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segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23802: In Memoriam (461): Braima Baldé morreu, aos 78 anos, no passado dia 18, foi meu soldado em Cufar, na CCAÇ 1621 e um amigo para a vida(Hugo Moura Ferreira)

 

Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 48º Convívio > 19 de maio de 2022 > O Braima Baldé (1944-2022) e o Hugo Moura Ferreira.


Foto (e legenda): © Manuel Resende (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Lisboa > Chelas > Restaurante "Pelicano Dourado" > 1 de dezembro de 2007 > Almoço-convívio  de antigos combatentes da Guiné (de um lado e do outro).   O restaurante "Pelicano Dourado" era então propriedade de Joaquim Djassi  (imfelizmente já falecido em 19/12/2010)  ficava na Zona J de Chelas, em Lisboa. A cozinheira era a esposa do Djassi, a dona Leontina Pontes, natural de Catió.

Da esquerda para a direita: A. Marques Lopes, o António Pimentel, o Xico Allen (falecido esre ano), o Braima Baldé, o Hugo Moura Ferreira. A foto deve ter sido tirada pelo Joaquim Djassi com a máquina do Hugo Moura Ferreira..



Lisboa > Chelas > Restaurante "Pelicano Dourado" > 1 de dezembro de 2007 > Almoço-convívio de antigos combatentes.

Na foto, da esquerda para a direita: António Pimentel, Marques Lopes, Braima Baldé (de pé) e Joaquim Djassi. A foto deve ter sido tirada pelo Xico Allen. Inimigos de ontem, amigos de hoje: o fula Braima Baldé foi ferido em combate em Buba, foi soldado na CCAÇ 763, entretanto substituída pela CCAÇ 1621 onde esteve o Hugo Moura Ferreira... Por sua vez, o biafada Joaquim Djassi foi um guerrilheiro do PAIGC

Foto (e legenda): © Hugo Moura Ferreira  (2007). Todos os direitos reservados.  



Cascais > Carcavelos > Junqueiro > Hotel Riviera > Magnífica Tabanca da Linha > 32º almoço-convívio > 20 de julho de 2017 > Em primeiro plano, o Braima Baldé, seguido do Hugo Moura Ferreira e o Marcelino da Mata (1940-2021)... O Zé Manel Diniz (1948-2021), de pé, em segundo plano. Náo sabemos de quem é a foto. E
m princípio, deve ser atribuída ao Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil CCAÇ 1621, Cufar, CCAÇ 6, Bedanda, e 1º Rep/QG/CTIG, Bissau, 1966/68.


1. A triste notícia foi-nos dada pelo o nosso camarada Hugo Moura Ferreira, na sua página do Facebook,  em 18/112022, às 00:01:

Caros Amigos,

Estou triste! Faleceu hoje o meu Amigo, que também fazia parte deste "Magnífico Grupo de Pessoas". [Referência à Magnífica Tabanca da Linha]. O Baima Baldé, que faria 79 anos em Janeiro de 2023. Tenho conhecimento que faleceu em casa, sem sofrimento, na Paz de Deus.(*)

Foi meu soldado em 1966, em Cufar, na CCaç 1621 e mantivemos uma amizade profunda e longa que envolvia as respetivas Famílias.

Deixo-vos 3 fotos de confraternizações, acima reproduzidas

(i) Uma em Chelas, há uns anos, no restaurante "O Pelicano Dourado" (**), do Joaquim Djassi, que já partiu (***), onde alguns de nós fazíamos encontros, com receitas guineenses.

(ii) Outra de um dos nossos convívios em que ainda tínhamos entre nós o José Diniz e o Marcelino da Mata [Achamos que a foto é do 32º almoço-convívio da Tabanca da Linha, realizado em 20 de julho de 2017 no Hotel Riviera, Junqueiro, Carcavelos, Cascais.. O editor LG ];

(iii)  e mais uma do nosso 48º Convívio, no Restaurante Caravela d' Ouro, em Algés

Pode ser que se encontrem no Além e consigam fazer uns Convívios de vez em quando!

2. Comentário do editor LG:

Em nome de toda a Tabanca Grande, apresento os meus sentidos pêsames à família do Braima Baldé e aos seus camaradas e amigos mais íntimos, a começar pelo Hugo Moura Ferreira. 

Embora fosse membro da Tabanca da Linha, o Braima não pertencia formalmente à Tabanca Grande, como a generalidade dos nossos amigos e camaradas guineenses, que vivem na diáspora, e momeadamente em Portugal. 

Há barreiras a vencer, a começar pela tão falada "infoexclusão"...Há barreiras económicas, técnicas, sociais, culturais, linguísticas, que os impedem de participar das nossas iniciativas, dos convívios ao blogue... 

Sabem lidar com o telemóvel, mas têm mais dificuldade em chegar ao nosso blogue. Se calhar, devíamos fazer muito mais por eles...que nem sequer sabemos por onde andam, onde vivem, o que fazem, como vão sobrevivendo. 

Têm  que ser os seus amigos, e antigos camaradas dearmas, como o Hugo Moura Ferreira, a dar-nos notícias deles... Infeliuzmente, esta é muito triste. A da última despedida do Braima Baldé. Fica, em todo o caso, registada no blogue dos amigos e camaradas da Guiné.

Há 3 referências, no nosso blogue, a um outro Braima Baldé, que foi alf mil 'comando', na 1ª CCmds Africanos e depois na CCAÇ 21,  citado pelo Amadu Djaló (aqui n blogue, em depoimento recolhido pelo Virgínio Briote).

O Braima Baldé (1944-2022) será referenciado no nosso blogue como Braima Baldé (II) (descritor). Mas como não teve qualquer interaçao directa connosco,  não tomamos a liberdade de o integrar na Tabanca Grande, a título póstuo, como temos feito nalguns casos. A menos que o Hugo MouraFerreira tenha fotos e histórias do Braima como combatente,  que queira e possa partilhar connosco. De qualquer modo, o Braima não fica na vala comum do esquecimento. 

__________

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23750: Tabanca Grande (538): João Silva (1950-2022), ex-Fur Mil At Inf, CCAV 3404 (Cabuca, 1972), CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973) e CIM Bolama (1973/74), grã-tabanqueiro n.º 866, a título póstumo


João Pedro Candeias da Silva (1950-2022)


João Silva, fur mil at inf, de rendição individual, CCAV 3404 (Cabuca, 1972), CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973) e CIM Bolama (1973/74)


O João Silva e o Abibo Jau, o "gigante" da CCAÇ 12, mais tarde fuzilado em Madina Colhido, em 1975,  como já foi referido no Blogue. (Fuzilado com o ten 'comando' graduado Jamanca, ambos então da CCÇ 21).


O 2º sargento Vital (ajudava na secretaria), o João Silva, de t-shirt preta, e o Abibo Jau


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca > CCAÇ 12 > 1973 > Os 4 furriéis da foto são da CCAÇ 12 e estamos sentados em Bambadinca, junto à nossa messe... Da esquerda para a direita: o Morgado, o Garrido, eu (António Duarte) e o Candeias da Silva.


Guiné > Ilha de Bolama > CIM de Bolama (c. 1973/74) > O João Candeias da Silva é o segundo a contar da direita em Bolama no CIM. O furriel de bigode foi citado há pouco tempo num poste e/ou fotos do CIM atual. Tinha nome de "Roupa Velha" (?)... ou "Curta (?)...



Guiné> Ilha de Bolama > CIM de Bolama (c. 1973/74) > Numa praia em Bolama. O João é o segundo a contar da direita.


Guiné> Ilha de Bolama > CIM de Bolama > Natal de 1973 > Foto de grupo, cada militar segura uma garrafa de espumante que, se presume, foi-lhe oferecida.

Fotos (e legendas): © João Candeias da Silva / António Duarte  (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Faleceu no passado dia 14, o nosso camarada João Silva, um dos últimos soldados do império (*). Aos 72 anos. Vivia em Santiago do Cacém. Furriel Miliciano Atirador de  Infantaria, passou por Cabuca (CCAV 3404, 1972), Bambadinca e Xime (CCAÇ 12, 1973) e Bolama (CIM, 1973/74). 

Entra agora, a título póstumo, na nossa Tabanca Grande, apadrinhado pelo seu grande amigo e camarada António Duarte. E por mim próprio, editor do blogue. Nós, os três,  fomos furriéis milicianos da CCAÇ 12, eu da "1.ª geração", a dos fundadores (Contuboel e Bambadinca, junho 1969 / março 1971), eles da "3.ª (e última) geração" (Bambadinca e Xime, 1973/74).

Não o cheguei a conhecer pessoalmente, muito menos na Guiné: eu regressei a casa em março de 1971, ele foi para a CCAV 3404, em Cabuca, em janeiro de 1972. Era de rendição individual. Mas ele tem um dúzia de referências no blogue, e sempre que intervinha, em geral sob a forma de comentários, fazia-o para falar da sua condição de graduado da CCAÇ 12, subunidade de guarnição normal, constituída por graduados e especialistas metropolitanos e praças do recrutamento local, de que muito se orgulhava. 

Esteve 7 meses na CCAÇ 12, antes de ser colocado no CIM de Bolama com a missão de dar instrução a militares do recrutamento local. Já passou o Natal de 1973 em Bolama. E em maio de 1974, regressou à metrópole, pagando, do seu próprio bolso, a viagem na TAP.

Passou, desde anteontem, a ser o grã-tabanqueiro n.º 866. Prometemos honrar a sua memória (**). E republicar, em próximos postes, alguns dos seus valiosos e sempre oportunos comentários (**). Tem 13 referências no nosso blogue.

2. Comentário do António Duarte, de 29/10/2022, 18:12

Boa tarde Luís.

Sugeri a  entrada do João Silva na Tabanca Grande atendendo a que ele acompanhava o blogue e participava, embora através de comentários a postes. Inclusivamente, e com alguma frequência, mostrava ao filho e à filha textos do blogue, conforme os dois me contaram no dia do funeral.

Não formalizou o pedido por mero "deixa andar".

No entanto, decide como melhor te parecer, mas penso que se justifica, precisamente face ao acompanhamento do blogue e às participações nos comentários.

Se necessário posso fazer a pesquisa de mais comentários. (...)
 
Se necessitares de algo que eu possa ajudar apita sff
Abraço
Duarte


3. Dois comentários do João Silva 

(i) CISMI, Tavira. Terceiro turno de 1971.

Depois da recruta no Hotel das Caldas, rumámos a sul até Tavira para fazermos a especialidade de atirador de infantaria.

A viagem longa e demorada foi feita sem paragens em vilas onde pudéssemos dar ao dente, a excepção era para fazer xixi no meio do mato.

Em Tavira, no CISMI, destaco 3 personagens:

(a) Tenente Moleiro, que no primeiro dia apareceu no campo da feira, conhecido por Atalaia. O pelotão formou e depois do blá, blá da retórica, tirou o quico e disse: "é este o corte de cabelo da companhia";

(b) Caifás, o barbeiro onde nos iríamos apresentar e dizer "corte à tenente Moleiro":

(c) O capitão capelão que dava palestras aos sábados ao fim da manhã no refeitório.

O pessoal estava exausto, sentado e com o queixo apoiado ao cano da G3, não tardava em adormecer. A palestra que alertava para o "respeito" pelas meninas e ameaçava que,  quando tal não acontecia,  terminava em casamento na parada. E dava como exemplo o que, na recruta / especialidade anterior, tinha acontecido.

Depois era ouvi-lo: "tu aí ao fundo,  levanta-te e castiga-te a ti próprio".... "Sim tu que estavas a dormir"...

A malta como não sabia a quem ele se dirigia, levantavam-se dois ou três. Então dizia: "não és tu, ele sabe quem é". À segunda ou terceira acertava.

A malta que sabia tocar e cantar e fosse "actuar" na missa de domingo,  tinha tratamento VIP. Também havia outros VIP por serem futebolistas, destaco o Vaqueiro, um dos chamados bebés do Varzim. Havia mais.

A salina era onde os mais tesos eram humilhados por resistirem onde não havia hipótese de vencer. Terminava quando todos estávamos encharcados de água podre e mal cheirosa. O cheiro ficava presente por dias.

Na Guiné, onde fui dos primeiros a chegar por ir em rendição individual, encontrei vários camaradas. Destaco o Penedos, que tocava trompete e em Tavira já tinha um Renault.

João Silva, terceiro turno de 1971, com passagem por Beja, Depósito de Adidos e Guiné. (***)


(ii) Quem não entrou na equação do 25 de Abril foram os africanos que juraram bandeira e a defenderam ao nosso lado.

Camarada Luís Mourato: Ao ler o teu testemunho das lágrimas que viste nos olhos do militar que servia a bandeira portuguesa na Guiné,  trouxe-me à memória um episódio que recentemente foi aflorado aqui a insubordinação da 12 em Bambadinca em Março de 1973.

Hoje acredito que eram os primeiros sinais do fim da capitulação do exército português naquela longa e desgastante guerra.

A Bambadinca, na companhia de Spínola, chegaram para "resolver o assunto" 3 oficiais africanos garbosamente fardados de camuflado e galões reluzentes, que vieram para credibilizar o empenho do Governador e Comandante
-Chefe.

Depois da CCAÇ 12,  o meu destino foi Bolama e lá, entre os oficiais subalternos, era evidente o tema do livro "Portugal e o Futuro",  Spínola vem a Lisboa e não regressa. Almeida Bruno e Otelo já tinham regressado. No final de 73 regressam Salgueiro Maia e Luís Moura, meu capitão na CCAV 3404 em Cabuca,  e pouco conhecido, mas foi ele que veio de Estremoz a comandar a coluna que se juntou no Carmo na rendição de Marcelo.

Tudo bem pensado e organizado e o correcto. Fazer, o que tinha que ser feito, o Golpe de Estado. Quem não entrou na equação foram os africanos que juram bandeira e a defenderam ao nosso lado.

Foram, sem o mínimo pudor, depois de desarmados, deixados ao Deus Dará para serem vítimas de violenta chacina.

Quando será que todos nós nos retratamos por termos assistido de braços caídos e em silêncio?

João Silva
Ex-furriel mil at inf
Cabuca, Bambadinca, Xime, Bolama, Abril de 72 a Maio de 74. (****)
___________


(**) Último poste da série > 13 de outubro de  2022 > Guiné 61/74 - P23704: Tabanca Grande (537): José Moreira de Castro Neves, ex-Fur Mil Arm Pes Inf da CCAÇ 1551 / BCAÇ 1888 (Bambadinca, Fá Mandinga e Xitole, 1966/68)... Natural de Valongo, senta-se no lugar n.º 865, sob o nosso poilão

(***) Vd. poste de 31 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21719: (Ex)citações (382): Tavira, CISMI, por quem nenhum de nós morreu de amores... (João Candeias da Silva / Carlos Silva / Luís Graça)

(****) Vd. poste de 23 de dezembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21679: (In)citações (174): Apesar de agnóstico, ainda conservo, na cabeceira, um crucifico-talismã que alguém deixou na tabanca onde eu pernoitava: Ká pudi larga mezinho qui pudi salvar kurpu (Luís Mourato Oliveira, o último comandante do Pel Caç Nat 52, Mato Cão e Missirá, 1973/74)

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23638: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte I: Não fomos todos criminosos de guerra: Deus e a História nos julgarão


Lisboa > 2009 > O Amadu Djaló no Cais do Sodré


Guiné > Bolama > 1962 > O Amadu Djaló na escola de recutas


Fotos (e legendas): © Virgínio Briote  (2015). Todos os direitos reservados.
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Leiria  > Monte Real > Ortigosa > Quinta do Paul > IV Encontro Nacional da Tabanca Grande > 20 de Junho de 2009 > Em primeiro plano,  os antigos 'comandos' Virgínio Briote e  Amadu Djaló, um e outro muito acarinhados por todos. Não sei o que é o que Virgínio, um homem sábio, europeu,  estava a pensar, mas possivelmente estava a organizar a sua resposta à questão, pertinente,  levantada pelo Amadau, outro homem sábio, africano: "Os portugueses, a alguns povos, deram-lhes novos nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos"...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados.
.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Temos reproduzido, aqui no blogue,  alguns excertos do livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa Associação de Comandos, 2010, 229 pp.).  O livro está esquecido, a edição está há muito esgotada, mas o Amadu Djaló continua nos nossos corações.

É um documento autobiográfico, único, sem paralelo,  indispensável para quem quiser conhecer a guerra e a Guiné dos anos de 1961/74, sob o olhar de um grande combatente luso-guineense, que teve de fugir da Guiné depois da independência e que em Portugal se sentiu tratado como um português de 2ª classe. 

Membro da Tabanca Grande, tem mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue (onde foi sempre muito estimado e acarinhado). 

 Em homenagem à  memória do nosso  camarada Amadu Djaló (nascido em Bafatá, em 1940 e falecido em Lisboa, no Hospital Militar, em 2015, com 74 anos), e com a devida vénia aos seus herdeiros, à Associação de Comandos (que oportunamente, ainda em vida do autor, editou o seu  livro de memórias, entretanto há muito esgotado), e com um especial agradecimento ao Virgínio Briote que, na qualidade de "copydesk" (editor literário) e grande amigo do autor e coeditor jubilado do nosso blogue,  nos facultou o "manuscrito" (em formato pdf), vamos reproduzir aqui a notável introdução em que este antigo sargento 'comando' graduado, do Batalhão dos Comandos da Guiné (e depois alferes graduado da CCAÇ 21) faz um apelo ao paficismo e à reconciliação, ele que a seguir à independência teve de trilhar os dolorosos caminhos da fuga e do exílio, ele que escolheu um dos lados da guerra, o lado português, mas também podia ter andado a lutar contra os portugueses, nas fileiras do PAIGC. 

É ele próprio quem nos conta, sem alarde mas também sem autocensura de qualquer espécie, como chegou a ser aliciado, em Catió, aos 21 anos, para aderir ao PAIGC, acabando por ir para a nossa tropa: em 9 de janeiro de 1962, começaria ele, embora contrariado,  a recruta no CIM de Bolama. Serviu a bandeira verde-rubra até agosto de 1974. 


(...) A minha incorporação em 1962 (pp. 30/31)

(...) Quando estava em Catió, em jlho de 1961, toda a gente falava de um tal 'Nino' Vieira que tinha fugido da prisão da administração de Catió e que tinha sido ajudado por um cabo cipaio, o Adulai Duca Djaló, casado com uma irmã do João Bacar Jaló.

Nessa altura encontrava-se em Catió, um colega meu de Bissau, o Adulai Djá, que enquanto fazia 'consultas' 
[como vidente, presumo eu, LG] ,  tentava mobilizar pessoal para o PAIGC. 

Eram os tempos em que o PAIGC, ainda pouco conhecido, estava a começar a emitir um programa pela rádio de Conakry.

Uma tarde, convidado pelo Adulai Djá[1], fui ouvir a emissão a casa do cipaio. Depois voltámos mais vezes, fechávamos a porta, para o João Bacar não saber, e ouvíamos o programa quase todo. Nessa altura, o Adulai Djá estava a tentar aliciar-me e eu estive hesitante. Um dia disse-me que o pai dele lhe tinha mandado de Bissau a mulher e que esse momento não era oportuno para partir. 

Ele, que tinha muita arte para fazer 'consultas', disse-me, dias depois, que eu não contasse mais com o PAIGC, que ia ter um amigo, militar português, que me ia meter na tropa. Não liguei nenhuma importância ao que ele contara.

Quando regressei de Catió, tomei a decisão de trabalhar para mim, já há muito que alimentava o desejo de abrir uma banca no mercado de Bafatá, onde pudesse vender cigarros, contas[2], colas, tecidos da Gâmbia, panos e outros artigos. (...)


(...) Introdução (pp. 13/16)

Esta história [,este livro, ]  fala das circunstâncias da guerra em que participei. Tratou-se de uma guerra que dividiu e pôs frente a frente filhos da mesma terra.

Eu acho que participar em qualquer uma dessas partes não era crime. O crime é uma actuação que depende da pessoa que o pratica. Sem dúvida que houve criminosos em ambos os lados, que mataram barbaramente, mas cada um tem o seu processo individual para ser julgado, neste mundo e no outro.

No final da guerra não podiam nem deviam condenar todos. Primeiro deviam julgar os processos de cada um e só depois poderiam condenar aqueles que cometeram actos criminosos, tanto no Exército Português como no PAIGC.

Eu tenho a certeza que, entre aqueles que cometeram crimes nesta guerra, poucos sobreviveram e se, até agora, não foram presos e julgados pelo Estado, Deus já os terá julgado com grandes desastres e doenças incuráveis.

Em 25 de Abril de 1974 havia muita gente que considerava criminosos todos os militares guineenses do Exército Português e havia também outros que consideravam todos os combatentes do PAIGC como criminosos. 

É mal pensado. Devemos respeitar o sexto e o nono mandamentos. O sexto, guardar castidade nos pensamentos e nas palavras; o nono, guardar castidade nos desejos e nas obras. Se respeitarmos estes dois mandamentos, entre os dez, não pecaremos contra a humanidade.

Foi uma era de sofrimento, muito dura que passámos. Perante os vestígios da guerra, ainda frescos e bem visíveis, a quem foi cobrado o pagamento da dívida? A nós, aos militares guineenses que lutámos nas Forças Armadas Portuguesas, bem como às nossas famílias. Fomos os únicos a quem foi cobrada esta divida e nós e as nossas famílias pagámos muito caro. A minha mãe, muito idosa, e os meus filhos, ainda crianças, passaram fome.

Ninguém é culpado disto, é tudo fruto do destino de Deus. Tudo passou e fica para a história.

Quando Nino Vieira deu o golpe de 14 de Novembro de 1980, as perseguições, as pressões e as calúnias acabaram. Ficámos livres, tirou o fecho de segurança da boca de todos os ex-militares guineenses do Exército Português que ainda viviam.

Eu não sou político, apenas um ex-militar, oriundo da Guiné, com treze anos de serviço militar. E o que me levou a escrever este livro é, para além de contar as peripécias que vivi, revelar as minhas dúvidas e os meus sentimentos, durante esses anos, em situação de guerra. Era difícil ser bom português, e os bons patriotas são sempre patriotas, sejam quais forem as ocasiões.

A minha maior dúvida foi a integração no Exército Português. Não era crime, nem erro cometido por qualquer dos lados, quer pelas entidades portuguesas, quer pelos soldados guineenses, porque, naqueles tempos, ir à tropa era uma obrigação.

Os momentos de guerra foram muito difíceis, e é por isso que temos que dar tudo por tudo, para que a guerra seja a última solução do homem.

Com o fim da guerra e o início das perseguições que sofremos, a integração no Exército Português parecia ter sido um passo errado. Ficámos a pagar uma dívida que não devíamos e da qual nem éramos fiadores. Fomos apenas militares da nação portuguesa.

Aqueles momentos foram muito duros e inesquecíveis. Não havia julgamentos. Só condenações à morte e fuzilamentos, sem processos individuais, sem averiguações sobre os actos praticados por cada um.

O que me leva, então, a pôr em dúvida se a integração no Exército Português foi um passo certo, é porque, quando estávamos a pagar os vestígios da guerra, não havia nenhuma entidade portuguesa, patronal, governamental, nem tão pouco diplomática, que pudesse, ao menos, exigir que nos fosse feita justiça.

Na altura, não se falava de direitos humanos, nem em democracia em África. Este contexto originou um silêncio completo em todo o mundo e, assim, foi correndo até ao dia 14 de Novembro de 1980, data em que acabaram com essa injustiça. Porque tudo acaba por ter um fim.

E, como disse atrás, a guerra é a última solução para o homem, porque ninguém sabe as consequências que ela vem trazer, para além dos mortos, dos feridos e dos prejuízos, que são sempre as primeiras a aparecerem.

Mas também, quando não há outra saída, só a guerra, então temos de a fazer. A guerra é indesejável, mas quando vamos para ela, é nossa obrigação enfrentá-la com seriedade, porque na guerra não há graça. A guerra também é uma arte, aumenta o conhecimento do homem, traz novas experiências, novos conhecimentos, novas aventuras, novas amizades, novas relações, novas culturas.

Nós, Povo da Guiné, antes da guerra, mal conhecíamos o Povo Português. Nunca nos juntávamos nas festas com os europeus, durante a presença portuguesa. Só quando se iniciou o conflito começámos a ver os militares das companhias e dos batalhões, que nos acompanhavam como irmãos e como amigos. Festejávamos juntos, repartíamos o pão na mesma mesa, juntávamo-nos em todas as ocasiões, boas e más.

Este povo pacífico, que agora vinha de Portugal e convivia connosco nos momentos de guerra, ficou a conhecer-nos melhor, trocávamos conhecimentos de vida diferentes, tratávamo-nos como irmãos.

Antes, só os comerciantes e os funcionários do Estado vinham com as famílias para a Guiné. Nós éramos servidores, eles, patrões e chefes. E a convivência entre nós, nesses anos, não era muita.

Os jovens da minha etnia, na então Guiné Francesa[3] andavam todos em escolas europeias. Na Guiné Portuguesa, as portas das escolas só se abriram para nós, muçulmanos, com a vinda dos padres italianos.

Os portugueses tiraram algum povo do mato, deram-lhes nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisáv
amos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está lá tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos.

Depois que a guerra teve início, começaram a desembarcar companhias e batalhões de militares vindos de Lisboa. Passámos a ter amigos europeus, quase todos militares simpáticos, tanto oficiais como sargentos e praças. Poucos eram os que não tinham amigos. 

Antes de ser incorporado, o meu único amigo branco era um oficial do Exército, o tenente Carrasquinha, em finais de 1961. Ia a minha casa, foi o meu primeiro amigo. Depois, a tropa continuou a desembarcar e fui tendo mais amigos. Convivíamos em festas, comíamos e bebíamos, cantávamos, dançávamos juntos e ficavam também a conhecer o Povo pacífico da Guiné.

Todos os europeus que regressaram deixaram lá pelo menos um amigo que pensa neles. E todos os que regressaram, trouxeram consigo um ou mais amigos, no fundo do seu coração, que ainda hoje pensa neles.


O Povo da Guiné também é diferente dos outros povos da África. Desde o início da guerra foram muito raros os casos em que o PAIGC matou civis brancos.

A guerra destrói um lado e constrói outro. Mas a destruição é sempre maior. Por isso é melhor evitá-la, o máximo que pudermos. Mas, se não fosse a guerra nós também nunca viríamos a conhecer este Povo pacífico, que é o português, e que nunca deixámos de recordar.

Vivemos com estas recordações e vamos morrer com elas.

Até agora, se Portugal for invadido, nós vamos defendê-lo com tudo o que estiver ao nosso alcance. Se a Guiné for invadida, faremos o mesmo. Eu acho que devemos estar cada vez mais unidos e mais fortes, Guiné e Portugal.

Quero apelar a todos os antigos combatentes guineenses, tanto os que lutaram pelo PAIGC como os que foram incorporados no Exército Português, que façam um esforço de reconciliação com o que se passou.

Naqueles anos, ao serviço do Exército português, nunca deixei de ter amor pela Guiné, a terra que me viu nascer. O facto de eu e muitos companheiros nos termos alistado não fez de nós menos guineenses do que qualquer outro e não nos fez querer menos a nossa Pátria.

Foi a luta pela independência que nos levou a pegar em armas e trocar tiros com os nossos irmãos dentro da nossa terra.

Por tudo isto, eu peço, de uma forma humilde, a todos os guineenses para, hoje, mais do que nunca, ultrapassarem as diferenças, sejam quais forem, para o bem da nossa Pátria. (...)

[Seleção / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG. ]
_____________

Notas do autor ou do "copydesk" (editor literário) Virgínio Briote:

[1]
Adulai Djá militou no PAIGC, vindo a ser 2º comandante da base principal de Morés. Foi morto aquando de um ataque de Comandos helitransportados e soube-se que era ele, por causa do nome inscrito no anel que trazia num dedo.

[2] Colares.

[3] República da Guiné-Conakry, desde 2 de outubro de 1958.

domingo, 4 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23586 Os nossos camaradas guineenses (47): Tala Biu Djaló, ex-alf 2ª linha, cmdt Pelotão de Milícias (Bedanda, 1965/69), e ex-fur graduado 'comando, 1ª CCmds Africanos (Fá Mandinga, 1969/70), desaparecido em Conacri, em 22/11/1970, no decurso da Op Mar Verde (Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil, CCAÇ 1621, Cufar, e CCAÇ 6, Bednda, 1966/68)




Tala Biu Djaló, ex-fur graduado 'comando', 1ª Companhia de Comandos Africanos. Pertencia ao Gr Com do alf graduado 'comando' João Benjamim Lopes, que ficou retido em Conacri, em 22 de novembro de 1970, no decurso da Op Mar Verde. Terá sido depois fuzilado, juntamente com todo o grupo.

Originalmente, o Tala Dajló era alf de 2ª linha, comandante do Pelotão de Milícias, de Bedanda, ao tempo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro da CCAÇ 6,  cap inf Aurélio  TRindade (Bedanda, 1965/67).

Fotos ( e legendas): © Hugo Moura Ferreira (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Hugo Moura Ferreira
1. Mensagem de 30/8/2022, 0h56, do veterano da Tabanca Grande, Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil inf, CCAÇ 1621, Cufar, e CCAÇ 6, Bedanda, 1966/1968)
 
Verifiquei que, no poste colocado em 29Ag22 (Guiné 61/74 - P23565) (*), dás como em falta uma imagem do meu saudoso amigo Tala Biu Djaló. Sendo assim, aqui te envio uma imagem dele.

Abraço e dispõe para aquilo que aches que eu possa ser útil. Hugo Moura Ferreira (**)
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de:


quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22920: (Ex)citações (399): Ética na guerra? O caso do "matador" do comandante de bigrupo Mário Mendes (1943-1972): "Não se mata um homem de costas", disse ao António Duarte, o apontador da HK 21, do 4º Gr Comb da CCAÇ 12... (Seria o Cherno Baldé?)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM de Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé, Sori (Jau ou Baldé) e Umaru Baldé (que, feita a recruta, irão depois para a CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, a partir de 18 de junho de 1970). Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade (!). Eram do recrutamento local e, originalmente, não falavam português. Terá sido este Cherno Baldé o "matador" do Mário Mendes? Em 1969/71, havia dois soldados com este nome, ambos fulas, um deles o sold nº 82115269 Ap Metr Lig HK 21, da 1.ª secção do 4.º Gr Comb (que eu, Luís Graça, integrei muitas vezes ao longo da comissão).

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. C
omentário de António Duarte [ex-fur mil da CART 3493, a companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974; economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola; tem mais de meia centena de referências no nosso blogue] (*)


Boa noite Camaradas.

O homem do PAIGC, Mário Mendes, lidera a operação de colocação de minas. Mata e provoca feridos à CCAÇ 12  e, passado mais de um ano,  morre às mãos da mesma companhia de caçadores.

Casualidades da guerra, bem tristes por sinal. Há uma curiosidade sobre a morte do Mário Mendes. À época eu pertencia à companhia de Mansambo, a CART 3493 / BART 3873 e assisti a uma conversa entre o furriel que comandava a secção de HK 21 e o soldado fula que o abateu, em Bambadinca. 

A CCAÇ 12 estava no mato e detetou a presença de tropa do PAIGC. Ficou também claro que a CCAÇ 12 estava detetada, Os dois grupos evoluíram com muito cuidado e, a determinada altura, penso já perto da Ponta Varela,  a CCAÇ 12  abandonou o trilho e emboscou dentro do mato, ficando a HK 21  apontada na direção de onde se pensava que poderiam vir as tropas do PAIGC. 

Passados alguns minutos vem ao trilho um homem deles, que se ajoelhou e percebe-se que tenta "ler" as pegadas. Os restantes estavam emboscados no lado inverso ao da CCAÇ 12. O furriel faz sinal ao nosso militar para abrir fogo. Para espanto dele, em vez de disparar e apanhar o guerrilheiro em causa,  debruçado e de costas, o homem do quarto pelotão emite um ruído do género "pst pst", o guerrilheiro volta-se e nesse momento é abatido. 

Justificou-se então o nosso apontador, que ele nunca mataria um homem pelas costas.

Entretanto fui para a CCAÇ 12  em janeiro de 73 e tive a oportunidade de confirmar com o próprio e reafirmou-me que não matava ninguém pelas costas. 

Em síntese um código ético pouco compatível com a guerra.

Um abraço
António Duarte
Ex fur atirador, CART 3493 e CCAÇ 12 (Mansambo e Xime, dez 71 /jan de 74)


18 de janeiro de 2022 às 19:32

2. Comentário do editor LG:

O nosso coeditor Jorge Araújo já aqui deu mais informação detalhada sobre este encontro fatal do Mário Mendes. (***)

O comandante de bigrupo Mário Mendes (1943-1972)  morreu em 25 de maio de 1972, 5.ª feira, no decurso da Acção Gaspar 5, realizada por seis Grupos de Combate,  três da CART 3494 e outros três da CCAÇ 12. 

O encontro fatal deu-se em Ponta Varela, tendo sido capturada a sua Kalashnikov, três carregadores da mesma arma e ainda documentação que dava conta do calendário de acções planeadas para a zona, atuava no Sector 2, da Frente Xitole-Bafatá (, nomenclatura do PAIGC), em particular no triângulo Xitole-Bambadinca-Xime.  (****)

Quem teria sido o "matador" do Mário Mendes?

No meu tempo, no 4º Gr Comb da CCAÇ 12 (Bambadinca, julho de 1969 / março de 1971), a HK21 fazia parte da 1.ª secção. E o apontador era o Cherno Baldé, fula (F):

4.º Gr Comb | Comandante: alf mil  cav 10548668 José António G. Rodrigues [, já falecido, vivia em Lisboa]

1.ª secção | fur mil 15265768 Joaquim Augusto Matos Fernandes [, engenheiro técnico, vive no Barreiro; destacado para o redoordenamento de Nhabijões, logo em finais de 1969; substituído, em muitas ocasiões, pelo fur mil arm pes inf, Luís Manuel da Graça Henriques]

1º Cabo 18861568 Luciano Pereira da Silva [, morada actual desconhecida];
Soldado Arvorado 82115469 Samba Só (F)
Soldado 82109869 Samba Jau (Mun Metr Lig HK 21) (F)
Sold 82115269 Cherno Baldé (Ap Metr Lig HK 21) (F)
Sold 82117569 Mamai Baldé (F)
Sold 82117869 Ansumane Baldé (Ap Dilagrama) (F)
Sold 82118269 Mussa Jaló (Ap Dilagrama) (FF)
Sold 82118969 Galé Sanhá (FF)

2.ª secção (a do Mort 60 e do dilagrama) era comandada pelo  fur mil at inf 11941567 António Fernando R. Marques [, vive em Cascais, empresário reformado] e  3.ª secção (a do LGFog 8,9) pelo 1.º Cabo 00520869 Virgílio S. A. Encarnação [, vive em Barcarena]:

É de todo provável que o Cherno Baldé, sold nº 82115269 tenha sido louvado (ou até ganho uma cruz de guerra) por este feito. Mas havia outro Cherno Baldé, também fula, soldado 82109669, Mun Metr Lig HK 21, que pertencia à 3.ª secção do 3.º Gr Comb (comandado pelo alf mil at inf Abel Maria Rodrigues [, bancário reformado, Miranda do Douro]. 

A 3.ª secção era comandada pelo fur mil at inf n.º 06559968 José Luís Vieira de Sousa [, natural do Funchal, agente de seguros reformado]. 
___________

Notas do editor:


(***) Vd. poste de:

17 de maio de  2017 > Guiné 61/74 - P17368: Efemérides (251): ... em abril de 2017: o 13º aniversário do nosso blogue, o XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, os 43 anos do regresso da minha CART 3494, o 25 de Abril e o fim da guerra, o meu batismo de fogo há 45 anos em emboscada comandada pelo Mário Mendes (que viria a ser abatido um mês depois)...enfim, os nossos encontros e desencontros (Jorge Araújo)

21 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16865: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (3): Mário Mendes (1943-1972): o último cmdt do PAIGC a morrer no Xime... Elementos para a sociodemografia do seu bigrupo em 1972: tinha 27.9 anos de idade e 8.9 anos de experiência de conflito...

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22365: Estórias de Contuboel... ou "o mito do eterno retorno" (Renato Monteiro, 1946-2021)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM de Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé , Sori (Jau oui Baldé) e Umaru Baldé (que, feita a recruta,  irão depois para a CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, a partir de 18 de junho de 1970). Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade (!). Eram do recrutamento local e, originalmente, não falavam português. (*)

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É um texto de antologia, dos melhores que já aqui publicámos em 17 anos de existência do nosso blogue. O Renato Monteiro, em cinco pequenas "estórias de Contuboel", sintetiza magistralmente   esse sentimento absurdo, maior do que cada de nós, e que todos nós, "tugas", quadros e especialistas das companhias  da "nova força africana" do general Spínola experimentámos inicialmente, e que "tanto nos levava à rejeição daquele mundo como, no instante seguinte, ao desejo de nele nos confundirmos", parafraseando o autor.  

Quadros, milicianos, de um exército (mal) preparado para a guerra convencional (mas não de todo para a guerra de contra-guerrilha), sem um mínimo de informação e formação sobre aquele território e as suas gentes, fomos obrigado a dar recruta, instrução de especialidade e de aperfeiçoamento operacional a jovens camponeses, fulas, muçulmanos, do recrutamento local (, mas também de outras etnias, animistas), arrancados das suas tabancas, e que não falavam uma única palavra de português nem sabiam onde ficava Portugal... Deliciosas as "observações etnográficas" do autor e não menos saborosa a sua fina ironia... 

Porque o texto vale como um todo, voltamos aqui a reproduzi-lo, quinze anos depois,  mas agora agregando os cinco apontamentos, todos eles relacionados com a instrução de recruta dada pelos nossos camaradas da CART 2479, no Centro de Instrução Militar de Contuboel, com início  em 7 de março de 1969. 

O título "estórias de Contuboel" é da nossa iniciativa, é mais prosaico do que a filosófico e mitológica ideia do "eterno retorno", titulo original do autor.  É uma homenagem ao "homem da piroga". o Renato Monteiro (1946-2021),  que eu tive a felicidade de conhecer em Contuboel, no curto espaço de mês e meio em que estivemos juntos (junho/julho de 1969)... Perdi depois o seu rasto mas nunca o seu rosto...


ESTÓRIAS DE CONTUBOEL 

por Renato Monteiro (2006)


(I) RECEPÇÃO DOS INSTRUENDOS

São uma porrada deles. Para cima de centena e meia, perfilados na parada. Número excessivo mas justificável uma vez que, finda a instrução, serão repartidos por uma outra companhia, ainda na Lisboa (a CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12) (***), constituída tal como nós, apenas por quadros (graduados es especialistas) nmetropolitanos.

Vindos de Galomaro e de Gabu, que ainda não localizei no mapa; do Xime, de Bafatá e de Bambadinca por onde passamos sem que me ocorresse bater uma única chapa, e ainda das tabancas que povoam a região de Contuboel.

Mais fulas do que mandingas, perfilhando todos a crença em Alá, mas também o princípio que consagra para todo o sempre um Portugal daquém e além-mar,  uno e indivisível, coisa para mim demasiado estranha ao dar conta dos raros falantes da nossa língua e dos muitos que a entendem menos do que a Segunda, a minha lavadeira.

Acaso não houvesse entre eles um Carlos, fula, de Bafatá, único cristão e com nome português, excepcionalmente dotado na comunicação com as línguas nativas, incluindo o crioulo - o esperanto da Guiné - para transmitir-lhes as nossas ordens, recomendações e outras tretas, bem poderíamos enterrar as palavras no bolso até às calendas, ir pregar para o deserto ou aos peixinhos do António Vieira.

Sequer a ordem de marchar (acaso fossem capazes de tal acrobática proeza) a partir da parada até uma área arborizada próxima do aquartelamento, utilizada para futura aplicação dos exercícios militares, é compreendida pela generalidade dos nossos instruendos.

Coubesse o mar num concha cavada na areia que, por certo, seria igualmente possível olhar para estes homens e reconhecê-los como nossos compatrícios.

E coubesse em mim próprio este sentimento absurdo, maior do que eu, que tanto me leva à rejeição deste mundo como, no instante seguinte, ao desejo de nele me confundir.

Como se coexistissem em mim, duas entidades antagónicas numa só. Sem a santíssima trindade em que não acredito. E nunca, espero bem, vir a pirar dos cornos.


(II) SEGUNDO PELOTÃO

Divididos por quatro pelotões (de instrução), faço parte do segundo,  bem como o alferes Ilhéu, açoriano, ex-seminarista, os furriéis Paz de Alma, do Norte, o Bera, de Cabo Verde, por quem nutro uma antipatia correspondida e o nosso cabo, ainda sem alcunha, e a quem um dia destes hei-de perguntar donde é. 

Feita a contabilidade, o que temos? 53 Guineenses, 2 insulares, 3 europeus continentais. Ou cromaticamente falando: 53 negros, 4 caras pálidas e um que nem é uma coisa nem outra, e sim as duas. Mas adiante...

Sem o poliglota do Carlos, entretanto integrado noutro pelotão, lançamos mão ao Jaló que, apesar de menos apto para intérprete do que o primeiro, sempre vai desenrascando, em fula e em crioulo, a nossa pretendida comunicação com o grupo. Para levantarem os joelhos, c’um raio, se possível até ao queixo, darem meia volta volver, distinguir o que se toma por esquerda e por direita, manter o peito erguido e cheio de ar, por nada mexer quando em sentido, porra, sequer tossir; enfim, toda a panóplia de movimentos exigíveis numa formatura estacionada ou em marcha. 

Porque com má execução, há merda: 10, 20 ou mais flexões de bruços, mantendo a regular distância da barriga ao chão, quando não mesmo rastejar até aquela mangueira ou cajueiro ainda mais afastado. Punições tão sabidas de cor, por força da aprendizagem para a guerra levada a cabo nos quartéis, como os nomes dos rios aprendidos durante a instrução primária.

Por mim, e apesar de exigente quanto à execução dos exercícios, dispenso a aplicação de castigos sem crime, achando mil vezes preferível, nesta fase inicial de instrução, antes fomentar a troca com que todos crescem: umas lições básicas de português pelos depoimentos prestados, com o apoio do Jaló, sobre a experiência vivida na guerra por um bom número de recrutas que, havendo sido milícias, já se envolveram em confrontos. Com o fogo a doer fora da carreira de tiro, mas no cenário real da mata. Ou tão só os que foram alvo de flagelações dirigidas aos aldeamentos donde são originários.

E quem sabe se, deste modo, não evitaríamos mais facilmente confundir o Ali com o Guilage, estes com quaisquer outros já que, à excepção do Malagueta, excessivamente franzino, e do Turé, de desmedida altura e de voz apagada, todos se apresentam indistintos aos nossos olhos. Como se fossem cópias fisionómicas do mesmo padrão, cheirando desagradavelmente, à maior parte dos camaradas,  a catinga. Ou não fosse natural um cão tressuar a canino; um gato transpirar a felino; os cravos marcarem o ar com o seu perfume... Sem nunca perguntarmos a que cheiramos nós. Mais tarde ou mais cedo, hei-de sabê-lo...

(III) O PARAÍSO, OS RONCOS E OS ANJINHOS

É à sombra frondosa das mangueiras, durante as breves pausas das longas oito horas diárias de instrução,  que Jaló, crente em Alá, me fala do paraíso perfumado, com frutos perenemente maduros, sem maçãs proibidas, abundante comida para satisfazer o apetites dos mais insaciáveis, das alegrias sem medida e das submissas mulheres de deslumbrante beleza, escolhidas a dedo, todas virgens para eterno consolo dos homens, sejam novos ou velhos.

Desse jardim implantado no céu, supremo prémio destinado aos que cuidam cumprir zelosamente não apenas com as obrigações de rezar, jejuar pela ocasião do Ramadão, fazer uma peregrinação a Meca ao longo da vida, mas também aos que recusam as tentações condenáveis pelo Islão, de que Maomé é o profeta, como o consumo de carne de porco e as bebidas alcoólicas.

Interdições que não abrangem o tabaco aspirado por cachimbos que cabem numa mão fechada ou as nozes de cola, tão azedas quanto duríssimas, que revitalizam os músculos e o resto, quando necessário, debelando a fome e dando coragem tanto para combater as agruras da vida como para enfrentar os bandidos da mata.

Nem tão pouco obrigam à fidelidade exclusiva da mulher esposada que, Jaló, tem duas e diz andar a pensar dia e noite numa terceira que vive em Gabu.

Assim não perca os roncos de couro, pagos a bom preço: o que traz atado à cintura e outro no peito, suspenso pelo pescoço, que o protegem tanto da picada dos lacraus como do veneno injectado pelas cobras; dos ferrões cravados pelas abelhas e de todo o bicho selvagem que constitua uma ameaça; da acção nefasta provocada não apenas por encontros indesejáveis com pessoas que rogam pragas, mas também contra seres diabólicos, vazios de forma e capazes de, com um único sopro, transmitirem uma enfermidade incurável morrendo-se, tarde ou cedo, dela. Ou sobrevivendo-se apenas quando se trata de uma mudez, coisa rara, ou de uma cegueira como aconteceu ao filho mais novo do antigo Chefe da Tabanca de Contuboel quando, em criança, andou perdido durante sete dias na mata, nunca mais voltando a ver as cores com que se cobre o mundo.

Com a protecção dos roncos e ainda com a inseparável e benfazeja presença do anjinho do Bem que, encavalitado num ombro do Jaló, cuida ele, há-de levar a melhor em disputa com o seu comparsa, colado ao outro ombro, ímpio por natureza e sempre pronto a pregar as mais nefastas partidas ao seu portador. Vá para onde for, mesmo em sonhos, a dormir.


(IV) IDADES SEM LEMBRANÇA

Coisa pela qual não passam: a comemoração do dia do aniversário. Pois não parece haver um entre os africanos do meu pelotão que saiba a sua idade. E lê-se-lhes nos olhos a inutilidade desse conhecimento que, apesar de tudo, acaba por ser superado através de um palpite dado por nós. Mera suposição inspirada no vinco e na dimensão das rugas, na maior ou menor vivacidade do olhar, não sei bem, num feeling que sustenta a nossa avaliação.

E é assim que Cherno Camará passou a partir de hoje a contar 23 anos, idade que acabou por merecer divertida discórdia quando comparada ao tempo de vida atribuído ao Amaduri Camará, 21 anos, por alguns considerado mais velho do que o primeiro.

Mas fora de qualquer polémica foram as 18 Primaveras calculadas para Demba Baldé, o Malagueta, seguramente o recruta mais jovem da nossa troupe, filho de Ira Baldé, prestigiado chefe de uma das tabancas da região de Gabu Sare.

Quanto a mim, talvez não fosse menos sensato deixar-se estes homens, na sua maioria ainda mais novos do que nós, tão alheados da sua idade quanto as árvores que se desenvolvem sem contarem os anéis do tronco que marcam o tempo da sua existência.

Opinião igualmente partilhada por Ussumane Colubali, para o qual o que importa é nunca perder de vista de quem se é filho, irmão, neto, bisneto e pai; bem como o lugar onde se nasceu e o número de cabeças de gado e de mulheres que se possui, sendo seguro que a memória da data de nascimento não leva a viver mais, sequer a acertar-se com o dia da sua morte. Ao contrário da generalidade dos africanos, muito reservados, Ussumane não se coíbe de expressar os seus juízos mesmo sem ser chamado a fazê-lo.

Assim, diz não existir à face da terra nenhumas Forças Armadas capazes de tão grandes façanhas como as nossas, razão que o levou a oferecer-se para o exército, aproveitando ainda uma vantagem: a possibilidade de, assim, ganhar uns patacões, muito difíceis de obter por outro meio.

Proveito que o Demba Baldé de bom grado dispensaria. Que foi o pai, contra sua vontade, que o mandou servir a tropa. Quando melhor estaria junto da sua Comança Baldé, ainda mais nova do que ele, a fazer filhos, a comer bianda e a tratar do gado.

(V) BAJUDAS OU A IMITAÇÃO DO PARAÍSO CELESTIAL

Acordo com os latidos da Daisy, já recuperada da mazela na perna, incitando-me a sair da cama. Como a querer lembrar a combinação que fiz com o Canininhas e o Português Suave em pirarmo-nos hoje para o rio Geba que o Fórmula Um, o condutor, afirma ficar a quinze minutos de Unimog.

Acordo como um animal de sangue frio em período de hibernação e, caso não fosse a barba por fazer desde há três por se ter gripado a bomba de água e a desagradável sensação pegajosa no corpo, bem teria mandado o compromisso para as urtigas. Mas avancemos. Tomado o pequeno almoço à pressa, toca de trepar para a viatura, com os dois camaradas vociferando contra o meu atraso, "és sempre o mesmo", mais o Joshua. apanhado a atravessar cabisbaixo a parada e a Daisy, como prémio do seu empenho em combater a minha letargia.

Por uma estrada todo o terreno, cheia de covas abertas pelas correntes das chuvas e de sulcos dos rodados das viaturas, em menos tempo que o calculado pelo Fórmula Um, chegamos ao Geba: bem estreito quando comparado à sua dimensão em Bissau ou no ponto em que se cruza com o Corubal.

Mas bem mais largo quanto às vistas que dele se podem colher: aquele pequeno grupo de bajudas, ó Cesário, sem rendas ou ramalhetes rubros de papoilas, apenas cintadas por uma tanga fina, tudo o mais só nudez ali exposta à luz do sol, com natural indiferença aos nossos olhos e sem nada ficarem a dever em graciosidade às virgens do paraíso celestial descrito por Jaló.

Salpicadas de espuma, com a água a escorrer em fios ou em contas pelos ombros, o seios, o colo, quantas aguarelas não dariam? Tantas quantas ninfas ou sereias de outros tempos imaginadas em pedra ou tela.

Pena, para não dizer pequena e simulada raiva, é a Segunda, a quem ironicamente comecei a tratar por Benvinda, nem uma única vez tenha posto os olhos em mim, limitando-se apenas a cumprimentar-me aquando da entrega da roupa à porta da camarata, limpa, sem vincos e ainda quente do ferro, ao fim da tarde.

À hora em que, num breve instante, o dia escurece, as boieiras alinhadas como esquadrões de caça recolhem ao refúgio da mata e o poente se tinge de cores vivas e quentes. Como nunca me foi dado ver.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12773: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte III): Preparando a "nova força africana" de Spínola...

(**) Vd. postes de:



4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

(***)  Vd.postes de:


25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6466: A minha CCAÇ 12 (2): De Santa Margarida a Contuboel, 5 mil quilómetros mais a sul (Luís Graça)

(...) Contuboel, far from the Vietnam

Nestas condições, a instrução de especialidade, como se deve imaginar, não foi nada famosa. Estávamos a milhares de quilómetros do nosso ponto de partida, o Campo Militar de Santa Margarida, onde, ainda me recordo, também brincámos às guerras, e fizemos os nosso roncos (no essencial, assalto aos acampamentos do IN a fingir, e pilhagem de tudo o que era bebível e comestível).

Em plena época das chuvas, ainda em fase de adaptação ao terrível clima da Guiné, hostil a qualquer tuga, em farda nº 3, espingarda automática G3 ao ombro e cartuchos de salva nos bolsos (à cautela, não fosse o diabo tecê-las, os graduados, metropolitanos, levavam alguns carregadores com bala real...)... Estão a imginar esta guerra-de-faz-se-conta ?

Era ainda a dolce vita da Guiné (como eu escreveria no meu diário), aqui e ali perturbada pelas histórias que a velhice nos contava, a nós periquitos, de Madina do Boé e de Guileje, "lá longe no sul" (sic) (...)

A 18 de Julho de 1969 , a futura CCAÇ 12 (que, por enquanto, ainda era a CCAÇ 2590) é dada como operacional. Atendendo à origem étnico-geográfica das suas praças, por sugestão do Com-Chefe, ficamos radicados em chão fula, às ordens do Batalhão de Caçadores 2852 (1968/70), com sede em Bambadinca...

A 21 de Julho, menos de dois meses depois da nossa chegada à Guiné, quando ainda nem sequer tinham sido distribuídos os camuflados à nossa tropa africana, temos a nossa primeira "saída para o mato" (sic) , seguida do nosso "baptismo de fogo"...

De facto, em Madina Xaquili, temos o nosso primeiro ferido grave, evacuado para Bissau; e a 28, mais dois feridos graves, numa ataque nocturno àquela aldeia fula que será definitivamente abandonada pela sua população e, mais tarde (em Outubro), pelas NT.

Para três dos nossos soldados africanos, a guerra havia acabado, mal começara: ficarão definitivamente inoperacionais e/ou incapacitados, não sem que um deles tenha de passar, primeiro, por outro inferno, o do Hospital Militar da Estrela, em Lisboa...

Pergunto-me, com amargura, 40 anos depois: o que será feito de vocês, valentes soldados ? Tu, Sori Jau (3º Gr Combate, evacuado para o HM 241); tu, Braima Bá (inoperacional) e tu, Udi Baldé (evacuado para Lisboa e retornado a casa com 35% de incapacidade física), ambos do 2º Gr Comb ? (...)


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21932: Os nossos camaradas guineenses (46): O Jobo Baldé, o padeiro de Missirá e depois do Mato Cão, Pel Caç Nat 52, ferido ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), e que sonhava vir para Lisboa e trabalhar na panificação...

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 52 (1968/70)  > 1969 > O sold Jobo Baldé, ao tempo do alf mil Mário Beja Santos, comandante do pelotão. Veio de Galomaro, Cossé, em 1969. Ofereceu-se como voluntário para fazer o pão no destacamento. 

"Esta é a primeira fotografia do Jobo na sua padaria: ele amassa cheio de vontade o nosso primeiro pão; veio um mestre do Cossé ensinar a fazer o forno; ele amassa num cunhete de granadas de bazuca mas do que gosto mais é a determinação do seu olhar, há ali um mundo de sonhos que ninguém, parecia, iria parar. Honra ao trabalho, amassarás o teu pão com o suor do teu rosto." (*****)

Foto (e legenda): © Beja Santos (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Chamava-se Jobo Baldé, recorda o seu antigo comandante, o Mário Beja Santos. Era "o padeiro de Missirá, empreendedor topo de gama, sacrificava todos os seus lazeres para fazer pãozinho para a população civil".  (*)

E acrescenta o nosso camarada e colaborador permanente: "Revejo sempre esta fotografia com orgulho e olhos humedecidos. O Jobo prepara o pãozinho num cunhete de granadas de bazuca. Enviei esta fotografia à minha noiva e digo: 'Jobo, o padeiro que Rossini esqueceu para as suas óperas'...

"O Jobo tinha um fio de voz, quase ciciava, seguia bem perto do seu alferes. Escreveu-me anos a fio, também queria vir trabalhar para Portugal. Em Dezembro de 2010, procurei vê-lo. O Fodé Dahaba telefonou-lhe, não tinha dinheiro para se deslocar da região de Galomaro a Bambadinca, e nós não podíamos lá ir. Caí na asneira de lhe dizer que regressaria à Guiné, alguém ouviu, e é por isso que de vez em quando me escrevem para saber quando eu volto"… (*)

2. Mensagem do Beja Santos, com data de 29 de Setembro de 2006:

Caro Luís, a violência deste exercício ficou atenuada quando a Cristina me passou para as mãos as centenas de aerogramas que lhe enviei. Estou presentemente a arrumar por anos e depois passarei aos meses e dias. Até agora a memória não me tem atraiçoado, das cartas encontradas do período abordado vejo que há episódios humanos que merecem ser relatados.

E descobri algumas cartas dos meus soldados que te vou enviar pois eles enriquecem a histórias de todas as nossas relações afectivas, o português que se usava, o amor que se instalou entre os homens. Tu farás o uso que entenderes desta correspondência, tens plena liberdade para reproduzires como e quando for mais conveniente. (...) (**)

Exmº Sr Meu Alferes

por Beja Santos

Passou por aqui há dias o Queta Baldé, antigo soldado do Pel Caç Nat 52. É segurança nocturno numa empresa das redondezas, e de vez em quando vem partir mantenha. Trouxe-me uma carta datada de 1 de Janeiro, de Bissau, e assinada por Jobo Baldé. A fotografia dele já aqui apareceu, era o nosso padeiro a quem demos uma concessão de vender algumas fornadas de pão à população civil.

Na época das chuvas, não era possível trazermos os sacos de farinha na viatura e pedimos apoio aéreo. Lembro a ocasião em que um helicóptero nos largou a 15 metros de altura, sob a parada, um saco de farinha que tivemos de peneirar para tirar a terra... O Jobo escreve assim:

"Antes de mais desejo-te uma boa continuação de saúde e felicidade. Espero que não tenhas esquecido o Jobo. Olha Alfer Becha dos Santos você tinha-me dito vai me levar em Lisboa quando eu entrego a farda da tropa. Eu era o teu antigo padeiro em Missirá. Quero ir para Lisboa. Cumprimento para a sua família da casa. Jobo em Bissau, telefone 25-51-25."

Guardei outras missivas do Jobo. Por exemplo:

"Meu Senhor Alferes que eu queria dizer uma coisa que seja verdade porque meu mulher já pariu na nossa terra. Olha, ela pariu na segunda feira passada. Dá autorização a Jobo para ir a Galomaro"...

E outra:

"Querido Alferes, eu queria visitar meu familiar, empresta-me 500 ou 400 escudos pois tenho que fazer festa do filho e sem dinheiro eu fico com muita vergonha. Eu peço 4 dias de dispensa. Adeus".


3. O Jobo Baldé não vinha da formação inicial do Pel Caç Nat 52, ao tempo do alf mil Henrique Matos (Enxalé, 1966/68). Mas chegará ao fim. O Pelotão será extinto em agosto de 1974, era comandante o alf mil Luís Mourato Oliveira (***).

Demos de novo a palavra ao seu "biógrafo" (****):

(...) Depois do grande incêndio de Missirá, em 19 de Março de 1969, durante a reconstrução, deu-se azo à imaginação, alguns progressos foram possíveis no nosso ameaçado bem-estar. Para substituir Sadjo Baldé, um dos falecidos durante a flagelação, veio o Jobo, natural de Galomaro.

Não tínhamos padaria, e em conversa informal perguntei tanto no Pel Caç Nat 52 e do Pel Mil 101 se havia voluntários para as tarefas da padaria. Jobo ofereceu-se logo, e, moderno e polivalente, fez-me a seguinte proposta: Faria pão para a tropa dentro do seu horário, independentemente dos reforços, idas a Mato de Cão, colunas de abastecimento, emboscadas e operações; fora do serviço queria dedicar-se ao que hoje se chama o empreendedorismo.

E assim foi, ele era bem jovem e deu conta do recado tanto na actividade independente como nas tarefas marciais. Era um regalo o cheirinho a pão, a partir de Julho de 1969. A Missirá civil deu-lhe farta clientela, todo o pão alvo era escoado sem reclamações.

O Jobo ainda resistiu quando fomos para Bambadinca, em Novembro, queria ficar, mas ninguém no Pel Caç Nat 54 quis trocar com ele. Resignado, abandonou as lides da panificação" (...) (****)

Aqui fica o retrato possível de mais um nosso camarada guineense (*****), o improvável padeiro de Missirá (1969) e depois de Mato Cão (1973/74). Oriundo do Cossé, o seu sonho ainda era vir para Lisboa e ser padeiro. E se estamos a falar do mesmo militar, o Soldado Atirador Jobo Baldé 82068868, do Pel Caç Nat 52, ficamos também a saber que ele faz parte da lista dos feridos do Sector L1 ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), pormenor do seu CV militar que, se calhar, tanto o Beja Santos como o Luís Mourato Oliveira desconheciam. (******)
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Notas do editor:


(****) Último poste da série > 5 de junho de 2017  > Guiné 61/74 - P17435: Os nossos camaradas guineenses (45): Encontro no LNEC com o Augusto Delgado, ex-Fur Mil da CCAÇ 18, hoje Engenheiro Técnico (Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)