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quinta-feira, 9 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19767: (In)citações (130): As Comemorações de Abril, A Memória e a História (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2679)

Com a devida vénia ao fotógrafo Alfredo Cunha


1. Por proposta de José Marcelino Martins e concordância do autor, aqui deixamos este extenso, mas interessante artigo de opinião sobre as Comemorações do 25 de Abril de autoria de José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71).

Originalmente publicado no seu facebook em 5 partes, por ser um pouco longo, optamos por publicar tudo de uma só vez aqui no Blogue.


AS COMEMORAÇÕES DE ABRIL, A MEMÓRIA E A HISTÓRIA - Parte 1

1 de Julho de 1972. De Lisboa para Bissau, um meio aéreo da FAP transportou três capitães, a saber: Jorge Golias e Matos Gomes, oficiais do QP, e José Manuel Barroso, miliciano, este com destino ao Gabinete de Informação e Comunicação do ComChefe.

Golias viria a publicar um livro, no qual afirma que os três estabeleceram uma interessante conversa sobre a condição política e militar que afectava o ultramar português. Chegados a Bissau comprometeram-se a reunir e alargar as conversas a novos camaradas, o que terá acontecido. O autor reivindica para o mencionado encontro a génese do golpe militar.
Sobre as razões apressadamente reunidas para justificação da insubordinação militar: democracia, desenvolvimento e descolonização não fez qualquer referência.

Naquela época - 1972 - a situação militar nos territórios ultramarinos podia caracterizar-se assim: controlada na Guiné e em Moçambique; dominada em Angola.

Naquele tempo, a Guiné era um pequeno território com cerca de trezentos mil habitantes, de escassos recursos e infraestruturas, onde se vivia uma economia de guerra. A política "Por Uma Guiné Melhor" parecia dar resultado e as massas apoiavam o regime. A guerra movida pelo IN era descontrolada e tanto afectava as NT como a população condicionada às minas, aos assaltos e às flagelações. Eram os portugueses que lhes prestavam o auxílio possível sempre que afectadas. Angola e Moçambique, pelo contrário, apresentavam notáveis índices de desenvolvimento e crescimento económico e social, entre 8 e 10% na costa oriental, e 20% em Angola. Eram sociedades em rápido processo de educação e modernização, tanto de equipamentos públicos como empresariais, e altamente exportadoras.

A metrópole registava índices de crescimento económico de cerca de 7%, e crescia em todos os domínios, salientando-se a melhoria dos salários, que então permitiam maior desafogo, melhoria na habitação - quando se desenvolveram grandes urbanizações em Oeiras, Amadora, Sintra, Loures, Almada, Barreiro, para só falar na cintura de Lisboa. Havia muita capacidade de absorção de mão-de-obra, nos serviços, na indústria e na função pública. Os automóveis particulares aumentavam exponencialmente, as casas para além de electrodomésticos, passavam a contar com televisão e gira-discos. O Algarve, embora mal servido de acessos, já era destino de férias de muitos nacionais. O fim-de-semana à inglesa generalizara-se, e começava o modelo americano, com folga de dois dias. Politicamente assistira-se à regularização dos esquemas da segurança-social, CGA/MSE e CNP.
O País vivia em equilíbrio económico-financeiro, com elevadas reservas em ouro e divisas, e sem dívidas ao estrangeiro.

Entretanto dava-se a revolução sexual, e a luta da mulher pela igualdade de direitos, acompanhava a luta de salário igual para trabalho igual. A mulher saía de casa e dirigia-se para o trabalho em condições idênticas às dos homens. Vulgarizava-se o uso da mini-saia, das roupas cingidas e dos generosos decotes. Na praia também era adoptado o biquini, e a mulher prosseguia o caminho da independência pela sedução. As jovens mulheres de alguns capitães também se enquadravam nesta onda, e eram frequentes as intrigas que afectavam os casais, ou os maridos mobilizados em África.

Em 1973, com o recrudescimento da guerra na Guiné, a que os poderes político e militar não deram resposta adequada, a situação sofreu perturbações. Os militares exigiam mais equipamentos e mais contingentes, a que Caetano não respondia, nem evitava esse mal-estar institucional, chegando ao ponto de propor a entrega do poder aos militares, que rejeitaram. Apesar de sobre a questão ultramarina, Espanha França e Alemanha darem apoios políticos a Portugal, e os EUA revelarem maior compreensão às teses portuguesas, o Governo mostrava-se tolhido. Outras nações, pontualmente, também se associavam com apoios.


AS COMEMORAÇÕES DE ABRIL, A MEMÓRIA E A HISTÓRIA - Parte 2

Em 26 de Dezembro de 1971 Spínola despediu-se de um contingente militar que regressou à metrópole. Discursou como habitualmente, e referiu que os "traidores" estavam na retaguarda. Não os mencionou, mas é fácil inferir que se dirigia a elementos do Governo Central. Já andava às turras, e a partir de 1973 parecia querer tudo, para combater o que antes parecia ter controlado, o IN.

Entre aquelas datas deu bastas provas de querer vir a ser Presidente da República. Desdobrava-se em entrevistas e fomentava reportagens. Parecia um senhor da guerra, um líder incontestado. No entanto, tenho dele amargas recordações, como as que deram ocasião ao assassínio de três majores, um alferes e uma praça. Foi muita e grave a ingenuidade do General. Não ficou por aí. Ambicioso, deixou-se seduzir pela ideia de invadir Conakry, o que seria natural num acto de guerra contra o IN. O auto-proposto Comandante e criador da ideia, é que não soube combater a outra ideia de promover um golpe de estado noutro país, o que não teria sido mau de todo, se não tivesse havido tantas fugas de informação que ditaram o falhanço quase total da operação invasora. Eram ambos muito ambiciosos e descuraram aspectos essenciais. Queriam a glória de engalanar a História de Portugal, mas os resultados foram fracos e poderiam ter sido piores, conforme o testemunho de um importante e destacado participante (não o cito por estar vivo). Mas o ComChefe ainda deu mais provas de desnorte, fechando, reabrindo e voltando a fechar aquartelamentos; permitindo novos aquartelamentos com a água à distância (v.g. Guilege e Bajocunda); mandando tapar as valas de protecção a Pirada com o argumento de que aquela era uma região pacífica e controlada, embora poucos dias após tenha ocorrido um milagre a favor das NT em resultado da invasão da localidade durante uma projecção de cinema.

Spínola também não foi capaz de controlar o erário, pela criação de equipas de auditoria para disciplina da quadrícula, promoção ao bem-estar físico e moral da tropa. Foi um ver se-te-avias, com os maus resultados que se adivinham, embora os relatórios, de baixo para cima, mencionassem sempre o elevado moral do pessoal. Mentira!
O General também parecia estar a jogar em dois campos: com o prestígio internacional, que o obrigava a mostrar aceitação pelo "politicamente correcto", e com a desculpa da insuficiência de meios para a defesa daquele torrão pátrio. Foi quando, com os outros comandantes-chefes, rejeitou a tomada do poder proposta por Caetano.

Com o aparecimento dos Strela - mísseis terra-ar que provocaram alguns estragos iniciais, acentuou-se o sentimento de perturbação e o desejo de muitos militares pelo abandono do território. A guerra era feita em grande parte pelos milicianos, e os capitães em geral procuravam a segurança dos aquartelamentos. Havia dignas excepções, mas eram isso mesmo excepções. Com isso, alastrava a falta de liderança sobre o pessoal, com a consequente quebra da disciplina. S.Exa. também elegia os favoritos e os trastes, por vezes com critérios de pouca compreensão e aceitação. Na transição de 73 para 74, face à acumulação de erros que pareciam dar vantagem ao IN, já o MFA levava adiantada a sua vocação de protesto, e avançava à luz-desarmada com a sua campanha de abandono dos territórios africanos.

Todos sabiam. Sabia a PIDE, os altos comandos militares e o Governo.
Ninguém, nem os mais moralistas, se empenharam na defesa de quantos se bateram pela Pátria, metropolitanos e africanos, dando do País a imagem de cobardia e traição que desqualifica os povos. Entretanto, formara-se no exterior, o Partido Socialista, que em 25 de Abril teria 20 a 30 militantes, conforme refere Rui Mateus na sua obra "Contos Proibidos".
Pouco antes, PCP e PS assinaram um pacto de cooperação contra o Governo e por um novo regime pretensamente democrático.

Em resultado da luta dos movimentos de libertação contra o designado colonialismo português empurrados pela miopia e desinteresse ocidental para os braços da URSS, os anos decorridos, as diferentes circunstâncias que afectavam os mobilizados, e a intensificação da luta na Guiné, dariam lugar ao chamado Movimento dos Capitães, que derrubaria a ditadura do Estado Novo. Esse movimento "pacífico", sem oposição e sem objectivos políticos claros, alegadamente provocado por razões de natureza corporativa - o governo derrogara a lei relativa à progressão dos capitães milicianos, e pela derrota psicológica dos militares portugueses que levaram ao abandono dos territórios, daria lugar a um período de enorme perturbação e ruína, quer em termos materiais, quer em termos morais e anímicos, de que o País ainda sofre, com consequências impossíveis de avaliar, como tentarei mostrar numa terceira parte. A glória da miséria estava para chegar.


AS COMEMORAÇÕES DE ABRIL, A MEMÓRIA E A HISTÓRIA - Parte 3

A guerra de África que assolou os territórios portugueses a partir de 1961, ocorreu em plena "guerra fria", período dominado pela rivalidade das duas grandes potências, ambas interessadas na expansão e domínio das regiões sob as suas influências. Os EUA contavam desde a 2.ª GGM com parte ocidental da Europa, a mais desenvolvida, com algumas regiões asiáticas, a Oceânia e as américas, com excepção da pequena Cuba. Por seu lado, a Rússia dominava os países da Europa oriental sob a URSS, como se todos esses povos comungassem do mesmo entusiasmo. Ainda estendia influências noutras regiões asiáticas, e, enquanto beneficiária estratégica da Conferência de Bandung, mostrava-se a maior colaboradora dos novos países afro-asiáticos que saíram dos diferentes regimes coloniais. Acolhia e formava os jovens dos movimentos emancipalistas, que também instruía e municiava. A África era a sua principal área de influência, e território de conhecidas reservas minerais.

Em 1973 formou-se o Partido Socialista, que logo foi acolhido pela Internacional Socialista, uma organização de países de índole social-democrática, em geral desenvolvidos e instruídos. Entre eles, avultava a Suécia, onde Olof Palme mostrava toda a vontade de acabar com os regimes coloniais, e exercia grandes pressões para que os territórios naquela condição colonial, ascendessem às respectivas independências. Quer isto dizer, que um teórico esforçava-se para libertar o mundo "colonizado", sem dele mostrar ideias coerentes sobre as multidões que se propunha libertar, nem as circunstâncias em que essas regiões viviam e conviviam. Os territórios de influência anglófona, francófona, italiana e espanhola, logo consubstanciaram pelo abandono o slogan dos "novos ventos da história", que deram origem a novos países ditos progressistas, porque acolhiam-se à área de influência russa. O PS de então tinha beneficiado da generosidade de Palme, Brandt e Janitschek - 1.º Ministro austríaco, quer em meios políticos, quer em apoios financeiros, que se prolongaram por vários anos. Donde, politicamente, os socialistas portugueses não poderiam afastar-se com notoriedade, e ficavam vinculados à ideia da descolonização, sem que essa fosse ou não debatida como a melhor solução para africanos e portugueses. Por esta ocasião, cerca de metade do contingente militar que combatia os movimentos era proveniente dos recrutamentos locais, o que também poderia ter sido entendido como uma demonstração de vontade desses militares para continuarem portugueses. Condição que verifiquei mais de vinte anos depois, quando fiz deslocações ao interior da Guiné e de Moçambique, onde era abordado calorosamente por indivíduos da minha geração, que ainda se reivindicavam de portugueses, e exibiam cartões de identificação civis e militares. Portanto, os socialistas em geral, nacionais ou estrangeiros, estavam vinculados a uma ideia teórico-política sobre a descolonização, também ela representativa de interesses próprios de sobrevivência. De qualquer modo, era intolerável a intromissão desses países nas orientações internas de outros, para mais membros comuns da EFTA.

Na metrópole, entretanto, dava-se continuidade ao projecto de Sines, que pretendi consagrar a "zona do escudo" face aos eventuais boicotes externos, mas tinha virtude de desenvolver o País com vista à auto-sustentação económica. Foi um projecto muito arrojado, que ficou a meio caminho dos objectivos, e poderia ter estimulado a novos desenvolvimentos.

Entretanto, Spínola regressara à metrópole em nítido conflito com o Governo, e deixou no ar, fruto da sua ambição, a ideia de que poderia apadrinhar o movimento dos capitães.
Enquanto isso, os principais órgãos de comunicação-social davam à luz muitas notícias de sinais contrários à política prosseguida, muitas vezes com origem em fontes ou jornalistas comprometidos, que a censura não detectava ou não podia neutralizar. Também os estudantes aumentavam o banzé sobre o destino próximo da mobilização para a guerra, que efectivamente já durava em demasia. Havia, pois, uma predisposição para uma mudança, pese embora que não se sabia para quê.
A par disso, a população branca nas colónias aumentava significativamente, porque os desmobilizados tinham encontrado ali excelentes oportunidades profissionais e para organização das suas vidas. Muito longe iam os tempos coloniais, apesar da estratificação social característica de povos nos inícios do contacto com a civilização. Crescia o número dos casais mistos, e consequentemente dos filhos mulatos. Também a Administração e empresas empregavam muitos funcionários e gestores, em ambiente de grande harmonia. Dizia-se de Angola, que seria um novo Brasil.


AS COMEMORAÇÕES DE ABRIL, A MEMÓRIA E A HISTÓRIA - Parte 4

Em 1974 Caetano estava abúlico e o Governo tinha a noção de estar a prazo. Digamos que fazia a gestão corrente, desejoso de ser substituído.
"Em Maio de 73 promoveu-se na Guiné a primeira tomada de posição colectiva de grande notoriedade. Foi a propósito do chamado Congresso dos Combatentes do Ultramar, uma iniciativa de antigos oficiais milicianos, apoiada pelo Governo", que na Guiné teve resposta negativa. Em 17 de Agosto, em Bissau, o alargado grupo de capitães antes referido, reuniu para análise de um carta a enviar às altas instâncias políticas e militares. Era em tom duro, e foi amenizada em virtude de várias opiniões, o que gerou a intervenção de Golias, que disse ter sido tão suavizada, que parecia uma carta de amor, e acrescentou, que também deviam ter discutido a guerra, que só poderia ser resolvida com o fim do regime, o que se conseguiria com uma revolução. Estava dado o mote. A carta foi enviada e assinada por cerca de cinquenta oficiais, mas as autoridades não reagiram, melhor, promoveram os capitães mais antigos. Quando Bettencourt Rodrigues tomou posse, já o Movimento dos Capitães estava lançado. Conforme descreve Golias, em finais de 73, Matos Gomes regressou de férias na metrópole e carregava uma pilha de livros "Por Uma Democracia Anticapitalista", de Sottomayor Cardia, que revendeu a preço de custo. Foi esse livro que pôs muitos capitães em contacto com a política, uma espécie de manual escolar que lhes permitiu sentirem-se preparados para a revolução. Golias, ingenuamente, ainda acrescenta o estímulo da leitura de "Textos Políticos", de Cabral, e evidencia uma frase inspiradora: "os nossos povos fazem a distinção entre o governo colonial fascista e o povo de Portugal: não lutamos contra o povo português". E fez fé! Também os portugueses nunca lutaram contra o povo espanhol, guerrearam contra o exército e a cavalaria de Espanha.

Quando Spínola publicou "Portugal e o Futuro", embora estribado pelas teses caetanistas do estado federativo, suscitou grande controvérsia entre os "duros do regime", os intelectuais abertos à liberalização das relações com o ultramar, os chamados europeístas, e a imensidão de patetas que gostam de pronunciar-se sobre o que não sabem, e não têm outros interesses específicos.
Por essa ocasião, e pelo indisfarçável andar da carruagem, Kissinger referiu que a tendência comunista para alcançar o poder em Portugal, seria um castigo bastante para a leviandade dos portugueses, mas preocupado com o resto da Europa do sul, onde os comunistas tinham atingido posições relevantes, deslocou-se a Moscovo para breve conversação sobre a partilha do mundo.

Entretanto, na metrópole já o "movimento" reunia muitas dezenas de oficiais, ingénuos e desconhecedores de como se governa uma nação, pelo que trago à lembrança um episódio pífio de um batalhão que se recusara a embarcar para Guiné, e seguira fraccionado em diferentes levas. Em Fevereiro de 74, o comandante desse batalhão urdia o seu plano para capturar o ComChefe e o Estado-Maior. Note-se, porém, que na política os serviços de informação e contra-informação desempenham importantes papéis, e em Março de 74 chegou a constar o boato de um plano do PAIGC para invadir a Guiné, coisa palerma, tendo em conta que eles seriam 5 a 6 mil guerrilheiros, e só a tropa de recrutamento local, que integrava companhias, pelotões e pelotões de milícias andariam pelos 20 a 25 mil elementos, incluindo um bom número de tropa especial. Houve portanto, um trabalho de desmoralização e desqualificação em relação ao inimigo, que fez exorbitar o desespero da tropa, e o desprezo pelos portugueses de cor.
Apesar de tudo, e decorrente de passagens narradas, Portugal talvez vivesse o período histórico de maior esplendor, pois crescia económica e financeiramente, modernizava-se em equipamentos e infraestruturas, e não tinha dívida externa, salvo a que respeitou a um sindicato bancário que financiava a obra de Cahora Bassa.


AS COMEMORAÇÕES DE ABRIL, A MEMÓRIA E A HISTÓRIA - Parte 5

Em 1974 ainda não havia MFA nem Programa. Segundo Sanches Osório, o Movimento dos Capitães tinha características exclusivamente profissionais: "eram apresentadas reivindicações que assentavam nas remunerações e que afectavam o prestígio dos oficiais do quadro permanente". Nunca tive oportunidade de conhecer as razões que afectavam o prestígio desses oficiais. Talvez as intrigas familiares que surgiam no meio castrense, e de que fui testemunha.

Em Fevereiro o Gen. Spínola publicou "Portugal e o Futuro". O marcelismo criou ilusões em sectores da oposição do que resultaram cisões. Era uma expectativa de primavera política, mas que esteve sempre condicionada aos duros do regime. Quer dizer, Caetano não foi capaz de provocar, não digo a ruptura, mas uma nova orientação no horizonte nacional, muito menos no que à guerra dizia respeito. Fez brandas reformas sociais, de que se destacou a regulamentação da Previdência e das relações laborais; e imprimiu algum dinamismo a projectos de industrialização e desenvolvimento. Mas os ultras do regime estavam interessados em persistir e torciam o nariz às mudanças. O livro de Spínola abordava com riqueza de argumentos o tema ultramarino, de vincada inspiração de Caetano, mas a corrosão da sua influência e a situação quente que se vivia, não lhe terá permitido apoiar o General, que por sua vez, confiava demais nos seus alegados méritos, e terá dado à estampa com o objectivo de alcandorar-se como favorito à presidência da República. Apesar de relevantes obras em curso tanto na metrópole como no ultramar, e do progresso económico e social constatados, o Governo foi incapaz de se impor, quer pela moralização do sistema, quer pela determinação dos militares em acabarem com a guerra, ainda que satisfeitas algumas exigências, se para tal fosse necessário. O azar, é que os militares já estavam decididos pela derrota consubstanciada pelo abandono de terras e gentes em África. Depois houve o episódio da apresentação da "brigada do reumático", a que faltaram os dois mais prestigiados generais, respectivamente Chefe e Vice-Chefe do EMFA. Nova e importante derrota para o regime, e impulso precioso para os capitães.

E chegou o dia, mais condizente com um filme de ficção, do que com a realidade revolucionária e perigosa que alguns militares gostam de fanfarronar.
Até o MFA pareceu apanhado de surpresa, dada a falta de confiança evidenciada pelos que ficaram a aguardar os acontecimentos, mas, principalmente, pela ausência de um Programa definitivo sobre o método e os objectivos do golpe, o que só viria a concretizar-se meses mais tarde na sequência de diversas alterações ao texto revolucionário. "As ligações políticas do Movimento dos Capitães foram realizadas pelo Maj. Melo Antunes o qual estava estreitamente ligado, através da CDE, ao Dr José Tengarrinha. Tudo leva a crer, assim, que o tom que foi dado às manifestações populares de apoio ao Movimento foi orientado pelo MDP/CDE, com conhecimento de Melo Antunes", cfr Sanches Osório.
Segundo o mesmo autor "o MFA estaria apenas unido em dois objectivos comuns: derrubar o Governo, e caminhar para o progresso e a justiça social. A forma de alcançar esse progresso e essa justiça social é que não foi analisada na altura". O MFA até ao dia D sabia que os portugueses não queriam para o ultramar uma política de terra queimada. Mas logo surgiram os adeptos do abandono imediato do ultramar, prova flagrante de que não tinham a mínima percepção, nem dos interesses envolvidos, nem das obrigações decorrentes da soberania, muito menos das condições que permitiam ao País viver com desafogo para o desenvolvimento que se registava. Apenas reproduziam "slogans" característicos da luta anti-colonial, o equivalente a terem bebido do IN a justificação para o seu acto revolucionário. Tal pobreza daria de imediato lugar a conflitos internos e à confusão no desenrolar da actividade revolucionária, tantas vezes criminosa.

Soares, líder de um mini-partido apoiado por centrais sindicais suecas e por uma fundação alemã, chegou em júbilo e apoiado por milhares ainda por converter. Cunhal chegaria a seguir, mais formal e recebido por Soares, que parecia conceder-lhe o lugar de primeiro combatente contra o velho regime. Todavia não se mostraram cooperantes na construção democrática por um estado digno e sadio. Ambos viriam a integrar o 1.º Governo Provisório, um grosseiro equívoco para um País pertencente à NATO. Depois, apesar da contenção da organização comunista que aproveitou as oportunidades, o processo terá sido condicionado pelo acordo entre Kissinguer e Brejnev sobre o destino português, estabelecido em Moscovo algum tempo antes.

Fontes:
"O Equívoco do 25 de Abril", de Sanches Osório;
"Revolução e contra-Revolução em Portugal (1974-1975)", de Armando Cerqueira;
"Contos Proibidos", de Rui Mateus;
"A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães", de Jorge S. Golias, para além de reflexões minhas e de outras leituras
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19707: (In)citações (129): Feliz e santa Páscoa, com um abraço transatântico do nosso camarada da diáspora luso-americana José Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73)

quinta-feira, 21 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19607: In Memoriam (342): Fiquei muito chocado com a morte do Jorge Rosales (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)


Comandante Jorge Rosales
Foto: Manuel Resende


1. Mensagem de Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), datada de 20 de Março de 2019, com uma dedicatória ao já saudoso nosso camarada Jorge Rosales que nos deixou recentemente:


No dia 19 de Fevereiro de 2019 morreu o Jorge Rosales

Fiquei muito chocado com a morte do Jorge Rosales, tinha acompanhado o seu internamento no hospital, por telefone, enquanto ele o pôde atender, depois o amigo Manuel Resende deu-me algumas informações sobre intervenções cirúrgicas a que foi sujeito, que não eram boas notícias. Como ele era um homem grande com espírito forte e uma compleição física avantajada e robusta pensei que resistisse. Fui adiando a minha ida a Lisboa para o visitar no hospital, entretanto morreu e eu senti uma mágoa muito grande por nunca lhe ter feito essa visita.

Não fui ao funeral pois achei que dum amigo, se pudermos, com a discrição necessária, devemos despedir-nos em vida. Somente hoje ganhei coragem para falar dele e estas palavras são parte do meu luto para me libertar da tristeza que me causou a sua perda.

Tínhamos muitas afinidades, um pouco como tinham no passado a Galiza e Trás-os-Montes, no trabalho, na pobreza, no isolamento, na emigração, em muitos vocábulos e no carácter das suas gentes. Ele era um citadino a morar na linha do Estoril mas com profundas raízes rústicas galegas que herdara dos pais, eu um camponês, nascido e criado em Trás-os-Montes. O Jorge, ele disse-me, gostava muito de ler os textos que eu escrevia sobre Brunhoso, a minha aldeia, afinal as aldeias galegas de antigamente não eram muito diferentes.

Antes de adoecer tivemos ainda bastantes conversas por telefone

Com alguns camaradas dos Bandalhos, almoçámos um dia na Taberna do Valentim, em Viana do Castelo, com muitos camaradas almoçámos um dia em Algés na Tabanca da Linha que tu dirigias, Grande Comandante, com o Manuel Resende, antes também com o José Manuel Matos Dinis.

Disseste-me algumas vezes que um dia irias a Brunhoso e convidaste-me a ir à Galiza onde ainda tinhas propriedades rústicas e ao Couço no Ribatejo, onde tinhas casa e uma vinha que produzia um pipo de vinho, de que tinhas tanto orgulho. Algumas vezes me prometeste uma garrafa desse vinho, partiste sem ma dar.

Foram poucos anos mas tivemos um convívio bom e saudável.
Gostei muito de te conhecer.

Até sempre Comandante Rosales(*)

Francisco Batista
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 22 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19517: In Memoriam (340): Até sempre, 'comandante' Jorge Rosales (1939-2019)

Último poste da série de 6 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19555: In Memoriam (341): Falecimento, no passado dia 3 de Março, do 1.º Sargento João da Costa Rita da CART 2732 (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19517: In Memoriam (340): Até sempre, 'comandante' Jorge Rosales (1939-2019)


Cascais > Alcabideche > Cabreiro > Restaurante A Camponesa > 24 de Novembro de 2011 > Almoço de convívio da Tabanca da Linha >  O régulo e o almoxarife Jorge Rosales  que tratava da "bianda da Tabanca da Linha"... Era ele que tinha a rede de contactos... E sobre a bianda lá na Guiné, contou.nos o seguinte, no nosso blogue:

"Na minha memória,recordo-me que uma vez o barco não entregou farinha e fermento, e aí é que foi um problema, porque faltava o casqueiro!!! Fomos buscar ao Geba  pequenas pedras, que serviram para acompanhar o molho.

"Este grupo tinha o Alface, sargento do quadro, que com o seu "saber" safava-nos sempre nos dias mais dificeis, Aí aprendi, ou refinei, o espirito de equipe, que resolve tudo"


Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Carreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2013 > Um momento de grande camaradagem, captado pela câmara do Manuel Resende: o alfabravo entre o Jorge Rosales e o Armando Pires, dois homens de afetos.

Sobre o Jorge, escreveu o Armando (****):

"Já não sei pela mão de quem, fui ao almoço da Tabanca da Linha. Conhecia uns dois ou três dos presentes e os outros foram-me sendo apresentados.Já estávamos dos digestivos, iam-se misturando as histórias do passado, quando um decidiu incluir-me como actor de uma bravata por ele imaginada.

Senti necessidade de sair por ser mais forte o meu respeito por todos. Foi quando a tua mão forte pousou suavemente no meu ombro, e na tua voz serena me disseste, 'tem calma, Armando, a malta aqui da Linha conhece o gajo, é um inventor, ninguém acredita nas coisas que o gajo conta'...

O teu gesto, Jorge, tornou-se marca indelével de ti. A um grande Homem bastam pequenas coisas para o tornar admirado, respeitado. À admiração e ao respeito fui somando a amizade que te ganhei. Gosto de ouvir quando ao telefone me dizes: 'Armando, sabes quem fala? É o Jorge, o Rosales, estás bom Armando?'

E sinto até o vazio dos anos, tantos anos, que tardei em te conhecer. Ainda bem que te conheci, Jorge. Hoje fazes anos. Leva um profundo abraço meu. É o melhor de mim que tenho para te dar."



Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Cabreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2013 > Da esquerda para a direita, a Gisela (a única camarada presente), o Luís Graça (editor do nosso blogue), o "comandante" Jorge Rosales (, "régulo" da Tabanca da Linha) e Miguel Pessoa (, herói da FAP, que a FAP nunca reconheceu...)

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


27.º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Cascais > Carcavelos > Junqueiro > Hotel Riviera > 22 de setembro de 2016 > Quatro dos 'magníficos': da esquerda para a direita, Juvenal Amado, Jorge Rosales, Armando Pires e Mário Fitas.

Foto (e legenda): © Manuel Resende (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > O Jorge Rosales, régulo da Tabanca da Linha, ainda do tempo do caqui amarelo (1964/66) e a Giselda Pessoa, a primeira mulher a quem começámos a tratar, por direito próprio, como camarada, na sua qualidade de enfermeira paraquedista no TO da Guiné (1972/74).

Foto: © Manuel Resende (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Magnífica Tabanca da Linha > Cascais > Carcavelos> Hotel Riviera > 21/1/2016 >  Almoço-convívio > .Os manos Rosales, Jorge e José. Foto rara...

Foto (e legenda): © Manuel Resende (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 >  Dois veteranos... da Guiné e dos nossos encontros: o Virgímio Briote e o Jorge Rosales... (Infelizmente, o último encontro da Tabanca para o Jorge!)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O Jorge Rosales nunca foi um hiomem de escritas. Era um homem da fala e dos afetos.  E um líder nato, um organizador, um agregador... Sem ele, nunca a Tabanca da Linha teria provavelmemte nascido e crescido... E foi, na juventude, um grande desportista... Começou nos Salesianos (que estão no Estoril desde 1931).

Recordo-me da primeira vez que o "conheci",  ao telefone. Ligou-me na tarde dia 9 de junho de 2009, há cerca de 10 anos atrás...

- Sou o Jorge Rosales,  tenho  69 anos de idade ,  vivo  no Monte Estoril / Cascais, e estive em Porto Gole, e 1964 a 1966. (*)

Fiquei a saber que falava ao telefone com o Henrique Matos,  o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52, que  esteve a seguir a ele em Porto Gole, entre 1966 e 1968. Falei-lhe do Abel Rei (1967/68), que era mais novo, e que ele naturalmente não conhecia...

O seu objectivo era, muito simplesmente, o de poder ainda inscrever-se , a tempo, no  IV Encontro Nacuional da Tabanca Grande,  em Ortigosa. Naturalmente que eu assegurei automaticamente a sua presença. Foi  o nosso participante nº 96. 

Soube também que ele era o pai da Doutora Marta [Vilar] Rosales, mnha colega (ISCTE e FCSH/UNL), douorada em antropologia (2007), investigadora do ICS- Instituto de Ciências Sociais.  De resto, o Jorge falava dos filhos sempre com um brilhozinho nos olhos. Além da Marta, tinha o Tiago, bancário. E era um homem que se preocupava com a saúde da saúde da sua esposa.

Pude fazer então uma primeira apresentação do nosso novo camarada,  que me disse ter muitas fotografias do seu tempo de comissão de serviço na Guiné e que as iria  levar consigo, para o IV Encontro (***).

(i)  o Jorge era muito amigo do mítico capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”;

(ii)  o prestígio, a  influência e e o carisma do Abna Na Onça eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC);

(iii) jovem (teria 72/73 anos se fosse vivo, em 2009), era um homem imponente, nos seus 120 kg. 

(iv) Schulz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços;

(v) mais tarde, seria morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias administrativos, todos eles residentes em Porto Gole;

O Jorge Rosales, em  agosto de 1964, em Porto Gole,
com o seu guarda-costas bijagó.
(vi) nesse dia o destacamento de Bissá foi abandonado pelas NT: “ um dia trágico para quem estava no inferno de Bissá, como escreveu o Abel Rei no seu diário. 'Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné', 1967/68, editado em 2002, pp. 68/70);

O Jorge Rosales pertencia à 1ª Companhia de Caçadores Indígena, com sede em Farim (Havia mais duas companhias de caçadores indígeas, uma Bedanda e outra em Nova Lamego, acrescenta ele). 

Ficou lá pouco tempo, em Farim, tavez uma semana. A companhia estava dispersa. Foi destacado para Porto Gole, com duas secções (da CCAÇ 556, do Enxalé) e outra secção, sua, de africanos. Tinha um guarda-costas bijagó. Parte dos soldados eram balantas. 

Em Porto Gole possuíam apenas 1 morteiro (60) e 1 bazuca. A farda ainda era a  amarela. Ficou 18 meses em Porto Gole. Craque de futebol, ia a Bambadinca jogar à bola com os de Fá. Foi uma vez a Bafatá, apanhar o NordAtlas. Lembra-se da piscina.


Guiné > Região de Bafatá > Destacamento de Porto Gole > 1964 > À esquerda da foto o soldado Alfredo Ramos, algarvio, segurando a macaquinha  “Gabriela” enquanto o allf mil Jorge Rosales prova o rancho. O Ramos foi colega de infância do Estorninho, e ficou com uma dívida de gratidão ao alferes Rosales (**).

Foto (e legenda): © Arménio Estorninho (2010).. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Enquanto lá esteve, em Porto Gole, havia um certo respeito mútuo, de parte a parte, entre as NT e o PAIGC, disse-me o Rosales. A influência de Cabral era evidente, fazendo a distinção entre o povo (português) e o regime (colonialista). A nossa malta podia deslocar-se num raio de 10 km…. Mas a ligação com Mansoa já se perdera. O troço já não era seguro. Em Mansoa estavam os respeitados Águias Negras (o BART 645), que dominavam o triângulo do Óio: Olossato, Bissorâ e Mansabá .

Do lado do Geba, eram os fuzileiros que impunham a lei e a ordem. Lançavam uma bóia e fundeavam a LDG em frente a Porto Gole. Vinha quase tudo por rio: os frescos, a bianda, os cunhetes de munições… (excepto o correio, que era lançado do ar, de DO 27, e às vezes ir cair no tarrafo; em contrapartida, o correio expedido ia de LDG... Enfim, singuralidades de Porto Gole que não tinha uma simples pista de terra batida, para as aeronaves). 

Tem vários amigos fuzos, desse tempo, incluindo o comandante Castanho Pais.

Do outro lado, a nascente,  estava a CCAÇ 556, no Enxalé… Também conhece dois furrieís do Enxalé, de quem se tornou amigo. Também passou por Fá. E no final da comissão, esteve em Bolama, por onde passavam os periquitos… Conviveu com algumas companhias que, da ilha de  Bolama, partiam para operações no continente…


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > Novembro de 1965 >  "Com o o meu amigo Alfero"...



Guiné > Bissau > Novembro de 1965 > O Jorge Rosales junto ao Palácio do Governador... "Foto tirada pelo infeliz alferes Madonado".


Guiné > Bissau > Praça do Império > Novembro de 1965 > O Jorge Rosales mais o Maldonado, junto ao monumento "Ao Esforço da Raça" ... "O alf mil Maldonado, meu camarada desde Mafra e meu substitulo em Porto Gole, (...) faleceu em março de 1966, em consequência do rebentamento de uma morteirada IN que o atingiu em cheio, no aquartelamento de Porto Gole". De seu nome completo, António Aníbal Maia de  Carvalho Maldonado, morreu  no dia  4/3/1966. Natural da Sé Nova, Coimbra, foi inumado no cemitério da Conchada.

Fotos (e legendas): © Jorge Rosales (2010).. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (***)



No seu tempo (Março de 1966), morreu em Porto Gole o alf mil António Maldonado, que o veio substituir. O Maldonado, de Coimbra, estava em Bolama. Era alf mil da 1ª CCAÇ / BCAÇ 697. Eram amigos, tinham estado em Mafra. Tinham combinado revezar-se ao fim de um ano. O Maldonado vinha para Porto Gole e o Jorge ia para Bolama… No meio disto, há um coronel que vem dificultar o acordo de cavalheiros. Enfim, uma história que é preciso contar com tempo e vagar.

O Maldonado é morto num ataque violentíssimo a Porto Gole, depois de as NT terem feito um ronco nas áreas controladas pelo PAIGC… Ferido, aguardou em vão o heli que só podia vir de manhã. A mãe do Jorge foi ao enterro, em Coimbra. O cadáver foi rapidamente trasladado, contrariamente ao que acontecia na época. Esta morte de um camarada e amigo abalou-o.

Relativamente ao nosso IV Encontro Nacional, o Jorge estava entusiasmadíssimo com a ideia de poder encontrar malta de Bambadinca, Xime, Enxalé, Porto Gole, Fá... Queixava-se de estar isolado, de não ter ninguém do seu tempo, até pelo facto de ter ido, para o CTIG,  em rendição individual.

Isto passa-se em 2009, com ele já reformado de uma dessas empresas que faziam o reabastecimento de combustível aos aviões, no aeroporto de Lisboa. Alguma malta da TAP e da ANA deviam (re)conhecê-lo. Falei-lhe do Humberto Reis, do José Brás, do Alberto Branquinho, do Mário Fitas… Mas no aeroporto há milhares de pessoas a atrabalhar. Tem uma segunda habitação, no Couço, Coruche, sítio onde se refugiava quando podia.

Disse.me na altura que ainda acalentava a esperança  de voltar, à Guiné, com mais malta do seu tempo… Queria fazer parte do nosso blogue, que estava a  acompanha diariamente.

Tanto quanto sabemos morreu sem nunca poder realizar esse sonho, o de voltar à Guiné.

PS - Nunca escondeu de ninguém o seu orgulho de ter sido um antigo salesiano do Estoril. Tinha página no Facebook, aqui. Muitos tabanqueiros prestaram-lhe a última homenagem, em palavras simceras e sentidas. Não nos é possível reproduzí-las todas. Destaco o que escreveram o Manuel Resende e Manuel Joaquim. E recuperamos aqui um belíssimo texto do Zé Manel Dinis, de 2013.


2. Depoimentos:


Caros Magníficos,certamente todos estamos tristes pela partida do nosso amigo, camarada e comandante Jorge Rosales para uma viagem sem regresso. Não o veremos mais fisicamente por isso há que o recordar com as nossas festas, festas-convívio em que ele esteve sempre presente, com excepção do nº 20, altura em que foi operado ao aneurisma e problemas na coluna. Faço-lhe esta pequena homenagem com uma foto de cada convívio e estão numeradas de 1 a 39, correspondendo ao respectivo convívio

(2) Manuel Joaquim

Morreste-me, caro Jorge! De ti me despeço, querido amigo, profundamente chocado e dolorosamente emocionado pela tua partida.  E é já na saudade dos belos momentos de fraterno convívio que passámos juntos que relembro esse teu sorriso franco de que eu gostava tanto, sorriso algo tímido mas bem iluminado pelo brilho especial do teu olhar.

Pensando bem, para mim ainda vives e irás acompanhar-me no que resta do meu caminho, meu querido camarada da Guiné. E depois ... lá nos encontraremos no Absoluto do espaço e do tempo.
Até qualquer dia, Jorge!


Para os teus entes queridos vai a minha profunda solidariedade na dor.

(3) José Manuel Matos Dinis, em 7/10/2013,  na altura secretário da Magnífica da Tabanca da Linha (até 2016)

"O dia de aniversário do Rosales" (****)

 Don Rosales encantou-se pelo pré-cosmopolitismo da região entre Cascais e Estoril. Mas os laços só consolidaram, quando conheceu uma senhora de uma família tradicional de Cascais, por quem se apaixonou, e foi correspondido. Casaram, e decorridos pelo menos os meses que a natureza impõe, nasceu um robusto rapaz, a que se seguiu uma menina e outro rapazola. O primogénito foi rodeado de mimos, e veio ao mundo com seis quilos, setecentas e oitenta e cinco gramas, segundo dados oficiais da família. Chamaram-lhe Jorge, um nome distinto e com apetências imperiais.


Don Rosales assistia ao desenvolvimento do puto com indisfarçável orgulho, e cogitava, se houvesse mais uma dúzia daqueles matulões, garantia-se a si próprio, Portugal nunca se teria separado da Galiza.

Aos dez anos o meu pai deu-me um passe metálico, com fotografia, onde se colocava um bilhete semanal, e mandou-me estudar para os Salesianos do Estoril, a ESSA. Na minha turma andava um rapazito, também Zé, e de apelido Rosales. Tinha um irmão mais velho, que andava lá para os últimos anos do liceu, vestia-se à adulto, com casaco, levava uns cadernos debaixo do braço que lhe conferiam ar intelectual, e batia-me alarvemente, alegando que eu fazia macaquices ao irmão benjamim. Depois já não alegava nada, batia-me, porque sim. Jurei vingar-me.

Mais tarde, quando eu andava pelos dezassete ou dezoito aninhos, o meu clube de putos, o CAC, mas com grande aura na região, foi treinar algumas vezes contra o Estoril-Praia, clube mais ou menos referenciável em ambientes luminosos e dragonianos, fundado por um grupo de que se destacava um primo meu. Lá andava outra vez o Rosales, o tipo assanhado que eu, ainda lingrinhas, tinha que evitar no meio do campo. Por isso jogava a extremo-direito.

Havia dois defesas na equipe da Amoreira que, alternadamente, me calhavam em sorte, o Coropos, e mais escassamente, porque era direito, o Virgílio. Eram dois bulldozers, e a minha equipa fazia um futebol geométrico de grande efeito prático: antes de recebermos a chicha, já tínhamos que saber a quem a endossar. Era lindo, ver os canarinhos em corridas desenfreadas de um lado para o outro. No meio do campo amarelo, o alferes promovido a capitão levava as mãos à cabeça e clamava por calma.

Felizmente para eles, os jogos-treino não tinham espectadores, ou seriam varridos com saraivadas de pedras, sempre abundantes no topo norte. A vingança consumar-se-ia muito mais tarde, no Blogue do Luis Graça, onde voltei a encontrar a imponente figura, mas mais lento de movimentos, sem as fintas com jogo de cintura, e até umas artroses que lhe tolhem os lançamentos em profundidade.

Por isso aproveito esta magnífica ocasião gentil e solidariamente concedida pelo Boss, para vos dar conta do que o aniversariante tem ocultado de personalidade litigante.

Para não faltar à verdade, ainda acrescento que o dito Rosales foi campeão nacional de ténis de mesa, que se transferiu para a Académica, onde esteve quase a triunfar, se o Dr. Rocha tivesse mudado de ares, e posteriormente optou por ir defender a Pátria, e escolheu Porto Gole como destino de privilégio. Assessorado pelo Alface, distinguiu-se com virilidade e distinção. Também manteve relações próximas com o chefe local Abna Onsa, temido e fiel à NT, com quem consertava táticas e acções.

A vocação imperial que lhe estava destinada, tem-na praticado com visíveis resultados, em tascas, bares, e outros estabelecimentos de bebidas. Às vezes aparece em minha casa, sempre a dar ordens disfarçadas de perguntas gentis, do género Ó Zé, tens cá algum vinho bonzinho?

Com o óbvio desejo de lhe tornar a vida num castigo, daqui lhe apresento os parabéns, e o desejo longa vida.

JD [ José Manuel Matos Dinis, ex-fur mil, CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71]
___________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4488: Tabanca Grande (151): Jorge Rosales, ex-Alf Mil, Porto Gole, 1964/66, grande amigo do Cap 2ª linha Abna Na Onça

(**) Vd. poste de 23 de outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7165: Estórias do meu amigo de infância Alfredo Ramos, ex-Sold Condutor Auto da CCAÇ 556 (Guiné, 1963/65) (Arménio Estorninho)

(***) Vd. postes de:

30 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6501: Álbum fotográfico de Jorge Rosales, ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ, Porto Gole, 1964/66 - I (Jorge Rosales)

1 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6511: Álbum fotográfico de Jorge Rosales, ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ, Porto Gole, 1964/66 - II (Jorge Rosales)

(****) Vd. poste de 7 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12123: Parabéns a você (634): Bom dia, comandante Jorge Rosales!... Um feliz e magnífico dia de aniversário! (José Manuel Matos Dinis, Armando Pires, Beja Santos, Hélder Sousa, Luís Graça)

(*****) Último poste da série  > 19 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19508: In Memoriam (339): Jorge Rosales (1939-2019): morreu esta manhã o comandante, o cofundador e o régulo da Magnífica Tabanca da Linha... Velório na igreja de Stº António do Estoril, e funeral na sexta-feira, 21, às 14h30.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19411: (Ex)citações (350): Memórias da 'rainha do Gabu', saudades dos comerciantes locais e suas famílias, com destaque para o sr. Caeiro, português, e o sr. Magid Danif, libanês (Tino Neves, ex-1º cabo escriturário, CCS / BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71; bancário reformado, Cova da Piedade, Almada)


Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > 16 de dezembro de 2009 > A rua comercial da nova Gabu, onde há banco (agência do BAO - Banco da África Ocidental) e multibanco... Em 2009, a velha "rainha do Gabu" havia já destronado a  "princesa do Geba",  do nosso tempo, Bafatá, a cidade "colonial" mais encantadora da Guiné... Mudam-se os tempos, mudam-se os lugares: aqui falava-se mais francês do que português, e correm muitos CFA, escreveu o João Graça, médico e músico, que viajou por estas paragens... Em contrapartida, Bafatá era uma "dor de alma"... Foi lá tirar fotos (e dormir uma noite) para mostrar ao pai...Os bels dois edifícios que se veem na foto, de arquitetura tradicional. fazem parte do "núcleo histórico" do Gabu e é bom que as suas fachadas, pelo menos, se preservem.


Foto (e legenda): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > "Núcleo histórico"... Cortesia de:  Catálogo da exposição “Urbanidades – Arquitectura e Sítios Históricos da Guiné-Bissau” (Organização: Fundação Mário Soares (Alfredo Caldeira e Victor Hertizel Ramos); Curadoria: Ana Vaz Milheiro, com Filipa Fiúza,  ISCTE-IUL, DINÂMIA’CET), Lisboa, 2016)



Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > 16/2/2005 > Edifício da Estação dos CTT


 Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > 16/2/2005 > Edifício da administração do Gabu


Fotos (e legendas): © José Couto / Tino Neves (2005). Fotos gentilmente cedida por José Couto (ex-fur mil trms, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71), camarada do nosso grã-tabanqueiro Constantino Neves.


Foto nº 1 > Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. 1969/71 > Fonte das Bajudas

Fotos (e legendas): © Tino Neves (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Excerto de um texto de Constantino Neves (Tino Neves), ex-1.º cabo escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego,  1969/71 (hoje, bancário reformado, vivendo na Cova da Piedade, Almada), já publicado há 10 anos atrás no nosso blogue.

O Tino Neves conheceu muito bem Nova Lamego, e dá um contributo interessante para o esclarecimento de alguns questões com os comerciantes da "princesa do Gabu", desde o sr. Caeiro, português, até ao sr. Magid Danif, libanês (*):


Um Guia Turístico [, como por  exemplo o do Gabu] nunca está totalmente completo, daí o meu desejo, não de o completar, não tenho essa pretensão, mas sim, de dar mais uma ajuda para alcançar então esse fim, se possível. Outros o completarão.

Como já disse atrás, a descrição feita de Nova Lamego [, pelo camarada José Manuel Diniz ]  está muito bem feita, não faltando de facto um dos ex-libris, do qual achei até muita graça, da "GMC" e do "Unimog", de que me recordo perfeitamente, mas há muitos mais, assim como a Fonte das Bajudas [Foto nº 2],  que era a fonte onde as bajudas, nossas lavadeiras, iam lavar as nossas roupas, que ficava no caminho,  vindo, julgo eu, de Piche, ao entrar-se em Nova Lamego.

Foto nº 3 > O Tino Neves, vestido à civil,
no dia do 22º aniversário (8/2/1970),
junto à estação dos CTT
Passava-se junto da Administração do Gabu, de que também junto foto actual (fevereiro de 2005) [Foto nº 1], passava-se então pelo cruzamento (onde estou eu na foto à civil, no dia 8/2/1970). Sei que foi tirada nesse dia, porque foi dos poucos dias em que eu me vesti à civil, em Nova Lamego. E porquê? Porque no BCaç 2893, quem fizesse anos tinha como prenda a folga de quaisquer serviços e autorização para se vestir à civil, portanto essa foto [, nº3,] foi-me tirada no dia em que fiz 22 Invernos, no cruzamento, entre os CTT, correios civis (que junto 2 fotos, antiga e actual) [, Foto nº 4], o Cine Gabú e a loja do sr. Caeiro.

O sr. Caeiro  (**) era  um português de raça branca. A Casa Caeiro era um aloja essencialmente de electrodomésticos, mas não só, e na ponta que falta, a do meu lado direito, um dos edifícios civis utilizados para o quartel velho.

Por falar da loja do sr. Caeiro, o telhado da referida loja era simplesmente uma placa de cimento, não sendo muito grande, talvez pudesse lá pousar um helicóptero, mas foi utilizado para outra coisa diferente. Estando lá um capitão paraquedista que estava a preparar-se para uma competição no estrangeiro, de salto em queda livre, resolveu fazer uma aposta em como iria saltar e pousar no telhado da loja do sr. Caeiro. Assim fez, saltando de um helicóptero que subiu em espiral, tão alto, até deixar de se ver.

Foto nº 5 >Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > 1970 >
Baile de despedida as filhas do sr. Salomão,  o administrador
cabo-verdiano do Gabu. Na foto,  um grupo  de convidados,
militares, todos 1ºs cabos, entre eles o Tino Neves
O segundo dia em que fui também autorizado a trajar à civil, foi para ir a uma festa de despedida das filhas do sr. Administrador do Gabu, que era de origem cabo-verdianas. Estavam em Portugal, segundo me recordo, na região de Évora, num colégio de freiras, a estudar. Tinham passado lá,  em Nova Lamego, um mês de férias e estavam de partida. Foi então organizada uma festa com baile, julgo que pelo próprio sr. Salomão, pai das ilustres homenageadas, que eram muito giras e simpáticas. (Também junto foto dos únicos praças, primeiros cabos, que foram convidados).[Foto nº 5]

Foto nº 6 > O Tino Neves
ao telefone
Por detrás de mim, nesse cruzamento, mais atrás do meu lado direito, fica a porta de armas do quartel, onde eu estou ao telefone [, Foto nº 6] e sensivelmente mais atrás do meu lado esquerdo ficava um pequeno Destacamento de Engenharia.

Entre os poucos elementos que o compunham, estava um furriel, nome do qual já não me recordo, mas para quem trabalhei muitas vezes a pedido do meu capitão, pois ele tinha que fazer todas as semanas a listagem de pagamentos aos civis a seu cargo e muitas das vezes não o conseguia fazer sozinho e atempadamente. Eram bastantes folhas com 4 ou 5 cópias cada lista. Com o papel e o químico em 5 cópias, tinha que se bater bem forte nas teclas da máquina de escrever e, como as letras como o "a", "o", "b" e "d" cortavam o papel, sendo a lista composta pela maioria de "Baldés" e Djalós", os duplicados passariam por vezes a serem os originais, por estes estarem tão esburacados.

Noutros trabalhos feitos em "stencil" (ou folhas de cera) com aquela máquina, tinha que se ser muito suave ou utilizar o verniz, para repor a letra cortada. Com as folhas de "stencil" eu fazia qualquer tabela criada a régua e estilete, incluído este boneco, de que, não sendo o seu autor, me foi concedido para fazer subscritos (envelopes) para cartas e serem enviadas por nós aos nossos familiares e madrinhas de guerra. [Foto nº 7][

Falei do senhor libanês que tinha uma loja muito concorrida e uma esposa muito bonita. Posso afiançar que era verdade, cheguei a vê-la, só bonita não chega, mas fiquemos por aqui, não terei adjectivos suficientes para a descrever.

Havia mais uma loja de outro libanês que não ficava atrás, talvez fosse até mais popular, que era o sr. Magid Danif. Era ele e a mãe,  do qual não me lembra o nome, mas estando eu lá na altura, suponho que no inverno de 1970, talvez em dezembro, a senhora veio cá a Portugal, porventura passar o Natal ou outro assunto, o certo é que faleceu num quarto de pensão, asfixiada com um calorífico a gás.

Foto nº 7 > Boneco a "stencil" alusivo
 à peluda
Do sr. Magid Danif tenho uma estória que me aconteceu cá em Portugal, a qual nunca contei a ninguém. Vai ser contada agora pela primeira vez.

Eu era caixa na Agência do Totta & Açores, na Cova da Piedade e, no iníio dos anos 90, não tenho presente de facto o ano certo, mas julgo ter sido por essa altura, estava eu na caixa a pagar cheques, quando me aparece uma jovem bonita, alta e elegante bajuda que me entrega um cheque para receber. Nos instantes em que ela procurava o B.I. para eu conferir os dados e assinatura do verso do cheque, passo com os olhos pelo nome de quem pertencia o cheque, quando dei um berro, lendo o nome do apelido lá escrito, MAGID DANIF.

Assim o disse, logo recuperei a calma e julgo que ela não se tenha apercebido da minha reacção, pois estava com os olhos metidos na mala na procura da carteira, mas eu fiquei com o coração aos saltos. Ver e ouvir ali à minha frente, uma criatura, que eu talvez tenha visto em pequenina ou simplesmente ser familiar de uma pessoa que eu conheci na Guiné, para mim, e julgo que por todos aqueles que por lá passaram, ficamos vacinados, aliás, não diria vacinados, mas sim contaminados com o vírus Guiné. Qualquer coisa que se relacione com aquele país, o vírus manifesta-se logo e como ia dizendo, depois enquanto a ía atendendo, dialoguei com ela que me confirmou ser filha do sr. Magid Danif e que estava cá em Lisboa a estudar.

Acabei de a atender, dei-lhe o dinheiro do cheque e ela foi-se embora, mas eu não fiquei bem, queria falar um pouco mais com ela, saber mais coisas lá de Nova Lamego, etc., mas não podia, porque tinha uma bicha (fila) de pessoal à espera para atender. Chamei a pessoa que se seguia e aí é que foi o problema, só à terceira tentativa é que eu consegui fazer a operação de lançamento do cheque corretamente, porque naquele momento eu não me encontrava ali, na Agência do Totta da Cova da Piedade, mas sim a milhares de quilómetros, na Guiné, mais propriamente em Nova Lamego, a percorrer as suas ruas, a visitar a loja do sr. Magid Danif.

Acabei de atender essa pessoa, fechei a caixa do dinheiro e desci aos arquivos, a fim de tentar acalmar, pois o meu coração estava aos saltos, estava eufórico, não sabia o que estava acontecer, só sabia que tinha ficado com pena de não ter ficado à fala um pouco mais com aquela encantadora criatura que tinha aparecido à minha frente. Confesso aqui, pela primeira vez, que chorei, as lágrimas corriam-me pela face abaixo, que nem torneiras, mas era um choro silencioso e de alegria, satisfação e tristeza ao mesmo tempo, por não saber mais nada de novo.

Não me conseguindo controlar, tentei lá no arquivo procurar alguma coisa que me desviasse a atenção e me acalmasse, o que aconteceu passados 15 minutos (o que naquele balcão nessa altura era possível, porque eram várias caixas a trabalhar ao mesmo tempo e eu tinha também ao meu cargo o arquivo). Peguei numa pasta e regressei à caixa para acabar o trabalho que faltava. Já mais calmo, mas já no final do fecho da caixa, procurei o cheque da menina Magid Danif e fui à base de dados procurar os contactos dela, com a intenção de mais tarde a procurar por telefone ou pessoalmente, mas quando já tinha no visor do PC o que procurava e me dispunha a tomar nota, senti uma mão no meu ombro esquerdo.

Virei-me quase de imediato e qual foi o meu espanto, não vi ninguém que o tivesse feito, porque estavam todos bastante afastados de mim e eu estava sozinho. Aquela mão invisível fez-me vir à realidade e pensar para mim, o que é que eu estava a fazer?

A pequena não ficou muito satisfeita, apesar de confirmar quem era, não mostrou com sorriso o acontecido, talvez tenha ficado assustada ou qualquer outra coisa. Desliguei o computador sem tomar nota e pensei se de facto ela também ficou curiosa,  talvez torne a vir cá, apesar da conta ser de Lisboa. E assim acabei o dia e muitos mais dias, meses e anos, sem saber mais nada daquela encantadora criatura nem de Nova Lamego.

Muitos ao lerem este meu desabafo, vão comentar: este deve estar, ou esteve apanhado do clima, mas não se esqueçam que naquela altura, na Net pouco se sabia ou nada,  e o que sabíamos da Guiné e, do meu caso em especial Nova Lamego, nada. Agora sim com a Net,  sabemos tudo o que queremos, é só procurar.

Antes deste acontecimento, tinha muitos casos em que me dava à fala com guineenses, porque sempre que via um africano, que me parecesse da Guiné, tentava logo saber donde eram e se eram do Gabu ou não.

Fico por aqui, satisfeito e aliviado por ter desabafado, mas só mais uma coisa: o vírus da Guiné    é de tipo proteico / vitamínico, porque quando vemos, ouvimos ou lemos algo sobre a Guiné, de bom, nos dá força e nos rejuvenesce (mas também quando é mau, nos deita abaixo, faz-nos dor e sofremos). (***)

2. Comentário do editor LG:

Apareceu em 22/11/2010 um comentário ao poste do Tino Neves (*), que é assinado por uma neta do sr. Caeiro, a Bela... De facto, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca é... Grande.
Pena não ter deixado um contacto (telefone, email...)


"Anónimo disse...

Olá, Sr. Luís Graça! No seu artigo sobre a sua viagem em 2005, fala na loja do Sr. Caeiro. Não chegou a tirar fotos actuais? Após a morte dele, uns anos mais tarde, o meu pai manteve lá a farmácia até aos anos 80/90. Teve de desistir, por mais que se preocupasse em manter o nome do seu pai, a vida não o permitiu. Falo do sr. Caeiro, meu Avô! O Padrinho, como todos o chamávamos, meu pai, mãe, irmão e eu. O Homem mais bondoso que conheci, infelizmente só até aos meus 5 anos. Um abraço a quem o conheceu e um bem haja. Bela.

"22 de novembro de 2010 às 23:57".

Em conclusão, a loja do sr. Caeiro deu origem a uma farmácia, no Gabu, na nova Guiné-Bissau, e que se terá mantido  aberta até aos anos 1980/90... Alguém se lembra ? Parece comfirmar-se a naturalidade, portuguesa, do sr. Caeiro.

Que idade terá hoje a Bela ?  Será diminutivo de Anabela ? E usa o apelido Caeiro ?  Se nos ler, que nos escreva para:

luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Bela: as fotos não são minhas, mas de um camarada e amigo do Tino Neves,  o José Couto, que lá esteve, na Guiné-Bisssau e foi ao Gabu, em fevereiro de 2005... O Tino Neves e outros camaradas, que aqui têm escrito, conheceram o seu avô Caeiro, por volta de 1967/68 (o Virgílio Teixeira) e 1969/71 (o Valdemar Queiroz, o Constantino Neves...), e gostariam de saber algo mais sobre o resto da sua vida... Pena que tenha morrido cedo. Ficámos com a ideia de que a família Caeiro era da Figueira da Foz. Certo ?

Sobre a família Danif, de origem libanesa, em Bafatá, ver aqui.

Vd. também fotos do Gabu, tiradas pelo nosso grã-tabanqueiro João Graça, em finais de 2009. A "rainha do Gabu" de ontem parece ter passado a perna à "princesa do Geba", Bafatá, hoje em decadência.


3. Imagem aérea do quartel antigo e da vila de Nova Lamego.O quartel estava situado no centro da vila, formando um rectângulo e ocupando alguns edifícios civis. A foto, cedida por Roseira Coelho (,que o Tino Neves presume que fosse ten pilav), já vinha com as marcas sem a respectiva legenda. O Tino Neves completou as legendas. (****)


Guiné > Região do Gabu > Nova Lamego > CCS / BCAÇ 2893 (1969/71) > 1970 > Foto aérea > Povoação e quartel velho de Nova Lamego (hoje Gabu). Principais edifícios civis e militares (Parte I)


Guiné > Região do Gabu > Nova Lamego > CCS / BCAÇ 2893 (1969/71) > 1970 > Foto aérea > Povoação e quartel velho de Nova Lamego (hoje Gabu). Principais edifícios civis e militares. (Lado direito da foto de conjunto) (Parte III)


Guiné > Região do Gabu > Nova Lamego > CCS / BCAÇ 2893 (1969/71) > 1970 > Foto aérea > Povoação e quartel velho de Nova Lamego (hoje Gabu). Principais edifícios civis e militares. (Lado esquerdo da foto de conjunto) (Parte III)


Legendas:

(1) Caserna das Praças;
(2) Casas civis (para alugar);
(3) Loja dos irmãos Libaneses;
(4) Depósito de géneros;
(5) Estação dos CTT (civil);
(6) Destacamento de Engenharia;
(7) Messe de Oficiais;
(8) Messe de Sargentos;
(9) Parque e Oficinas Auto;
(10) Refeitório;
(11) Dormitório de alguns Sargentos;
(12) Sala do Soldado;
(13) Parque de Jogos.

Foto (e legendas): © Roseira Coelho / Tino Neves (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3861: Memória dos lugares (17): Nova Lamego, a raínha do Gabu (Tino Neves)

(**) Vd. poste de 16 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19407: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LX: A Casa Caeiro e os comerciantes libaneses de Nova Lamego