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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9408: Nós da memória (Torcato Mendonça) (5): Fado no Império - Fotos falantes IV

Fados no Oceano

Foto ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados





1. Em mensagem do dia 25 de Janeiro de 2012, o nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), enviou-nos um texto para integrar os seus "Nós da memória", mas ilustrada com fotos falantes da sua IV série. Promete.





NÓS DA MEMÓRIA - 5
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

1 - Fado no "Império"
Fotos Falantes IV

Necessitava, para “desatar” mais uns nós da memória, de um qualquer auxílio.
Seleccionei algumas dezenas de slides e serão eles o auxílio pretendido.
Não sinto vontade em continuar a falar – escrever – sobre a “guerra pura e dura”, não, isso não.
Voltarei? É possível. Nunca digas nunca.

Suspendi o relato, a minha descrição, sobre a “Lança Afiada”. Descansa num dossier. São muitas folhas e não as quero como outras na lareira.

Antes de começar a escrever fiz breve visionamento dos slides, ora seleccionados, e um deles chamou-me a atenção. O Fado cantado em alto mar, o nosso fado, o destino de um Povo aqui em regresso de serviço prestado à ditosa Pátria.

Este, que aqui pelos ares atlânticos se perdia, não era certamente o fado triste das vielas de Lisboa e de seus amores e desamores. Não. Este teria certamente a música plagiada de um desses fados. A letra seria sobre a vida dos soldados em regresso à velha capital do Império, algo sobre a sua estadia de dois anos na Guiné, dois anos de uma juventude interrompida.

Era o regresso, o regresso das últimas caravelas. A rota seria a mesma, pouco importando os ventos e marés e, em tudo o mais diferente, quer na ida ou no regresso dos mesmos homens agora mais velhos, precocemente mais velhos, muito diferentes dos jovens da ida. O País esperava-os para deles se desenvencilhar rapidamente. Seriam peças descartáveis da máquina trituradora daquela geração. País virado ao mar e ao umbigo de minoria, País de sonho irrealizável, teimoso e bolorento nesse e noutros quereres.

Continuava virado a ilhas, a áfricas e ásias onde, a sua bandeira tremia há séculos, por terras conquistadas e mantidas com impossíveis por tão diminuta gente. Uma ocupação de conveniência.
Séculos de ocupação, de exploração para beneficio de minoria de seu Povo ou, pior ainda, para gentes de outros Países que, em conjunto com a pequena elite deste nosso rectângulo, usufruíam os proveitos desse estar e explorar terras e bens de outras gentes, impondo sofrimento, dor e humilhação.

Usavam a fé, os novos saberes da tecnologia, da cultura desrespeitadora da desses povos e não queriam entender, por não lhes interessar, que isso nada a tais gentes beneficiava. Eram gentes que nunca foram assim, em suas terras, cidadãos inteiros de um espaço que errada e enganosamente se dizia ser: - pluricontinental e multirracial do Minho a Timor. Por muito que hoje se duvide, outrora, poucas décadas atrás, muitos nisso acreditavam ou ainda acreditam.

Certo é que houve minoria, dessa gente oprimida, que desse colonialismo se libertou. Talvez, esses mesmos que de tais práticas se iam libertando, contribuíram para que os impérios se fossem desmoronando e um dia muitos, muitos mesmo ou quase todos pensaram serem livres, serem cidadãos inteiros e, mesmo apressadamente, dos velhos senhores se libertaram.

Erro deles, saíram de algo que lhes era imposto, algo que os oprimia e, sem disso se aperceberem logo noutras opressões, noutras servidões impostas por outros senhores, deles irmãos, caíram. Ainda esperam, hoje, por um novo mundo, um mundo mais livre, fraterno e sem tanta desigualdade.

Ah, ah… os últimos soldados do império? Esses, quase a totalidade, depois de serem descartados, ignorados e esquecidos vão desta vida se libertando. Não pesam pois, num Olimpo qualquer onde peso não interessa e, se algo deles cá fica, serve para outros comemorarem e relembrarem o nada em conforto de egos. Fica ou cai bem. Por vezes não, por vezes o lauto almoço, que, de um modo geral se segue excede os cuidados a ter com idades e maleitas próprias.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9295: Nós da memória (Torcato Mendonça) (4): Ano Novo; Ano Velho e Toca o Mesmo

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8363: Contraponto (Alberto Branquinho) (35): Teatro do Regresso - 10.º e último Acto - Estou velho com'ó caraças! - ...mas não cai o pano

COMEÇOU ASSIM...

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 28 de Março de 2011:

Caríssimo Carlos Vinhal
Aí vai o "1º. Acto" do grande "TEATRO DO REGRESSO", que esteve em cena durante mais de uma década e um grande ABRAÇO do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (26)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

1º. Acto - E Agora?


Cenário:

Finais dos anos 60 do séc. XX.
Deck de navio, navegando em mar alto, transportando tropas de Bissau para Lisboa.

Personagens:

Dois alferes milicianos, fardados, apoiados nos ferros da amurada. Um segura a cabeça entre as mãos; o outro fuma um cigarro e fixa o horizonte, olhando em frente.

Acção:

A segunda personagem, apaga o cigarro, senta-se, encosta-se bem na cadeira, cruza os braços, encara o outro e pergunta:

- O que vais fazer, agora, quando chegares?
(Silêncio, durante uns segundos).

- Não sei se tenho cabeça e disposição para voltar a estudar. E tu?

- Vou abrir um consultório.

- Consultório?! De quê?

- Ponho um anúncio à porta. Assim:

PERGUNTEM TUDO SOBRE GUERRA.
EU RESPONDO.

Ambos sorriem. Sorrisos irónicos.

(CAI O PANO)


...A VAI TERMINAR ASSIM:

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 29 de Maio de 2011:

Caríssimo Carlos
Junto estou a enviar o texto do Contraponto (35), que consta do 10º. e último Acto do "Teatro do Regresso".

Despeço-me (eu, não o Contraponto) com um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (35)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

10º. Acto – Estou velho com’ó caraças!

(Último acto – aqui.)

Cenário

Porto de Lisboa. Cais da Rocha do Conde de Óbidos.
Amurada de navio que transporta tropas, que regressam da Guiné.
O navio está a fazer manobras para atracar.
Centenas de militares observam de bordo a multidão que os espera no cais, acenando, desfraldando faixas com escritos, agitando lenços de várias cores. Os gritos de chamamento de bordo e de terra misturam-se no ar, fazendo um barulho ensurdecedor.


Acção

O cabo “Alcântara” vem caminhando calmamente, com o saco militar às costas, da proa para a ré, tossindo e ziguezagueando por entre os militares, que procuram chegar-se mais à amurada tentando ver melhor e serem vistos de terra.

Finalmente consegue entrever o Fonseca (um “filho de Campo de Ourique”). Coloca-se ao lado dele, poisa o saco aos pés e, para conseguir fazer-se ouvir no meio da algazarra, berra-lhe ao ouvido:

- Está tudo na mesma, pá: a Torre de Belém, os Jerónimos, a Ponte, o Cristo-Rei, o rio, o Porto Brandão, a Trafaria… e, até, esta maralha toda aí em baixo é a mesma. Eu, é que estou velho com’ó caraças! Parece que já tenho 35 anos. E cheio de gosma…

(NÃO CAI O PANO), pois…

…de muitos e desvairados ACTOS se fez o teatro do regresso!

Alberto Branquinho
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Nota de CV:

Vd. postes do Teatro do Regresso de:

1 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8028: Contraponto (Alberto Branquinho) (26): Teatro do Regresso - 1.º Acto - E Agora?

4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8048: Contraponto (Alberto Branquinho) (27): Teatro do Regresso - 2.º Acto

11 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8083: Contraponto (Alberto Branquinho) (28): Teatro do Regresso - 3.º Acto

20 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8139: Contraponto (Alberto Branquinho) (29): Teatro do Regresso - 4.º Acto - Missa de Corpos Presentes

28 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8177: Contraponto (Alberto Branquinho) (30): Teatro do Regresso - 5.º Acto - (Des)encontros imediatos

3 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8210: Contraponto (Alberto Branquinho) (31): Teatro do Regresso - 6.º Acto - Que próximo-futuro?

10 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8254: Contraponto (Alberto Branquinho) (32): Teatro do Regresso - 7.º Acto - Prótese

17 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8288: Contraponto (Alberto Branquinho) (33): Teatro do Regresso - 8.º Acto - Foi outra guerra qualquer

24 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8316: Contraponto (Alberto Branquinho) (34): Teatro do Regresso - 9.º Acto - Filho da ausência

terça-feira, 10 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8254: Contraponto (Alberto Branquinho) (32): Teatro do Regresso - 7.º Acto - Prótese

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 25 de Abril de 2011:

Caro Carlos Vinhal
Aí vai o texto do CONTRAPONTO (32) - Teatro do Regresso - 7º. Acto.
Enviarei ainda mais alguns, assim, semanalmente.

Um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (32)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

7º. Acto – Prótese

Cenário

No passeio, em frente à Estação do Rossio, em Lisboa.
Dois homens, parados, conversam.


Personagens

Os dois homens atrás referidos e um outro, que entra em cena , proveniente da Praça dos Restauradores.


Acção

Enquanto as duas primeiras personagens, paradas, conversam, a terceira entra em cena, caminhando e olhando fixamente um dos homens que conversam. Pára e pergunta-lhe:

- Desculpem. Você esteve na Guiné?

- Sim.

- O seu nome é Andrade?

- Sim. Quem és tu?

- Sou o Alvarinho. Não me reconheces porque eu andava de barbas.

- Eh, pá!

Abraçam-se efusivamente.

- Alvarinho, deves ter chegado há pouco tempo…

- Há quase quinze dias.

E, olhando fixamente para as pernas do outro:

- Andrade, desculpa. Tu foste evacuado de Gambiel porque uma antipessoal te rebentou com uma perna.

- Foi. Olha.

E, debruçando-se sobre a perna direita, bateu nela com as articulações das falanges da mão direita:

- Toc, toc, toc…

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8210: Contraponto (Alberto Branquinho) (31): Teatro do Regresso - 6.º Acto - Que próximo-futuro?

terça-feira, 3 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8210: Contraponto (Alberto Branquinho) (31): Teatro do Regresso - 6.º Acto - Que próximo-futuro?

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 25 de Abril de 2011:

Caro Carlos
O Teatro do Regresso parece que nunca mais acaba. É uma peça em vários Actos...
Aí vai o 6º. - CONTRAPONTO (31)

E vai, também, um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (31)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

6º. Acto – Que próximo-futuro?

Cenário

Quarto de furriéis. Três camas.
Dois estão deitados de costas, dormitando. A terceira cama está vazia.


Personagens
Os dois furriéis atrás referidos.


Acção

Um dos furriéis apoia-se no braço direito e diz:

- Daqui a mais ou menos um mês, se Deus quiser, já estaremos na Metrópole. Não sei se vou conseguir trabalhar, outra vez, com horários, relógio de ponto, preso à secretária, a aturar chefes… E tu, voltas para o trabalho?

- Quando fui chamado para a tropa não estava a trabalhar. Fingia que estudava…

- E agora, quando chegares?

- Acho… que vou estagiar.

- Onde?

- À tarde, nas esplanadas da Avenida da Liberdade, em Lisboa. A maralha toda, da Guiné, anda por lá. Aos caídos… À noite, no Cantinho dos Artistas, Maxime, etc.. Para variar, o pessoal vai até ao Cais do Sodré ou ao Conde de Redondo.

- Mas que raio de vida!

- Anda por lá muita gente que chegou da Guiné. Uns mais recentes, outros mais antigos, que eu não conhecia. Vão respondendo a anúncios, mas, quando têm resposta, a maior parte das vezes não aparecem às entrevistas. Outras vezes vão e “armam um escabeche” do caraças. Chamam-nos para ir vender enciclopédias, porta a porta. Ou coisas assim. O pessoal não consegue aclimatar-se…

- Está bem…está bem…

- Nas férias encontrei por lá o Simões de Bedanda. Sempre bêbado ou meio bêbado. Ele aqui (lembras-te?) já era um marado do caraças… Consta que tem umas gajas por conta no Intendente. Uma é daqui, da Guiné… ou de Cabo Verde.

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8177: Contraponto (Alberto Branquinho) (30): Teatro do Regresso - 5.º Acto - (Des)encontros imediatos

Guiné 63/74 - P8208: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (37): 3 de Maio de 1966, o dia D de desembarque em Lisboa




1. O nosso Camarada José Eduardo Oliveira - JERO -, (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), enviou-nos a seguinte mensagem:

Camaradas,

Acabei de escrever um texto que tem a ver com o regresso da minha CCAÇ 675.

Saímos de Bissau a 28 de Abril e chegámos a Lisboa em 3 de Maio de 1966.

Gostava de ver no nosso blogue esta "postagem" no próximo dia 3 de Maio de 2011, 3ª Feira.

Por ironia do destino tenho uma intervenção cirúrgica marcada para esse dia a um sacana de um joelho… com 71 anos.


3 de Maio de 1966

Esta memória que agora recupero tem 45 anos!

Tem a ver com a minha chegada a Lisboa depois de cumprir 2 anos de serviço militar na Guiné.
O desembarque aconteceu em 3 de Maio de 1966.

Dos 5 dias da viagem de regresso quase nada recordo.
O que recordo como mais marcante foi o momento em que entrei dentro do «UÍGE» ainda no Cais de Bissau.
Nesses tempos entre o Cais e o navio havia umas boas dezenas de metros a percorrer, distância que era feita numa pequena lancha a motor. Terei sido dos últimos a embarcar às voltas com um caixote que trazia com coisas pessoais (as minhas papeladas e uns panos guineenses compradas no mercado de Bissau no dia da partida).

O caixote era grande, difícil de transportar e, devido à ondulação, quase me caiu à água quando finalmente consegui agarrar a escada do portaló, que nos permitia subir a bordo do navio.
Lembro-me do grande alívio que senti quando finalmente entrei no navio e «pisei» terreno seguro.

Depois… segue-se um vazio na minha cabeça que, não é total, porque tenho fotografias desses tempos.

Quando tempos depois organizei o meu álbum de fotografias coloquei na mesma página uma foto à partida e uma foto do regresso. Foi impressionante constatar como dois anos tinham mudado tanto os traços fisionómicos da nossa gente. Miúdos à partida e homens feitos na viagem de regresso.

E não regressaram todos. Faltaram o Soldado Ap Met Augusto Gonçalves (morto em 29.Julho.1964), o Fur Mil Atirador Álvaro Mesquita (morto em 28.Dezembro.1964) e o Soldado Atirador João Nunes do Nascimento (morto em30.Julho.1965).

Devido a ferimentos graves também nos tinham precedido na viagem de regresso oito militares evacuados, em datas diferentes, para o Hospital Militar Principal, de Lisboa: o 1º.Cabo Craveiro e os soldados Bessa, João Santos, António Filipe, João Alexandre, Carlos Coelho, Severino Dias e o “Caldas” (Joaquim Lopes Henriques).

Cinco dias depois da partida de Bissau, menos bem alimentados do que na viagem de ida mas sem “livro de reclamações”… foi tempo de arrumar as ideias. Já a pensar mais como civis do que como militares fazíamos contas à vida.


No dia 3 de Maio de 1966 Lisboa estava à vista e… a ponte sobre o Tejo já estava concluída!

O «UÍGE» aproximava-se lentamente dos cais, apinhado de multidão mantida a alguma distância por elementos da P.M.

Lembro-me de algumas assobiadelas com que os polícias militares foram contemplados pela malta que chegava.

Os PêEmes… só existem mesmo para chatear a malta!

DO NAVIO PARA O CAIS…

Ali estava eu, com as mãos apoiadas na amurada do navio, que finalmente acostava ao Cais de Alcântara.
Tinha esperado por aquele momento dois anos, dois longos anos.

E… não sentia nada do que tinha esperado!

Vamos lá entender o Mundo, as pessoas… se eu próprio me custava a entender!

Estava no final de uma longa «viagem à guerra», já tinha descortinado entre a multidão do Cais os que me tinham ido esperar e… nada. Ou melhor dizendo… muito pouco.
Afinal o que se passava comigo!?

Ainda hoje, a quarenta e tal anos de distância, tenho dificuldade de explicar o que se passou!
Sei que estava parado, quase apático, sem vontade de correr para a saída!

Terei sido dos últimos da minha Companhia a desembarcar.

Cheguei junto dos meus e recordo especialmente o abraço da minha mãe.

Mãe é mãe e sabia que tinha sido Ela a pessoa que mais tinha sofrido com a minha ausência de dois anos.

Para melhor a abraçar pousei no chão um pequeno saco de bagagem que trazia ao ombro. Neste saco transportava a máquina fotográfica e os últimos «souvenirs» de Bissau.

Quando acabou o abraço e me baixei para apanhar o saco ele já não estava lá…

Um amigo do alheio tinha-se aproveitado da confusão e tinha-o levado por engano…

Acalmei rapidamente as preocupações da minha mãe. Afinal eu ainda lá estava. Vazio, confuso mas…fisicamente presente.

Quanto ao ladrão isso que queria apenas dizer que… tinha regressado de novo à civilização!

Olhei mais uma vez para o mar.

Até sempre… Guiné!

Quarenta e cinco anos depois tenho o privilégio de todos os dias poder recordar lugares, rever amigos, reler irmãos sob o frondoso, fraterno e sagrado poilão da nossa Tabanca Grande...

São esses os meus “créditos” 45 anos depois do regresso da Guerra do Ultramar, ou Colonial ou da Independência…

Com uma paz diferente da que tinha DO NAVIO PARA O CAIS… em 3 de Maio de 1966.

Um abraço fraternal de Alcobaça,
JERO
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

20 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7826: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (36): Ida ao dentista em Farim (JERO)

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8177: Contraponto (Alberto Branquinho) (30): Teatro do Regresso - 5.º Acto - (Des)encontros imediatos

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 25 de Abril de 2011:

Caríssimo Carlos Vinhal
Neste "5º. Acto - (Des)encontros imediatos" do Teatro do Regresso a acção ("presente") passa-se no Café Bento ("5ª. Rep") em Bissau e "acção futura" no... mundo.

Um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (30)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

5º. Acto
(Des)encontros imediatos

Cenário

Guiné, nos tempos da guerra.
Esplanada da “5ª. REP.”, em Bissau.


Personagens

Vários furriéis e alferes milicianos, com a tez característica de quem fez muitas caminhadas por terras do interior.
Alguns fardados outros em traje paisano. Estão sentados à volta de três mesas juntas. Bebem e conversam.


Acção

Levanta-se um e diz:

- Eh malta! Eu e o Rodrigues vamos dar uma volta pela Europa. Há lugar para mais um ou dois. Aceitam-se voluntários. O carro já lá está à minha espera.

- Partes quanto tempo depois de a malta chegar?

- O tempo suficiente para conseguirmos o passaporte. O serviço militar já está cumprido…

- Ó Lopes, vamos?

- Não posso. Logo que chegue, vou começar a tratar dos papéis para ir para trabalhar para Angola.

Chegou um outro, vindo de fora de cena, encosta-se às costas de uma cadeira e, levantando os braços:

- Eh pessoal! Oiçam! Oiçam! O Uíge atraca amanhã logo de manhã. A gente deve começar a embarcar depois de amanhã pela fresquinha…

- Como é que tu sabes?

- O gajo é da PIDE… tem muitos informadores.

- P’ró c……!

- Porreiro. Amanhã ainda se pode fazer qualquer coisa.

- Zé! No primeiro Domingo depois de a gente chegar vou fazer-te uma visita a Vila Real.

- Não estou lá. Vou viver para o Porto. Casei-me nas férias e vou viver para o Porto.

- Este gajo vai para o Porto trabalhar com o sogro. Vai trabalhar por conta do sogro.

- É verdade? Vais mesmo?

- Vou trabalhar na fábrica do meu sogro.

- E vais fazer o quê?

O outro encolheu os ombros, como quem diz “não sei”.

- O gajo sabe lá! Tu sabes qual é o trabalho respeitante à profissão de genro.

- Fazer netos.

- Eu vou “meter o chico”. Quem me comeu a carne, agora que roa os ossos.

- Mal por mal, anda comigo para a África do Sul.

- Fazer o quê?

- Precisam de gajos com experiência de combate.

- Foda-se! Não estás farto?

O que foi interpelado levantou os braços e, acompanhando com um trejeito de lábios, concluiu:

- Não sei fazer mais nada.

As conversas continuaram, mas, a pouco e pouco, começaram a debandar: um a um, dois, depois outro e mais outro. Tal como iria a acontecer na vida (vida… finalmente!) que se aproximava.

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8139: Contraponto (Alberto Branquinho) (29): Teatro do Regresso - 4.º Acto - Missa de Corpos Presentes

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8139: Contraponto (Alberto Branquinho) (29): Teatro do Regresso - 4.º Acto - Missa de Corpos Presentes

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 17 de Abril de 2011:

Caro Camarigo Carlos Vinhal
Este Acto nº. 4 do Teatro do Regresso não é parte ficção e parte real. Aconteceu.

Durante os dias em que a minha Companhia esteve em Bissau esperando o embarque para regresso, o meu Pelotão foi escalado para esse "serviço". (Habituados a "muita coisa", mesmo assim, ao chegar lá, as urnas pequenas impressionavam-nos).
As palavras que o padre me dirigiu no final é que poderão não ter sido exactamente aquelas.
Tivemos que treinar a salva de tiros (sem bala na câmara) e a posição de "funeral arma" que já estava mais que esquecida.

Um abraço
Alberto Branquinho


Guiné-Bissau > Igreja de Santa Luzia
Foto Google


CONTRAPONTO (29)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

4º. Acto - Missa de Corpos Presentes

Cenário:

Abril de 1969.
Pequena igreja situada do lado direito da estrada Bissau – Santa Luzia/QG.
Pela porta aberta entrevêem-se três urnas grandes e duas pequenas, em frente ao altar; o padre, devidamente paramentado, celebra missa de corpo presente, por alma dos falecidos.
Um alferes assiste à celebração em pé.


Personagens principais:

O padre, paramentado, que celebra a missa.
O alferes miliciano, fardado, que assiste à celebração.


Acção:

A missa está a acabar.
O padre, entre o murmúrio de palavras em surdina, asperge água benta, com o hissope, repetidas vezes, sobre as urnas, fazendo o sinal da cruz.

Fora da igreja, uma viatura militar começa a movimentar-se, em marcha-atrás, no sentido da porta da igreja, mas os movimentos são bruscos e desastrados. O padre precipita-se para junto da porta e, com o hissope, faz-lhe sinais para curvar à esquerda, à direita, corrigindo-lhe os movimentos. Finalmente, a viatura encosta correctamente à porta da igreja.

O padre regressa ao altar para, de seguida, voltar para junto da porta.

As urnas começam a ser carregadas na viatura.
A pequena força no exterior, formada do lado direito da igreja, faz a salva militar, disparando sucessivos tiros para o ar.
Uns quantos garotos espreitam às esquinas e às portas das casas e barracas, entre curiosos e assustados.
O padre, ainda paramentado, assiste, dentro da igreja, ao carregamento das urnas, tendo a seu lado o alferes.
Ouve-se a ordem:

- Funeral – ARMA !!!

Pouco depois a viatura iria iniciar a marcha, acompanhada pela pequena escolta.

O alferes despedia-se do padre, quando este lhe prendeu a mão, sustendo a despedida e disse-lhe, olhando-o nos olhos:

- Estes rapazes regressam a casa como carga aérea e, às vezes, em… pedaços. Mas outros… nem sequer… regressam.

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8083: Contraponto (Alberto Branquinho) (28): Teatro do Regresso - 3.º Acto

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8102: Blogpoesia (144): Se eu pudesse escolher uma data... (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 13 de Abril de 2011:

Luis, Carlos, Magalhães, Briote e restante Tabanca Grande
Abril é um mês por diversas situações se tornou um marco da minha vida.

Dia 4 cheguei a Lisboa no Niassa.
No dia 17 foi a emboscada do Quirafo.
Por fim o 25 de Abril.
São datas incontornáveis da minha vida por isso esta dedicatória.

Um abraço
Juvenal Amado



O regresso a Bissau em LDG...

Foto: © Juvenal Amado (2011). Todos os direitos reservados


SE EU PUDESSE ESCOLHER UMA DATA...

Se pudesse escolher uma data
Sacudir o suor do rosto
Esquecer o calor e as moscas
Ignorar o cheiro da morte
Esquecer as horas incertas
Pensar que havia Futuro
O meu trabalho desse fruto
Com o braço enlaçasse teu ombro
No teu seio sentisse a palpitação da vida
Finalmente juntos
Beber até à ultima gota o cálice do amor
Festejar o regresso
Respirar em pleno a Liberdade
Espingarda esquecida
Do meu peito saísse um cravo
Abril meu porto de chegada
Abril meu local de partida
Se pudesse escolher uma data
Em Abril seria


Juvenal Amado
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8027: Estórias do Juvenal Amado (36): Um domingo de futebol em Galomaro

Vd. último poste da série de 11 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8084: Blogpoesia (143): Vila do Conde é um poema (Manuel Sousa)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8083: Contraponto (Alberto Branquinho) (28): Teatro do Regresso - 3.º Acto - Informação Prévia

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 10 de Abril de 2011:

Caro Carlos
Estou a enviar o 3º. Acto - Teatro da Guerra, para o CONTRAPONTO (28).

Aí vai um abraço também
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (28)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

3º. Acto - Informação Prévia

Cenário

Guiné – quartel no interior, nos tempos da guerra.
Um refeitório.
Joga-se à lerpa e à sueca em duas ou três mesas. Discussões, por causa do jogo, entre os jogadores e os assistentes. Em pé e sentados.

Personagens

Um grupo de soldados e cabos andam à volta das mesas; outros parados conversam. Alguns têm uma garrafa de cerveja na mão.

Acção

De entre os soldados, um vem quase à boca de cena e diz para os outros:

- Bou pedir ao nosso capitomzinho pa me dar uma boa informaçom pa eu poder ir p’á POLÍCIA.

- Queres ir p’ra quê?!

- Tens mesmo trombas de polícia. Ah, isso tens! Desde que nom m’apareças depóís lá pela Areosa a cagar postas de pescada…

- ‘Inda falta quase dois meses pá peluda e este gajo preocupado para ir pá Polícia.

- Qu’é qu’este gajo disse?

- Quer ir para a Polícia…

- Num se pode falar cum bocês, carago!

Vai saindo, deprimido, pela esquerda alta, a caminho da caserna.
Enquanto sai, um deles, diz-lhe, em voz alta:

- Ó manguelas, ‘inda falta mais de dois meses pá peluda e ‘inda podes ir mas é num sobretudo de pau…

(CAI O PANO).
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8048: Contraponto (Alberto Branquinho) (27): Teatro do Regresso - 2.º Acto

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8028: Contraponto (Alberto Branquinho) (26): Teatro do Regresso - 1.º Acto - E Agora?

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 28 de Março de 2011:

Caríssimo Carlos Vinhal
Aí vai o "1º. Acto" do grande "TEATRO DO REGRESSO", que esteve em cena durante mais de uma década

e um grande ABRAÇO do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (26)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

1º. Acto - E Agora?


Cenário:

Finais dos anos 60 do séc. XX.
Deck de navio, navegando em mar alto, transportando tropas de Bissau para Lisboa.

Personagens:

Dois alferes milicianos, fardados, apoiados nos ferros da amurada. Um segura a cabeça entre as mãos; o outro fuma um cigarro e fixa o horizonte, olhando em frente.

Acção:

A segunda personagem, apaga o cigarro, senta-se, encosta-se bem na cadeira, cruza os braços, encara o outro e pergunta:

- O que vais fazer, agora, quando chegares?
(Silêncio, durante uns segundos).

- Não sei se tenho cabeça e disposição para voltar a estudar. E tu?

- Vou abrir um consultório.

- Consultório?! De quê?

- Ponho um anúncio à porta. Assim:

PERGUNTEM TUDO SOBRE GUERRA.
EU RESPONDO.

Ambos sorriem. Sorrisos irónicos.

(CAI O PANO)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7994: Contraponto (Alberto Branquinho) (25): Memórias

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3039: Poemário do José Manuel (20): Mãe, se eu não regressar, lembra-te do meu sorriso...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Em Nhacubá... tendas de campanha, bidons de alcatrão, máquinas de engenharia, calor, muito pó e solidariedade"....

Foto, poemas e legendas: © José Manuel (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem, com data de 28 de Abril de 2008, remetida pelo o José Manuel Lopes (*):

Camarada Luís: Enviei até agora 62 poemas que tinha guardados (**). Algures em casa de minha avó, na Régua, onde vivi até me casar em 83, devo ter mais alguns junto às coisas que trouxe da Guiné. Me lembro que numa altura, perturbado, sem saber o que fazia, destrui parte do que trouxe. Tudo que conseguir recuperar enviarei para o nosso Blogue, por agora pouco mais tenho para enviar, pois algumas coisas são muito pessoais e outras podem ferir a sensibilidade de terceiros.

Um abraço
jose manuel


2. Comentário de L.G.:

Publicam-se hoje mais dois poemas do Josema, dos tais 62 que foram salvos do fogo da lareira: voltam a aparecer, como temas recorrentes e fortes da poesia do José Manuel Lopes, a figura da mãe, a infância, o Rio Douro, a paisagem única do Douro com os seus vinhedos, a morte, a saudade, o desejo do regresso, as mães que choram em silêncio pelos filhos ausentes, longe, na guerra...

É um registo, intimista, que só pode enobrecer o nosso camarada duriense e cuja divulgação nos honra a todos. É um privilégio o nosso blogue poder publicar este tipo de documentos, 34 anos depois do fim da guerra. Que seja também um estímulo e um exemplo para aqueles de nós que guardam, no velho baú do sótão, papéis amarelecidos pelo tempo, com os seus versos do tempo de guerra, e que por pudor, ou por excessivo sentido autocrítico ou por simples esquecimento não os divulgam... Este blogue serve justamente para isso: para dar à luz do dia o testemunho, emocionado, da nossa passagem pelas terras da Guiné, em tempo de guerra... Não fazemos juízos de valor (muito menos literários) sobre o que publicamos. Basta-nos a autenticidade dos documentos, e a vontade de comunicarmos uns com os outros... Infelizmente não temos todo o tempo do mundo: grande parte das memórias da guerra da Guiné vão morrer connosco... Por isso, camarada, não deixes que sejam os outros a contar a tua história por ti... Em verso, em prosa, em imagem... LG


Um sorriso...mãe

Mãe
se não regressar
lembra-te do meu sorriso
aquele sorriso malandro
a mendigar o perdão
para me não castigares
por ter faltado às aulas
para ir p'ró rio nadar
oh
como era bom nadar
da fraga do cavalo saltar
o Douro atravessar
e as uvas apanhar
e depois
chegar a casa
com um sorriso para te dar.

Mampatá 1973
josema


Até ao nosso regresso...

Porque choram as mães?
mártires de coração partido
desta guerra sem sentido
porque choram elas?
heroínas anónimas
sem louvores
nem medalhas
eternamente esquecidas
choram porque sofrem
choram porque temem
as notícias do correio de amanhã
choram enquanto aguardam
o regresso desejado.

Mampatá
Natal de 1972
josema
_____________

Notas de L.G.:

(*) Sobre o autor, vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)


(**)Vd. poemas já publicados (Inicialmente, do poste 1 ao 7, foram publicados vários poemas, em cada poste) (***):


1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3010: Poemário do José Manuel (19): Aqueles assobios por cima das nossas cabeças...

22 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2973: Poemário do José Manuel (18): Não se morre só uma vez...

15 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2946: Poemário do José Manuel (17): A Companhia dos Unidos

2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2911: Poemário do José Manuel (16): Saudades do Douro e do Marão...

25 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2884: Poemário do José Manuel (15): Dois anos e alguns meses

17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2844: Poemário do José Manuel (13): A matança do porco, o Douro, os amigos de infância, os jogos da bola no largo da igreja...

9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2824: Poemário do José Manuel (12): Ao Zé Teixeira: De sangue e morte é a picada...

2 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2806: Poemário do José Manuel (11): Até um dia, Trindade, até um dia, Fragata

24 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2794: Poemário do José Manuel (10): Ao Albuquerque, morto numa mina antipessoal em Abril de 1973

19 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2776: Poemário do José Manuel (9): Nós e os outros, as duas faces da guerra

14 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2757: Poemário do José Manuel (8): Nhacobá, 1973: Naquela picada havia a morte

(***) Vd. os sete primeiros postes:

3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...

Pior
que o inimigo
é a rotina
quando os olhos já não vêem
quando o corpo já não sente (...)

9 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

Uma vida quanto vale?
na mira da minha arma
só há vultos
sem sentido
corpos sem alma
consciências amordaçadas
na outra mira
estou eu? (...)

O nascer de um bruto

Já não sei rezar
já não acredito
já não sei amar
só sei que grito (...)

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2630: Poemário do José Manuel (3): Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

Estradas amarelas
corpos cobertos de pó
pica na mão à procura delas
o polegar ferrado no pau
tac, tac, tac, tac, tac, tac (...)

Tenho saudades
do amor que não se compra
daquele que se sente
o tal
que vem de dentro (...)

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?


A escuridão
pode não ser o fim
se após a noite
vier o dia (...)

Pensar que amar é doré não amaramar
é dominar
a violência
que há em nós (...)

-Sabes?Sonhei
que as coisas boas
não acabaram (...)

Seria bom pronunciarnuma doce ilusão
um até sempre (...)

Quero sonhar
e não consigo
viver um mundo
que não tenho
nem encontro (...)

Gostava de vos falar
dos esquecidos
dos heróis que a história
não narra (...)

Olhos semi cerrados
querendo ver
para além das árvores (...)

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...(...)

Calor, cansaço, suor
saudades de tudo
e de um rio... (...)

Ouve-se um violão
numa noite de luar
tocado pelo Gastão
p'ra algo comemorar
cantigas de Zeca Afonso (...)

As brincadeiras loucasacabam por ter sentido
se as alegrias são poucas
neste cantinho perdido (...)

Guernica!
pintura
visão, mensagem, recado?
para quem e porquê? (...)

Quantas batalhas e guerrasgeradas pela ambição?
quantos pior que feras
mataram o seu irmão? (...)

O calor húmido nos envolve
abraça-nos a escuridão
e a noite se faz dia
c’o ribombar do trovão (...)

Neste imenso sofrerpensar Nele ajuda
mas Ele parece não ouvir (...)

Um ruído vem do céu
e há cabeças no ar
hoje é dia de correio
há novas para chegar (...)

Quero irmas não sei onde
tudo me parece um delírio
sem sentido nem razão
neste mundo desumano (...)

5 de Abril de 2008 Guiné 63/74 - P2723: Poemário do José Manuel (6): Napalm, que pões branca a negra pele, quem te inventou ?

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2739: Poemário do José Manuel (7): Recuso dizer uma oração ao Deus que te abandonou...

(...)

Recuso dizer uma oraçãoao Deus que te abandonou
não sei se é do nó
que me aperta a garganta
ou da revolta que brota do meu peito
só sei que não consigo
desculpa... (...)

Escuta mãe
espero como nunca um conselho
mas não consigo ouvir a tua voz
aguardo um aviso
um sussurro de alguém
e só me responde o silêncio
como é duro estar só (...)

Este pó que nos seca a garganta
este calor húmido que sufoca
esta terra vermelha
que se cola ao corpo
estes estranhos odores (...)

Não quero os dias todos iguais
nem águas da mesma cor
pois a vida não é sóalegrias e beleza
e ainda muito menos
só a dor e a tristeza (...)

Como eram belas
as miúdas que conheci
as amigas as amantesas
de amores realizados (...)

sábado, 17 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Foto 1 > Uma mina A/C e três A/P. Das dezenas que o Vilas Boas e o Fernandes levantaram. Ainda hoje me interrogo como só tivemos uma baixa em minas, além dos seis trabalhadores que foram vitimas de uma mina A/C ao beber água de um carro cisterna que molhava a terra da estrada acabada de terraplanar para lhe dar consistência. A picagem era mesmo um trabalho bem planeado e bem feito,onde o método, o rigor, a paciência eram fundamentais. A pica era mesmo o sexto sentido dos soldados da CART 6250, Os Unidos.


Foto 2 > A LDG carregada com o material da companhia, a CART 6250 (Mampatá, 1972/74), a sair de Bula.

Guiné > Bissau > 1974 > Foto 3 > Cinco Furriéis dos Unidos num bar em Bissau, a matar o tempo esperando um avião que demorou dois meses a chegar (29 Agosto de 1974)... Da esquerda para a direita: José Manuel, Martins o Alentejano vagomestre (que só nos dava arroz com arroz) ,o Jose Manuel Vieira, Madeirense (que jogou futebol no Porto, Sporting e Benfica dos 15 aos 19 anos), o Camilo de Portalegre e o dono da ferrugem, o Nina da Covilha (que namorou a mais linda Mampatense do nosso tempo).

Fotos e legendas: © José Manuel (2008). Direitos reservados

1. (In)confidência do nosso poeta duriense,há tempos, em mensagem enviada a 28 de Abril:

Camarada Luis

Enviei até agora 62 poemas que tinha guardados. Algures em casa de minha avó na
Régua, onde vivi até me casar em 83, devo ter mais alguns junto às coisas que
trouxe da Guiné. Me lembro que numa altura perturbado sem saber o que fazia
destrui parte do que trouxe.

Tudo que conseguir recuperar enviarei para o nosso Blogue, por agora pouco mais
tenho para enviar, pois algumas coisas são muito pessoais e outras podem ferir
a sensibilidade de terceiros.

Um abraço
jose manuel

2. Um poema do dia, do Josema, que achei apropriado para o dia de hoje, o III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia, em Ortigosa, Monte Real, Leiria, e em que ele vai estar, com a esposa, Maria Luísa. É um poema de 1974 em que se celebra o regresso a casa, à sua quinta, às suas vinhas, ao seu Douro... Não sei se o José Manuel cumpriu a sua promessa de voltar a Mampatá. Creio que não. Mas, de certo modo, reencontrou através dos seus camaradas da CART 6250, que se reunem todos os anos, de uma maneira original (na casa de um, ou na terra de cada um, à vez, levando todos os outros os produtos da sua região: o pão, o vinho, os salpicões, os queijos...). Reencontrou-se também com a Guiné e com a sua Mampatá, de que guarda saudades, através do nosso blogue...

José, mais logo vou comhecer-te pessoalmente, dar-te uma grande abraço de parabéns por te conhecer, por ti, pela tua poesia, pela tua Mampatá, pelo teu vinho, pelo teu Douro, pela tua amizade e camaradagem...

José, vamos lá então provar esse teu néctar que ganhou uma medalha de prata, num concurso internacional, numa prova cega, com muitas centenas de vinhos de diversos países e regiões (4 mil, foi isso ?)... Vamos provar esse teu Pedro Milanos, Tinto, 2005, Doc Douro, feito com as castas nacionais Touriga Franca, Tinta Roriz e Tinta Barroca... Pelas tuas mãos, e da tua família. Com muita inspiração e transpiração... Ficamos orgulhosos do produto e do prémio, por ti, pelo Douro e pela nossa produção nacional. (LG)

É tempo de regressaràs minhas parras coloridas
e ver a água a gelar
esquecer mágoas e feridas
e a todos abraçar
olho por cima dos ombros
vejo a mata, lembro Amadú
e nem tudo são escombros
há a ilha de Bolama
há Susana, há Varela
as ilhas de Bijagós
e a vida pode ser bela
se nunca estivermos sós
houve prazer e amor
em terras de Mampatá
senti a raiva e a dor
saudades do lado de lá
a distância e tanto mar
mas não há ódio ou rancor
e um dia... vou voltar.

Bissau 1974
josema
___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2844: Poemário do José Manuel (13): A matança do porco, o Douro, os amigos de infância, os jogos da bola no largo da igreja...

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1866: Álbum das Glórias (15): Adeus, Bissau (Humberto Reis)



Guiné > Bissau > Imagens de diferentes épocas: as primeiras duas de cima, são de Março de 1971, quando o Humberto Reis e a maior parte dos quadros metropolitanos da CCAÇ 12 (ex-CCAÇ 2590) - incluindo o editor do blogue - regressavam à Metrópole, no T/T Uíge... A terceira imagem é o Humberto, à civil (ainda com ar de periquito), no início da comissão (2º semestre de 1969), provavelmente tirada numa das escapadelas do Humberto a Bissau. Quem é que não se desenfiou, para ir a Bissau por uns dias (1) ? Quem é que não guarda saudades de Bissau, apesar de tudo ? ... No caso do Humberto que disse Adeus a Bissau, em Março de 1971, ele não deixaria de voltar ao local do crime, vinte e cinco anos anos depois, em 1996... Aqui o vemos, na última das fotos, frente ao mítico cais do Pijiguiti (ou Pdjiguiti, como se lê)... (LG).

Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Fotos: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados


1. Mensagem do Humberto Reis, com data de 9 de Maio último:

Amigos Tertulianos:

Já passaram 36 anos mas recordo-me deste dia perfeitamente. Foi a 17 de Março de 1971 quando a bordo do UÍGE deixávamos Bissau para trás (1). E lá ia, connosco, o velho Patrulha para nos proteger até ao farol da ilha de Caió [, em frente à Ilha de Jeta, depois do Canal do Geba].

Quantos de vocês não passaram por esta alegria? Quase todos. Só os mais novos é que vieram por avião (gente fina é outra coisa).

Um abraço
Humberto Reis
_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1646: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (11): Não foi a mesma Pátria que nos acolheu

10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1577: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (36): Bissau, um grande teatro de luz e sombras

11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

10 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1264: Postais Ilustrados (10): Bissau, melhor do que diz o fotógrafo (Beja Santos / Mário Dias)

9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1646: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (11): Não foi a mesma Pátria que nos acolheu

Em Junho de 1966, a CCAÇ 728 (Como, Cachil, Catió, 1964/66) regressa à Pátria no T/T Uíge... Mas não foi a mesma Pátria que acolheu os Palmeirins de Catió...

Fonte: © Navios Mercantes Portugueses , página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...).



XI (e última) Parte das memórias de Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Como, Cachil, Catió, 1964/66) (1).


2.16. REGRESSO A BISSAU


À cadência de uma grande operação de 15 em 15 dias, o tempo foi passando penosamente. Os olhos estavam cada vez mais presos ao final da comissão. Acima de tudo, havia que defender a pele… queimar o tempo da melhor forma e regressar inteiro de cada saída.

Uma ida a Bissau, por umas breves semanas, de vez em quando, por desgaste nervoso, não era difícil de conseguir, junto do castiço médico tripeiro.

O alferes Arlindo, cujo pelotão, logo de início, fora distribuido pelos restantes pelotões, como melhor forma de gerir a companhia, como sub-comandante, por si e oficiosamente, estava sempre disponível para suprir as nossas preciosas ausências.

São inesquecíveis aqueles descolares trepidantes na pandeireta desengonçada do Dornier do correio, a vencer, raivosa, a minúscula pista de terra barrenta e abaulada, ver a geometria das ruelas esquadrinhadas de Catió a afastarem-se, lá em baixo, as bolanhas verdes e imensas recortadas pelos braços tentaculares duma rede serpenteada de rios mansos e uma manta espectacular de matas densas, pejadas de turras no seu seio e de aparência tão calma, e chegar ao casario mais denso de Bissau, meia hora depois.

Três semanas de liberdade no bulício pitoresco de Bissau, com o vigor dos vinte anos, nas esplanadas dos cafés, onde a cerveja e os amendoins eram deliciosos, entrar nos fartos armazéns da CUF, recheados de tudo, com dinheiro no bolso, percorrer as tabancas negras, com os galões de alferes nos ombros, saborear, ao vivo, as vibrantes mornas e coladeras nas bamboleantes caboverdianas, naturais, passear ao longo do Geba, ressumante de vida, entrar ou assistir às missas africanas da catedral, davam para esquecer todas as angústias acumuladas no interior da guerra sangrenta.

Em finais de Junho de 66, a tão ansiada notícia da rendição da companhia chegou. Ninguém queria acreditar. Mais cedo do que o esperado…porquê, nunca se soube…

Sem regatear confortos, toda a companhia coube numa velha embarcação de madeira da carreira regular, à mistura com indígenas, mulheres, crianças, galinhas e toda a bicharia doméstica… a servir de escudo protector. Eficaz.

O regresso a Bissau foi muito mais saudado por toda a gente que, dois meses, após, iria ser a viagem no faustoso Uíge, transatlântico… para Lisboa, depois de todas as desparasitações, intestinas, da praxe.

Aqui, foi mais a sensação do acordar de um terrível e estéril pesadelo…

Mal sabíamos nós que outro iria começar. A Pátria, atenta e carinhosa que nos mandou p’ra guerra, não foi a mesma que nos acolheu…ingrata, como, com justeza, clama o certeiro e bem merecido


HINO AOS COMBATENTES DO ULTRAMAR

1

Corriam os anos sessenta.
Os clarins da guerra ressoaram, frementes,
Nos céus de Portugal, há muito,
Por artes do divino, do fado ou do destino,
Uma terra de paz, alegria e brandas gentes.

A cobiça de corsários, falsos,
Arautos de ideologias, vãs e malsãs,
Da igualdade e da fraternidade,
Servos do capital, cego e voraz,
Só do ouro, petróleo e diamante,
Da madeira, rica e do minério abundante,
Em filões,
Vestiu, de agna pele, e fez aliados,
Os eslavos cegos, os yanques e os saxões.

2

Avançar p'ràs terras da Índia, distantes,
E africanas, bem portuguesas.
Já e em força.
Foi o grito, presidente.
Imperativo, indiscutível, se tornou.
Defender as gentes e os haveres,
Muitos e imensos,
Até ao extremo,
Como glórias, lusas e sacras. Nossas.
Foi o lema, pronto e certo!

Queira ou se não queira,
A história do porvir, logo, aberto,
Bem claro, o demonstrou:

3

Aos sonhos do trabalho, da escola e da esperança,
Na flor d’aurora e no fulgor primeiro,
As gerações sucessivas, a gente jovem,
Pronta e digna, disse, adeus…

Vestiu farda e pegou armas, de guerreiro.
Fez-se aos mares, rasgou os ares,
Correu riscos…tantos… sofreu tormentos.
Só Deus o sabe…
Ofereceu tudo, a saúde e a vida, pela Paz!

Oh! Loucura e vã tristeza!… Para quê?!…
Tudo… em vão!


4

Com os ventos da discórdia,
em desvario e revolução
Não foi a mesma a pátria que os acolheu!
A que os mandou à guerra,
Cobarde e lesta, se despediu…
De tudo, aquela, hipócrita, se esqueceu.
Ou, bem pior, tudo… denegriu:
O sangue, o suor e as lágrimas,
Que Portugal, inteiro, verteu.
Ficou tudo letra morta…

5

Desfeitos os sonhos, a noite de bréu
Dos novos mundos, incertos,
Pós-revolução,
Toldou-lhes as vontades traídas
E, em pé de igualdade, abertos
Foram os caminhos da fortuna,
Da escola e do sucesso…
Como se nada fosse e nada houvesse,
Ou
Do zero, tudo começasse…

Oh!…Vil e imperdoável traição,
A desta pátria, secular…
Que tão ingrata se tornou
Para os guerreiros nobres do ultramar!?…

____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

29 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1634: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (10): A morte do Alferes Mário Sasso no Cantanhez

11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vitor Condeço)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha

22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo

11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar

1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG

20 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia

2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo

20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo

terça-feira, 20 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1616: O meu regresso a Guidaje (Victor Tavares, CCP 121)


Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Maio de 1973 > BCP 12/ CCP 121 > O ex-1º Cabo Paraquedista Victor Tavares, com a sua a MG sempre pronta a entrar em acção (1).

Foto: © Victor Tavares (2006). Direitos reservados.

Mensagem do Victor Tavares (2):

Estimado Amigo Luís.

Peço imensa desculpa por ainda não ter dado sinais de vida, depois do meu regresso de Guidaje (3).

Tenho-te a dizer que correu tudo bem. Alcancei o que pretendíamos, localizei sem problemas o cemitério (4) e fizemos o percurso Farim-Binta e Binta-Genicó-Cufeu-Ujeque-Guidaje umas vezes pela picada, outras fora dela para fazer as filmagens nos locais dos incidentes.

Corremos alguns riscos mas tive que os correr para que essa reportagem tenha justificação de existir e que penso vai ser interessante. O jornalista Jorge Araújo e o camaraman Ricardo Ferreira são dois profissionais espectaculares. Irás ver o trabalho desenvolvido brevemente (na TVI) (2).

Luís, a coisas que se passaram, depois mais tarde te contarei. Esta viagem foi de grandes emoções que, para mim, são difíceis de descrever. O objectivo penso ter sido conseguido, daqui prá frente veremos o efeito . Um grande abraço.

Victor Tavares

N.B. - A picada agora existente não era a da altura dos incidentes de 23 de Maio de 73 (3). Essa ainda é referenciável em alguns locais, como comfirmei.

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Notas de L.G.:

(1) Sbre o armamento usado pelos nossos paraquedistas, e em especial a MG-42, vd. sítio Boinas Verdes de Portugal

(2) Ex-1º cabo paraquedista Victor Tavares, do BCP 12 / CCP 121 (1972/74). Vd. último post, de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

(3) Vd. post de 8 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1573: O Victor Tavares, da CCP 121, a caminho de Guidaje, com uma equipa da TVI (Luís Graça)

(4) Vd. post de 21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)



25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

quinta-feira, 20 de abril de 2006

Guiné 63/74 - P708: Estórias do Zé Teixeira (7): Um atribulado regresso (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

José Teixeira, ex- 1º cabo enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70.


Atribulado regresso

Quando soubemos a data definitiva da partida de Bissau foi um alegre alvoroço (1). Cada um pensava como ia conseguir descortinar a família no cais de desembarque, em Lisboa, tal seria a multidão. Os Enfermeiros decidiram fazer um cartaz com uma cruz vermelha e a palavra Empada para se dar a reconhecer às respectivas famílias.

Escreveu-se para as famílias a dar a informação e a pedir para estas corresponderam da mesmo modo. Chegados ao cais, após uma noite não dormida no alto Tejo, com Lisboa à vista, há que desfraldar o cartaz e as famílias foram dando sinais, só a minha é que não aparecia. Fiquei sozinho com o cartaz, já enrolado e continuei a percorrer o barco de ponta a ponta com os olhos postos na enorme plateia de gente que acenava, chamava, gritava pelos nomes dos seus queridos, só eu, nada.

Lá vislumbrei a minha cunhada e o meu irmão. Saltei de alegria, comecei a dar pancadas na borda do barco com o pau da bandeira e nesse instante entrei num estado de amnésia. Desliguei-me desta cena e continuei a procura, por estranho que pareça, da minha família, que tinha acabado de localizar. Fui dos últimos a descer do barco, deixei os trastes, junto de um colega que estava já com os seus familiares e fui à procura de quem já tinha localizado, mas não me recordava.

Minha mãe e meus irmãos fixaram-se no sítio onde estavam e olhavam para mim lá em cima, estranhavam que não descesse e mais estranharam quando desembarquei, passei por duas vezes a cerca de dois metros deles, não os ouvia chamar por mim e continuava à sua procura.


Matosinhos > O Zé Teixeira, hoje, ex-gerente bancário, reformado, contador de estórias da Guiné, apaixonado pela Guiné e pelo seu povo... Voltou lá em 2005...

Encontrei a minha namorada, hoje minha esposa, e lá continuamos à procura, até que sinto uma mão a agarrar-me. Era o meu irmão que tinha saltado a barreira de controlo. Claro que este momento de reencontro foi de extrema felicidade, mas notei por parte da minha mãe, alguma frieza que se alastrou a toda a família e que durou por cerca de 8 dias.

Argumentavam que eu os tinha localizado do barco. Eu negava. Insistiam que passei junto a eles já no Cais por duas vezes e chamavam por mim, que eu olhava e continuava em frente. Eu negava. Pois é, preocupava-me mais em procurar a namorada que a minha querida mãe.

O mal estar em surdina era profundo. Evitavam falar comigo. Pensei em sair de casa, apesar de estar sem cheta e desempregado. Um dia, minha irmã, que não tinha ido esperar-me, chegou da escola nocturna e sentou-se a beira da minha cama. Era a única que procurava entender-me. O assunto foi o que nos desunia. Começou por comigo refazer a história que eu negava. Dizia ela:
- Tu andavas no barco de um lado para o outro, fazias muitos gestos para as pessoas que estavam no Cais e, em determinado momento, localizaste a nossa família. Dizem que entraste em euforia, aos saltos e bateste com um pau na borda do barco.

Pegou na régua que trazia com ela e repetiu o gesto na borda da cama:
- Truz ! Truz ! Truz!

Três pancadas que senti na minha cabeça e fez-se luz, na minha memória. Revi num ápice todas as cenas que se passaram e era tudo verdadeiro o que minha mãe afirmava.
Saltei da cama e fui ter com ela que já dormia a sono solto.
Deixo aos prezados leitores a construção do imaginário que se seguiu.

© José Teixeira (2006)

Vd. também o Blogue > Os Maiorais de Empada
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Nota de L.G.

(1) Vd post de 14d e Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi