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sábado, 10 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23863: Os nossos seres, saberes e lazeres (545): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (80): Do Atelier Júlio Pomar à visita de uma bela coleção privada no Museu do Chiado (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Tratou-se de uma visita a gente que tenha felicidade de pendurar pelas paredes. Logo uma gravura de Pomar premiada pela Gulbenkian em 1961, creio que na segunda exposição de artes plásticas. Tenho uma certa atração por este atelier da Rua do Vale, estão sempre prontos a pôr este grão-mestre das artes plásticas em confronto com outras gerações, é este o caso. E dali parti para o Museu do Chiado para me despedir de uma exposição de grande beleza, um casal que, sobretudo nos anos 1960 e adiante, se fez cercar de obras de arte de seus contemporâneos ou antigos, não falta ali Almada Negreiros e António Pedro, mas o mais representativo eram artistas plásticos na fase ascensional, caso de João Vieira, João Hogan, Eduardo Nery e Joaquim Rodrigo. Asseguro que o visitante não sairá dececionado, ignoro o caminho que a coleção vai ter, oxalá possa ficar patente para desfrute do público, é muitíssimo esclarecedora de um tempo e de correntes artísticas que conseguiram passar à margem dos chamados Anos de Chumbo, aqui não há arte plástica nacionalista, imperial ou devedora do gosto do Estado Novo, são marcas de uma contemporaneidade que anunciam a liberdade em que vivemos.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (80):
Do Atelier Júlio Pomar à visita de uma bela coleção privada no Museu do Chiado

Mário Beja Santos

N
ão escondo a profunda admiração que nutro por este artista plástico de uma enorme exigência no campo experimental, é figura indeclinável na pintura, no desenho, na gravura e na serigrafia, na cerâmica, na ilustração, no diálogo de matérias-primas, no azulejo, e algo mais. Será seguramente o artista mais irrequieto da segunda metade do século XX, desde o neorrealismo, de que foi figura pioneira, até às correntes contemporâneas, sem se ter acantonado em qualquer das escolas.
À porta deste atelier veio-me à memória uma visita que fiz na companhia do meu saudoso amigo, o pintor Rolando Sá Nogueira, à retrospetiva de Vespeira, no Museu do Chiado em 2000. Andávamos pela Sala dos Fornos, ali se exibia o principal acervo deste grande artista que primou no surrealismo, Sá Nogueira ia fazendo as suas exclamações, como se houvesse descobertas ou inusitadas lembranças, e à saída, a caminho de uma tasca em S. Paulo, fez-me o seguinte comentário: “Acabo de constatar o que é o drama de ser o n.º 2”. Enquanto comíamos um belíssimo polvo, pediu-me que me explicasse o que era isso de ser o n.º 2: “Vespeira tudo fez para poder emparceirar e até superar Pomar, de facto foi inexcedível no período ascensional, mas cedo percebeu que não era possível competir com o furacão Pomar, sempre em revolução, dominou por excelência própria este meio século e continua revigorado. A exposição que acabamos de ver mostra o Vespeira inovador, mas insuscetível de poder concorrer com o Pomar”.

O atelier que ora visito é uma bela instalação, sempre com exposições palpitantes, desta vez está patente um confronto entre Pomar, André Romão, Jorge Queirós e Suzanne Themlitz, como se interseciona a matérias das matérias, o que podemos ver neste espaço desafogado são tipologias da matéria com figurações e narrativas que parece que se entrechocam, não falta areia, vidro, ferro, madeira, panos, sugerindo hipóteses de haver uma noção para o diálogo de tais matérias-primas com diferentes peças pictóricas de Pomar, caso dos “Mascarados de Pirenópolis”.
Há anos atrás recebi uma prenda envolvendo o nome de Júlio Pomar, um livro intitulado Caracóis, o poeta Pedro Tamen dialogava com o artista plástico Pomar, eram imagens retiradas de um caderno de viagens, e Tamen versejava: “Desliza, liso / pé, lisa palma / sobre a ruga da pedra / - suave, lima obstinada”. Adiante: “Estas antenas não buscam outra coisa / que a luz que as ilumina”. Pois não resisti a captar imagem destes Caracóis que nos recebem à entrada do atelier.

Atelier-Museu Júlio Pomar, Rua do Vale, 7, com a Igreja de Nossa Senhora das Mercês ao fundo
Um pormenor da sala de exposição, as matérias-primas e os objetos de arte acabados têm muito para conversar
O pintor Jorge Queirós entra no diálogo com o companheiro Pomar, até se gera uma confusão quando o visitante se aproxima destas 4 telas, não parece que são as cores de Pomar, persistentemente fabricadas há um ror de décadas?
Mascarados de Pirenópolis VII, 1987, Coleção privada, Fundação Júlio Pomar

Sobe-se agora a calçada do Combro, atravessa-se o Camões, passa-se o Largo das Duas Igrejas, desce-se junto ao Teatro S. Carlos e pela Serpa Pinto chega-se ao Museu Nacional de Arte Contemporânea, crismado de Museu do Chiado depois das obras de beneficiação que o governo francês apoiou, na sequência do incêndio do Chiado, em 1988. O que me traz aqui é despedir-me de uma coleção privada, bem singular. A quem me ler, recomendo a sua visita até ao final do ano. Chama-se Coleção Maria Eugénia e Francisco Garcia, dois entusiastas por colecionar arte, conversavam com vários amigos, alguns deles aqui representados, caso de Fernando de Azevedo ou Fernando Lemos, isto independentemente de nunca terem tergiversado em questões de gosto, desde pintura à gravura, encontramos aqui artistas de referência e um conjunto de obras só possíveis de disfrutar por o Museu do Chiado as ter acolhido. Aqui ficam imagens avulsas de algumas das obras e artistas que ainda hoje tanto me emocionam.
Fotografias de Maria Eugénia e Francisco Garcia patentes na exposição
Quadro de Joaquim Rodrigo, uma abstração que nos lembra Piet Mondrian
João Vieira, já muito igual a si próprio
Alice Jorge e a sua Sargaceira
Sonia Delaunay
Fotografia do interior da casa do casal
Noronha da Costa, na sua fase mais original
Almada Negreiros

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23842: Os nossos seres, saberes e lazeres (544): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (79): A exposição de homenagem a Francis Graça, pioneiro do bailado em Portugal, Museu Nacional do Teatro (Mário Beja Santos)

sábado, 3 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23842: Os nossos seres, saberes e lazeres (544): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (79): A exposição de homenagem a Francis Graça, pioneiro do bailado em Portugal, Museu Nacional do Teatro (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Outubro de 2022:

Queridos amigos,
Penso que não vi nenhum espetáculo desta companhia de bailado, a música sim, em adolescente, e com fortes restrições para gastos, fazia o possível para não perder os concertos gratuitos da Orquestra Filarmónica de Lisboa, habitualmente no Pavilhão dos Desportos ou na Estufa Fria, o maestro Fernando Cabral incluía sempre obras portuguesas, foi assim que eu vim a conhecer trabalhos de Ruy Coelho ou Frederico de Freitas, pouco tocados nos concertos do Tivoli aos sábados, pela orquestra da Emissora Nacional, preços generosos no 2º balcão. Embora as escolhas da Companhia estivessem pautadas por temas populares (D. Sebastião, a Nazaré, o folclore, D. Pedro e Inês de Castro...) houve um sério esforço para atrair o público às salas de espetáculos. A Companhia vai ter a sua extinção nos anos de 1960, suceder-lhe-á um empreendimento de grande vulto, a Companhia Gulbenkian, chegava o momento de se formar uma escola profissional, com bailarinos convidados de gabarito, alguns deles ainda hoje em funções, e com desempenhos de altíssima qualidade.Impunha-se homenagear quem alcandorou a Companhia ao maior nível daquele tempo, Francis Graça, morreu praticamente esquecido de todos.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (79):
A exposição de homenagem a Francis Graça, pioneiro do bailado em Portugal, Museu Nacional do Teatro


Mário Beja Santos

Esteve patente até setembro passado uma exposição sobre o trabalho de Francis Graça (1902-1980), bailarino, coreógrafo e ator, pioneiro do bailado em Portugal, em 1940 participou na criação da Companhia de Bailado Verde Gaio, um projeto idealizado por António Ferro (à época responsável pelo Secretariado da Propaganda Nacional), o objetivo era ter um conjunto modernista que pudesse realçar os valores nacionais através da dança e do bailado. Francis Graça (de nome completo Francisco Florêncio Graça) era um autodidata, estudou no Conservatório Nacional música, cedo abandonou os estudos para se dedicar à dança e bailado, estudou em Paris e ganhou notoriedade, sobretudo na década de 1930, nos seus trabalhos ao nível da revista. Irá impor-se como bailarino principal nas décadas de 1940 e 1950, será depois substituído por Margarida de Abreu à frente da Companhia, nunca se recomporá da humilhação, acabará os seus dias num quase total desconhecimento.
A exposição esteve patente no Museu Nacional do Teatro, procura destacar os eventos mais salientes do seu trabalho, relacionou-se com importantes nomes da composição do tempo, como Ruy Coelho, Armando José Fernandes e Frederico de Freitas.
Eu peço licença ao leitor, já estou no museu e vou a caminho da exposição, mas há aqui um conjunto de imagens que me parecem interessantes registar, este museu tem enormes riquezas e um acervo impressionante, aqui fica uma pálida ideai de que o visitante pode encontrar.

Imagem de Eunice, ela representou no filme “A Morgadinha dos Canaviais” em 1949
A iluminação é muito crua, dei voltas que me permitisse mostrar este belo trabalho de Rafael Bordalo Pinheiro alusivo a uma peça que se representou no Teatro de Ginásio, em 1890
O Museu guarda desenhos, aguarelas e óleos de autores e compositores, veja-se à direito um trabalho de Columbano e ao centro Amélia Rey Colaço num belo traço de Maria Adelaide de Lima Cruz
Moniz Pereira, Maria Keil, Bernardo Marques e Lucien Donnat aqui presentes com os seus trabalhos para idealizar guarda-roupas, traços belíssimos e ajustados
Maquete alusiva ao velho cineteatro Monumental, um espaço grandioso, uma impressionante sala de cinema e um teatro onde primaram alguns dos grandes nomes do seu tempo, basta lembrar Laura Alves ou João Villaret
Um belo trabalho em miniatura para se ficar com uma pálida ideia do que era o Teatro D. Leonor
Francis Graça e Ruth Walden, na verdade os nomes principais do Verde Gaio, em Passatempo, 1941
Capa de um programa de um espetáculo realizado no Teatro Nacional de S. Carlos, em 1944
Figurino de Maria Keil para os Bailados Verde Gaio, 1940
Imagem de Francis Graça a mostrar os seus dotes
Francis Graça pintado por Mário Eloy
Figurino de Francis Graça por Maria Adelaide de Lima Cruz, 1930
Elemento curioso da exposição, Francis Graça aparece ao lado de uma histórica representação de Romeu e Julieta, no Coliseu dos Recreios em junho de 1968, a companhia era o Ballet do século XX, dirigida por Maurice Béjart, Béjart acabaria expulso, bem como toda a companhia por ter pedido um minuto de silêncio pelo assassinato de Robert Kennedy, “vítima do fascismo e do imperialismo”
A derradeira imagem, a Companhia Verde Gaio mereceu honras de ficar registada em filme
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23819: Os nossos seres, saberes e lazeres (543): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (78): Do Badoca Safari Park para o Circo Arena (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23493: Os nossos seres, saberes e lazeres (516): Visita de um grupo de sócios do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes à exposição "O Cristo das Trincheiras", em Fátima, em Abril de 2015 (Abel Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos, (ex-Soldado Atirador Art da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), com data de 1 de Agosto de 2022:


O Cristo das Trincheiras

Fazendo limpeza ao baú das minhas recordações encontrei esta sequência de fotos que deixo à apreciação dos camaradas, e que merecem estar expostas, digo eu, na galeria do nosso blogue.

As fotos dizem respeito à visita efectuada no dia 09 de Abril de 2015, por um grupo de sócios do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, à exposição "O Cristo das Trincheiras", em Fátima.

Um grande abraço a todos
Abel Santos



© As fotos são reserva do autor Abel Santos
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23473: Os nossos seres, saberes e lazeres (514): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (61): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 6 (Mário Beja Santos)

sábado, 9 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22613: Os nossos seres, saberes e lazeres (471): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (19): Das obras emblemáticas do Museu do Caramulo aos Painéis de Nuno Gonçalves (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
Visitar o Museu Nacional de Arte Antiga é uma itinerância clássica, um dever para com as Belas-Artes que nos modelam e remodelam as formas de o viver e de o sentir. O pretexto era a presença de algumas obras-primas do Museu do Caramulo, que eram aqui expostas enquanto lá se faziam obras. Havia que decidir, logo de seguida, se se ia visitar a exposição de D. Manuel I ou se ascendia aos diferentes andares para se saudar obras amigas de sempre, preferiu-se a segunda alternativa, a compensação é sempre grande, faltou ir cumprimentar a Custódia de Belém, por ironia está agora na exposição do Venturoso, mais uma razão para aqui voltar em breve. E aqui se faz um pequeno relato das alegrias vividas, até se conversou com peritas que restauram os Painéis de Nuno Gonçalves que me ajudaram a sair conformado com as mesmas dúvidas com que aqui entrei, e seguramente levarei para a tumba.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (19):
Das obras emblemáticas do Museu do Caramulo aos Painéis de Nuno Gonçalves


Mário Beja Santos

Para mim é sempre o Museu das Janelas Verdes, os pretextos das visitas eram sempre, para a minha mãe, os presépios de Machado de Castro, a Baixela Germain, a Custódia de Belém, a arte Namban, o Boch das tentações e o prato de substância, os Painéis de Nuno Gonçalves. Sabe-se lá se não houve um processo subliminar nestas sucessivas incursões, em que ao longo de décadas fui vendo os melhoramentos deste precioso museu para a minha atração permanente pelas Belas-Artes. Tinha lido a notícia de que o Museu do Caramulo enviara para os Paços Perdidos do Museu Nacional de Arte Antiga um conjunto de peças de alto quilate, não resisti, juntei dois em um, primeiro matei saudades desta coleção organizada por Abel de Lacerda e depois segui para o interior do museu. Antes li o seguinte texto:
“Aproveitando o encerramento do Museu do Caramulo para a requalificação dos espaços museográficos, foi feita uma seleção das obras de arte mais emblemáticas que se conservam naquele museu, trazendo-as à fruição do público lisboeta. Procura-se assim dar a conhecer a um maior número de pessoas estas preciosidades, desconhecidas para muitos.
Ao primeiro Picasso que se expôs em Portugal, juntam-se Amadeo de Souza-Cardoso, Maria Helena Vieira da Silva e Eduardo Viana, mas também belos exemplares de pintura antiga, destacando-se obras de autores como Grão Vasco, Isembrandt, Quentin Metsys e Frei Carlos. Acrescenta-se a esta seleção objetos de artes decorativas, como uma das tapeçarias da série conhecida como “à maneira de Portugal e da Índia”, raras peças de porcelana chinesa e obras de arte Namban. Este conjunto de peças é enriquecido pelas criações de jovens artistas recentemente incorporadas nas suas coleções. Incontornáveis, quando falamos de Museu do Caramulo, são os automóveis. A coleção, única em Portugal, será invocada por um exemplar, de pequenas dimensões, de um Bugatti, um dos mais belos clássicos da industrial automobilística mundial”
.

Fui a correr, a data de encerramento prevista era 26 de setembro. Se gostassem muito, ainda teria tempo de voltar. Gostei o suficiente para voltar, deixo-vos aqui algumas recordações.

São obras de tema religioso de insuperável qualidade, foi muito bom que tivessem vindo até Lisboa, nesta casa também há obras de Quentin Metsys, Grão Vasco ou Frei Carlos, nada como alargar horizontes, comparando outros discursos destes génios da pintura.
Abel de Lacerda não era peco a pedir, escrevia aos artistas e muitos acediam a ofertar as suas obras para o Museu do Caramulo. Este magnífico quadro é de Raoul Dufy, são as cores do mestre, as suas formas ingénuas, aquele traço peculiar que revela o primado da simplicidade, nada se esconde, não há truques académicos, todo o espaço é compreensível, obriga a olhar em todas as direções e o resultado é altamente compensador, Dufy devia ser um homem feliz ou então aparentava muito bem.
É um belo Souza-Cardoso, regista a sua marca de água a que não faltam reminiscências do cubismo e do surrealismo, sobretudo é uma imagem do seu Portugal, das suas estadias em Manhufe, daquele mundo rural à volta do Marão, ele regressa ao país quando começou a I Guerra Mundial, morrerá jovem devido à gripe espanhola, mas esta fase de labor em Portugal é um legado formidável de quem, para além de génio vanguardista, tinha vincado o seu olhar camponês.
E este quadro de Picasso tem história, na sala projetava-se um documentário da RTP, este grande senhor da pintura universal a produzir a obra, causa calafrios como se pode ter assim o talento à flor da pele.

Vista a exposição, prossegue a veneração pelos grandes mestres, de novo Quentin Metsys, confesso que comecei a interessar-me por este grande nome da pintura graças ao Professor Luís Reis Santos, fui amigo de um dos seus filhos que me levou a Coimbra e o notável investigador lançou-se, horas a fio, a falar-me deste prodigioso flamengo e como algumas das suas obras-primas são hoje privilégio do nosso património. Enquanto contemplava esta Nossa Senhora das Dores, recordei o inesquecível serão, a lição de um investigador sempre de discurso apaixonado. Mal sabia ele que tinha conquistado um prosélito.
Cinjo-me a um pormenor deste quadro de Boch, depois dos Painéis de Nuno Gonçalves deve ser o mais contemplado, por nacionais e estrangeiros, é tudo linguagem codificada, até se tem a ilusão de que Boch era surrealista, ora o que ele nos põe a admirar é uma abordagem da espiritualidade nesse mundo de demónios, mostrengos, abortos da natureza, desastres cósmicos, o que sobreleva é a lição da santidade, aprende a ver para seres melhor, o que parece torcido e retorcido, de pernas para o ar, é lição para a tua vida, parece dizer este mago que nunca nos cansa o olhar.
E que dizer desta matéria bruta de onde Rodin vai esculpir a formosura, pondo em profundo contraste a rudeza da pedra não trabalhada onde emerge o prodígio das formas, uma sensualidade quase irrestrita, a beleza em repouso?
Encaminho-me para os Painéis de Nuno Gonçalves que sei estarem a ser restaurados. Desde que a museografia deste andar ganhou estas formas, todo este espaço amplo aparece bem ocupado por imagens que noutro ordenamento seguramente não nos chamariam tanto a atenção. É uma mostra assombrosa de escultura onde o tema religioso é primordial, são os chamamentos do divino que parecem sair do silêncio, é um retorno à Igreja das catedrais, destes seres exemplares que ocupavam a crença dos homens como incentivos à perfeição, à generosidade, ao amor pelos outros. Este esplendor museográfico tenho-o como inultrapassável, qualquer grande museu do mundo acolheria estas soluções de percorrer em galeria a lição dos santos e a convocatória da nossa vida para alcançar o paraíso.
O que aconteceu foi o seguinte, a idade aconselhou que esticasse as pernas, havia mobiliário para contemplar Nuno Gonçalves em trabalhos de restauro, eis que se abre uma porta de onde saem duas senhoras, provavelmente peritas naqueles labores do retoque e requalificação, não me faltou pudor para lhes ir pondo perguntas, foram muitíssimo gentis e todas as dúvidas que eu tinha, como eu esperava, ficaram sem resposta: de onde vêm os painéis, quem é o seu autor, aonde e como estavam expostos, o que representam. Agradeci e fiquei especado, não há nada na arte portuguesa que supere esta emoção de ver tanta gente representada quando os outros génios contemporâneos faziam retratos, punham Cristo na Cruz ou mostravam caldeirões do inferno, aqui está gente que me fixa no olhar e de frente, parece uma amostra de uma nação em marcha, talvez seja devaneio meu, mas que saio daqui orgulhoso desta mostra do ser humano, é a minha clamorosa verdade.
São só lembranças da arte Nanbam e do muito fascínio que este Oriente nos incutiu, até aos dias de hoje. Não esqueço uma exposição que aqui vi de ourivesaria de Goa, coisas que um senhor guardou metodicamente e mandou para o Banco de Portugal, quando se deu a queda da Índia. São objetos que assombram, são obras que parecem ter sido concebidas, estas que aqui vos mostro, para nos fazer sonhar ou talvez para também mostrar que somos desinibidos na comunicação e talvez por isso mesmo continuamos a peregrinar por Franças e Araganças, e aí somos respeitados. E chega de conversa, não há nada como preparar o espírito para rememorar o que se viu e preparar novas andanças.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22591: Os nossos seres, saberes e lazeres (470): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (11) (Mário Beja Santos)