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quinta-feira, 22 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9640: Nós da memória (Torcato Mendonça) (15): Corpo di Bó? - Fotos falantes IV





1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA - 15
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

11 – Corpo di Bó ? Fotos – 27;28;29;30 –

Para tratarmos o corpo era necessária uma boa alimentação. Falhava.
As Forças Armadas não tinham Nutricionistas e, menos ainda, militares entendidos na alimentação para um Quartel na zona do Porto, Timor ou na Guiné. Assim era natural que a nossa alimentação falhasse, apesar de sermos abastecidos por terra, “mar” e ar. Aqui “mar” era o Rio Geba. Os barcos, da Manutenção Militar, sulcavam as suas águas, de quando em vez revoltas pelos macaréus programados e descarregavam, no Xime ou Bambadinca, toneladas de alimentos para tanta gente.

De quando em vez, muito raramente, tínhamos rancho melhorado. Um “héli” podia trazer-nos frescos (vegetais, peixe, carne). Esses, vindos do ar, eram consumíveis e consumidos com gosto e apetite voraz.

Outros frescos que íamos buscar a Bambadinca, não eram tão fiáveis mas marchavam. Havia ainda uma ou outra vaca trazida de Sonaco. Aí estão as fotos a atestarem o tratamento que era dado a essas amigas. Eram consumidas com rapidez. Aquele calor incomodava tudo. Até a carne de vaca não o tolerava bem.

Acabadas estas excepções à alimentação voltávamos ao habitual. Aí estava feijão (em cinco, cinco, qualidades), conservas diversas, chispe holandês (rosado, como as naturais daqueles lados depois de um dia de Sol no Algarve), dobrada liofilizada, salsichas, arroz e mais arroz.

Era o eterno círculo vicioso do cardápio ou do menu dos almoços e jantares. A alimentação era igual para todos.

Nas Tabancas, estadias de um mês nas em autodefesas, podia ser pior. Contudo, de quando em vez aparecia uma galinha, um cabrito ou outro petisco.

Em Candamã/Áfia, raramente um caçador se aventurava noite dentro e abatia caça grossa. Se sim, lá estávamos nós a comer bife de empreitada, três ou quatro naquele dia ou no outro “ká tem”…o calor e os insectos amigo tudo estragavam. A alimentação, no outro dia, voltava ao mesmo, talvez mais leve nesse dia ou nós teríamos menos apetite.

Dias e dias a feijão com feijão-frade é aborrecido. O frade claro.

A magreza era devida ao exercício físico e prática desportiva. Eu vos contarei depois.

Mansambo > Heliporto > Abastecimento de frescos e afins

Mansambo > Vaca de Sonaco quase no tacho ou panela, sem política

Mansambo > Em preparação

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9601: Nós da memória (Torcato Mendonça) (14): O percevejo e o flautista - Fotos falantes IV

terça-feira, 13 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9601: Nós da memória (Torcato Mendonça) (14): O percevejo e o flautista - Fotos falantes IV

Mansambo > Foto falante 36 - IV série






1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".






NÓS DA MEMÓRIA - 14
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

10 – O Percevejo e o Flautista

Foto a merecer legenda mais alongada.
Nela já se vêem bem os balneários, a zona de protecção ao poço e parte de um abrigo caiado de branco. Esse pormenor é que motivou esta recordação.

O abrigo, em parte caiado de branco, e aquele lavatório eram um luxo. Recordar a importância que tinha para nós aquele poço, aberto muitos meses depois do início da construção do aquartelamento, e os balneários. Antes toda a água vinha da fonte e os banhos eram lá tomados e com segurança à volta. Não só por uma questão de segurança mas, isso sim, porque era muito mais natural a higiene ser feita assim com normalidade. Além disso, quase toda a água vinha dali e tinha qualidade.

Aquele luxo, de uma bacia de plástico colocada em cima de uma cadeira e o fundo de branco caiado, ficou a dever-se aos percevejos. Não era um local qualquer. Na metade daquele abrigo em L era o comando, messe de oficiais e sargentos, bar, centro de convívio e muito mais. Parece é um espaço exíguo. Pois com certeza que podia assim considerado mas, com engenho e boa vontade virava a Salão Diamante. Até um frigorífico a petróleo tinha, com um contra. Este frigorífico tinha um vidro circular a proteger a chama. Se os obuses 10.5 trabalhavam e o vidro não tivesse sido retirado, ia para o caneco. Uma maçada.

Porque apareceu ali uma parede caiada? Devido a uma praga, a uma infestação de percevejos.
Apareceram silenciosamente. Viajaram, um dia, em alguns velhos colchões de palha que acompanhavam, indevidamente, digo eu agora, os verdes colchões de espuma.

Em pouco tempo, devido a um afrodisíaco qualquer ou porque eram mesmo assim, reproduziram-se e espalharam-se pelos abrigos. Instalaram-se nos buraquitos dos blocos de cimento, nas camas, mosquiteiros e onde lhes fosse mais confortável. Eram os senhores dos abrigos.

Não era nada confortável, para os humanos, a partilha do espaço. Eram bichos de ataque nocturno, para isso já tínhamos os mosquitos e outros bem mais fortes para lá dos arames. Estes, os percevejos, sugavam o sangue. Eram esmagados facilmente. Só que o cheiro a coentros e a pasta deixada era incomodativa. Aberta uma luz rapidamente desertavam. Curta deserção pois voltavam ao ataque mal a escuridão voltasse. Uns sem vergonha.

Para conter ou acabar com ataques sugadores vieram gentes peritas em desinfestações. Foi uma balbúrdia mas a bicharada desapareceu. Parecia, se bem me lembro, um milagre. Como isto de milagres é controverso ainda pensei que tinha sido alguém que atacara pela calada. Porque não, como na lenda, um Flautista de Hamelin e, á falta de ratos – que os havia mas fazendo parte da mobília – tocara o Flautista a sua flauta e os percevejos atrás dele caminharam até á fonte ou acampamento IN. Porque não?

O interior dos abrigos foi bem caiado. Certamente sobrou cal, para futura eventualidade de regresso de tão incómodos bicharocos. Foram então caiados alguns locais mais. Os menos visíveis, claro, ou tínhamos alvos para alinhamento de pontaria IN. Para isso já bastava a enorme árvore por onde eram alinhadas as armas pesadas, sem grandes resultados depois dos 10.5.

Eu vos digo que a cal tornou tudo mais bonito. Pareciam casas. Só as víamos em Bambadinca ou Bafatá, principalmente em Bafatá. Casas com portas e janelas, de branco e outras cores pintadas e com homens, mulheres e crianças. Gentes com sorrisos e vestidos com roupas de cores diferentes do verde-azeitona ou do camuflado.

Eu vi também muitas em Bissau quando ia de férias. Desanuviava e ria feliz. Mas questiono eu? E os soldados que não tiveram essa oportunidade e estiveram 23 meses no mato? Um fulano ficava atormentado ou pior.

Não será assim?
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9582: Nós da memória (Torcato Mendonça) (13): Mansambo - Fotos falantes IV

quinta-feira, 8 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9582: Nós da memória (Torcato Mendonça) (13): Mansambo - Fotos falantes IV





1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA - 13
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

9 – Mansambo

Foi local de partida para a nossa primeira Operação.

Estávamos em Fá Mandiga, como Companhia de intervenção ao BART 1904, sediado em Bambadinca. (Sector L1)

De Mansambo saímos então até ao acampamento IN do Galo Corubal, em dia de Carnaval. Destruído o acampamento, com aviação a actuar e o louvor colectivo a aparecer, ao ponto de partida voltamos. Depois, o regresso feito até Fá, por uma estrada (?) tão percorrida até ao final da comissão.

Mansambo, nesse tempo, eram meia dúzia de moranças e três ou quatro abrigos. A guarnição era constituída por uma Secção reforçada de um Pelotão de Milícias, o 103 da Moricanhe.

Hoje, na Carta 1/50.000 – Xime, podemos ver o nome e uma referência cartográfica como, mais a Norte, há um outro ponto fotogramétrico e um nome, Garfanhapa, no cruzamento da estrada com a picada para Candamã. Excelente esta Cartografia feita em finais dos anos cinquenta e já em sessenta. Ali, próximo deste cruzamento, esteve uma Tabanca que foi abandonada.

Pormenor da Carta Xime (1955)

Meses depois a nossa Companhia, no meio daquele nada, deu inicio à construção de aquartelamento. Um grupo, depois outro e um dia, meses depois, estávamos lá todos.

O IN (inimigo de então), atacou, barafustou, conseguiu fazer alguns estragos e nada conseguiu. Claro que a rádio em Conakry noticiou mortos e feridos, destruições tamanhas que, a serem verdade, davam para aniquilar um Batalhão. Propaganda. Era engraçado ouvir e vê-los a espreitar na orla da mata.

Eles sofreram mortos e feridos e, depois da chegada dos obuses 10.5 nunca mais atacaram de muito perto.

Confirmado por eles através de elementos capturados. Um, parece ter sido um cubano a quem foi apanhado meio cinturão e coldre e pistola Ceska (Jun/68). Outro cubano comandou a emboscada à fonte (Set/68). Sofremos dois mortos e alguns feridos. Baixas a mais, foi mau, demasiado mau.

Um dia, seis anos depois, a última Companhia saiu de lá. O ódio do IN veio ao de cima e a destruição foi total. Restam hoje, segundo fotos de camaradas que por lá passaram, pequenas recordações.

Certo é que se acredite ou não, os espíritos vagueiam por lá. Para eles o meu abraço de respeito a quem, de um lado ou de outro da contenda deu o máximo dele – a vida.

Ficam duas fotos de então.

Mansambo > Poço e balneários

Mansambo > Preparação e limpeza

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9541: Nós da memória (Torcato Mendonça) (12): Cabeça Rapada - Fotos falantes IV

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9541: Nós da memória (Torcato Mendonça) (12): Cabeça Rapada - Fotos falantes IV





1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA - 12
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

8 – CABEÇA RAPADA

Sentado, saboreava a sombra e um cigarro, num fim de tarde na Tabanca de Mansambo, fascinado com a perícia dos movimentos que volteavam e batiam uma faca, de cabo metálico, na palma da mão esquerda de um “artista barbeiro”.
Parou. Colocou com cuidado a faca sobre um banco e, só então retirou o pano molhado, que se mantivera por bastante tempo, sobre a cabeça do cliente. Trocaram breves palavras em Fula. Eu observava o ritual.

A faca começou, então, a rapar a cabeça em movimentos certeiros, lentos e hábeis.
Fiz uma ou duas fotos. Nunca vira uma cabeça ser tão rápida e habilmente rapada.
O barbeiro disse algo ao cliente, já rapado e ambos Picadores em Mansambo. Olhou-me e sorria enquanto passava o pano molhado sobre a cabeça rapada.
Tirei do fio de cabedal uma faca igual e disse:
- Afia-a como essa.
Rimos todos.

Vida nas Tabancas > O barbeiro

Não é de assuntos de barbearia que venho falar. Não.
Vou tentar contar-vos, sem grandes pormenores, a maior operação de Acção Psico Social – chamemos-lhe assim – a que assisti.
Bem planeada e meticulosamente preparada por quem sabia.

Tudo com o aval do Comandante-chefe e teve o nome de “Operação Cabeça Rapada”. Desenrolou-se de finais de Março a meados de Maio de 69, talvez por seis fases ou seis operações.

O objectivo era capinar – cortar e desmatar – toda a vegetação numa faixa de trinta ou quarenta metros, talvez mais, para lá do arame que delimitava o perímetro de Mansambo e igualmente, em largura, uma faixa similar para lá das bermas das estradas (picadas) de Mansambo a Bambadinca e daqui até ao Xime. Só nas zonas mais propícias a emboscadas.

Outras desmatações menores à volta de algumas Tabancas, por exemplo Amedalai e outros locais, sofreram igual corte.

Estas Operações queriam vincar três pontos:
- Dizer que o IN tinha sido derrotado na Operação Lança Afiada;
- Mostrar que as populações estavam com as NT;
- Fortalecer o slogan “Por uma Guiné Melhor”.

Análise despretensiosa e sem petulância minha. É uma não análise… talvez.

As populações envolveram-se fortemente depois do excelente planeamento. Muitas centenas, talvez um ou dois milhares de civis, muitos militares e uma logística enorme: - viaturas civis e militares, alimentação e uma bem montada segurança, próxima e afastada, para dissuadir ou minimizar o efeito de qualquer ataque e, também, colaborar activamente com apoio rápido á resolução de algum acidente e incidente.

Não seria difícil ao IN disparar umas morteiradas e provocar o pânico. Uma ou duas granadas eram suficientes. Não o fez e nós não sabíamos, quantos daqueles homens eram simpatizantes deles e trabalhavam naquela desmatação para obterem informações. Havia certamente.

Lembro-me da enorme confusão da manhã do primeiro dia. Eram muitas centenas e centenas de homens e suas catanas a chegarem a Mansambo. Organizar tudo seria tarefa difícil mas foi conseguido.

A nossa missão, a do meu Grupo, era outra e rapidamente saímos do aquartelamento para a segurança.

No fim de toda esta Operação, faseada e por tanto tempo, quando acabou uma dúvida, em mim, se levantou. Aquela desmatação não iria abrir o campo de tiro ao IN?

Operação "Cabeça Rapada"

Caí, em meados de Maio, numa forte emboscada no Pontão do Almami e, em inicio de Abril, já tinha havido outra no mesmo local. Felizmente as árvores que ladeavam a estrada foram poupadas.

No dia 28 de Maio/69 a Sede do Batalhão, em Bambadinca, foi atacada pela primeira vez. As tabancas de Taibatá, Moricanhe e Amedalai, sofreram igualmente ataques.

Era a represália do IN. Teve auxilio vindo do Sul e do Norte? Certamente. Mas provava que estava vivo e não fora aniquilado na Lança Afiada e esta não respeitara certas regras básicas de contra guerrilha. O IN não foi aniquilado. Tanto assim que começou a bater forte, a tentar infiltrar-se e a exigir um esforço maior de contenção das NT.
Só em meados de Agosto veio a sofrer um forte revés e ficou decapitado - como sinónimo de sem comando.

Nada de relevante ou muito grave aconteceu até ao fim da nossa Comissão, em finais de Novembro de 1969. Emboscadas, ataques a Tabancas e aquartelamento, umas baixas sempre lastimáveis e uma ou outra operação igual a tantas outras. A rotina habitual com ou sem desmatações.

Embarcamos em 4 de Dezembro.

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9521: Nós da memória (Torcato Mendonça) (11): Vida nas Tabancas - Culturas - Fotos falantes IV

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9521: Nós da memória (Torcato Mendonça) (11): Vida nas Tabancas - Culturas - Fotos falantes IV





1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA - 11
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

7 – VIDA NAS TABANCAS

- Culturas

Antes uma foto de uma bajuda especial. Uma amizade especial.

Aquelas terras de cultivo eram férteis.
Não era fácil cultivá-las nalguns locais. Estava sempre presente o medo de um ataque do IN, das suas minas, raptos e violações.

Era falso, o respeito deles pelas populações que não estavam subjugadas ao seu poder. Musa Iéro, próximo de Candamã, foi disso exemplo e, sem população armada – excepto um Milícia da Moricanhe em visita à sua família – foi a Tabanca praticamente arrasada. Muitos feridos, alguns mortos, muitos em fuga. O Milícia foi cortado ao meio com uma granada de RPG e as poucas roupas levadas, em profanação de cadáver.

Eu estava lá, melhor eu cheguei lá poucas horas depois.

Não atacaram uma Tabanca com doentes com lepra. Foram evacuados, tempo depois para Bafatá, creio eu.

Vejam as fotos. São de locais de paz.

Vida nas tabancas > Bajuda

Vida nas tabancas > Bajuda e o banho

Vida nas tabancas > Trabalho na bolanha

Vida nas tabancas > Paraísos

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9509: Nós da memória (Torcato Mendonça) (10): Vida nas Tabancas - Famílias - Fotos falantes IV

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9509: Nós da memória (Torcato Mendonça) (10): Vida nas Tabancas - Famílias - Fotos falantes IV





1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA - 10
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

6 – VIDA NAS TABANCAS
(Famílias)

Era uma vida simples a das famílias nas Tabancas.
Com regras próprias transmitidas e respeitadas ao longo dos tempos.

Não queria falar, agora, muito sobre esse viver.
Relevo só:
- a entreajuda entre eles; o carinho dispensado às crianças e o respeito dado aos mais velhos, aos “ homens grandes “.

Não era difícil, para muitos de nós lá viver, procurar compreender e aprender com aquelas gentes.
As fotos dizem sempre algo mais.

Amor de mãe

Os mais pequenos de uma família

Morança engalanada

Bajudas > Esteticista

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9451: Nós da memória (Torcato Mendonça) (9): Os Putos de Candamã - Fotos falantes IV

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9451: Nós da memória (Torcato Mendonça) (9): Os Putos de Candamã - Fotos falantes IV

Candamã - Putos fazendo ginástica






1. Texto do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória", ilustrado com fotos falantes da sua IV série.





NÓS DA MEMÓRIA - 9
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

5 - OS PUTOS

Parecem bandos de pardais os Putos… os Putos…

Não, estes não eram esses putos. Estes viviam nas Tabancas de Candamã e Afiá, como em muitas outras por essa Guiné fora.
Alegres, brincalhões, bem dispostos, sorrisos francos e abertos os destes putos.
Felizes? Penso que sim, dentro das limitações impostas.

Tinham pouco, tão pouco e, mesmo assim, nada pediam talvez pela sua timidez e educação. Os olhos esses tudo diziam, olhares iguais a de outros miúdos, aos dos putos do fado ou dos putos de nossas vilas e aldeias que nesse tempo, a maioria, pouco mais tinham que esses putos de Candamã ou das Tabancas.

Aos poucos fomos conquistando a sua confiança. Dava-se algo, tratava-se de uma ferida infectada, pedia-se para executarem uma simples tarefa. A sua curiosidade, a alegria espontânea levava-os a de pronto ajudar.
Para eles éramos pessoas diferentes, não só na cor, mas no vestir, nos hábitos, na comida. As armas eram o poder da força que parecíamos ter.

Andavam à nossa volta timidamente e sem incomodar, aproximando-se mais na hora das refeições mas sem nada pedir. Fomos nós a oferecer do pouco que tínhamos. Talvez pareça estranho mas não abundava a nossa comida e, de quando em vez, havia “rotura de stock”.

Acabamos, não recordo de quem foi a ideia, por fazer uma Escola para os putos. Não privilegiámos o ensino do 1, 2, 3… ou do a, e, i, o, u. Procurámos, dentro das nossas possibilidades, transmitir conhecimentos diversos como regras de higiene, tratar dos pequenos problemas de saúde e outros, onde também se inseriam o ensino das letras e números e, talvez mais importante, fazendo deles os elos de ligação entre nós e a comunidade onde nos inseríamos. Seria fundamental esta interligação entre as duas culturas. Já tínhamos algum tempo de Guiné e sabíamos quanto isso era importante. A Escola foi o local onde eles iam aprendendo e apreendendo muito bem tudo o que lhes ensinado e, ao mesmo tempo, o local de integração mutuo.

Eram outros saberes e procurávamos nunca violentar os deles antes apreende-los e assim melhor entender como ali se devia viver. Desse modo creio, mesmo hoje, que todos beneficiaram.

Pouco podíamos fazer pela melhoria da saúde ou higiene deles. Os nossos recursos e conhecimentos eram muito limitados. Pedíamos à sede da Companhia e geralmente apareciam. A sarna era debelada com Thiosan, a pele era melhorada com sabonetes Lifeboy (seriam estes os nomes?) e as pomadas e líquidos L.M. para tudo davam.

Depois das “aulas”, pouco tempo sentados para não aborrecer, tínhamos a ginástica, o jogo com a bola de trapos e outros jogos simples.

Tudo a passar-se no largo das moranças do Régulo e com a bandeira de Portugal no mastro. Era diariamente hasteada e arreada pelos homens das Tabancas. Muitas vezes assistíamos. Afazeres diversos, que se prendiam com a nossa vida militar, não permitiam a assiduidade que devíamos ter. Era uma vida em que as horas, e muito mais, eram limitativas dessa e de outras disponibilidades. Eram sempre os homens da tabanca a tratar daquela sua bandeira. O Régulo, quando estava, assistia sempre. Um homem extraordinário o António Bonco Baldé.

Voltando aos putos, depois das aulas e dos jogos vinha o banho, os saltos para a água, a lavagem com o sabão e sabonete.

Ressalvo um ponto: nas Tabancas era praticada a higiene. As famílias tinham instalações próprias. Não falamos dela pois sairíamos do tema: - os putos.

Os risos deles, a alegria eram contagiantes para nós, talvez, porque não, sentíssemos, nesses curtos momentos, estar num mundo diferente.

Depois cada um ia à sua vida. À hora do almoço, muitos deles apareciam e da parte da tarde iam para a bolanha tentar apanhar uns pequenos peixes que nós comíamos depois de fritos e polvilhados com piri-piri.
Esta troca, - este “partir” – estes peixes minúsculos por comida e outros géneros, eram o gesto da troca, da não dádiva, da dignidade da permuta. Dou e recebo.

Eram felizes os putos? Eram!

Além disso faziam de nós mais humanos, mais despreocupados e a guerra naqueles momentos devia parar. Os putos parecíamos nós. Por pouco tempo é certo. Não eram permitidos descuidos ou desatenções, imperdoáveis quaisquer desatenções.

Desdramatizemos e pensemos antes que todos, nós e os putos eram, naqueles momentos, bandos de pardais à solta… como os do fado…

A guerra, essa besta, estava logo ali. Mesmo hoje, ao escrever isto, sinto-a ao alcance da mão.

Esqueçamo-la e desaparece.

O que será feito dos putos?
Cinquentões hoje ou a caminho disso.

Sinto saudades daquela gente. Das Gentes das Tabancas, dos que comigo andavam no mato, dos que connosco combatiam ou, como dizia alguém, talvez tenha também saudades da juventude que passou…
De tudo e tanto há para recordar.

Dou-vos as fotos. Elas dizem mais do que as palavras de um velho e ex-soldado.
Recordem. Vidas… lá ou cá…
Adeus!

Candamã - Escola dos Putos

Candamã - Futuros craques ou yankies

Limpeza colectiva em Candamã

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9440: Nós da memória (Torcato Mendonça) (8): Segundo dia em Bissau - Fotos falantes IV

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9440: Nós da memória (Torcato Mendonça) (8): Segundo dia em Bissau - Fotos falantes IV

Porto de Bissau - Local de protesto






1. Texto do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória", ilustrado com fotos falantes da sua IV série.





NÓS DA MEMÓRIA - 8
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

4 – BISSAU

O segundo dia de Guiné chegou. Estivera de serviço no primeiro. Agora procurava alojamento em Santa Luzia.

Sentia fortemente o apelo, o chamamento da cidade que no dia anterior atravessara. Mal a vira quando pelas ruas passei. Eram imagens demais, novidades pela diferença, para tanto ter fixado. Sentia o forte desejo de lá voltar e ver como era.
Bissau era de facto logo ali e, pouco depois estava a descer perto do antigo Forte da Amura. Recordo, não sei se mal, que logo em loja ali perto comprei uma máquina fotográfica.

Vícios velhos e, como esquecera a minha em Portugal, escolhi esta nova e boa companheira para muito tempo. Muitas e boas recordações me propiciaram.

Depois corri para o porto. Queria ver aquelas águas, o Pidjiguiti - sabia o que lá se passara anos atrás -, os barcos e aquela paisagem apressada da véspera e, se possível, fixá-la. Para isso tive que atravessar a baixa e demorei-me a ver a arquitectura dos edifícios, as gentes em passagem alegre com os seus vestidos multicolores. As vozes, as conversa ininteligíveis para mim e pensava: eles estão certos e nós, em quinhentos anos, nem a língua cá deixamos. Depois pensava ser erro meu. Era um excesso de facto.

Continuava deambulando ao acaso e surpreendia-me, como na véspera dera para ver, pela grande quantidade de militares… safa parece uma parada de quartel.

O porto visto, e fixado pela máquina, lá segui, calma e gostosamente, avenida acima até ao Palácio do Governador. Sentia os novos cheiros, o calor, as gentes e tudo era novo e diferente. Sentia-me bem. Claro que se devia a ser, por temperamento, eterno curioso pela novidade. Hoje menos e só neste momento reparo em tal.

O tempo passou célere e passado o dia seguinte, também gasto em visitas, veio o quarto e último desta primeira estadia em Bissau. Nesse quarto dia veio a preparação para a partida para o Leste.

Voltamos ao porto, ao rio e a uma enorme LDG onde embarcamos. Engoliu-nos como se nada fosse com ela.

LDG - Transporte de carga diversa até ao Xime

O Geba era um Tejo sem Tágides e larguíssimo. A LDG subia rio acima e as margens iam-se apertando naquela viagem de algumas horas. Os velhos, os que muitas viagens tinham feito, iam dando explicações: passamos o Porto Gole e o Corubal não tarda.

De facto, pouco depois aí estava o Corubal a entrar Geba adentro e a mata densa a estar bem perto.
Não sabia que, tempos depois por ali andaria. Fora uma zona muito visitada por nós e muitas operações ali fizemos.

Pouco depois aí estava o Xime o porto do Leste. Por ali passava a quase totalidade de homens, abastecimentos e armamento.

Porto do Xime e manobra de barcos de calados diferentes

Abicamos num porto rudimentar e estávamos em terra.

O trabalho, o nosso trabalho, ia começar.

Estaríamos preparados? Claro que não e seria impensável estar.

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9429: Nós da memória (Torcato Mendonça) (7): Finalmente Bissau - Fotos falantes IV

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9429: Nós da memória (Torcato Mendonça) (7): Finalmente Bissau - Fotos falantes IV

Finalmente Bissau - Palácio do Governador






1. Mais um texto do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória", ilustrado com fotos falantes da sua IV série.





NÓS DA MEMÓRIA - 7
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

3 - GUINÉ

Difícil para mim falar daqueles dias – dois ou três – depois da chegada à Guiné ou, mais concretamente, a Bissau.

O desgaste provocado pelos anos, a influência posteriormente sofrida pelo que vi e vivi, fiz e mandei fazer pode, de algum modo, deformar a maneira como recordo esses tempos. Talvez mais forte, mais determinante no arrumar de ideias, seja o que, principalmente e ultimamente, tenho lido neste nosso blogue. Há palavras, frases que se escapam ao politicamente correcto, digamos assim, e vêm-nos dizer tanto. São libertações de sentimentos reprimidos, vãs tentativas de se parecer cordeiro vestindo a sua pele sobre corpo de lobo velho ou novo. É natural que assim seja.

Eu, tu ou muitos “eles” podemos pensar de modo diferente. Porquê? Somente porque não fomos os agredidos, os humilhados e ofendidos, os despojados ou desalojados mesmo de poderes injustos e efémeros.

Eu, tu ou muitos “eles” voltamos e tentamos esquecer. Impossível fazê-lo totalmente. O mais forte, o que mais nos marcou ficou para sempre Será o infinito a apagar tudo isso.

Temos algo em comum eu, tu ou muitos “eles”: - Não esquecer, jamais perdoar as cobardes injustiças e colocar cada um em seu lugar.

Quando aqui escrevi, talvez a segunda vez, disse-o. Mantenho e assumo.

Temos igualmente em comum o gosto por aquela terra e aquelas gentes das Tabancas.
Contudo o elo mais forte entre nós é o termos sido combatentes. Termos passado por situações difíceis, termos dialogado com a morte e a sorte. Muitos quase a deixaram de temer, ou, em momentos de quase desespero quase a desejaram. O medo? O medo era uma constante e inesperadamente desaparecia como por magia, não existia tempo para ele e surgiam os automatismos treinados quase até à exaustão. Lembras-te? Claro que sim.

Seria o saber da incerteza do momento seguinte, a incerteza como hoje aqui relato essa parte do passado que nos leva a falar, a apelar à memória para fiel, o mais fielmente possível, contar a versão subjectiva, sempre subjectiva, de tudo o que se passou.

Não sei! Mas ouso fazê-lo honestamente.

Ressalvo o tudo e fico no muito. O tudo não por ser impossível.
Fiquemos no muito, na recordação, na subjectividade e no possível

 A Sé

Forte da Amura

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9419: Nós da memória (Torcato Mendonça) (6): África, adeus - Fotos falantes IV

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9419: Nós da memória (Torcato Mendonça) (6): África, adeus - Fotos falantes IV

Bissau > Cais da Marinha ou o Repouso da Marinha





1. Em mensagem do dia 26 de Janeiro de 2012, o nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), enviou-nos este texto para integrar os seus "Nós da memória", ilustrado com fotos falantes da sua IV série.





NÓS DA MEMÓRIA - 6
(…desatemos, aos poucos, alguns…)


2 – ÁFRICA, ADEUS!

(Parece plágio, creio que não)

Fotos Falantes IV

Sabia que não podíamos contrariar a História. Só não sabia quando.
Despedia-me agora de Lisboa sem com isso me preocupar. Partia como soldado em defesa do nada, de muito ou, isso sim, do desconhecido.

Em gelada manhã de Janeiro, meio escondidos como se de nós tivessem vergonha, juntamo-nos à beira Tejo no Cais da Rocha Conde de Óbidos e dali embarcamos, a custo para muitos e em desgosto para muitos mais que em terra ficavam acenando lenços, limpando uma lágrima mais incómoda, gritando um último chamamento. Triste a despedida, são sempre tristes e muitas vezes dispensáveis. Considerava esta sem interesse e, por isso mesmo, pedi para ninguém familiar ou amigo lá ir.

Lá fomos, no “Ana Mafalda”, quebrando ondas, deixando a terra a perder-se no horizonte e vendo só o oceano à volta. Sentia, com o correr dos dias, o ar a aquecer e o mar a mudar.

Finalmente o esperado grito:
-Terra. Cabo Verde, Ilha do Sal, Pedra Lume.

Para mim uma paisagem quase lunar. Paragem breve só para carga e descarga.

Levantou ferro o “Ana Mafalda” rumando ao continente, à Guiné de incógnita e temor, de destino imposto e não desejado.
Sulcava o barco pelo mar calmo e quente, o calor a aumentar e, em igual proporção, a curiosidade e ansiedade a aparecerem mais fortes, mais expectantes, tornando-nos menos faladores e mais mudos observadores.

Na madrugada seguinte o Continente, meio enevoado, surgia na linha do horizonte, cada vez mais perto e a mostrar-se com mais nitidez. Veio a informação:

- Ponta de Jeta, já estamos em mares da Guiné.

Pouco depois o estuário do Geba a ser fendido pela proa do barco. Os olhares a tudo devorarem e África já ali. Bissau a aparecer pouco depois e o calor tão forte a ensopar os corpos.

Recordo mais fortemente uma palavra talhada na alvenaria decrépita num velho casarão: Nosoco. Veio a informação. Era de um armazém de uma empresa francesa. Há anos que abandonara a Guiné.

Devagar navegava o barco e, a bombordo, aparecia o porto, o cais, a cidade. A estibordo o ilhéu do Rei, como a seguir soube o nome. Do alto, de todo o lado, vinha o calor e aquela humidade pegajosa que se colava á pele.

Paramos e esperamos maré. Depois foi o desembarque sem pressas e atravessamos a cidade só parando junto a enormes barracões.

Esperamos.
Não tardou veio a ordem de ali arrumar tudo e esperar.
Ordens a virem, ordens a saírem e o primeiro aquartelamento estava montado.
A noite quente, húmida, diferente, veio e com ela o cansaço.
E agora? Agora? Vamos ver, vamos esperar…

Porto de Bissau > Local de protesto

Uíge, o engole militares

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9408: Nós da memória (Torcato Mendonça) (5): Fado no Império - Fotos falantes IV

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9408: Nós da memória (Torcato Mendonça) (5): Fado no Império - Fotos falantes IV

Fados no Oceano

Foto ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados





1. Em mensagem do dia 25 de Janeiro de 2012, o nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), enviou-nos um texto para integrar os seus "Nós da memória", mas ilustrada com fotos falantes da sua IV série. Promete.





NÓS DA MEMÓRIA - 5
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

1 - Fado no "Império"
Fotos Falantes IV

Necessitava, para “desatar” mais uns nós da memória, de um qualquer auxílio.
Seleccionei algumas dezenas de slides e serão eles o auxílio pretendido.
Não sinto vontade em continuar a falar – escrever – sobre a “guerra pura e dura”, não, isso não.
Voltarei? É possível. Nunca digas nunca.

Suspendi o relato, a minha descrição, sobre a “Lança Afiada”. Descansa num dossier. São muitas folhas e não as quero como outras na lareira.

Antes de começar a escrever fiz breve visionamento dos slides, ora seleccionados, e um deles chamou-me a atenção. O Fado cantado em alto mar, o nosso fado, o destino de um Povo aqui em regresso de serviço prestado à ditosa Pátria.

Este, que aqui pelos ares atlânticos se perdia, não era certamente o fado triste das vielas de Lisboa e de seus amores e desamores. Não. Este teria certamente a música plagiada de um desses fados. A letra seria sobre a vida dos soldados em regresso à velha capital do Império, algo sobre a sua estadia de dois anos na Guiné, dois anos de uma juventude interrompida.

Era o regresso, o regresso das últimas caravelas. A rota seria a mesma, pouco importando os ventos e marés e, em tudo o mais diferente, quer na ida ou no regresso dos mesmos homens agora mais velhos, precocemente mais velhos, muito diferentes dos jovens da ida. O País esperava-os para deles se desenvencilhar rapidamente. Seriam peças descartáveis da máquina trituradora daquela geração. País virado ao mar e ao umbigo de minoria, País de sonho irrealizável, teimoso e bolorento nesse e noutros quereres.

Continuava virado a ilhas, a áfricas e ásias onde, a sua bandeira tremia há séculos, por terras conquistadas e mantidas com impossíveis por tão diminuta gente. Uma ocupação de conveniência.
Séculos de ocupação, de exploração para beneficio de minoria de seu Povo ou, pior ainda, para gentes de outros Países que, em conjunto com a pequena elite deste nosso rectângulo, usufruíam os proveitos desse estar e explorar terras e bens de outras gentes, impondo sofrimento, dor e humilhação.

Usavam a fé, os novos saberes da tecnologia, da cultura desrespeitadora da desses povos e não queriam entender, por não lhes interessar, que isso nada a tais gentes beneficiava. Eram gentes que nunca foram assim, em suas terras, cidadãos inteiros de um espaço que errada e enganosamente se dizia ser: - pluricontinental e multirracial do Minho a Timor. Por muito que hoje se duvide, outrora, poucas décadas atrás, muitos nisso acreditavam ou ainda acreditam.

Certo é que houve minoria, dessa gente oprimida, que desse colonialismo se libertou. Talvez, esses mesmos que de tais práticas se iam libertando, contribuíram para que os impérios se fossem desmoronando e um dia muitos, muitos mesmo ou quase todos pensaram serem livres, serem cidadãos inteiros e, mesmo apressadamente, dos velhos senhores se libertaram.

Erro deles, saíram de algo que lhes era imposto, algo que os oprimia e, sem disso se aperceberem logo noutras opressões, noutras servidões impostas por outros senhores, deles irmãos, caíram. Ainda esperam, hoje, por um novo mundo, um mundo mais livre, fraterno e sem tanta desigualdade.

Ah, ah… os últimos soldados do império? Esses, quase a totalidade, depois de serem descartados, ignorados e esquecidos vão desta vida se libertando. Não pesam pois, num Olimpo qualquer onde peso não interessa e, se algo deles cá fica, serve para outros comemorarem e relembrarem o nada em conforto de egos. Fica ou cai bem. Por vezes não, por vezes o lauto almoço, que, de um modo geral se segue excede os cuidados a ter com idades e maleitas próprias.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9295: Nós da memória (Torcato Mendonça) (4): Ano Novo; Ano Velho e Toca o Mesmo

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9011: Memória dos lugares (161): O cais do Xime e a solidão do Rio Geba... (Torcato Mendonça)




Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > 1968 ou 1969  > O Rio Geba e o cais do Xime > Fotos falantes (Série II), do nosso colaborador permanente Torcato Mendonça (ex-Alf Mil Art, CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69).  Texto de L.G.


Legendas: De cima para baixo: (i) cais do Xime, com guindaste; (ii) aproximação de dois barcos civis: (iii) população local (da tabanca do Xime) na margem  esquerda; (iv) o fotógrafo, assitindo a um mágico pôr do sol, tendo a seus pés o Rio Geba e a sua imensa solidão... 

Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados


1. O cais do Xime...  Era aqui que começava  a  "autoestrada" do leste... Dezenas e dezenas de batalhões, centenas de companhias e outras subunidades, milhares e milhares de camaradas, milhares de viaturas,  milhares e milhares de toneladas de géneros, munições e outros artigos que alimentavam o "ventre da guerra", passaram por aqui, a caminho de Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego, mas também no sentido inverso, ao longo dos anos da guerra (1963/74)... 


No final, a estrada alcatroada já ia do Xime até para além de Piche, até à ponte de Caium, não sei mesmo se chegava a Buruntuma, na fronteira com a Guiné-Conacri... As ligações de Bissau, centro nevrálgico da guerra, com o leste só se podia fazer, de barco (pelo Rio Geba: até ao Xime; e, para os barcos mais pequenos, civis, até Bambadinca e nalguns casos Bafatá), ou então por via aérea (o Dakota podia aterrar em Bafatá e Nova Lamego). No final da guerra, ainda se construía o troço de estrada, alcatroada,  Jugudul-Bambadinca (que iria permitir a ligação de Bissau com o leste, atravessando a região do Oio, mas também o sul (via Badora e Corubal). 


No Xime havia uma unidade de quadrícula... e do outro lado do rio, na margem direita, um destacamento (1 Gr Com reforçado) em Enxalé. O aquartelamento do Xime dispunha de três obuses 10,5.

Recorde-se o seguinte; (i) o Geba Estreito, a partir do Xime, só era agora navegável através de LDM e LDP, e de barcos civis (em geral ao serviço da Intendência); (ii) as LDG (Lanchas de Desembarque Grandes) faziam o transporte de tropas e equipamentos e só chegavam ao Xime; (iii) entre 1961 e 1976, foram construídas, para serviçod a Marinha Portuguesa,  65 LDM e 26 LDP, dois terços das quais se destinaram à Guiné; (iv)  as LDM dispunham de uma peça Oerlinkon Mk II de 20 mm e duas metralhadoras MG 42, a sua velocidade máxima era na ordem dos 9 nós e podiam transportar uma força de 80 homens.


2. Ao que eu saiba ou me lembre, o IN de então, que com frequência flagelava o Xime e o Enxalé, nunca intentou, no meu tempo (e no nosso tempo, meu e do Torcato, que esteve no setor até ao último trimeste de 1969), levar a cabo nenhuma ação contra esta estratégica infraestrutura portuária (por ex., minagem)... Muito provavelmente por que não longe dali, a montante e a jusante do cais do Xime,  havia pelo menos dois ou mais importantes pontos de cambança do Rio Geba, permitindo a  ligação da frente sul à frente norte, através do Enxalé (e também do Geba Estreito, no Mato Cão)...  

Isso mesmo reconheceu o comandante Bobo Keita, nas suas memórias, quando Amílcal Cabral propôs o seu nome, para substituir o comandante da Zona 7, Mamadu Indjai, gravemente ferido pelas NT (e mais concretamente pela CART 2339) na Op Anda Cá (em 15 de Agosto de 1969). (Mamadu Indjai estará mais tarde implicado no assassinato de Amílcar Cabral, em 20 de Janeiro de 1973, juntamente com Inocêncio Cani e outros, tendo sido executado, a crer no depoimento de Bobo Keita)...


"Ofereci-me para lá ir esperar o restabelecimento do Mamadu Indjai. Cabral disse-me que podia então lá ir  por 15 dias pois era um lugar importante na estratégia da luta.  Ficava nas regiões de Xime, Bambadinca e Xitole. Era um triângulo   onde se encontrava uma cambança que permitia passar para o Norte [, região do Óio,] através do rio Geba, via Inchalé [sic]. Fui para 15 dias e fiquei lá nove meses. Era um lugar difícil" (In: Norberto Tavares de Carvalho - De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Porto, ed. de autor, 2011, p. 134).

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segunda-feira, 7 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7907: Álbum fotográfico de Vitor Raposeiro (Bambadinca, 1970/71) (5): Há festa na tabanca...

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Guiné > Zona Leste > Sector L1  > Bambadinca >  1970  > Convívio no bar de sargentos, em meados de 1970 (ainda estávamos em lua de mel, a CCAÇ 12, e os "piras" do BART 2917, aqui representados pelo 2º Comandante, Maj Art Anjos de Carvalho, e o 1º Sargt Art Fernando Brito... As senhoras: à direita do Brito, a Helena, mulher do Carlão; à direita do Anjos de Carvalho, a esposa do Major de operações B.B. (Barros Bastos) e à sua direita, a mulher do Coelho, o Fur Mil Enf da CCS/BART 2917. Não me parece que tivesse sido o jantar de Natal, ou coisa parecida: nessa altura, as relações com o major Anjos de Carvalho, a três meses de acabar a nossa comissão,  eram muito tensas... Inclino-me mais para uma festa de anos, logo no princípio da chegada do BART 2917 a Bambadinca, que veio render o BCAÇ 2852... Pede-se ao pessoal da CCAÇ 12 e do BART 2917, para completar as legendas...(LG)




"Aqui do lado direito: 1º o falecido Rodrigues [Alf Mil do 4º Gr Comd da  CCAÇ 12], a seguir o Carlão [Alf Mil do 2º Gr Comb da CCAÇ 12], em 3º o Branquinho (de Évora) [ Fur Mil da CCAÇ 12, do 1º Gr Comb] e do lado oposto parece-me ver o 1º sarg Brito (tendo em atenção as fotos anteriores, à sua direita, encoberta, a mulher do Carlão), o maj Anjos de Carvalho [2º comandante do BART 2917]. Que raio de jantar terá sido este? Já não me lembro. Oficiais do Bart junto com sargentos da CCAÇ12?" (Legenda: Humberto Reis)




"Ao fundo brilham os óculos do 2º sarg Piça, á direita com a boina no ombro o ex-fur Mil Enfermeiro do 1917, o Coelho (era de Évora), à direita do Piça o 1º sarg da engenharia ( tal que dizia "pró Xime? Vão lá os cabos que são novos")... Reconheço-me eu com a minha pera, ao lado do camarada o que está com o copo na boca, e o que está de frente e ao lado, com bigode, já não me lembro quem são. [Em primeiro plano, de perfilç, de bigode o Vacas  de Carvalho, o comandante do Pe l Rec Daimler]." (Legenda do Humberto Reis)

Fotos: © Vitor Raposeiro (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


 Fotos do Álbum do Vitor Raposeiro (ex-Fur Mil, Radiotelegrafista, STM, de rendição indiviual, que passou por Aldeia Formosa, Bambadinca, Bula e Bissau, 1970/72) (*).
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Nota de L.G.: