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quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16464: Agenda cultural (497): Festival Todos 2016, Lisboa, Colina de Santana, Campo dos Mártires da Pátria, de 8 a 11 de setembro de 2016: Destaque para a peça de teatro documental "Portugal não é um país pequeno", de e com André Amálio, na Academia Militar, Rua Gomes Freire, hoje (21h00), sábado (17h00) e domingo (19h00): entrada gratuita, limitada a lotação do espaço (140 lugares)... Há também visitas guiadas à Academia Militar no âmbito do festival. Muitas dezenas de eventos: Festival Todos... para Todos, em 8ª edição


Cartaz do festival Todos 2016, Lisboa, Colina de Santana, Campo dos Mártires da Pátria, de 8 a 11 de setembro de 2016.~




"Criado em 2009, o TODOS-Caminhada de Culturas tem afirmado Lisboa como uma cidade empenhada no diálogo entre culturas, entre religiões e entre pessoas de diversas origens e gerações. O TODOS tem contribuído para a destruição de guetos territoriais associados à imigração, abrindo toda a cidade a todas as pessoas interessadas em nela viver e trabalhar."



Destaque: 

Teatro Documental 

PORTUGAL NÃO É UM PAÍS PEQUENO 
André Amálio | Hotel Europa PORTUGAL 

8 SET – 21h00 | 10 SET – 17h00 11 SET – 19h00 [duração 90 min] M/12

Academia Militar – Rua Gomes Freire 

Sinopse1

Portugal sofreu a mais longa ditadura fascista da Europa (48 anos), 
e o mais persistente império colonial (500 anos). 
Partindo dos testemunhos de antigos colonos portugueses entrevistados pelo autor, 
este espetáculo de teatro documental reflete sobre a ditadura 
e a complexidade do fim do colonialismo português. 
Reproduzindo fielmente as suas palavras, 

André Amálio explora situações onde pessoas reais contestam 
e reconstroem identidades culturais. 
Um contributo para a reescrita da história 
e transmissão da memória entre  gerações.

Sinopse2:

Espectáculo que reflete sobre a ditadura e a presença portuguesa em África, 
em particular a vida dos antigos colonos portugueses 
através dos seus testemunhos reais. 

O texto deste espectáculo foi criado através de um processo de verbatim, 
que significa copiado palavra por palavra, 
o que se traduziu na escrita de um texto de teatro
 que utiliza fielmente as palavras das pessoas entrevistadas 
sobre a sua vida em África no Período Colonial Português. 

A metodologia seguida combinou a recolha de testemunhos dessas pessoas 
e uma detalhada pesquisa de historiográfica, 
criando um texto que retrata a complexidade da história recente em Portugal, 
no caso do fim do colonialismo português. 

 Com este trabalho quero investigar histórias reais 
que se tornaram memórias 
e que com o tempo foram herdadas; 
estou interessado em situações onde as pessoas reais 
contribuem para contestar e reconstruir identidades culturais; 
estou interessado na forma como o teatro pode contribuir para a reescrita da história, 
dando voz a um grupo silenciado, 
trabalhando assim na transmissão da memória entre gerações.

André Amálio

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16456: Agenda cultural (496): Rui Tavares apresenta, na FNAC Chiado, Lisboa, 5ª feira, dia 8, às 18h30, o livro "Os Quatro Cantos do Império", de André Canhoto Costa




Sinopse > " Esta é a história de um cão. E do pastor que visitou os quatro cantos do império português para o encontrar.
O século XV está a chegar ao fim. As cidades de Portugal fervilham de comércio, e por todo o lado, rugem as serras dos construtores navais.

Esta é a história de Lopo, um jovem pastor, com gosto simples e pensamento rápido. A sua felicidade está em levar as cabras ao monte e correr na praia com Guiomar, filha de um Conde. Lopo e Guiomar andam sempre na companhia do Latido, um magnífico cão de água. Até ao dia em que um capitão de caravela, ao regressar da Guiné, é recompensado pelo pai de Guiomar com a oferta do Latido. A perda do animal tira à jovem a vontade de viver. E Lopo decide seguir esse capitão para recuperar o cão e, com ele, o sorriso de Guiomar.

Da cidade de Lagos à praça de Ceuta, das praias de Calecute às florestas do Brasil, Lopo visita os quatro cantos do império, arrastado pela navegação oceânica, pelos desígnios dos almirantes, os caprichos dos capitães e os sonhos do rei de Portugal.

Depois do cárcere e da traição, da violência dos mamelucos e voluptuosidade dos hindus, da sobriedade dos nómadas e pureza canibal dos índios… será que Lopo regressará a Portugal?
E o que aconteceu com o Latido?"



1. Mensagem de Margarida Damião, da editora Saída de Emergência:


Data: 5 de setembro de 2016 às 16:43
Assunto: Rui Tavares apresenta "Os Quatro Cantos do Império",  de André Canhoto Costa


Boa tarde,

Esta quinta-feira Rui Tavares apresenta Os Quatro Cantos do Império de André Costa.

Um livro que nos transporta de Lagos até à Praça de Ceuta, das praias de Calecute às florestas de Brasil, os protagonistas da história visitam os quatros cantos do império , arrastados pela navegação oceânica, pelos desígnios dos almirantes, os caprichos dos capitães e o sonho do rei de Portugal.

Aproveite para falar com André Costa e conhecer esta aventura onde o cão Latido e jovem Lopo são os heróis desta história.


Obrigada!

Margarida Damião
Dir. de Comunicação
margarida@ed.saidadeemergencia.com
tel. 96 344 19 79


Taguspark, 
Rua Prof. Dr. Aníbal Cavaco Silva, 
Edifício Qualidade - Bloco B3, Piso 0, Porta B,
2740-296 Porto Salvo, Portugal
Tel: +351 21 458 3772 / www.sde.pt

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Nota do editor:

Último poste da série >  31 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16433: Agenda cultural (489): Amanhã, dia de 1 setembro, estreia nos cinemas o filme, de Ivo M. Ferreira, "Cartas da Guerra", baseado nas cartas de amor e guerra de António Lobo Antunes, ex-alf mil médico, da CART 3313 (Angola, 1971/73). Descontos especiais para grupos de ex-combatentes e séniores

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16379; Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (47): todas as colonizações são más, até aquelas que os portugueses começaram... e outros, "brancos, amarelos e negros" estão continuando... E vivam os guaranis do Brasil que se recusam a ir aos Jogos Olímpicos do Rio 2016


 Capa de publicação conjunta do IBDE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e a FUNAI - Fundação Naciobnal do Índio, com dados sonbre o censo Demográfico de 2010. Disponível aqui em formato pdf


["O Censo Demográfico 2010 contabilizou a população indígena com base nas pessoas que se declararam indígenas no quesito cor ou raça e para os residentes em Terras Indígenas que não se declararam, mas se consideraram indígenas. O Censo 2010 revelou que, das 896 mil pessoas que se declaravam ou se consideravam indígenas, 572 mil ou 63,8 %, viviam na área rural e 517 mil, ou 57,5 %, moravam em Terras Indígenas oficialmente reconhecidas"].


Mensagem: António Rosinha  | Data: 9 de agosto de 2016 às 23:40

Assunto: Todas as colonizações são más, até aquelas que os portugueses começaram... e outros, "brancos, amarelos e negros" estão continuando,.,



Talvez as colonizações entre os povos, sejam inevitáveis, ontem hoje e  amanhã, talvez seja um "mal necessário", mas que são um mal isso são.

Os homens apenas deviam colonizar (dominar, explorar) terras  desabitadas, isto é, nunca dominar nem explorar ninguém,

Por exemplo, o caso daquilo que geograficamente é Portugal  Continental, que foi colonizado por Romanos, Mussulmanos e hoje nem se sabe que idiomas se falavam por aqui, não há direito que alguns homens  estranhos nos obriguem a ser igual a eles, na fé, na fala, no vestir,  no casar e no habitar, quando estamos na nossa terra e não na terra  deles e em que a própria cultura e história passada desaparece, isso tudo vai acontecer em imensos territórios colonizados onde também vai
desaparecer a história e a língua actual, apesar dos conhecimentos  técnicos modernos.

Colonizar é sempre um conflito entre quem o pratica e quem o suporta.

O caso da Guiné, é um exemplo (suave) daquilo em que África colonizada  se vem «metamorfoseando», com muitas inadaptações.

Embora a Guiné seja vítima do trauma da colonização e consequentemente  do trauma da descolonização e se lhe atribua internacionalmente uma  imagem de ingovernabilidade (Estado falhado) talvez haja países ainda  mais complicados em África e mesmo na América latina.

No caso da Guiné, houve a colonização portuguesa, seguida de uma  autêntica «reciclagem colonial» protagonizada por inúmeros países, com  especial protagonismo da Suécia e União Soviética, até estes  desistirem e sobressaírem outros países e organismos vários não  governamentais com o mesmo entusiasmo a "ajudar" na reciclagem  colonial, mas com outros nomes.

Pelo menos tal como fizemos nós, os Portugueses e Caboverdeanos,  na  Guiné Bissau, e a seguir vieram muitos outros (Suécia, Rússia,  França, EUA, etc.=, que segundo essa gente foram ensinar os Guineenses,  aquilo que os Portugueses não ensinaram em 500 anos, como diz toda a  gente aos guineenses durante os últimos 40 anos, tudo foi errado e  até criminoso, mas pior, quando é ensinar à pressão e à pressa  obrigar a aceitar religiões políticas e usos e costumes, totalmente  estranhos às pessoas atingidas, aí a violência é ainda maior..

Também no caso da colonização cristã e árabe na África subsariana,  (ou mesmo nas Américas com os índios) foi tudo muito mau, e a nossa  geração ainda testemunhou ou participou em alguma dessa colonização,  pelo menos 13 dos 500 anos que os portugueses andaram pelo além-mar.

Foi tudo tão mau nas colonizações, que ainda hoje, que se disputam no  Rio de Janeiro os jogos olímpicos (gregos)e até hoje ainda não vimos  nenhum atleta Guarani,  dono do "tchon" do Maracanã, candidato a  medalhas.  no entanto já não se pode dizer o mesmo de imensos  afro-americanos e africanos, que assimiliraram e se submeteram a toda  a cultura greco-romana que portugueses e outros europeus inculcaram  nesse povo.

Os Guaranis preferiram morrer do que ser brasileiros, correr os 100  metros em 10 segundos, morar numa favela, ou dançar o samba no  carnaval nem falar Carioca

Os homens, no mundo inteiro, deviam poder viajar, comunicar entre si,  aceitar a presença do outro, mas nunca impôr a própria vida à vida  dos outros, quer seja à força com guerra, ou na conversa e na
corrupção, que foram sempre os processos mais usados.

Se os Guaranis quisessem correr no Maracanã, em Jacarepaguá ou em  Itaguaí, à caça ou fazer canoagem à pesca na baia da Guanabara, porquê  aquela confusão dos jogos olímpicos de betão armado, com o mundo  inteiro a poluir um dos lugares mais belos do mundo?

O mundo cristão querer impôr aos africanos subsarianos e índios, que  nem sabiam quem era Cristo, leis e hábitos que já nem os cristãos  respeitam hoje, foi demais.

Vejamos, proibir a poligamia, obrigar a cobrir o corpo com roupas,  substituir as palhotas por casas de pedra, abandonar feitiçarias e  muitas outros hábitos que os próprios cristãos hoje, até adoptam para
eles próprios, todas essas imposições foi muito violento  psicologicamente, quando não fisicamente, com castigos corporais.

Apesar de hoje, certas maneiras europeias e árabes modernas queiram  ser impostas "como sendo direitos humanos" em África, e muitos velhos  régulos africanos não gostem nem compreendam, e vão ter que adoptar como foi com as religiões da idade média, isso também é colonialismo
imposto.

Agora o moderno são a burka e a homossexualidade e outras novidades a  chegar a África ainda a viver em palhotas, mas já com telemóveis e TV  a explicar, isso também é colonialismo.

Pior do que explorar as riquezas naturais das terras dos africanos ou  dos índios das Américas, ou mesmo das tribos do Médio Oriente é querer  convencer esses povos que a civilização deles é inferior à de outros  povos e convencê-los a trocar os valores da sua cultura pela cultura do outro, seja ele colono, benemérito, doador, cooperante ou dador, é  tudo colonizar.

Existe um complexo de inferioridade encaixado na memória de alguns  povos de ex-colónias lusófonas, que praticamente não se dá nas  ex-colónias francófonas e anglófonas.
É-lhe dito aos Guineenses, Angolanos e todos os outros, que além de  terem suportado a colonização imposta pelos portugueses, ainda têm que  sofrer a tal espécie de «reciclagem colonial» imposta por outros que  vêm « ajudar» a completar o desenvolvimento que a "incapacidade  colonial" portuguesa não conseguiu fazer em condições nas antigas colónias.

É um fenómeno que se dá também no Brasil, em que o povão chega (hoje  2000 DC) a levar uma ensaboadela cerebral de tal ordem, em que  suportando toda a espécie de exploração económica e de corrupção  governativa e toda a violência de um capitalismo internacional e  levados a aceitar tudo como uma fatalidade porque:

Tiveram o azar de "ser colonizados pelos atrasados portugas que  roubaram todo o ouro, mataram os indíos, amancebaram-se com mulatas e  negas" e deixaram o país cair nesta desgraça, que até tinha
potencialidades para ser mais importante que a América do Norte (EUA)

No Brasil, o termo de comparação preferido são sempre os EUA, faz  parte da ensaboadela cerebral.

Isto também é uma reciclagem colonial.

Haverá sempre povos a quererem sobreporem-se a outros, e nem sempre  haverá "alguém que diz não".

Como também fui colonialista, (funcionário da Administração colonial  em Angola), gostei de ser um portuga, fraco colonialista e também  participei na reciclagem colonial juntamente com alemães, franceses e  suecos e italianos na Guiné Bissau, assino aquilo que escrevo e a que  assisti, até no Maracanã vi o Pélé, e nem um Guarani vi naquele  estádio cheio.

Cumprimentos e só publiquem se não escandalizar ninguém

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Nota do editor:

Último poste da série  > 25 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16331: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (46): Quando Bismarck, Leopoldo II e as outras potências, Inglaterra e França (Cecil Rodhes e outros) dividiram África em Berlim, estavam-se nas tintas para os africanos... Ensaiaram depois o neocolonialismo a que chamaram independência

sábado, 17 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15260: Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar em África, etc.: legislação régia (1603-1910) (2): "Que todos os que teuerem escrauos de Guinee os baptizem"... (Ordenações manuelinas, decreto de 1/1/1521)... Em busca do rei (cristão ?) de Guandem e Sará (Carta régia de 17/6/1603).




Portugal > Assembleia da República > Legislação régia > Ordenações manuelinas > Decreto de 1 de janeiro de 1521 >  Que todos os que teuerem escrauos de Guinee os baptizem
Sem Entidade, Livro Livro V.

Nesta época, e mais concretamente em meados do séc. XVI,  um em cada dez lisboetas era escravo (c. 10 mil em 100 mil habitantes). E temos uma ideia relativamente rigorosa das humildes ocupações ou profissões: lavadeiras, aguadeiras, vendedoras, varredores de ruas,  moços de fretes... Em termos demográficos, representavam uma compensação muito importante pela perda de homens que partiam para "a aventura dos Descobrimentos"... No Algarve, com graves problemas crónicos de despovoamento, os escravos trabalhavavam na agricultura... Estima em 2400 o número de portugueses que partiam, por ano, definitivamente para o ultramar, durante o séc. XVI... Foi uma sangria demográfica brutal...

Grande parte destes escravos eram oriundos da Guiné  (vasta região da costa ocidental de África  descoberta e explorada  pelos portugueses, a partir da dobragem do cabo Bojador, em 1434, conseguida por Gil Eanas: grosso modo, a Guiné começava no rio Senegal, que separava os "negros" dos berberes "mouros" do deserto do Sará, e ía até ao atual golfo da Guiné,  designando portanto um território muito mais vasto do que a atual Guiné-Bissau, que,como é sabido, é do tamanho do nosso Alentejo...

O tráfico luso-africano de escravos nasce ou intensifica-se, segundo os  historiadores, com a criação, em 1448, da feitoria de Arguim, na costa da atual Mauritânia. E diz-se luso-africano porque os traficantes não eram apenas os portugueses mas também os africanos.... Na costa senegalesa, os portugueses trocavm cavalos por escravos. O cavalo dava aos traficantes uma superioridade militar imprescindível para o sucesso das expedições de captura de escravos no interior do continente... Mais do que o ouro, o comércio de escravos tornou-se, para os portugueses que partiam "para dilatar a fé e o império", a principal fonte de lucro... De qualquer a história da escravatura não é linear, nem poderá ser vista à luz dos nossos valores de hoje... Em países muçulmamos como a Mauritãnia a escravatura só foi abolida oficialmemte... em 1980. No caso de África, as suas consequências foram trágicas, e ainda hoje é não é pacífica a estatística da escravatura... Cristãos e muçulmanos foram os grandes predadores dos povos africanos, essa é uma verdade histórica indesmentível. Mas também é verdade é que sem os escravos negros de África não teria sido possível a colonização do Novo Mundo, as Américas (15 milhões ? 5 para a América do Sul, 5 para a América do Norte, 5 para a América Central/ Caraíbas)... LG





Portugal > Assembleia da República > Legislação régia >  Carta Régia, 17 de junho de 1603
Carta Regia com esclarecimentos ácerca do Rei e Reino de Guandem, Guiné | D. Filipe II (1598-1621), Livro 1603-1612.

Onde ficaria, na Guiné,  esse reino de Guandem e Sará cujo rei, Dom António Gundão, seria cristão  ? Não encontro qualquer referência nos meus livros de história nem na Net... [LG]

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14306: Notas de leitura (685): “Crónica do descobrimento e conquista da Guiné”, por Gomes Eanes da Zurara, adaptação de Frederico Alves, edição da Agência Geral das Colónias (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Maio de 2014:

Queridos amigos,
Esta adaptação da “Crónica do descobrimento e conquista da Guiné”, publicada em 1944, oferece ao leitor uma visão acalorada de um poderoso panegírico onde se exalta o projeto henriquino, etapa por etapa.
Descobriu-se posteriormente que a cronologia das expedições não foi o ponto forte de Zurara, de tal sorte que ainda hoje não é precisa a data da chegada à Guiné como a conhecemos.
Seja como for é um documento vivacíssimo, exaltado, cedendo a fábulas como a chegada dos navegadores ao rio Nilo, cantada com a maior das exaltações. Zurara escreveu um dos bilhetes de identidade da Guiné, a sua crónica é um desses documentos imorredoiros para a história de Portugal e da Guiné-Bissau, vale a pena, ao menos, conhecer-lhes alguns aspetos capitais.

Um abraço do
Mário


O romance da conquista da Guiné contado a rapazes (2)

Beja Santos

Aqui se continua e finda a recensão quanto ao “Romance da Conquista da Guiné”, uma adaptação da “Crónica do descobrimento e conquista da Guiné”, por Gomes Eanes de Azurara, feira por Frederico Alves, publicação da Agência Geral das Colónias em 1944.

Os descobrimentos henriquinos tomam um rumo imparável, toda a costa está mapeada até ao Cabo Branco, é preciso ir mais longe, o Infante confia a Gonçalo de Sintra uma caravela, diz-lhe para ir direito à Guiné, a bordo vem um gentio que a seu tempo se escapulirá. A caravela vai até à ilha de Naar, mal fundeados, mandou o capitão arrear o batel, rumou-se para a praia, esperou-se pelos mouros. Vieram como inimigos, lutou-se rijamente. Nesse dia, ali ficou morto Gonçalo de Sintra e mais sete. E regressou-se a Portugal. O Infante não desiste, nomeia Nuno Tristão que vai até às ilhas por onde Lançarote, almoxarife de Lagos, andara. Segue-se Dinis Dias em demanda da terra dos negros conhecidos por guinéus, e Zurara escreve:  
“E falando em guinéus, convém não perder de memória que se chamou Guiné a todas as terras primeiramente descobertas na linha da costa Ocidental de África. Não porque todas sejam, na verdade, uma só terra; pelo contrário, fazem diferenças umas das outras”.

Dinis Dias velejou até à vista de um grande cabo a que puseram o nome de Cabo Verde (não confundir com o nome do arquipélago só muito mais tarde deixado).

Talvez em 1445, aparelharam-se duas caravelas por mandado de D. Afonso, Regente do Reino, confiadas a Antão Gonçalves e Diogo Afonso, e largaram para o Rio do Ouro, à busca de indígenas que pudessem converter ou mercadejar, a expedição não teve sucesso, João Fernandes ficara no Rio do Ouro, foi viajar com os nómadas, procurava novidades de alguns reinos de África.

Antão Gonçalves pediu ao Infante para ir até ao Rio do Ouro buscar João Fernandes, prometendo trazer carregamento que pagasse todo o gasto da viagem, e assim foi, Antão Gonçalves, Garcia Homem e Diogo Afonso partiram para a Madeira, o mau tempo separou as caravelas, só se juntaram no Cabo Branco e depois reencontraram João Fernandes, regressaram carregados de homens e desembarcaram os cativos em Lisboa.

O relato de Zurara possui enorme vivacidade, colorido e até moralístico, como se pode ver na expressão “a vida humana é como uma roda que ora gira na direção da fortuna ora na desgraça”. Encerra o essencial de todo o projeto henriquino, quando necessário mostra o heroísmo dos homens da casa do Infante, com uma descrição de Gil Eanes, Cavaleiro de Lagos, a lançar-se contra os mouros, quando se lançaram na terra de Zaara.

É por demais sabido que estes descobridores viajavam verdadeiramente em terra incógnita. E tal como no passado recente Dinis Dias assinalara que ali começava a terra dos negros, esta expedição que passou a terra de Zaara julgou ter chegado a um braço do Nilo. Tinham descoberto água doce e alguém observou que estariam perto do Nilo e dá-se uma cena de combate entre um guinéu e um português, episódio rocambolesco, assim contado:  
“À vista do guinéu, troncudo, membrudo, de estatura grada, o português, miúdo e delgado, foi para ele, de um salto, e pendurou-se-lhe nos cabelos. O negro era teimoso e valente, e, embora, achasse, espantado, que escarneciam da sua corpulência, por mais voltas que desse não conseguiu libertar-se, que o marinheiro parecia um galgo dependurado na orelha de um touro possante”.

E no meio da fantasia de que se tinha chegado ao Nilo, Zurara é luxuriante na descrição, que ultrapassa todos os níveis da fantasia:  
“O Nilo é o rio das maravilhas, o rio mais nobre do mundo, e a sua grandeza foi cantada pelos sábios da Antiguidade.
Dizem alguns que ele nasce ao pé do Mar Vermelho e dali corre, para o Ocidente, através de muitas terras, e formando, no meio, a Ilha de Meroe. Nesta ilha, do senhorio da Etiópia, há uma cidade outrora chamada Sabá, ao tempo em que o faraó do Egipto lá enviou Moisés. Foi Cambises, rei da Pérsia, quem lhe pôs este nome.
Chegando o Nilo a Meroe, dali se encaminha para o Norte e, do setentrião, volta ao meio-dia; e em certas estações do ano transborda do leito e inunda os campos do Egipto”.

Prosseguem as refregas, reencontram-se as caravelas, regressam os navios a Lagos, mas a impaciência para regressar à costa da Guiné é enorme. E Zurara descreve a valentia de Nuno Tristão que partiu para a terra dos negros e que sessenta léguas além do Cabo Verde ordenou que se entrasse num rio, saíram em batéis e enfrentaram doze embarcações com oitenta guinéus, armados de frechas. E Zurara escreve lamentoso:  
“No fim de contas – Deus louvado – dos vinte e dois homens dos batéis, apenas dois ficaram sãos. E dos sete da caravela que primeiro escaparam, dois caíram trespassados ao levantar dos ferros e jazeram vinte dias às portas da eternidade (…) Assim acabou, o nobre, valente cavaleiro Nuno Tristão, que muito amava a vida; e também João Correia, Duarte de Holanda, Estevão de Almeida e Diogo Machado, fidalgos que o Infante criara na sua Câmara; e outros escudeiros e peões e mareantes e demais gente da companha.
Então, os corpos foram atirados ao fundo dos mares, sepultas suas carnes já frias nos ventres dos peixes vorazes! Mas que importa o túmulo? É igual que sejamos lançados à terra, como às águas, que nos devorem os peixes ou as aves! Felizes dos que morrem com Deus! E se os leitores desta história orarem por Nuno Tristão e pelos outros portugueses, tais mortes tornaram bem-aventuradas!”.

E diz Zurara que o Infante chorou tamanha perda, pois a quase todos criara, em sua casa, desde meninos.

Aqui e acolá, Zurara deriva para outros episódios, como é o caso das Ilhas Canárias, fala da Madeira e do Porto Santo e de novo regressamos à terra dos negros, como Gil Eanes como capitão. No Cabo do Resgate tomaram 46 mouros e houve escaramuças. Para trás ficara o episódio de na região da Guiné, num imenso paul, Diogo Afonso e mais quinze, passaram à frente dos outros e penetraram num arvoredo muito denso e foram surpreendidos, de través, por uns guinéus armados de azagaias, e Zurara escreve:
“Então, correu sangue da nossa gente das terras de África, pois quis a má fortuna que, de sete feridos, morressem logo cinco – dois portugueses e três estrangeiros, dos que acorriam de longe, tentados pela fama de aventuras, e pela largueza de alma do senhor Infante”.

O relato encaminha-se para o seu termo, sempre ziguezagueando na cronologia. Em 1447, o Infante envia caravelas a um lugar chamado Meça, lá voltaram João Fernandes, que vivera sete meses entre os naturais da terra de Zaara, e Diogo Gil, e Rodrigueanes, entre outros, houve tempestade e tiveram que regressar ao reino. E assim escreve Zurara:
“Foram correndo os anos; e, à medida que passavam, tanto se acostumaram os moradores de Lagos, por aquelas terras de mouros, e tamanha confiança ganharam, por sobre as ondas do oceano, que já os homens não se contentavam em viajar até África para guerrear os infiéis e dilatar a lei de cristo. Mas até houve alguns pescadores que abandonaram os lugares conhecidos de seus pais e avós e foram deitar as redes no mar africano. Muitos dos que na conquista de Guiné se esforçaram, puderam ver, por lá, as águas coalhadas de peixe; e, ao tornarem, rogaram a D. Henrique permissão de longínqua pescaria”.

Zurara findou a sua crónica em 18 de fevereiro de 1453. O documento que escreveu é peça fundamental para a história dos descobrimentos henriquinos. Continua a ser polémico, nesta extensa e nebulosa costa da Guiné, saber quem chegou e quando à terra dos negros, os historiadores debatem e não se entendem quanto à data rigorosa da chegada ao que foi a Guiné onde tivemos praças e presídios até que no século XIX se deu a ocupação e nasceu aquela Guiné que é hoje a Guiné-Bissau.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14286: Notas de leitura (684): “Crónica do descobrimento e conquista da Guiné”, por Gomes Eanes da Zurara, adaptação de Frederico Alves, edição da Agência Geral das Colónias (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14211: Memória dos lugares (285): Fortaleza da Amura, estátua de Diogo Gomes, ponte cais de Bissau e edifício da Alfândega (Arménio Estorninho / Agostinho Gaspar / António Bastos)


Guiné > Bissau > c. 1970 > Fortaleza da Amura, ao fundo,  vista da ponte cais


Guiné > Bissau > c. 1970 > Muralhas da fortaleza da Amura (aldo sul), junto à avenida marginal; do aldo direito (não vísível da imagem) a praça de Diogo Gomes (navegador português do séc. XV)

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 Guiné > Bissau > c. 1970 > Praça e estátua de Diogo Gomes frente à ponte cais de Bissau... Ao fundo, muralhas da fortaleza da Amura. Segundo Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura colonial do Estado Novo, o pedestal (agora vazio) da estátua do Diogo Gomes ainda lá está, tal como a inscrição, um exerto do canto VII dos Lusíadas, "Mais mundo houvera"... O pedestal é obra do Gabiente de Urbanização do Ultramar. A estátua (removida para o forte do Cacheu) deve ser da autoria do escultor Joaquim Correia, autor de monumento análogo que ainda hoje está de pé na cidade da Praia, Cabo Verde. Esta e outras estátuas (Honório Barreto, Nuno Tristão, Teixeira Pinto) faziam parte de "um escrupuloso programa de 'aformoseamento' do espaço público", integrado nas comemorações do 5º centenário do desembarque de Nuno Tristão. na altura do governo de Sarmento Rodrigues (1945-48). No entanto, a colocação das estátuas destas figuras históricas da colonização só será efetuada na segunda metade da década de 1950 [Vd. Ana Vaz Milheiro - 2011, Guiné-Bissau. Lisboa, Círculo de Ideias, 2012. (Coleção Viagens, 5), pp. 32-33].




Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura > c. 1970 > Vista do lado sul, ou seja, do Rio Geba. Entre o rio e a Amura ficava a praça de Diogo Gomes (com a respetiva estátua do navegador da casa do Infante Dom Henrique, tal como Nuno Tristão) e o porto de Bissau (à direita o cais do Pidjiguiti, não vísível na imagem,  e à esquerda a ponte-cais de Bissau onde muitos de nós desembarcámos...).

Fotos do álbum de Arménio Estorninho, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, IngoréAldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70.

Fotos: © Arménio Estorninho (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



Guiné > Bissau > s/d > Vista aérea da Ponte Cais, e de parte da zona ribeirinha da Bissau Velha: à direita o edificio da Alfândega, em frente a praça e a estátua de Diogo Gomes e portão de armas e as muralhas (lado sul) do forte de São José da Amura (, coberto de seculares poilões)... Do lado esquerdo (e já não visível na imagem) ficava o cais do Pidjuiguiti.

A ponte-cais do porto de Bissau  (obra emblemática do governo de Sarmento Rodrigues, re,omtando o início das obras a julho de 1948) é inaugurada em 1953 por Raúl Ventura, subsecretário de estado do Ministério do Ultramar, sendo Sarmento Rodrigues ministro da tutela.

Pormenor de: Bissau. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 119" . (Edição Foto Serra, COP 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL).


Guiné > Bissau > s/d > Vista  da ponte-cais (ou porto) de Bissau, a partir da praça Diogo Gomes).

Pormenor de: Bissau. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 119" . (Edição Foto Serra, COP 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL).

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Guiné > Bissau > s/d  [c. 1960/70] > Pormenor de monumento a Diogo Gomes (às vezes confundido com Diogo Cão) e Edifício das Alfândegas > Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 136". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal).


Colecção do nosso camarada, natural do concelho de Leiria, Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72,  Mansoa, 1972/74),





Guiné > Bissau > s/d > Edifício da Alfândega. Cortesia de Instituto de Investigação Cientifica Tropical, Arquivo Histórico Ultramarino [Calcada da Boa-Hora, nº 30. 1300-095 Lisboa Portugal].  Foto editada por LG.

[Embora o edifício seja estadonovista, e seguramente da autoria de um arquiteto do Gabinete de Urbanização do Ultramar, não sei quem ele é, nem em que data exata foi construído. Pode ser que algum leitor nos ajude... Vd. Milheiro, Ana Vaz, e Dias, Eduardo Costa - A Arquitectura em Bissau e os Gabinetes de Urbanização colonial (1944-1974). usjt - arq urb , nº 2, 2009 (2º semestre), pp.80-114 [Disponível aqui em pdf ]

O nosso camarada Mário Dias que acompanhou o progresso de Bissau,nos anos 50, na época pós-Sarmento Rodrigues, faz explicitamente referência ao edifício da Alfândega, sito na nova zona portuária: "Outras obras importantes para o progresso de Bissau foram realizadas. As novas instalações da Alfandega e armazéns portuários junto à nova ponte cais, o novo hospital, (hoje Simão Mendes), a nova estação dos correios, renovação de toda a iluminação pública, abertura de novas ruas e avenidas, o quartel dos bombeiros, o novo cinema da UDIB, a sede do Benfica, a sede da Associação Comercial (hoje do PAIGC) e demais realizações que estavam, embora lentamente e com muito atraso, a trazer Bissau para a 'civilização' ".









Cortesia de Vd. Milheiro, Ana Vaz, e Dias, Eduardo Costa - A Arquitectura em Bissau e os Gabinetes de Urbanização colonial (1944-1974). usjt - arq urb , nº 2, 2009 (2º semestre), pp.80-114 [Disponível aqui em pdf ] (Como se vê da figura acima, o edifício da Alfândega é um dos que não está ainda datado...)



Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho, com as ruas rebatizadas pelo PAIGC > 1975 > Planta da cidade > Localização de: (i) fortaleza da Amura; (ii) cais do Pidjiguiti (à esquerda); e (iii) porto de Bissau (à direita)... Alguns camaradas confundem, por vezes, a ponte-cais de Bissau com o cais do Pidjiguiti (para sempre associado aos acontecimentos de 3 de agosto de 1959)..

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)




Guiné-Bissau > Regão de Cacheu >Cacheu > 3 de Março de 2008 > A estátua de Diogo Gomes, agora em depósito na antiga fortaleza portuguesa do Cacheu...


Foto: © António Paulo Bastos (2009). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14177: Notas de leitura (673): “O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Janeiro de 2015:

Queridos amigos,
As imagens com guineenses publicadas neste assombroso empreendimento de investigação que dá pelo nome de “O Império da Visão”, com organização de Filipa Lowndes Vicente, faz-nos meditar sobre as expedições científicas e a surpreendente aliança de políticos nacionalistas portugueses com o credo maometano.
A Guiné tinha um peso específico no imaginário imperial: um surpreendente mosaico étnico num espaço tão exíguo; a fidelidade dos Fulas e dos Mandingas depois das operações de pacificação, que se prorrogou até à independência; e o facto de ter sido a primeira colónia europeia dos tempos modernos. Isto para já não falar do sentimento associado ao derramamento de sangue, tudo custou sangue, dor e doença, basta pensar na construção da Fortaleza de S. José de Bissau.

Um abraço do
Mário


Fotografia no contexto colonial português: o caso da Guiné(*)

Beja Santos

“O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014, é um extraordinário empreendimento historiográfico que coloca a imagem fotográfica em lugar cimeiro das fontes de investigação no nosso tempo. Como se escreve na contracapa: “A fotografia não foi uma mera ilustração das colónias. A fotografia criou experiências coloniais. Os estudos recentes sobre colonialismo reconhecem como, ao lado da documentação escrita, as imagens são determinantes para se compreenderem e estudarem os impérios. É por isso que esta aventura visual sobre o império português permite um ousado entrelaçamento de olhares: a fotografia como um instrumento inseparável dos vários saberes científicos que usaram as colónias como laboratório, da história natural com a antropologia ou à medicina; a fotografia como prova de violência ou de intimidação, afirmando o poder durante as guerras coloniais; a fotografia apropriada pelos sujeitos colonizados, mas também por europeus anticolonialistas, enquanto forma de resistência, no forjar de identidades nacionais”.

Falámos anteriormente da leitura da fotografia vista por pessoas que se combateram durante uma terrível guerra como foi a da Guiné: gente do PAIGC e gente que se pôs debaixo da bandeira portuguesa. Agora pretendem-se duas incursões bem distintas, olhar para fotografias da missão antropológica e etnológica da Guiné (1946-1947) e apreciar imagens de guineenses ou de muçulmanos que passaram por Portugal a pretexto de exposições coloniais, de prémios ou de viagens de muçulmanos a Meca.

O professor Mendes Corrêa era um dos mentores de uma antropologia que hoje está totalmente desacreditada. Ele escreveu um livro que teve sucesso no tempo, Raças do Império, que foi divulgado pela Editora Portucalense em fascículos colecionáveis, num total de 625 páginas, entre 1943 e 1945. Mendes Corrêa acreditava no caráter distintivo das raças e não escondia a sua convicção na superioridade dos brancos. Ele chega à Guiné num período científico febricitante: a missão Geo-Hidrográfica, Zoológica, Antropológica e Etnológica da Guiné, entre 1944 e 1946. Bissau acolhera a Semana do Império, em 1943, o V Centenário dos Descobrimentos da Guiné tiveram o seu epicentro em Lisboa mas comemoraram-se com distinção em Bissau, em 1946; a 2.ª Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais, em 1947, são algumas dessas manifestações. Isto para significar que quando Mendes Corrêa chega à Guiné havia investigação e divulgação científica, contactos com organismos internacionais, e aspirava-se à constituição do Museu da Guiné Portuguesa. Da sua viagem à Guiné publicou-se um livro Uma jornada científica na Guiné Portuguesa, onde ele fala do estudo das etnias locais, recorreu a equipamento antropométrico transportado de Lisboa. O cientista pretendia realizar investigações de Pré-História, também. O resultado final foram clichés ilustrando indivíduos, masculinos e femininos, em duas poses invariáveis (frontal e de perfil), imagens estáticas. Como observa o autor do artigo, estas fotografias assumem, perigosamente, uma dimensão cenográfica passível de interpretações erróneas, o que limita a leitura do que efetivamente se pretendia captar.

Missão de Mendes Corrêa em Canhabaque, Bijagós, 1946

Os guineenses começam por ser acontecimento noticiado na I Exposição Colonial do Porto, em 1934. Aparecerão no Parque Eduardo VII poucos anos depois e desfilarão em 1947 na avenida da Liberdade no cortejo dos municípios, surgem escoltando o “Carro do Império”. O régulo Baró Baldé dirigiu-se ao Ministro das Colónias, capitão Teófilo Duarte, em nome dos régulos e teria dito: “Somos pretos da Guiné mas bons portugueses” e o Ministro das Colónias concluiu estar “em presença dos representantes das elites negras da Guiné, dos homens que são auxiliares preciosos da nossa tarefa civilizadora”. As elites negras a que o ministro aludia eram Fulas e Mandingas, procurava-se no fundo de uma aliança com os amigos dos portugueses que eram muçulmanos, outros políticos já tinham referido que os muçulmanos negros possuíam uma certa superioridade relativamente aos outros negros. Em 28 de Abril de 1953, Salazar concede uma receção aos muçulmanos da Guiné. E o jornal O Século escrevia que “Salazar apertou a mão e falou a todos eles, interessando-se por conhecer os seus nomes e indagando acerca das localidades onde desempenham as suas funções de direção de importantes aglomerados populacionais”.

Salazar cumprimenta régulos da Guiné em 28 de Abril de 1953

O autor do artigo refere que desde finais dos anos de 1950 que a política do Estado colonial se orientava para os muçulmanos da Guiné e assentava em duas práticas de “conquista das populações”: o financiamento da construção e da restauração de locais de culto e o patrocínio de peregrinações a Meca. A cobertura oficial destas últimas teve início em 1959 e até 1972 elas realizaram-se de forma regular todos os anos. Não há, evidentemente, ilusões dos intuitos de apoio a estas peregrinações, havia que mostrar ao mundo a realidade ecuménica da Guiné portuguesa. Estas peregrinações tinham um caráter turístico, havia que criar uma imagem de uma certa portugalidade: “Em 15 de Janeiro de 1971 partiu para Meca, via Lisboa, um grupo de 38 muçulmanos que ali vão em peregrinação. O grupo voltará a Lisboa em meados de Fevereiro, visitando na Metrópole os locais de maior interesse histórico e turístico, a convite da Agência Geral do Ultramar”.

Peregrinos guineenses a Meca junto da Torre de Belém, 1970

A lógica imperial há muito que firmara o conceito, de simbiose identitária que foi igualmente uma das retóricas desenvolvidas na nossa preparação militar, parecia um facto consumado: “Do Minho a Timor, homens de raças e crenças diversas comungam o mesmo sentimento de júbilo nacional, todos conscientes de que é do esforço comum que se obtém o êxito nacional”. A imagem da Guiné pesava muito: a pacificação e o sentido da ordem e daí o prémio em se ter transformado numa colónia modelo; a carga de exotismo, ver aqueles régulos como cavaleiros aprumados, na dianteira do Carro do Império, no Cortejo dos Munícipios, empunhando espadas erguidas na vertical. E aliança tácita que se estabelecerá entre o poder político, estruturalmente católico, e as etnias de pendor islâmico, tratava-se de uma aliança crucial, uma imagem de propaganda que se tinha que dar ao mundo naqueles tempos em que Portugal estava orgulhosamente só.
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 19 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14163: Notas de leitura (671): “O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, com organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 20 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14166: Notas de leitura (672): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (4): Como era Alcobaça nos tempos dos primeiros Coelhos

domingo, 21 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13633: Fotos à procura de... uma legenda (34): Missas históricas no Império: do ilhéu de Coroa Vermelha, no litoral sul da Bahia, Brasil (26/4/1500) a Gandembel, Região deTombali, CTIG (25/12/1968)... (António Rosinha / Idálio Reis)


A Primeira Missa no Brasil, 1860. Museu Nacional de Belas Artes, Brasil. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikipédia.

A obra prima do pintor  académico Victor Meirelles de Lima (Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, 1832 — Rio de Janeiro, 1903) . A tela é um hino ao ecumenismo, ao retratar a chegada pacífica da armada de Álvares Cabral a Porto Seguro, no sul da bahía,  e a celebração da primeira missa, no Novo Mundo, assistida pelos habitantes locais, tupiniquins, pertencentes á nação tupi... Os descendentes dessas hstóricas testemunhas da chegada dos portugueses ao Novo Mundo não deverão ultrapassar hoje um milhar...

"A primeira missa no Brasil foi celebrada por Dom Frei Henrique de Coimbra no dia 26 de abril de 1500, um domingo, na praia da Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália, no litoral sul da Bahia. Foi um marco para o inicio da história do Brasil e descrita por Pero Vaz de Caminha na carta que enviou ao rei de Portugal, D. Manuel I (1469-1521), dando conta da chegada ao Brasil, então Ilha de Vera Cruz, pela armada de Pedro Álvares Cabral que se dirigia à Índia" (Fonte: Wukipédia).

Na sítio "História da Bahia", Jonildo Bacalar escreve o seguinte sobre esta priimeira missa:

"Quatro dias após ter chegado em Porto Seguro, no Domingo de Páscoa, em 26 de abril de 1500, Cabral determinou que se realizasse uma missa no ilhéu da Coroa Vermelha. Foi a Primeira Missa celebrada em solo brasileiro e o evento foi documentado pela Carta de Caminha. Era o último ano do século 15.

Cabral ordenou a presença de todos os capitães na Missa. Mandou armar um esperavel, e dentro dele um altar mui bem corregido.

A Primeira Missa foi celebrada pelo frei franciscano Henrique Soares de Coimbra, auxiliado pelo padre Marcos de Oliveira Ferreira. No total, eram oito frades, todos franciscanos, todos presentes e todos rezaram.

A bandeira de Cristo, trazida por Cabral de Belém, ficou hasteada durante a Missa. Não há menção de Caminha quanto a existência de uma cruz na Primeira Missa.

Acabada a Missa, frei Coimbra desvestiu-se e subiu numa cadeira alta, de onde fez uma pregação do Evangelho, terminando com referências à chegada dos portugueses na terra achada.

A cerimônia foi também acompanhada pelos tupiniquins. No final, levantaram-se muitos deles, tangeram corno ou buzina, e começaram a saltar e dançar um pedaço." (...)



Guiné > Região de Tombali > Gandembel > 25/12/1968 > Missa de Natal celebrada pelo capelão-mor das Forças Armadas, bispo de Madarsuma (*). Foi a última missa celebrada em Gandembel...


Foto: © Idálio Reis (2007). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


1. Comentário do nosso "mais velho" Antº Rosinha ao poste P13616 (*):

(...) A foto da "Última Missa em Gandembel", é uma das fotos mais falantes do que qualquer outra que se possa ver sobre a Guerra do Ultramar. Aquela mesa/altar, aquele ajudante em tronco nú, representam bem o desenrascanço da malta.

Esta última missa documentada por Idálio Reis, contrasta com a 1ª missa, festejada por índios e pintada por artistas e documentada pela carta de Caminha.

Quatro dias após ter chegado em Porto Seguro, no Domingo de Páscoa, em 26 de abril de 1500, Cabral determinou que se realizasse uma missa no ilhéu da Coroa Vermelha. Foi a Primeira Missa celebrada em solo brasileiro e o evento foi documentado pela Carta de Caminha. (...)-


2. Comentário do editor LG:

Rosinha, é uma legenda genial, a tua,  para esta foto, como já te tinha dito... Tens olho de lince e um grande sentido do simbólico, e uma grande sensibilidade sociocultural, ou não fosses tu um português das sete partidas...

Descobri agora esta foto de uma conhecidíssima tela do pintoir brasileiro Victor Meirelles.. Foi pintada em 1860 e teve sucesso nuam exposição em Paris, em 1861.. Espero que os nossos leitores nos ajudem a enriquecer (ou a rescrever) a tua legenda... Há algum paralelismo entre uma e outra imagem, a primeira missa em terras brasileiras domingo de páscoa, 26/4/1500)  e a última missa na martirizada Gandembel (natal, 25/12/1968), aquartelamento que será avacuada um mês de depois  (E menos de nove meses sofreu mais de 370 ataques e flagelações) (**)....

Já agora convidamos os nossos leitores a conhecer (ou a reler) a famosa Carta de Pero Vaz de Caminha a el-Rei D. Mnauel I, fixada em português moderno e publicada pelo jornal Público, por ocasião do seu 24º aniversário, na sua edição de 5/3/2014. 

É um espantoso documento literário e etnográfico que os brasileiros valorizam muito mais do que os portugueses. É também uma fonte de inspiração e um exemplo a seguir por todos aqueles que, tendo sido combatentes na última guerra do império, se identificam com (e/ou seguem) este blogue, mas acham que não têm de nada especial ou excecional para contar ou ou que  têm pouco ou nenhum jeito para a escrita. Cite-se a parte final da Carta:

(,,,) "E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza do que nesta vossa terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha, de Vos tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo.

E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d'Ela receberei em muita mercê.

Beijo as mãos de Vossa Alteza.

Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

Pêro Vaz de Caminha"


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sexta-feira, 23 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13183: Notas de leitura (594): "A organização e as operações militares portuguesas no Oriente, 1498-1580: vol. 2: Navios e Embarcações", 2013, 210 pp, il. Autor: Nuno [José Varela] Rubim, cor art ref




Capa e contracapa do livro do nosso camarada Nuno Rubim, cor art ref, como duas comissões no TO da Guiné: "A organização e as operações militares portuguesas no Oriente, 1498-1580: vol 2: Navios e Embarcações", 2013,  210 pp.

Neste 2º volume, o autor, grande especialista em história militar, e nomeadamente no domínio da artilharia, estuda os navios e embarcações de combate, utilizados no Oriente, no período de 1498 (chegada de Vasco da Gamaà Índia)  a 1580 (fim da II Dinastia), tanto por nós como pelos nossos adversários. "Aborda de uma forma inédita aspetos tão variados como a Estrutura, Mastreação e Velame, os vários Tipos de Navios, o seu Artilhamento, o Emprego táctico e a sua Construção" (Da contracapa)...

Faremos, em breve, uma recensão mais detalhada desta obra, da qual o autor nos vai oferecer 24 exemplares para distribuição, gratuita, pelos membros, interessados,  da Tabanca Grande (, sendo 4 destinados à equipa editorial do blogue).

Passamos a receber, desde já, por email, manifestações de interesse dos nossos camaradas em receber a obra. Os felizes contemplados receberão o seu exemplar, autografado, em Monte Real, no dia 14 de junho próximo, por ocasião do IX  Encontro Nacional da Tabanca Grande. A lista definitiva dos 20 contemplados deverá terá o OK do autor, representado em Monte Real pelo nosso editor Luís Graça.

[Vd. aqui também o CV do  Nuno Rubim, início de 2008]

1. Ficha técnica (de acordo com o catálogo da Biblioteca Nacional de Portugal),

A ORGANIZAÇÃO E AS OPERAÇÕES MILITARES PORTUGUESAS NO ORIENTE, 1498-1580 / NUNO JOSÉ VARELA RUBIM

AUTOR(ES):
Rubim, Nuno José Varela, 1938-

PUBLICAÇÃO:
Lisboa : Comissão Portuguesa de História Militar, 2012-

DESCR. FÍSICA:
v. : il. ; 24 cm

NOTAS:
O 2o v. foi editado pelo Falcata - Editores, Unipessoal

BIBLIOGRAFIA:
Contém bibliografia

CONTÉM:
1o v.: Geografia e viagens. - 306 p. . - 2o v.: Navios e embarcações. - 2013. - 210 p.

ISBN:
978-989-95946-8-5

DEP. LEGAL:
PT -- 341640/12

CDU:
94(469)"15"
910.4(=1:469)(5)"1498/1580"(091)




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Nota de leitura

Último livro de 23 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13182: Notas de leitura (593): "O Eco do Pranto - A criança na poesia moderna guineense", recolha e coordenação de António Soares Lopes (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12964: Notas de leitura (580): "Os Portugueses Descobriram a Austrália? 100 Perguntas Sobre Factos, Dúvidas e Curiosidade dos Descobrimentos”, por Paulo Jorge de Sousa Pinto (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Outubro de 2013:

Queridos amigos,
Por uso e costume, não descambo dos temas da Guiné, esta é o eixo central do que aqui vos escrevo, em nome dos princípios do blogue. Acontece que este livro surpreendente sobre a História dos Descobrimentos ajuda a perceber mitos e preconceitos em que incorremos e até em que participamos. Tem uma organização prodigiosa este livro que não se destina a especialistas mas ao grande público. Questiona polémicas, confronta mistérios e controvérsias, põe os descobrimentos face aos espelhos da memória, engrandece o que foi verdadeiramente grande e faz risota dos chavões postos em voga a partir do liberalismo do século XIX.
Em termos de cultura geral sobre os Descobrimentos Portugueses não conheço nada de mais original nem de mais vibrante. E o autor até questiona problema doutrinários da guerra em que participamos.

Um abraço do
Mário


Os Descobrimentos Portugueses contados engenhosamente a leigos

Beja Santos

Chama-se “Os Portugueses descobriram a Austrália? 100 perguntas sobre factos, dúvidas e curiosidade dos Descobrimentos”, por Paulo Jorge de Sousa Pinto, A Esfera dos Livros, 2013. Não hesito em considerar um acontecimento editorial este livro em que o especialista em História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa desvela ao grande público a trama dos Descobrimentos sob o manto diáfano das curiosidades e aspetos intrigantes do conhecimento histórico para os quais queremos obter resposta. O especialista comunica com vivacidade e não foge às questões escaldantes, tormentosas e mesmo aquelas que, como soe dizer-se, são fraturantes. Um exemplo: a imagem que construímos sobre África e o africano. Vale a pena uma citação abundante.

Em 1935, a escritora Maria Archer escrevia que “os negros pertencem a raça indolente, são destituídos de arquitetura, não têm monumentos, vivem mesquinhos de arte, sem escrita, e parcos de desenho ou pintura” e também manifesta o seu consolo “de ter escrito uma obra que vem demonstrar quanto negro selvagem, o bárbaro nu, desprotegido, retardado em civilização, a mão-de-obra indígena das colónias – pensa e sente como um homem”. Isto está escrito em África Selvagem. Nestas frases está condensada uma da ideias-chave que marcaram o paternalismo europeu sobre os Africanos, e que ainda hoje ecoa nos estereótipos e nos preconceitos que guardamos sobre o seu passado e a sua cultura: a de que o continente negro viveu num caldeirão de História amorfa e vazia e que as suas populações viviam em estado natural, em sociedades tribais, de costumes selvagens e economias de subsistência e penúria, até à chegada dos Europeus. E não havia civilização porque não havia cidades como as nossas, nem estradas nem monumentos.

Mais adiante observa o autor. "A imagem do continente africano foi sempre construída à medida dos Europeus: primeiro foi um espaço desconhecido a Sul do Sahara, de onde provinham caravanas que traziam ouro, produtos exóticos e informações nebulosas que afluíam ao mundo mediterrânico. Depois, conhecidos os seus limites naturais por ação das viagens portuguesas, passou a ser uma espécie de grande ovo de que se conhecia a casca mas muito pouco do seu interior, que era tomado por um grande espaço de movimentação de povos selvagens que periodicamente invadiam os reinos e dizimavam as populações. Aliás, é muito curioso olhar para a cartografia até ao século XIX e constatar o quase total desconhecimento ou irrealidade dos mapas de África. De seguida, na segunda metade do século XIX, o continente passou de mistério a galinha dos ovos de ouro, fonte de recursos para economias e potências europeias em concorrência entre si pelo domínio mundial e a necessitar de matérias-primas e mercados, mão-de-obra e prestígio imperial; a reboque de tudo isto, a superioridade intelectual, civilizacional e rácica de uma Europa que considerava seu dever arrancar os pobres negros à barbárie e partilhar um pouco do seu progresso e da sua ciência”.

O historiador compartimenta com muito acerto esta história dos descobrimentos escrita à forma de um guião: o papel pioneiro dos portugueses nos descobrimentos; alguma da grande mitologia que por vezes arrasta tanta polémica, caso da Escola de Sagres; um esclarecimento muito bem urdido sobre protagonistas e o porquê de certas decisões políticas (porque razão recusou D. João II o projeto de Cristóvão Colombo? O que aconteceu a Pêro da Covilhã? Camões esteve em Macau?); mistérios e controvérsias que deliciam os eternos polemistas (por exemplo, que tem de extraordinário o mapa de Piri Reis?); onde e como se cruzou a expansão portuguesa com a expansão europeia (questões tão curiosas como porque sucumbiu o Estado da Índia aos assaltos holandeses?); o pano de fundo de políticas e tratados (matéria vastíssima onde cabe perguntar se houve inquisição no Oriente, porque motivo foi D. Sebastião a Alcácer-Quibir ou quais eram os planos de Afonso de Albuquerque); “e se mais mundo houvera, lá chegara”, aqui as questões passam por obstáculos naturais, como a frequência dos naufrágios, se houve portugueses no Tibete, ou onde ficava a Cochinchina; histórias de encontros e desencontros, em que se questiona se foram os portugueses que introduziram a espingarda no Japão e qual o interesse dos biombos Namban; dúvidas e curiosidades (porque eram as especiarias orientais tão caras na Europa? Por que razão começou tão tarde a colonização no Brasil?); e, por fim, descobrimentos e memória.

À despedida, Paulo Jorge Sousa Pinto, apresenta, um balanço desta grande epopeia, não esquecendo de nos alertar que em cada época há sempre uma outra coloração no registo com que revistamos a História. Por exemplo, a seguir ao 25 de Abril de 1974, era o passado recente que importava, havia que denunciar a guerra em África, as suas causas e raízes, expurgar fantasmas coloniais, estabeleceram-se ligações por vezes simplistas e caricatas: de heróis, os Portugueses passavam agora a vilões, e os descobrimentos, de gesta a maldição para Africanos, Ameríndios e Asiáticos. Veio depois a Comissão Nacional para a Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, a seguir à catarse colonial era chegado o momento de redescobrir o passado. A temática regressou aos manuais escolares. Malbaratou-se muito do espólio documental e fotográfico produzido pela Comissão das Comemorações. Também aqui se cometeram esbanjamentos criminosos, como lembra o autor: a ópera composta por Philip Glass para evocar a viagem de Vasco da Gama desapareceu; custou cerca de 1,5 milhões de euros, foi representada três vezes na Expo 98 e nunca foi gravada. E termina deixando-nos uma reflexão mais do que incómoda: “A relação dos Portugueses com o seu passado colonial – ou ultramarino – vagueia ainda por entre os velhos estereótipos, entre uma imagem de heroicidade e uma lenda negra, continuando a prevalecer alguma dicotomia entre um certo sentimento saudosista e pseudopatriótico e um complexo de culpa mal assumido, expresso, de um modo geral, de forma contraditória e nem sempre saudável”.

Escusado é dizer se classifico este lançamento como um evento editorial relevante, este livro é obrigatório nas nossas estantes, estou absolutamente seguro que os leitores se renderão a esta prosa fascinante e a esta arquitetura prodigiosa da obra.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12941: Notas de leitura (579): "A Literatura na Guiné-Bissau", de Aldónio Gomes e Fernanda Cavaca (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 15 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11256: Agenda cultural (256): Camões levou 20 anos a escrever 'OS Lusíadas': dez cantos, 1102 estrofes, 8816 versos, 88160 sílabas métricas... O ator António Fonseca levou 4 anos a decorá-los e amanhã, no CCB, vai dizê-los, das 10h às 24h, no CCB, em Lisboa... Acontecimento único, a não perder: afinal são os 8816 versos da nossa identidade maior!...



Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões. Capa da primeira edição, 1572 (Fonte: Wikipédia)


"Do justo e duro Pedro nasce o brando,
(Vede da natureza o desconcerto!)
Remisso, e sem cuidado algum, Fernando,
Que todo o Reino pôs em muito aperto:
Que, vindo o Castelhano devastando
As terras sem defesa, esteve perto
De destruir-se o Reino totalmente;
Que um fraco Rei faz fraca a forte gente."

Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, Canto III, estrofe 138 [Negritos nossos. LG]



.
CAMOES, Luís de, 1524?-1580
Os Lusiadas / de Luis de Camões. - Lisboa : em casa de Antonio Gõçaluez,, 1572. - [2], 186 f. ; 4º (20 cm) 

http://purl.pt/1
http://purl.pt/1/cover.get

 - Edição princeps conhecida por edição "Ee", distingue-se pela sétima estância da primeira estrofe "E entre gente remota edificarão". - Assin.: [ ]//2, A-Y//8, Z//10. - Na portada cabeça do pelicano voltada para a esquerda do observador. - Folha branca com notas manuscritas PTBN: CAM. 2 P.; CAM. 3 P.. - Encadernação da época de pergaminho, com falta dos atilhos PTBN: CAM. 4 P.. - Pert. na f. [2]: «T. NORTON» PTBN: CAM. 2 P.. - Nota manuscrita na folha de guarda: «Pertencia a livraria de D. Francisco Manuel de Mello»; na p. de tít.: «Manoel Lopes Teixr.ª»; na última f.: «D. Jer.mo Correa da Costa» PTBN: CAM. 4 P.. - Exemplar restaurado PTBN: CAM. 2 P.. - Anselmo 697. - D. Manuel 136. - Simões 116

CDU 821.134.3-13"15" [Portugal. Biblioteca Nacional]


1. CCB - Centro Cultural de Belém, Lisboa, Sábado, 16 Mar 2013 - 10:00 às 00:00 (*)


 TEATRO MERIDIONAL – ANTÓNIO FONSECA

OS LUSÍADAS, de Luís Vaz de Camões (**)

António Fonseca dirá os dez Cantos, num único dia. O público pode assistir ao espectáculo integral ou assistir a alguns Cantos. O Canto X será dito em partilha pelo António Fonseca e alguns participantes que trabalharão previamente com o actor na aproximação ao poema.

Horário:

Canto I > 10h00
Canto II > 11h00
Canto III > 12h00
Canto IV > 15h00
Canto V > 16H00
Canto VI > 17H00
Canto VII > 18H00
Canto VIII > 19H00
Canto IX >  22H00
Canto X > 23H00


Pequeno Auditório
M/12 anos
Preços 2€ cada canto. Descontos>  10 cantos 16€; 5 cantos avulso 8€. Não há lugares marcados

Sinopse:

(...) "Os Lusíadas são, para nós, portugueses, a maneira maior de contar um tempo, de diversas formas inscrito nos nossos cromossomas e na nossa memória, em que todos os conceitos da mundivisão foram completamente alterados, em que as paredes se romperam: um punhado de homens lança-se no espaço desconhecido, por razões que podemos imaginar: ambição, desespero, aventura, convicção, necessidade, inconsciência…

As mudanças, políticas, sociais e económicas que vivemos em catadupa exigem o reforço da nossa identidade individual e colectiva, das nossas âncoras. Actualizar aquelas motivações de viver, que são ainda, apesar de tudo, as nossas, através da arte maior da poesia de Camões" (...).

Concepção e interpretação >  António Fonseca
Espaço cénico e figurinos > Marta Carreiras
Desenho de luz > José Álvaro Correia
Música original e sonoplastia > Fernando Mota
Fotografia > Susana Paiva
Assistência > Rosa Cardoso
Assistência de cenografia > Marco Fonseca
Montagem > Marco Fonseca e Nuno Figueira
Operação técnica > Nuno Figueira
Registo vídeo > Patrícia Poção
Produção executiva > Natália Alves
Direcção de produção > Maria Folque
Produção > Teatro Meridional
Direcção artística do Teatro Meridional > Miguel Seabra e Natália Luiza

2. Recortes de imprensa:

 (i) Local.pt

(...) "Os Lusíadas, obra maior da nossa Literatura e da Literatura Universal,  tem, entre nós, vários defices: é semi-odiada quando somos alunos do ensino secundário; é apreciada sem ser conhecida quando crescemos; é uma vaga referência cultural ligada, pelo menos, à toponímia de alguns centros urbanos; e, para muito poucos de nós, portugueses e falantes do Português, é uma grande estória primordial de Ser Humano, uma síntese de algumas das ideias que moldaram e moldam a nossa vida e a nossa Cultura. Este projecto pretende ser uma proposta de actualização desta estória: no seu pensamento, nas suas referências históricas, no nosso imaginário colectivo, na sua arte maior de poesia. Não vou recitar os dez cantos de Os Lusíadas, vou dizê-los com o coração" [, António Fonseca].

(ii) RTP > Antena Um:

(...) De fio a pavio, a obra maior de Luís Vaz de Camõe foi dita, hora a hora, no palco do grande auditório do Centro Cultural Vila Flor [, Guimarães 2012]. Um projeto do ator António Fonseca, que há alguns anos se embrenha pelas estrofes de "Os Lusíadas". É dito um canto por hora. O último, o Canto X, junto com várias famílias entusiastas de Guimarães. Em palco quase cem pessoas numa produção que foi apresentada a 9 de junho [de 2012]. A antena 1 assistiu a um dos ensaios. (...)

(iii) UCV.UC > Televisão Web da Universidade de Coimbra  > You Tube > "Os Lusíadas - A Viagem", com António Fonseca (vídeo 3' 50'')


(...) 8816 Versos

Título original:
8816 Versos
De:
Sofia Marques
Classificação:
M/12
Outros dados:
POR, 2012, Cores

É dito que Camões terá demorado 20 anos a escrever os 8816 versos que compõem Os Lusíadas.
António Fonseca dedicou quatro anos da sua vida a torná-los seus. Neste filme, é documentado o ano que antecedeu a apresentação final da falação d' Os Lusíadas, a 9 de junho de 2012, no âmbito dos Festivais Gil Vicente em Guimarães, que deu os versos de Camões a ouvir e a dizer. Texto: Cineclube de Guimarães. (...) 
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11218: Agenda cultural (255): Convite para o 5.º encontro da "Tertúlia Fim do Império”: Messe da Batalha/Porto, dia 14 de Março, pelas 16h00 (Manuel Barão da Cunha)

(**) Apontamentos sobre Os Lusíadas (Excertos)


Rota da primeira viagem de Vasco da Gama

Vasco da Gama partiu de Lisboa com três navios e um barco de mantimentos em Julho de 1497. Fez escala na Ilha de Santiago, em Cabo Verde, e daí navegou directamente para Sul, no que viria a ser a mais longa viagem por mar até então empreendida. Virou a sudoeste para evitar as calmarias  do Golfo da Guiné, depois a sueste para alcançar novamente a Costa Africana. Passados 90 dias sem avistar terra, aportou à Baía de Sta. Helena, na África do Sul, em Novembro de 1497. Passou o Cabo da  Boa Esperança com alguma dificuldade devido às tempestades. Depois de ultrapassar o limite das  navegações de Bartolomeu Dias, a expedição iniciou as suas descobertas próprias: Natal, no dia 25 de  Dezembro, o rio Zambeze um mês mais tarde, a Ilha de Moçambique em começos de Março. A frota  atingiu Mombaça, o actual Quénia, depois Melinde, mais a norte, em Abril de 1498, onde puderam manter  relações amigáveis com o rei local e obter um piloto árabe famoso (Ahmad Ibn Majid) que levou os  barcos até à Índia. Empurrada pela monção de sudoeste, a frota estava à vista da Índia em 18 de Maio.  O desembarque realizou-se quatro dias mais tarde.

Depois de três meses de negociações com alternativas de amizade e de hostilidade aberta,  Vasco da Gama iniciou o caminho de regresso trazendo os navios carregados de especiarias e de outras mercadorias de preço. Largando a 29 de Agosto de 1498, chegou a Lisboa depois de grandes dificuldades e de ter perdido um navio, nos finais do Verão de 1499. (...)

(---) A forma

"Os Lusíadas" foi lido pela 1ª. vez a D. Sebastião e editado em 1572, após a  necessária autorização e licença da Inquisição. O poema está dividido em 10 cantos e é constituído por 1102 estrofes [, 1102 x 8 = 8816 versos, 88 160 sílabas métricas]. O canto mais longo é o X com 156 estrofes. As estrofes ou estâncias são oitavas e cada verso é  composto por 10 sílabas métricas (verso decassilábico ou heróico). As estrofes apresentam  o seguinte esquema rimático invariável: a b a b a b c c, rima cruzada nos 6 primeiros versos  e emparelhada nos dois últimos. (...)