
contestatário Maia com missão
de vaguemestre,um mês, tendo agradado...


27. Deu frango, em quartos, com batata assada,
ração completamente inusitada,
e vacas extra em compra inolvidável...
A cada copo o preço era espremido,
cigarro tinha acção de lenitivo,
Rebenta Minas(c) fôra inigualável...

(c) Rodrigues


28. Rodrigues, ganadeiro,cá de fora,
que acolitava o Zé (d), a toda a hora,
manteve-se em funções por minha opção.
Provada foi justeza da medida
pois compra à populaça é conseguida
mercê dos seus recursos d´ocasião...

(d) Caseiro


29. P´la vaca são pedidos quatro contos,
cigarro e copo ali ganham descontos,
p´ra reduzir o preço ao animal.
- Mil e quinhentos peso é pouco, pouco...
dou mil,cigarro e copo,não sou louco,
está magra e foi roubada,por sinal...


30. Nos mapas expedidos p´ra Bissau,
Terrivel,capitão daquela nau,
seu nome apunha aos actos mais ousados,
daí governadora rapidez
de olhar o salvador do Cantanhez
em si e seu punhado de soldados...


31. Consolidada a imagem em Bissau,
João Terrível, tido um homem mau
´statuto VIP, granjeou de vez.
Monocular figura,quase mito,
ao empurrá-lo a sul teria o fito,
d´impor a paz na mata Cantanhez...


32. Cafal-Balanta asila meio cento,
garante-lhes espaço/sofrimento,
lugar junto à bolanha, em cova nua.
Dois dias p´ra aramar são preenchidos,
cansados dormirão,enfim,vestidos,
sem tecto,em colchão de ar,a olhar a lua...


33. Indescritível sensação de horror
com noites sem dormir, tal o temor,
desprotegido espaço nos calhara.
A urgência em aramar era ambição,
que todos partilhavam, pois então,
o medo já estampava cada cara...

Manuel Oliveira Maia

[Fixação/revisão do texto/edição: L.G.]

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3882: Tabanca Grande (117): Gumerzindo Caetano da Silva, ex-Soldado Condutor da CART 3331 (Cuntima, 1970/72), que nos lê na Alemanha

(**) Há muitas referências a Cafal no romance do Mário Fitas, já publicado em 'episódios': vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)

domingo, 11 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (21): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCAÇ: Bedanda, Março de 1963 (George Freire)

Mensagem do George Freire, de 30 de Dezembro de 2008

Caro Luís,

Obrigado pelo e-mail e obrigado pela publicação. Não há correcções a fazer.

Infelizmente todas as fotos que tinha da Guiné foram extraviadas, contudo tenho um filme que consegui passar para o meu computador.



Num "processo complicado" tirei fotos do ecrã do computador com a minha máquina digital. As fotos estão um bocado fora de foco, mas é o melhor que consegui fazer.



Durante o Natal de 1961 a minha mulher veio passar um mês a Bissau onde eu estava na altura a comandar uma companhia de nativos. Em Julho de 1962 a minha mulher voltou para a Guiné e passou quase 3 meses no Gabu (Nova Lamego), onde eu comandei uma companhia mista. Do Gabu fui transferido para Bedanda onde ela ainda passou quase um mês, mas nos fins de Dezembro tive que a mandar de volta a Portugal pois as coisas começaram a aquecer demais.

Cadetes da Escola do Exército, em manobras (Sª Margarida ?).

A propósito, as fotos que mandei da última vez, estávamos no último ano do curso na Gomes Freire. O nosso curso foi o segundo a frequentar a EE (Escola do Exército) na Amadora (no primeiro ano). Não me lembro do nome do segundo comandante da EE que está na foto, mas já lá vai tanto tempo...

Seguem mais detalhes do meu diário:

1/3/63:

Hoje pela 09:30 e mais tarde pelas 14:30, pessoal do pelotão do Cabedú sofreu emboscadas respectivamente entre Cafal e Cafine e no cruzamento de Cabante. Na segunda emboscada sofremos um morto e um ferido. Uma viatura Chaimite foi destruída na primeira emboscada. Seguiram dois pelotões reforçados para os locais das emboscadas.

Em Impungueda uma patrulha da CCaç 859 travou contacto com os terroristas e feriu alguns e os outros conseguiram fugir.

2/3/63:

Durante parte do dia de ontem e durante todo o dia de hoje as nossas forças percorreram todo o terreno nas zonas das emboscadas. Encontraram vestígios dos atacantes, fizeram um prisioneiro que tinha tomado parte numa das emboscadas, mas nada mais. O soldado ferido seguiu de avião para Bissau e o morto foi enterrado no cemitério de Bedanda.

O prisioneiro foi interrogado mas poucas informações conseguimos. Foi enviado para o Batalhão para ser interrogado.


3/3/63:


O Comandante Militar veio cá hoje de avião com o segundo Comandante do Batalhão 356. Depois de informados dos acontecimentos dos últimos dias, seguiram para Catió.

4/3/63:

Recebemos informação do batalhão de um possível ataque planeado pelos terroristas a Caboxanque e Emberem [Iemberém ]. Enviei dois pelotões para Emberem e Cadique, ponto de onde, segundo a informação, os terroristas se estavam a organizar para os ataques. Em Caboxanque executámos acções por um pelotão da minha companhia e outro da CCaç 273.

6/3/63:

Fizemos um reconhecimento à zona de Emberem. O alferes Gonçalves encarregou-se de falar aos chefes Fulas de Emberem e discutir a possível mudança das suas tabancas para Bedanda. Há toda a vantagem dessas mudanças para incrementar a protecção da população Fula. Poderemos também formar aqui e em Bedanda um pelotão de uns 40 Fulas, o que nos poderá ajudar substancialmente na segurança da área e aliviar as nossas forças. Os chefes Fulas aceitaram a nossa oferta de braços abertos.

7/3/63:

Começámos o transporte da população Fula de Emberem. Usámos 10 viaturas neste movimento. Calculamos que serão necessárias 3 mais viagens semelhantes.

8/3/63:

Continuação do transporte dos Fulas. Seguiram dois pelotões da CCaç 273 para a região de Salancur.

9/3/63:

Continuação do transporte dos Fulas. Os pelotões da CCaç 273 continuaram a operar na região de Salancur.

Elementos Fulas de Emberem conseguiram aprisionar um nativo que sabiam estava ligado ao movimento terrorista. Quando este nativo (Balanta) foi interrogado aqui na companhia, deu-nos a informação de que elementos terroristas estão no mato de Boche Falace a prepararem um ataque àquela povoação. Enviámos um pelotão da CCaç 273 para a área.

Recebemos também informação, por elementos do Chugué, que um grupo de terroristas bem armado estava concentrado do outro lado da fronteira com a Guiné Francesa, perto da zona de Banta-Sida.

Mais informações recebidas do pelotão de Emberem: cerca de 300 elementos terroristas estavam a preparar um ataque à nossa companhia em Bedanda na madrugada de amanhã.
Dei ordens para que todo o nosso pessoal, (estávamos um pouco desfalcados pois tínhamos 2 pelotões em operações longe de Bedanda), estar em alerta em posições defensivas, já há muito preparadas para eventualidades semelhantes. Foi uma longa noite de nervos, mas o ataque nunca se deu.

10 e 11/3/63:

Acabámos o transporte dos Fulas de Emberem para Bedanda, contudo ainda teremos que transportar abastecimentos e víveres que ainda lá ficaram, em especial uma grande quantidade de arroz. Os Fulas fizeram um outro prisioneiro que, após interrogado, nos deu boas informações sobre o grupo terrorista que tem actuado na zona de Boche Falace: nomes de comandantes, armamentos e locais aproximados do grupo. Este prisioneiro foi enviado para o batalhão.

13/3/63:

Recebemos novas informações sobre um outro possível ataque ao nosso aquartelamento no dia 16 ou 17.

O Benfica venceu o Dukla de Praga para a taça dos campeões europeus. Ouvimos o relato no rádio.

15/3/63:

Chegou um pelotão da CCaç 417 que seguirá para Caboxanque. Enviei uma grande coluna de 10 viaturas para Emberem para trazer o resto dos víveres pertencentes aos Fulas.

16/3/63:

O pelotão da CCaç 417 seguiu para Caboxanque para render o Pelotão 859.

18/3/63:

Chegou o Pelotão 859 que seguirá para Bafatá. A CCaç 273 partiu para Emberem em operações, não se sabendo por quantos dias.

19/3/63:

Visita do major Pina para discutir os pormenores do movimento dos pelotões 859, 870 e 871 para Bafatá. Eu irei a comandar a coluna e voltarei para Bedanda de avião.

20/3/63:

O alferes Mendes seguiu com um pelotão para o Chugué dentro do novo plano de ordenamento dos dispositivos.

22/3/63:

Cabedú enviou uma mensagem informando que os terroristas estavam a planear uma emboscada às viaturas da CCaç 273 que se tinham deslocado para a região de Darsalame. Enviei imediatamente um rádio para o capitão Gaspar com todos os detalhes da informação.

23/3/63:

Chegou outro pelotão da CCaç 417. Seguirá amanhã para Cabedú para render o Pelotão 871, que virá para Bedanda e depois para Bafatá na minha coluna.

(...)

O meu diário, cobrindo os acontecimentos que se passaram entre a minha partida para Bafatá com a coluna, a minha vinda de retorno a Bedanda e as semanas até ao dia 18 de Maio, extraviou-se, infelizmente.

Lembro-me de alguns detalhes de possíveis ataques a Bedanda que, felizmente, nunca se concretizaram. Nós estávamos muito bem preparados, com todo o terreno à volta do aquartelamento (cerca de uns 150 metros), completamente limpo de arvoredo e vegetação.

Tínhamos os morteiros de 60 todos treinados nas áreas prováveis de ataque, além de explosivos enterrados e comandados à distância. Bem no fundo, eu estava com esperança de que os terroristas tentassem um ataque, pois seriam totalmente aniquilados, mas nunca aconteceu, possivelmente porque eles sabiam que tal acção seria muito difícil e arriscada.

No dia 18 de Maio, o capitão Nelson (meu colega de curso) veio render-me. Durante os 4 dias seguintes fiz a entrega da 4ª CCaç ao Nelson e no dia 21 de Maio segui de avião para Bissau.

Ai estive à espera de transporte e finalmente no dia 27 de Maio parti de volta a Portugal no navio da CUF “Ana Mafalda”.


O resto é história.

__________

Notas de vb:

1. Artigos de George Freire, o nosso "Mais Velho", em

10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

2. Blogue de George Freire (informática e electrónica):