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sexta-feira, 22 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23452: In Memoriam (441): João Moura, ex-Fur Mil Mec Auto da CCS/BCAV 2922 (Piche, 1970/72) (Hélder Sousa)

IN MEMORIAM

João Moura, ex-Fur Mil Mec Auto
CCS/BCAV 2922 (Piche, 1970/72)


Em mensagem de 21 de Julho de 2022, o nosso camarada Hélder Sousa, (ex-Fur Mil TRMS, TSF - Piche e Bissau, 1970/72), dá-nos conta do falecimento de João Moura, ex-Fur Mil Mec Auto da CCS/BCAV 2922:

Caros amigos:

Estive no velório do Veríssimo Ferreira onde, para além de mim próprio, apresentei e deixei registadas as condolências em nome do Blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Já vi que a filha Cristina publicou umas fotos na página do Facebook, acompanhando um pequeno texto.

Entretanto, nesta manhã, quando abri o computador para ver como estava o trânsito para me deslocar a Loures, deparei com mais uma notícia de falecimento de camarada nosso. Tratou-se da informação de "há sete minutos" dizendo ser a esposa de João Moura, BIa Capote Moura,  que tinha falecido "nesta noite", de 20 para 21, portanto.

O João Moura foi o Furriel Mecânico da CCS do BCAV 2922 de Piche, 70/72. Homem de São Martinho do Porto, que propagandeava com gosto e orgulho, bom homem, bom camarada, amigo, pessoa esclarecida.

Lembro que esteve num almoço em Monte Real, em 2014, de que envio duas fotos em que está junto ao Francisco Palma.

Isto está a ficar complicado!
Hélder Sousa´

PS - Tinha página no Facebook.
IX Encontro da Tabanca Grande > Monte Real, 14 de Junho de 2014 > Francisco Palma e João Moura, ambos do BCAV 2922

Aos familiares, camaradas e amigos do João Moura, apresentamos as nossas mais sentidas condolências.

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23445: In Memoriam (440): Veríssimo Luz Ferreira (1942-2022), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 1422/BCAÇ 1858 (Farim, Mansabá, K3 e Bissau, 1965/67)

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23400: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (3): (i) as minhas recordações do Depósito Geral de Adidos; (ii) o "Grelhas" e o "Ruizinho pugilista" de Catió (Hélder Sousa, ex-fur mil trms, TSF, Piche e Bissau, 1970/72)

Dois comentários do Hélder Sousa, ex-fur mil trms, TSF (Piche e Bissau, 1970/72), nosso colaborador permanente (provedor do leitor), com cerca de 180 referências no blogue, os quais merecem ser publicados, como poste, na nossa "montra grande", na série "A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra" (*)


(i) O Depósito Geral de Adidos

Estas "histórias/recordações" que o Luís Graça nos presenteia  (*),  têm muito "sumo" pelo qual se podem abordar e comentar.

Aqui, e agora, não me vou aventurar a comentar os dois episódios, conto fazê-lo depois.
Agora é só para me centra em dois tópicos que têm vindo a ser referidos: os Adidos e a Rua da Atalaia, ao Bairro Alto.

Então, relativamente à Rua da Atalaia, que é, hoje por hoje, uma rua cheia de estabelecimentos de restauração e bar muito concorridos, já teve várias evoluções ao longo do tempo, desde que passou a ser local de "peregrinação noturna". 

Devem lembrar, ou pelo menos ter ouvido falar, num bar muito "badalado" na década de 80, o "Frágil", que ficava nessa rua e que foi, à época um precursor do que hoje é quase "o pão nosso de cada dia", genericamente chamados de "bar gay". Passei por lá há pouco tempo (em serviço....) e é um outro tipo de estabelecimento, o "Cheers", com muito bom aspeto.

Relativamente ao Depósito Geral de Adidos, pois também fui "cliente".

Não tenho a certeza de já ter referido isto mas, enquanto não foi atribuído transporte marítimo para a Guiné, estive adido aos Adidos. Recordo que saiu a minha mobilização a 1 de Setembro de 1970, mais uns dias no Porto para fazer já não me lembro o quê, depois os tais 10 dias das "NNM qualquer coisa" e a partir daí "cliente dos Adidos. A marcação opara o embarque foi para o dia 26 de Outubro, o que quer dizer que devo ter estado "adido" cerca de mês, mais coisa, menos coisa.

Durante esse tempo só passava por lá para ver quando estava escalado para serviço e de todas as vezes que isso aconteceu, dei "a matar" o serviço. Só que uma vez que um camarada de Santo Tirso estava escalado,  não consegui a sua substituição e fui eu que o fiz.

Tentaram vender-me um "casaco de antílope", que recusei, e tive que escolher entre um "Sharp" e um "Casio" resultado de um contentor que tinham "ajudado a descarregar", para não ter problemas durante a ronda...

Como passatempo (não dava para deitar na cama sem correr o risco de ser atirado ao chão pelos "percevejos seus habitantes habituais"), presentearam-me com lições de carteirismo que consistiu, por exemplo, em treinar retirar um documento ou carteira do bolso de uma camisa e/ou de um casaco, pendurado num cabide suportado por uma corda passada entre dois armários.

Muito educativo.

Hélder Sousa, 29 de junho de 2022 às 00:20 (**)

(ii) O "Grelhas" e o "Ruizinho pugilista" de Catió

"Grelhas" poderá haver muitos!

Todos aqueles que, por força dos seus comportamentos, seriam "ocupantes frequentes" de locais de detenção os quais, na gíria da época, eram frequentemente referidos por "grelhas" por as janelas (quando existiam) terem as barras com espaços apertados para evitar fugas,  e que com facilidade se confundiam com "grelhas" ou uma outra expressão como  "ver o sol aos quadradinhos".

Sem ter a certeza, já lá vão muitos anos, e o meu interlocutor já faleceu, o meu camarada de curso TSF, Nélson Batalha, contou-me alguns episódios passados com um tal "Grelhas" em Catió, onde ele esteve entre Dezembro de 1970 e Abril de 
1971, [O "Grelhas", Armando de seu nome próprio,  hoje taxista no Porto,  pertenceu à CCS/BCAÇ 2930, Catió, 1970/72, segundo informação do camarada Rolando Rodrigues, no Facebook da Tabanca Grande, 29/6/2022 .] 

Presumo ser a mesma pessoa. Acho que havia como que uma espécie de "companhia disciplinar" que, além do "Grelhas", comportava mais alguns militares que provinham do cumprimento de penas.

Lembro-me de me ter falado dum tal "Ruizinho pugilista", filho rebelde de uma boa família de Gaia, que também tinha um longo cadastro e do qual se gabava exibindo recortes de jornais que referiam as suas "façanhas", como por exemplo uma situação que lhe deu prisão por "ofensas corporais" a uma jovem, alegadamente de "vida fácil" com quem tinha tido uma discussão por uma futilidade qualquer e que quando ele já se encontrava na rua lhe atirou da janela do 1º andar, um despertador à cabeça.

Calmamente, segundo ele, pegou no relógio, subiu as escadas, entrou na casa, perguntou qual foi a mão que atirou o relógio e, após a resposta. partiu-lhe o braço respetivo. Hospital, queixa, prisão.

Doutra vez, encontrava-se suspeitamente encostado a uma montra de uma ourivesaria e um guarda nocturno aproxima-se e,  tremelicando,  aponta-lhe uma arma para ele sair do local e ao qual o "Ruizinho" com muita calma lhe diz "Olha, se me molhas, bato-te!",  deixando desconcertado o pobre homem.

Quanto ao "Grelhas" de Catió,  teve de facto um problema disciplinar porque, alegadamente, teria partido umas costelas a uma bajuda, com uns pontapés, quando se encontrava junto à porta de armas, tendo alegado que na verdade teria sido um acidente e que teria agido de boa fé pois a rapariga em causa tropeçou em algo e ia a cair e para evitar isso ele estendeu a bota para amparar a queda. As costelas partidas foram o resultado do impacto do corpo com a bota e não a bota no corpo. Parece que não acreditaram...

Hélder Sousa

30 de junho de 2022 às 19:11 (*)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 29 de junho de 2022 >Guiné 61/74 - P23397: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra  (2): a minha passagem pelo Depósito de Adidos, em Brá, em 1973: como sargento de dia à Casa de Reclusão Militar, fiz uma escala de serviço para que os presos (alguns violentos) pudessem sair e entrar, "livremente", "ir às meninas" ao Pilão, petiscar em Bissau, etc. (Augusto Silva Santos, ex-fur mil, CCAÇ 3306, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/72, e Depósito de Adidos, Brá, 1973)

Vd. poste anterior da série >  29 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23395: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (1): Luanda, Depósito de Adidos de Angola, o oficial de dia e o preso cabo-verdiano (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, 1972/74)

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23347: (In)citações (209): As virtudes do Ensino em tempos remotos (Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

Em mensagem do dia 11 de Junho de 2022, o nosso camarada Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil de TRMS TSF (Piche e Bissau, 1970/72), vem falar-nos das condicionantes impostas pelo sistema nos nossos tempos de jovens estudantes que determinavam o nosso futuro como militares e até depois como civis:


AS VIRTUDES DO ENSINO EM TEMPOS REMOTOS

Há sempre uma necessidade reclamada por amigos para que se possa contribuir com textos tendo em vista alimentar as suas publicações.
Nem sempre ocorre inspiração para recorrer à memória a fim de materializar recordações. Desta vez, depois de algum vazio mental, lembrei-me, já nem sei porquê, de um episódio, melhor dizendo, de uma sequência de episódios, que originaram situações que potenciaram consequências.
E por isso atrevo-me a pedir que depois de lerem, se lerem, me ajudem com as vossas opiniões, sobre que lições se podem tirar (se é que se podem tirar algumas) do conjunto das situações.

1. - Vamos aos factos

Depois de ter feito o Curso de Montador-Electricista (era assim que se designava) na Escola Industrial e Comercial de Vila Franca de Xira, terminado em 1964, fui para Lisboa, cidade grande, fazer as chamadas Secções Preparatórias para o possível ingresso no Instituto Industrial. Essa fase intermédia ocorreu na Escola Industrial Machado de Castro, nos anos letivos de 1964/65 e 1965/66. Os exames de admissão decorreram com aproveitamento e deste modo entrei no Instituto Industrial de Lisboa para o Curso de Eletrotecnia e Máquinas em Outubro de 1966.

2. – Enquadramento social

Dois pequenos apontamentos para ajudar a complementar as situações e a focalizar as “cenas” na época.

Um desses apontamentos é para lembrar que o Ensino estava elitizado. Havia a via liceal e a via do chamado “ensino técnico”. Aos “liceais” estava aberta a via para a Universidade, nas suas várias vertentes, com os seus “cursos superiores”, enquanto que para os do “ensino técnico” era privilegiada a “via profissional”, ou seja, a entrada no mercado de trabalho para exercer uma profissão ou então, através dos “Institutos”, para almejar alcançar uma situação que seria sempre reconhecida como “cursos médios”.

Ao nível do ensino da engenharia isso traduzia-se a que as duas vertentes, a “universitária” e a “média” se materializavam no Instituto Superior Técnico (e Faculdades de Engenharia) e nos Institutos Industriais, sendo que essa separação elitizada projetava-se na Instituição Militar com os primeiros a integrar os Cursos de Oficiais Milicianos (o COM) e os outros os Cursos de Sargentos Milicianos (o CSM).

Outro pequeno apontamento é que pelos anos acima indicados, talvez ainda se lembrem, pois já são anos “do século passado”, havia um esforço de guerra governamental em terras africanas para defender da cobiça internacional aquelas terras e aquelas gentes que nos tinham sido legadas pelas gestas dos descobrimentos e que os nossos “antanhos” tinham desbravado e defendido para nós, “numa mão a Cruz, noutra a Espada”.

Para esse esforço foram mobilizados milhares de jovens. Aos que na época eram estudantes, era facultada a possibilidade de adiamento da incorporação nas Forças Armadas através de pedidos nesse sentido, com base no desenvolvimento dos estudos.

Aos jovens que frequentavam o Instituto Industrial, que para lá chegarem tinham tido, para além da 4.ª Classe de escolaridade, 5 anos de Ensino Técnico e depois 2 anos das Secções Preparatórias, num total de 7 anos, mas que não tinham “equivalência funcional” aos 7 anos do Ensino Liceal, era também concedida a possibilidade de “pedido de adiamento” mas, para tal, o “aproveitamento escolar” deveria ser irrepreensível. 

 Havia umas quantas “cadeiras” que davam precedência a outras do ano seguinte e cuja falta implicava não se poder avançar e, consequentemente, ao nível do “aproveitamento” era considerado insuficiente para o fim pretendido.

3. - Continuando então com os factos

Este jovem que vos escreve, que até então tinha sido um aluno de razoável mérito, “distraiu-se” um pouco no meio da “cidade grande” e das suas solicitações, embora diariamente fizesse as viagens de comboio entre a casa familiar e a Escola. 

Como resultado disso, as notas da maior parte das disciplinas da 1.ª Frequência desse ano letivo de 1966/67 foram o que se pode chamar “um desastre”. Após isso, e reganhando vontade, atirou-se a tentar recuperar o possível e aconselhado por um Professor de uma das cadeiras fulcrais, a Física, deixou-a “cair” para ter possibilidade e capacidade para outras. Assim fiz.

Não passei de ano na totalidade, pois algumas cadeiras ficaram para trás, mas como ainda não tinha chegado a idade da incorporação militar não houve consequências imediatas. Entrei então no meu segundo ano de presença no Instituto, ano letivo de 1967/68, embora a frequentar novamente cadeiras do 1.º ano e, salvo erro, apenas duas já do 2.º ano, as que não necessitavam de precedência e tinha tido aproveitamento.

Esse ano correu bem.

4. – A situação “estranha”

No ano seguinte, ano letivo de 1968/69, em que já tinha ido “às sortes” em Agosto e aprovado para todo o serviço), as coisas “complicaram-se” a partir de um acontecimento insólito. A cadeira de Matemática II tinha um professor na “teórica”, de nome “Vítor qualquer coisa”, mas por lá conhecido na gíria por “papá”,  já que tínhamos a “mamã”, esposa dele, a dar a “prática”. Diga-se então, em abono da verdade, que funcionava assim como uma “disciplina familiar”…

A “mamã” era uma pessoa de baixa estatura que contrastava fortemente com a altura física do “papá”, o que por vezes era motivo de piadinhas, mas o mais agravante era o facto de a senhora dar aulas a crianças do preparatório e algumas vezes não se dava conta de estar a leccionar no Instituto a “pessoas crescidas” e com recorrência, para chamar a atenção a qualquer coisa, recorria à expressão “então, meninos, tomem lá atenção a isto”, coisa que criava animosidades.

Num dia de prova prática, ocorrida num dos pavilhões onde se davam aulas por falta de instalações apropriadas (um espaço retangular com o quadro ao fundo, a secretária da docente também, carteiras distribuídas em filas e porta de entrada num canto oposto ao quadro), a “mamã” começa a escrever no quadro o enunciado da prova, obviamente estando de costas para os alunos.

Acontece que aí na terceira ou quarta questão, enquanto a escrevia, a porta do fundo foi aberta e um aluno mais velho começou a dar em voz alta a solução para uma daquelas questões. Claro que houve algum “bruá” com o insólito da situação e eu também, entre outros, voltei a cabeça para trás para ver quem e donde vinha o “atrevimento”. Nesse instante a “mamã” também se virou e disse
- Arrume os seus papéis e saia!.

Com o pressentimento que aquilo podia ser para mim,  perguntei ao colega que estava ao lado, que me disse que lhe parecia que sim. Olhei para a “mamã” que nesse momento estava com a cabeça voltada para baixo e continuei a procurar responder às questões. Voltei a ouvir:
- Já lhe disse, arrume os papéis e saia!.

Incomodado com a injustiça e com o “sangue na guelra” dos 19/20 anos, levantei-me e interpelei pouco amistosamente:
- Isso é comigo?
- Sim, sim, saia!
- Mas, professora, eu não fiz nada, não era eu que falava, além disso já tenho estas questões resolvidas, porque é que tenho que sair?
- Porque eu mando!

Revoltado com a situação, levantei-me e incorretamente (do ponto de vista “civilizacional”) cheguei perto da “mamã” e, literalmente, atirei, à bruta, com o papel onde estavam algumas respostas resolvidas, para cima da secretária e saí. 

É preciso que se diga, também em prol da verdade, que 4 ou 5 dos colegas presentes falaram em meu abono e fizeram também menção de abandonar a sala, mas consegui demovê-los a tal.

5. – Consequências “quase” imediatas

Um pouco mais tarde, aquando da colocação das pautas com as classificações, verifiquei que no que me dizia respeito estava lá um provocador “8”, escrito por cima de número rasurado que, notava-se bem por o verniz corretor nem sequer disfarçar bem, que tinha dois dígitos. 

Estava ainda a tentar perceber/digerir o que se passava e as consequências do mesmo, quando vindo do corredor da secretaria aparece o “papá”. Na minha santa ingenuidade pergunto-lhe se não teria havido algum engano pois estava convicto de que no exame final ter tido um desempenho que esperava ser da ordem dos 14 ou 15 e afinal estava na pauta um 8.

Com a maior desfaçatez perguntou sibilinamente
- Qual é o seu número? - ao que eu disse:
- 8606. -  ele replicou (mostrando assim conhecer bem a “estória”):
- Ah, isso, é para ver se ganhas juízo para o ano!

Com esta situação, não foi possível mostrar que o aproveitamento era bom e como consequência fui chamado a incorporar o Exército, a meio de Julho de 1969 na EPC (Escola Prática de Cavalaria), em Santarém, para o 1.º Ciclo do CSM.

6. - Considerações

É aqui que peço o vosso auxílio para tentar extrair conclusões deste emaranhado de acontecimentos e seus enquadramentos.

Valorizar o sistema de Ensino então vigente? O seu elitismo? A sua forma de aplicar pedagogia?

Por outro lado, é bem verdade que, por via dos acontecimentos, tive a oportunidade de contactar e conhecer tantas pessoas com as quais agora desenvolvo relações de amizade e respeito.

Então qual deverá ser o sentimento que devo privilegiar nestas recordações?

Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF

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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23312: (In)citações (208): Uma tarde maravilhosa, na cidadela de Cascais, vendo com pessoas amigas a exposição "Portugal e Luxembugo: países de esperança em tempos difíceis" e recordando o nosso Aristides Sousa Mendes (João Crisóstomo, Nova Iorque)

sábado, 30 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23214: Humor de caserna (53): O anedotário da Spinolândia (III): a "melena" do cap inf Vasco Lourenço que irritou o célebre "Coronel Onze" (Fernando Magro, ex-cap mil art, BENG 447, Bissau, 1970/72)

 


Capa do livro do Fernando Magro - Memórias da Guiné. Lisboa: Edições Polvo, 2005, 86 pp.  Na foto, o filho, Fernando Manuel, e o seu cão, na casa em que a família vivia em Bissau. 



Fernando Pinto Valente (Magro), ontem e hoje


1. Mais uma história da Spinolândia (*): desta vez não envolve diretamente a figura do gen Spínola,  mas sim um dos seus próximos colaboradores, o "Coronel Onze",  e um futuro capitão de Abril, o capitão inf Vasco Lourenço, cmdt da
CCAÇ 2549/BCAÇ 2879 (Cuntima e Farim, 1969/71).

Foi já aqui oportunamente contada  pelo Fernando Valente (Magro) (**) que, aos 33 anos, casado e pai de um filho menor, foi mobilizado para o CTIG,  como cap mil art,  BENG 447,Bissau, 1970/72, e que publicou em 2005 um livrinho com as suas memórias da Guiné, de 86 pp.  (reproduzidas no nosso blogue, na série "Memórias da Guiné,  por Fernando Valente (Magro)".

Há dias recebi, pelo correio, uma cópia do livro, via Hélder Sousa (que faz parte parte dos corpos sociais da ANET - Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos, tal como o Fernando Magro; aliás, a edição do livro teve o apoio da ANET, e havia por lá sobras do livrinho: obrigado, Hélder, pela encomendinha que chegou a boas mãos pelo correio).



Capa do livro de Vasco Lourenço do Interior da Revolução, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro, Lisboa, Âncora, 2009, 608 pp.  

"Vasco Correia Lourenço nasceu em 19 de junho de 1942, em Lousa, Castelo Branco. Integrando desde o início o Movimento dos Capitães, coordenou a organização da sua primeira reunião em 9 de setembro de 1973, vindo a pertencer à sua Comissão Coordenadora e à sua Direção. Único oficial que pertenceu sempre aos órgãos de cúpula do Movimento dos Capitães (CC e Dir.) e do MFA (CCPMFA, CE, C20 e CR). Das várias condecorações que possui, destacam-se a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade e a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Presidente da Direção da Associação 25 de Abril, desde a sua fundação em outubro de 1982. Coronel na Reforma". Fonte: Wook


A melena, pouco "regulamentar", 
do cap inf Vasco Lourenço 


(...) Instalado no Clube de Oficiais, em Santa Luzia, próximo do Quartel-General, iniciei a 21 de Abril de 1970 a minha actividade nos Serviços de Reordenamentos Populacionais no Comando Chefe (Amura).

Durante a minha estadia nesse clube tive contacto com vários oficiais do quadro permanente e do quadro de complemento (milicianos) que também lá se encontravam instalados ou que, estando sediados fora de Bissau, por lá passaram para tratar assuntos relativos às companhias que comandavam.

Em finais de Abril o General Spínola reuniu numa grande sala do Palácio praticamente todos o capitães em serviço na Guiné. Eu, praticamente acabado de chegar, também estive presente nessa reunião.

O General traçou novos rumos no que dizia respeito à luta contra a subversão. Deu a entender que se estavam estabelecendo negociações com os chefes terroristas no sentido da resolução política do diferendo. Ordenou que as Companhias Operacionais não mais tomassem atitudes ofensivas, mas simplesmente defensivas. Mandou que se procedesse sem ódio nem brutalidade contra os prisioneiros de guerra e as populações afectas ao inimigo, de modo a que se possibilitasse a sua apresentação às autoridades e se pudesse caminhar para a pacificação.

 (...) Na referida reunião dos capitães com o General Spínola, fui surpreendido pela forma descontraída, directa e muito incisiva, como o Capitão Vasco Lourenço procurou saber do General mais pormenores sobre o modo como actuar futuramente face às novas directivas. Directivas que passados alguns dias foram canceladas, dado que foram mortos três majores e um alferes que, desarmados, procuravam o contacto com chefes terroristas de que havia indicação de se quererem entregar.

Um dos majores (Pereira da Silva) conhecia-o muito bem, pois havia privado com ele no GACA 3 tendo ele, na altura, o posto de Tenente.

A minha vida ia correndo sem grandes sobressaltos entre o Comando-Chefe e o Clube de Oficiais. Aqui no Clube, havia uma piscina e à noite por vezes havia cinema e outros espectáculos ao ar livre. Lembro-me de ter visto espectáculos de música, de ilusionismo e uma vez de hipnotismo. Neste último um soldado, depois de hipnotizado, foi convencido que estava uma noite gélida (ao contrário do que acontecia, pois tratava-se de uma cálida noite africana) e recordo-me como ele tremeu de frio e se agasalhou o mais que pôde com as roupas que tinha por perto.

Estando à beira da piscina, no dia 19 de Maio de 1970, ouvi pela primeira vez a artilharia dos independentistas em acção. Eram cerca de 23 horas quando foi desencadeado um ataque com artilharia ao Quartel de Tite. Os rebentamenros era perfeitamente audíveis em Bissau. O poder de fogo era grande, tendo havido lançamento, por parte das forças inimigas, de cinco mísseis.

No Clube de Oficiais fazia a minha vida depois de findo o meu serviço no Comando-Chefe. Era a minha casa. Lá tinha tudo: alimentação, dormida e até barbearia. Foi justamente na barbearia onde certo dia fui cortar o cabelo que se deu este episódio com o Capitão Vasco Lourenço que vou passar a contar.

Encontrando-me uma vez sentado numa das cadeiras da barbearia do Clube de Oficiais de Bissau, acomodou-se a meu lado o Capitão Lourenço. Imediatamente solicitou que lhe cortassem o cabelo. Este pedido surpreendeu o soldado da barbearia que, tartamudeando, se aprontou para o atender.
Mas... meu capitão, ainda nem há uma hora lhe cortei o cabelo!
– Pois é. Mas vais cortar-mo de novo.

O rapaz não replicou, mas muito em surdina, ainda conseguiu pronunciar duas palavras que só eu pude entender, embora com dificuldade.
– Está "apanhado".

Também fiquei intrigado com o que se passava, pelo que procurei esclarecer o assunto mais tarde. Quando ambos abandonamos o Clube de Oficiais, o Capitão Lourenço satisfez a minha
 curiosidade.

Segundo me explicou, havia-se cruzado, após o primeiro corte de cabelo, com um dos chefes militares de Bissau. O Coronel Onze, como era conhecido e não me perguntem porquê, era muito rigoroso com o atavio e o porte dos seus subordinados, principalmente com os oficiais. Quando se cruzou com o Capitão Lourenço te-lo-á interpelado com severidade, chamando-o à atenção para o facto de o seu corte de cabelo não ser o regulamentar.
– O Senhor Capitão é miliciano?
– Não, não, meu Coronel. Eu pertenço ao quadro permanente.
– Mas isso é indisculpável. Faça o favor de ir cortar o cabelo imediatamente. Essa melena na testa é uma vergonha. Depois apresente-se no meu gabinete.

Seguidamente a este relato, que tentei aproximar tanto quanto me foi possível da realidade, o Capitão Lourenço teceu várias considerações e deu curso à sua revolta interior.

Explicada a razão pela qual o Capitão Lourenço teve necessidade de cortar o cabelo, pela segunda vez no mesmo dia, o referido oficial encaminhou-se para o gabinete do Coronel Onze. 
(...)

Fonte: Excertos de Fernando Magreo - Memórias da Guiné. Lisboa: Edições Polvo, 2005,  pp. 37

[Fixação / revisão de texto / título do poste: LG]

2. Comentário do nosso editor LG:

O nosso camarada José Câmara, em comentário ao poste P12028 (**) identificou o "Coronel Onze" como sendo o "Coronel Santos Costa". E acrescentava: "não era só austero, era desumano". Não conseguimos, no entanto,  encontrar nenhum coronel, no CTIG, com este apelido nos livros da CECA...

Será que se trataria do cor cav Fernando Rodrigues de Sousa Costa, um dos comandantes do COMBIS (Bissau), não ?!

O Carlos Pinheiro acrescentou (**): "Gostei desta memória e acima de tudo de ouvir falar do tal "coronel 11" que era mais que famoso na cidade de Bissau. A maior parte dos militares nem o chegou a conhecer, mas histórias acerca dele toda a gente conhecia."

Veja-se este episódio do "anedotário da Spinolândia" também como uma homenagem ao sentido do humor do nosso veterano Fernando Magro (um dos seis membros da família Magro que fizeram a "guerra do Ultramar") e sobretudo ao capitão de Abril , Vasco Lourenço, uma figura que, como diz o Carlos Silva (**), já pertence à história deste país, tal como o gen Spínola,  e que, como tal, merece o nosso respeito. (Felizmente ainda está vivo e vai fazer em breve 80 anos.)

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23197: 18º aniversário do nosso blogue (3): Um blogue que tem querido e sabido incluir-nos a todos (Hélder Sousa, provedor do leitor)

1. Mensagem de Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, nov 1970/ nov 72 

[ Ribatejano, de nascimento (Vale da Pinta, Cartaxo) e formação (Vila Franca de Xira), português, cidadão do mundo; Engenheiro Técnico Electrotécnico e consultor em segurança do trabalho; vive em Setúbal; membro da Tabanca Grande desde 11/4/2007, tem 176 referências no nosso blogue; colaborador permanente, com o pelouro  de "provedor do leitor". ]


O “nosso” Blogue faz anos, novamente! Pois cá estamos, de novo, a comemorar o aniversário do Blogue.

E refiro, salientando “estamos”, porque insisto na ideia de que o Blogue, embora tenha sido criado pelo Luís Graça, de há muito que, como escrevi aquando do seu 17º aniversário, ele foi “apropriado” pelos seus membros.

Quase todos têm esse sentimento de que “o Blogue é nosso”. E têm razão! Se o Luís e os membros iniciais têm o mérito de o terem começado, a verdade é que fomos todos nós, os que de alguma maneira o engrossaram com as suas contribuições, o ampliámos e lhe fomos dando a alimentação e a visibilidade, que contribuíram para a sua longevidade. E isso não é de modo algum despiciendo pois como as pessoas em geral se movem por modas o que agora é mais apetecível são as frases e as ideias curtas, os “twits”, os “facebooks”, etc., pois os tempos são de grande frenesim e não há tempo nem paciência (nem capacidade…) para ler mais que 4 ou 5 linhas de texto. Bastam umas quantas “bocas”, umas provocações, e já está!

Na verdade, no Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, e também como escrevi faz anos, desde que foi criado “já muito, muitíssimo, foi escrito, comentado, muitas fotos ilustraram as palavras, os locais e acontecimentos, muitos livros lá deram à estampa, muita poesia foi apresentada, muitas outras iniciativas foram potenciadas, publicitadas, acarinhadas, muitos estudos com maior ou menor profundidade foram apresentados, muita polémica (bastantes vezes desnecessária) foi desenvolvida.”

Tudo isto foi e é a vida do Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”.

Mas também acrescentei mais e que acho não perdeu a atualidade e por isso considero que continua a ser verdade que “sobre o tema da guerra em África existem, ou existiam, muitos Blogues. Quase todos relacionados com as Unidades funcionais (do Batalhão, da Companhia, etc.) de quem promoveu esse repositório de memórias que, no geral, começaram por ser individuais ou do coletivo restrito. Ao nível do “Facebook” são os inúmeros os sites, muitos deles em “concorrência” de seguidores”.

No entanto, o “nosso Blogue” tem algo mais! Tem o seu “livro de estilo”, as suas regras. É verdade que as regras se fizeram para serem respeitadas e se assim fosse tudo seria muito bom. Mas também há quem pense que são para serem “quebradas”, torneadas, usadas nas partes convenientes. Afinal há de tudo e o Blogue também, por este aspeto, é realmente uma boa amostra da sociedade.

Esta questão da “representatividade” também chegou a ser tema de discussão. E em tempos também sobre isso escrevi que “é verdade que a representatividade é sempre questionável mas creio muito sinceramente que, pese embora o âmbito das questões que normalmente ocupam os conteúdos, no essencial tendo por pano de fundo a Guiné e as nossas vivências por lá, o universo dos que por aqui vão contribuindo e dos que apenas “espreitam” é bem ilustrativo da diversidade e pluralidade de opiniões, conceitos, participações. Há de tudo!”

Procurando não cometer nenhuma injustiça, por qualquer omissão que pudesse involuntariamente produzir, não citarei nomes dos mais recentes contribuidores que têm enriquecido o Blogue e com isso proporcionado ainda maior longevidade, mas é justo que refira o Cherno, relativamente à revelação da sua entrevista para a tese de mais um trabalho sobre “as coisas do nosso tempo”, pelo que tem de correção, de assertividade (que ele depois nos disse ter sido contida), de estar permanentemente a contribuir para um maior esclarecimento dos usos e costumes da Guiné. São situações destas que animam a vontade do(s) Editor(es) em continuar, pois o cansaço vai aumentando à medida do aumento dos anos e das maleitas.

Também escrevi em tempos que “se quisermos ser mais sentimentalistas para procurar os benefícios do Blogue, podemos lembrar quantas confissões de “blogueterapia” já foram produzidas, quantas romagens de saudade traduzidas nas visitas que já foram feitas e aqui indiretamente incentivadas, quantas iniciativas de solidariedade, quantas colaborações e contribuições para estudos mais ou menos académicos, quantas “tabancas gastronómicas” foram criadas, revelando por si mesmas a satisfação de encontrar pessoas que passaram por situações iguais ou semelhantes”. Tudo isto… não é nada pouco!

Por tudo isto só me posso sentir grato por, em boa hora, ter descoberto o Blogue e através dele ter aumentado o meu conhecimento geral e até particular em muitos aspetos da “guerra da Guiné”, por ter podido conhecer pessoas que estimo verdadeiramente, seja pela sua grandeza humana, intelectual, de solidariedade, de amizade genuína.

Volto a escrever que “O Blogue deve continuar. O Blogue tem que continuar”.

Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
__________


Vd. também 23 de abril de 2022  > Guiné 61/74 - P23190: 18.º aniversário do nosso blogue (1): Entrevista a Cherno Baldé, nosso colaborador permanente, dada a Verónica Ferreira, doutoranda ("Memórias Virtuais. Representações digitais da guerra colonial", Projeto CROME, Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra)

quinta-feira, 24 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23108: "Alfero Cabral ca mori": Lista, por ordem numérica e cronológica, das 94 "estórias cabralianas" publicadas (2006-2017) - IV Parte: de 60 a 79


Monte Real > Palace Hotel > V Encontro Nacional da Tabanca Grande > 26 de Junho de 2010 > O heterodoxo Jorge Cabral, de punho erguido (e dedos descaídos) como nos heróico-operáticos tempos da guerra do Cuor, entre o Jorge Picado (o bravo capitão miliciano ilhavense que, além dos 4 filhos legítimos, arranjou mais uma centena e meia de adoptivos, aos 32 anos, ou seja, uma companhia) e o Hélder de Sousa (o homem da TSF no CTIG, que tinha um poster do Che Guevara no quarto em Bissau, longe do Vietname)... Não foi possível identificar a misteriosa bajuda, que está do lado direito, escondendo o rosto e com uma máquina fotográfica na mão. 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro de Jorge Cabral, "Estórias Cabralianas", vol I.
Lisboa: Ed José Almendra, 2020, 144 pp. Tinha um II volume,
 praticamente pronto para ser publicado. 
O editor adoeceu e a  morte surpreendeu o autor.


1. A propósito deste II Volume que o Jorge queria muito publicar em vida, fica aqui o pedido do  camarada Alberto Branquinho, que também fazemos nosso:

"Companheiros: Tentei contactar o filho do Jorge Cabral através do telemóvel que o meu irmão conseguiu obter. Pretendia alertá-lo para a existência de um conjunto de textos que correspondem ao 2º.vol. das "Estórias Cabralianas", que ele queria publicar. Não o conseguiu devido à pandemia e ao agravamento da sua saúde.

Acontece que esse telemóvel respondeu, durante o passado fim de semana, com uma gravação: "não está atribuído". Terá sido, talvez, um 2º. telemóvel que o Jorge teria e que foi desactivado.

Como não pude estar no velório, não contactei o filho, que não vejo há mais de 20 anos. Assim, deixo aqui a todos vós o pedido de, caso tenham meios, contactem o filho Pedro Cabral para o alertar da existência do material correspondente ao 2º. volume (que poderá estar em dossier ou, até, mal organizado, porque o Jorge era assim). É que ele terá que recolher os papéis do pai antes de entregar a casa ao senhorio. Será uma acção para manter a sua memória e satisfazer a sua vontade. Cumprimentos. Alberto Branquinho. 10 de janeiro de 2022 às 11:33 " (Comentário ao poste P22890) (*)


2. Lista das estórias cabralianas, por ordem numérica e cronológica - Parte IV: De 60 a 79 (*):


O Jorge irá continuar a "inspirar-nos" e a "provocar-nos" com as suas "estórias cabralianas"... que não envelheceram!... Continuo, ao fim deste tempo todo, a ler e a reler, divertido, estes "microcontos", um género literário em que  ele se tornou mestre. 

As desta lista são "estórias" publicadas no nosso blogue, entre maio  de 2010 e junho de 2013. A mais lida  da lista terá sido  a n.º 61 (Os poderes do professor Wanatu...): teve 711 visualizalções. A que teve mais comentários (16) foi a n.º 64 (O avô, o neto e os heróis...).

O nosso JERO (a quem chamava o "último monge de Alcobaça", e que também já lá está no Olimpo dos Combatentes, e era um avô  babado) escreveu o seguinte comentário à estória n.º 64:

"Boa noite Jorge. Que bonita história! Li a tua história em voz alta para a minha mulher que se tinha acabado de sentar e não esteve para se levantar quando lhe pedi que viesse até ao cumputador. Na parte final quase me engasguei... comovido. Meia dúzia de linhas e uma história de vida tão sentida. Era tão bom que todos os avós fossem heróis para os seus netos! Esta foi a minha mulher que disse. Um grande abraço de Alcobaça, JERO.

PS - Deste-me força para mandar para o nosso blogue uma história da minha neta Mariana que tem quase 4 anos. 9 de novembro de 2010 às 23:12" (Comentário ao poste P7251)

O Jorge Cabral (1944-2021), ex-alf mil at art, cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mndinga e Missirá, 1969/71), advogado, especialista em direito penal, professor do ensino superior, era muito querido e popular entre a malta da Tabanca Grande: basta referir, por exemplo, que o seu poste de parabéns, do dia 6/11/2009 (P5221) teve 1531 visualizações e 30 comentários. Era igualmente uma figura muito querida entre as suas antigas alunas, as assistentes sociais,  que, antes dele morrer, fizeram-lhe uma despedida emocionante à porta da sua casa no Estoril.


19 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6428: Estórias cabralianas (60): O manifesto do nosso alfero (Jorge Cabral)

(...) Caro Luís,
nunca será demais enaltecer o teu blogue,
o qual nos tem permitido, principalmente recordar.

Como tu dizes,
fui um tropa desalinhado,
marginal
e quase sempre provocador,
características que mantive ao longo da vida. (...)


21 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6769: Estórias cabralianas (61): Os Poderes do Professor Wanatú... (Jorge Cabral)

(...) Bruxarias, espiritismos, magias sempre me atraíram. Ainda na Guiné, aconselhado a um jejum de um mês, para poder comunicar com os mortos…, quase morri de fome. Claro que não acredito em tudo, mas admiro o poder de sugestão dos profissionais, embora às vezes me desiludam, como a vidente Zinha, que quando estava a entrar na minha vida passada de monge austríaco, se lembrou do almoço do Pai e interrompendo a sessão, começou a gritar para a filha:
- Maria, vai ver o lume! Não deixes queimar a tomatada do avô! (...)


26 de Julho de 2010 > > Guiné 63/74 - P6787: Estórias cabralianas (62): À Tesão, Pelotão!... Este é o Alfero Souza, meu amigo (Jorge Cabral)

(...) Com o Pelotão [, o Pel Caç Nat 63,] em Bambadinca, preparando-me para arrancar para o Xime, eis que deparo, com um Gandhi, de camuflado, que avança para mim com os braços abertos. É o Souza, com "z", meu amigo e camarada de Vendas Novas. (...)


14 de Agosto de 2010 >Guiné 63/74 - P6851: Estórias cabralianas (63): As Sereias do Rio Geba... ou a violência doméstica subaquática (Jorge Cabral)

(...) Foi na Guiné que aprendi a contar estórias às Crianças. Comecei lá e nunca mais parei. Ainda ontem conheci uma Menina. Disse-me que tem um gato e eu falei-lhe das minhas duas moscas, uma de cama, coitada, cheia de febre… Em Missirá, na Escola, comecei com a Branca de Neve e os 7 Anões, mas logo desisti. (...)

9 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7251: Estórias cabralianas (64): O Avô, o Neto e os Heróis (Jorge Cabral)

(...) Mais um dia. Lá vou eu entalado entre os anafados peitos de uma dama e a gravata de um cavalheiro, que hoje fez greve ao chuveiro. O Metro segue cheio, mas há sempre lugar para mais um. Na Estação do Saldanha, é invadido por uma excursão de meninos, com a Mestra à frente (bem jeitosa, por sinal). São barulhentos os putos… e eis que um, apontando para mim, grita:
– Aquele ali, é da raça do meu Avô, é um Senhor Herói!. (...)


15 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7792: Estórias cabralianas (65): Os românticos... também mijam (Jorge Cabral)

(...) Estava calor e todo o quartel dormia a sesta. Em cuecas, o Alfero urinava contra a parede (bem não urinava, mijava, pois na Tropa, ninguém urina, mija). Eis que um jipe se acerca. Nele, três alferes de Bambadinca, acompanhados de duas raparigas. Ainda a sacudir “o corpo do delito”, disfarça, cora, mas que vergonha (!). Claro, ninguém lhe aperta a mão. Elas são a filha do Senhor Brandão e uma amiga de Bissau, cabo-verdiana. Vêm visitar Fá. Chama o fiel Branquinho. Que os leve a todos para o Bar, enquanto ele se veste e se penteia. Regressa impecável. À paisana, de camisinha branca, calças azul-bebé. (...)


17 de março de 2011 > Guiné 63/74 - P7959: Estórias cabralianas (66): O meu colega Mãozinhas (Jorge Cabral)

(...) Foi na prisão de Alcoentre que conheci o Mãozinhas, por intermédio do meu amigo e cliente, o 24, nome que ganhou há muito tempo, num bordel, sito à Rua do Mundo. E porquê, 24? Ora, é fácil adivinhar. O tamanho, melhor, o comprimento (...)


11 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8892: Estórias cabralianas (67): Lagarto ka ta tchora! (Jorge Cabral)

(...) Em Missirá não existiam rafeiros, até porque era muito mais uma Tabanca do que um Quartel. Lá viviam duzentas almas, pelotão Nativo e pelotão de Milícias, mais população e, no meio de toda esta gente, apenas dez europeus, o que levou muitas vezes o Alfero a interrogar-se: Afinal quem 'colonizava' quem? (...)


4 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8992: Estórias cabralianas (68): Zina, a bordadeira do Pilão (Jorge Cabral)

(...) Chegado na véspera e instalado no Biafra, entrei pela primeira e última vez na Messe de Oficiais em Santa Luzia. Era noite do Bingo. Procurei algum conhecido e encontrei o Gato Félix, estudante de Letras, ora Alferes, o qual também me pareceu entediado. (...)


18 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9223: Estórias cabralianas (69): Onde mora o Natal, alfero ? (Jorge Cabral)

(...) Também houve Natal em Missirá naquele ano de 1970. Na consoada, os onze brancos e o puto Sitafá, que vivia connosco. Todos iam lembrando outros Natais. Dizia um:
– Na minha terra…

E acrescentava outro:
– A minha Mãe fazia… (...)

3 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9304: Estórias cabralianas (70): Sambaro, o Dicionário e o Afecto (Jorge Cabral)

(...) Agora que tenho tempo, tornei-me um caminheiro. Logo pela manhã abalo pela cidade. Travessas, calçadas, pátios, becos, vilas, percorro devagar essa Lisboa escondida, quase invisível. Foi num desses passeios que encontrei Ansumane. Um negro velho e calvo, que entre a Travessa da Lua e o Beco das Estrelas, arengava em crioulo. (...)


24 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9796: Estórias cabralianas (71): Fixações etnomamárias: evocando o meu avoengo Carloto Cabral que, no séc. XVIII, crismou Quebo como a Aldeia das Mamas Formosas (Jorge Cabral)

(...) Há uns tempos recebi uma simpática mensagem de uma leitora das “estórias cabralianas”. Gabava-me o humor mas alertava-me, algumas indiciavam uma certa “fixação mamária”. Nada de grave, que não pudesse ser tratado no seu divã, de psicanalista, presumo. (...)

9 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9873: Estórias cabralianas (72): Ressonar... à fula (Jorge Cabral)

(...) Além de ressonar, sempre falei a dormir. Um dia em Missirá propus-me descobrir, de que falava, o que dizia. Ora, havia lá um velho gravador de fita, máquina pertencente a não sei quem, enfim nossa, pois viviamos numa espécie de “economia comum”. Resolvi pois gravar uma das minhas noites. (...)

29 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10307: Estórias cabralianas (73): O Conde de Bobadela (Jorge Cabral)

(...) Estou no Tribunal de Mafra à espera de um Julgamento, quando uma mulher me interpela:
- É o Senhor Conde, não é?

Hesito, mas para evitar mais conversa, respondo:
-Sou sim. Como vai a senhora?
-Ai, que já não se lembra da Aurora! Eu trabalhava em casa do Senhor D.Ilídio. O Senhor Conde ia lá muito, quando estava na tropa. (...)

1 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10463: Estórias cabralianas (74): Danado para as cúpulas... (Jorge Cabral)

(...) – Branquinho, eu era danado para as cúpulas ? – perguntei-lhe um dia destes, porque habitualmente me socorro da sua memória. Ainda há meses, logo depois do almoço da CCS do Bart 2917, em Guimarães, no qual contaram tantas estórias do meu Missirá, tive de procurar confirmação junto dele. Praticamente eram todas invenções, pois também têm direito…

A esta questão, o Branquinho nem soube responder.
–Cúpulas ? Quais cúpulas? (...)

10 de novembnro de 2012 > Guiné 63/74 - P10647: Estórias cabralianas (75): O alfero na Casa dos Segredos (Jorge Cabral)

(...) Há mais de sessenta anos que conheço esta Leitaria. Fica na Avenida do Brasil e quando eu era miúdo havia lá uma vaca. Uma vaca em plena Lisboa…Quando conto,pensam que é estória, mas não é, a Senhora Margarida, vendia o leite produzido à vista do cliente. (...)


15 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10943: Estórias cabralianas (76): Não sei se por distracção ou por preguiça, mas esqueci-me de morrer... (Jorge Cabral)

(...) Não sei se foi por distracção ou por preguiça, mas esqueci-me de morrer. Claro que tenho pago escrupulosamente o Imposto de Sobrevivência, mas agora resolvi aceder ao apelo governamental “ todos os velhos devem comparecer na Central de Abate,o que constitui um dever patriótico”. Comuniquei a decisão à família, que ficou muito contente, principalmente a minha bisneta Carol, que foi logo requerer mais um filho nos Serviços de Programação Genética. Um rapagão que nasça já crescido para não dar trabalho (...).

18 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11586: Estórias cabralianas (77): As bagas da Dona Binta e os seus efeitos... secundários (Jorge Cabral)

(...) Não sei porque razão os Guineenses escolheram o Largo de S. Domingos, para se reunirem todos os dias. Logo de manhã, chegam, conversam, discutem, compram e vendem. É um lugar recheado de História. Foi de lá que partiram os quarenta conjurados para, em 1640, restaurarem a Independência, mas foi também ali que se iniciou a grande matança de Judeus em 1506. Deixo porém para outros a História séria, pois este velho Alfero conta é estórias (...)

12 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11707: Estórias cabralianas (78): A Justiça da Velha Mandinga (Jorge Cabral)


(...) Em Agosto de 1969, nasceu a minha sobrinha Maria João e logo fui nomeado padrinho, tendo sido marcado o baptizado para Janeiro de 1970, nas minhas férias. Numa sortida a Batatá, comprei um boneco, coisa fina, talvez de origem francesa, para levar como prenda. Parecia mesmo um bébé, de bochechas rosadas, com fralda e biberon. Guardei-o na mesa de cabeceira, mas às vezes mostrava-o às meninas da Tabanca, que frequentavam a escola. (...)



17 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11720: Estórias cabralianas (79): O Capitão-Tenente dos Submarinos (Jorge Cabral)

(...) Qual Guiné? São tantas. Cada um cria a sua ou inventa... E quem diz Guiné, diz Guerra. Por mim conheço muitas... Mas como esta, que mora no Beco do Cotovelo, à beira da Mouraria, não deve haver mais nenhuma. É na tasca da Conceição, onde às vezes abanco com três ex-combatentes da Guiné. Todos eles lá estiveram, em lugares e tempos diferentes e todos davam pelo nome de Mouraria. (...)
___________

Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22837: O meu sapatinho de Natal (18): Boas festas 2022: Patrício Ribeiro (Grupo de Bijagós com as suas tradições, Bubaque); Hélder Valério de Sousa; Tibério Borges; José Barros Rocha


Grupo de Bijagós, com as suas tradições, na Casa do Ambiente de Bubaque.

Cartão de boas festas enviado em 23/12/2021, 16:45.

Patrício Ribeiro
Impar Lda, Bissau

Há mais de 30 anos na Guiné-Bissau
impar_bissau@hotmail.com
https://www.imparenergia.com/

********************

Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72:

Meus caros e estimados Amigosbr > Desta vez não vos vou incomodar com as minhas evocações de recordações menos boas.
Escrevo, apenas e só, para formular os desejos de que, na medida do possível, tenham umas "Festas Felizes" e que o Novo Ano, que se avizinha, nos possa trazer a esperança de que se consiga viver estes tempos de vida que nos restam (sim, cada dia que passa estamos mais próximos da "partida") com a alegria dos nossos convívios, pois através deles revivemos e vivemos os tempos de juventude e que ajudaram a cimentar as nossas amizades.
Como uma "família", que também somos, temos os nossos períodos de harmonia, as nossas zangas, tal como nas famílias de sangue, mas temos o dever de valorizar o que é bom e ultrapassar o que pode ser incómodo, sempre, mas sempre, no respeito pelas opiniões e pontos de vista "dos outros".

Assim nos saibamos comportar.
Boas Festas

Abraços
Hélder Sousa


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Mensagem deixada no Formulário de Contacto do Blogger pelo nosso camarada Tibério Borges, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2726, Cacine, Cameconde, Gadamael e Bedanda, 1970/72:

A toda a equipa deste Blogue, votos de Boas Festas de Feliz Natal e para que o ano que se aproxima venha com muita saúde.

Um abraço para todos
Cumprimentos,
Tibério Borges


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Mensagem deixada no Formulário de Contacto do Blogger pelo nosso camarada José Barros Rocha, ex-Alf Mil da CART 2410 - Os Dráculas, Guileje e Gadamael, 1968/70:

Aos Caríssimos Editores do Blogue (Luís Graça, Carlos Vinhal, Magalhães Ribeiro e Jorge Araújo), bem como a todos os Membros da Tabanca GRANDE:
Votos de um Feliz Natal - com muita saúde ! - e que o próximo ano nos permita o Reencontro.

A todos um grande Abraço de camaradagem e Amizade!
Cumprimentos,
José Rocha

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Nota do editor

Último poste da série > 23 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22834: O meu sapatinho de Natal (17): O meu Natal no mato em 1966 (José António Viegas, ex-Fur Mil)

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22731: O cruzeiro das nossas vidas (31): a minha viagem (pacífica) no N/M Ambrizete, de 3 a 9 de novembro de 1970, com partida (atribulada) oito dias depois do programado (Hélder Sousa, ex-fur mil trms, TSF, Piche e Bissau, 1970/72)


N/M Ambrizete, navio misto, da SG, Grupo CUF

Fonte: Álbum dos Navios da Marinha Mercante Portuguesa (Publicado pela Junta Nacional da Marinha Mercante em Junho de 1958). Reproduzido aqui com a devida vénia...

Construído em 1948 na Inglaterra, tinha cerca de 138 metros de comprimento e 5500 toneladas de arqueação bruta. Deslocava-se a uma velocidade de 13 nós (1 nó = 1 milha náutica/hora = 1,852 quilómetros/hora), tinha 37 tripulantes e pertencia à SG, a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, com sede em Lisboa (Grupo CUF). 

Recorde-se que a CUF - Companhia União Fabril estava representado na Guiné pela Casa Gouveia, adquirida na década de 1920 (1)... Eram cargueiros da SG como o Ambrizete que traziam para a Metrópole a mancarra com que a CUF fazia o seu famoso Óleo Fula (em 1929 conseguiu a autorização para produzir óleo alimentar, em regime de monopólio, e em clara concorrência, desleal, com os produtores de azeite) (*)

1. Texto enviado hoje pelo Helder Sousa (ex-fur mil trms,  TSF, Piche e Bissau, 1970/72):


A minha viagem para a Guiné no N/M “Ambrizete”



por Hélder Sousa


O nosso Amigo e Editor da “Karas”, da Tabanca do Centro, Miguel Pessoa, pediu-me colaboração com um texto para publicação. Entretanto, na procura de inspiração e de recordações, apareceu e li no Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné” um conjunto de artigos e comentários sobre os navios que foram utilizados no transporte de tropas e de material e das memórias que isso concitavam (**).  A acrescentar, também o Amigo e Editor da Tabanca Grande, Luís Graça, me desafiou a relembrar a minha viagem com as suas particularidades.
Vinheta de propaganda da ARA,
referente à sabotagem do navio
de mercadorias Cunene, Lisboa,
em 26 de outubro de 1970.

Deste modo, juntando “as pontas” e as vontades, aqui me prontifico a fazer isso, tanto mais que as datas relacionadas não andam longe. Também devo referir que alguns aspetos da viagem, principalmente das circunstâncias anteriores à mesma, já foram referidos num dos primeiros artigos que escrevi para o Blogue e a que dei o título de “O último adeus”.

Começando pelo princípio devo dizer que a minha viagem, em rendição individual, estava marcada para
 a manhã do dia 26 de Outubro de 1970 (e ainda é a que figura na caderneta militar). Ora bem, como se podem lembrar, nessa madrugada ocorreu o chamado atentado ao N/M Cunene (**) e, nessa referida manhã, no Cais da Rocha, as dificuldades para os passageiros que deveriam tomar o transporte atribuído eram muitas. Não sei se por causa disso, não me recordo se foi ou não mencionado, a verdade é que o referido transporte, o N/M Ambrizete  estava ancorado no meio do Tejo e para lá chegar isso fazia-se nas lanchas da Sociedade Geral que serviam de comunicação.

O “Ambrizete” era um cargueiro que dispunha de 6 cabinas duplas, 
pelo que levava 12 passageiros, sendo 6 militares das Transmissões (3 Furriéis TSF e 3 TPF), ocupando no conjunto 3 cabinas; uma mãe, que a memória me sussurra ser cabo-verdiana, com 3 filhos,  ocupando 2 cabinas; e a restante era ocupada por dois civis, um homem já maduro que ia de contrato para ir trabalhar para a Tecnil e um outro, mecânico de automóveis, que não sei como, mas arranjou maneira de ir para a Guiné para fugir à perseguição que a sua mulher e o padeiro lá da terra lhe moviam a contas de uma alegada infidelidade conjugal entre ele e a mulher do tal padeiro, tendo a bordo
 apenas a roupa que tinha vestida, pois parece que não teve tempo para mais.

Na hora da despedida no Cais, o pessoal da lancha comentou baixinho para nós militares, que “não era preciso tanta despedida pois não íamos partir hoje”.

Ao chegar ao barco fomos convidados a escolher as cabinas e fomos informados que, devido a vários problemas, como por exemplo uma má distribuição da carga que fazia o barco adornar (inclinar) cerca de 13 graus a bombordo (à esquerda, tomando como referência a proa do navio) e também com uma avaria num dos frigoríficos. Não sei a que se devia a “má distribuição da carga”, se por o barco ter eventualmente largado o cais à pressa, devido à tal ação de sabotagem, para se colocar no meio do rio, ou por terem realmente depositado no porão vários materiais não tendo em conta os seus diferentes pesos, sendo que a carga era de natureza diversa, desde géneros alimentares (alguns chegaram lá à Guiné já em menores condições por não se ter conseguido colocar o frigorífico em boas condições), até bombas para avião, segundo disseram.

Pouco tempo decorrido da chegada a bordo, o cargueiro apontou à foz do Tejo, fazendo crer a quem estava no Cais que era a partida, mas na realidade o que se fez foi andar o resto da manhã e boa parte da tarde a “fazer agulhas” ao largo da baía de Cascais, com vista a tentar melhorar a distribuição da carga. Ao fim da tarde regressou-se ao ponto de partida e, como era 6ª feira, o Comandante do navio disse que quem quisesse podia ficar a bordo mas quem quisesse sair e passar o fim-de-semana em casa o podia fazer, pois durante o sábado e domingo não ia haver saída, mas com a condição de se voltar na 2ª da manhã.

Aqui voltou a haver aspetos que normalmente não aconteceram com a maioria dos que embarcaram nos diversos navios e que foi, por exemplo, o transporte gratuito entre as margens do Tejo nas lanchas que levavam pessoal para Cacilhas e ligavam a Lisboa, facilidades que utilizei.

Os meus outros dois camaradas TSF foram a Setúbal, a casa do Nelson Batalha, pois por coincidência nesse fim de semana o F.C.Porto, clube da simpatia do Manuel Martinho, jogava lá com o Vitória local. Voltaram na 2ª feira, conforme aprazado e já não saíram, a não ser umas escapadas rápidas a Cacilhas nas tais lanchas. 

Eu aproveitei para ir a Vila Franca surpreender e assustar a minha mãe e quando na 2ª feira, 29, voltei, disseram-me nos escritórios da SG que “podia voltar para casa, pois os trabalhos estavam demorados e o melhor era ir telefonando para saber quando seria”, coisa que fiz então diariamente até ao dia 3 de Novembro de 1970, quando recebi a indicação de que “era hoje à noite, e tinha que apanhar, o mais tardar, a lancha das 22:00”.

Durante esses dias do intervalo de tempo fiz várias coisas, sendo que no tal dia 3 de Novembro fui ver um filme no “Tivoli”, com Sophia Loren e Marcello Mastroianni, com o título original em italiano “I girasoli” mas que foi intitulado em Portugal de “O Último Adeus”  e que tratava da busca de uma jovem italiana pelo seu marido dado como desaparecido, quando integrado num batalhão italiano que participava na invasão da Rússia pelas tropas alemãs na 2ª Grande Guerra Mundial. 

Em dada altura do filme vê-se o protagonista, o Marcello Mastroianni, caminhando num campo gelado e encontra alguns corpos congelados de camaradas seus e, quando tenta pegar num deles por um braço,  o mesmo parte-se como um pedaço de gelo. Nesta altura o filme interrompe-se para o intervalo e como já eram cerca das 17:00 horas, hora mais ou menos combinada com os escritórios da SG para o contacto diário da tarde, precipitei-me para o telefone do “foyer” e lá fiz a chamada, referindo com as cautelas necessárias para diminuir a identificação, mas sendo claro que se tratava “do militar que queria saber se a partida para a Guiné estava ou não prevista para hoje”. De lá disseram que sim, com referi no final do parágrafo anterior. 

Não me apercebi que se tinha formado uma fila de pessoas que também queriam telefonar e quando me voltei deparei com vários olhares de comiseração e de quem estava a “olhar para um morto”, pois por esses tempos a palavra “Guiné” era sinónimo de complicações….

Acabado o cinema,  fui jantar com a então minha namorada, num pequeno restaurante próximo de Santa Apolónia, que ainda lá está e que tenho ideia de se chamar “O Farol”, a seguir ela foi apanhar o comboio e eu o transporte para o Cais, onde a lancha me levou ao “Ambrizete”, houve mudança de turno e lá seguiu rumo à Guiné, agora com “apenas” 7 graus de inclinação.

Os meus companheiros de viagem já estavam ambientados, já estavam no barco há muito tempo, mas eu tinha acabado de chegar, vinha de uma despedida, vinha de um filme dramático e não estava com muita disponibilidade para grandes brincadeiras, grandes alegrias e por isso isolei-me, encostado à amurada, a olhar de modo a absorver tudo o que via para poder depois fechar os olhos e rever, e pensar no que o “destino” me poderia reservar.

Nisto, sou surpreendido pela presença do tal homem da Tecnil que me vem pedir para fazer “uma oração de despedida e de pedido de bom acompanhamento para a viagem”, pois os “sacaninhas” dos meus camaradas TSF, que se encontravam no deck superior a gozar a cena,  lhe tinham dito que eu era muito religioso e até tinha estado num Seminário…

Como me apercebi da tramoia,  não quis desiludir, nem tratar mal, o personagem, e lá o deixei contente e satisfeito, com a minha homilia, apesar de por esses tempos me encontrar militantemente afastado da Igreja.

Durante a viagem as refeições normais (geralmente muito boas) mereciam a companhia do Sr. Comandante do navio mas dada a falta de higiene do tal mecânico, que não tinha roupa para mudas, ele comentou haver um cheiro desagradável, o que fez com que se tivesse que “tomar medidas” e explorando a natural curiosidade do “nosso mecânico”,  houve quem o levasse a ver o “veio da hélice”, havendo então elementos da tripulação que aproveitaram para lhe proporcionar um banho de agulheta e depois, enquanto a roupa era lavada e posta a secar, houve que lhe emprestar alguma roupa interior, embora isso o obrigasse a ter as refeições no camarote.

A viagem em si mesma, ressalvando a tal inclinação a que nos habituámos depressa, correu bem. Tenho ideia que se navegou a 13 nós (não sei confirmar), que passámos por entre dois grupos das Ilhas Canárias, que aconteceu por várias vezes sermos presenteados com a companhia exibicionista de peixes-voadores e que durante a noite de 8 para 9 de Novembro ultrapassámos o “Carvalho Araújo” que seguia pachorrento com a sua “carga humana”, sendo que por isso chegámos a Bissau na manhã cedo do dia 9.

Ainda durante a viagem, por força do bom relacionamento e interação que se foi fazendo com a tripulação, numa das primeiras manhãs, aquando do que seria o pequeno almoço, perguntaram se não queríamos um “mata-bicho”. Pensando que se trataria de aguardente ou coisa assim, recusámos, mas lá nos explicaram que era uma refeição mais forte para o pessoal que saía de turno e que à hora do almoço estaria a descansar. Então venha de lá esse “mata-bicho”! Bem… recordo que o primeiro deles foi um “arroz à valenciana” bastante bom, o qual antecedeu então o café e o pão com manteiga habituais.

Pois, sei que nesses aspetos fui bastante beneficiado e protegido pelos “deuses”, com uma viagem quase particular, com uma cabina sem luxos mas funcional e apenas para duas pessoas, com refeições condignas, com a amável companhia do Comandante e suas palavras de conforto, nada comparado com os relatos das miseráveis condições em que viajaram inúmeros militares, principalmente os que tiveram a desdita de ocupar os porões “adaptados” dos navios, mas tendo sido essa a minha realidade, é essa que relato.

A aproximação à Guiné, na penumbra da pré-alvorada, com a visão da vegetação mal definida, o bafo quente que de lá vinha, os sons abafados que, entretanto, também chegavam, ajudavam a criar uma aura de mistério e de apreensão. Depois o barco ficou ancorado ao largo (mais uma vez),  deixando vago o cais acostável para o “Carvalho Araújo”, sendo que a passagem para terra se fez por meio daquelas espécies de pirogas, não sem que o Sr. Comandante se despedisse de todos e de cada um com simpatia e de modo a que o “Ambrizete” ficasse para sempre na memória.

Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF


2. Informação complementar do editor:

Reproduz-se aqui, com a devida vénia, a sinopse do filme, acima referido, com a devida vénia ao CineCartaz do jornal Público:

O Último Adeus

Título original:I Girasoli

Género: Drama
Classificação:M/12
Outros dados: ITA/URSS, 1970, Cores, 96 min.

Foi com este I Girasoli que Vittorio De Sica realizou o primeiro filme ocidental rodado na URSS, uma história de amor entre as personagens de Marcello Mastroianni e Sophia Loren. Ela é uma mulher italiana que procura o marido dado como perdido em acção durante a II Guerra. A travessia faz-se por paisagens urbanas e campos de girassóis. Foi o filme mais famoso da dupla de actores. Texto: Cinemateca Portuguesa

Vd. aqui o trailer do filme I Girasoli (1970).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de fevereiro de  2008 > Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)

Vd. também poste de 14 de janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2438: História de vida (9): O Último Adeus ou as peripécias da minha partida no N/M Ambrizete (Helder Sousa)

(***) Vd. 16 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22722: A nossa guerra em números (5): o Vera Cruz, o Niassa e o Uíge foram, de um frota de 15 navios, requisitados à marinha mercante, os que asseguraram o transporte de 3/4, da tropa mobilizada para o Ultramar