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quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20154: Fotos à procura de... uma legenda (117): os bombeiros voluntários de Bolama, em 1938, e o Sporting Clube de Bafatá, em 1958



Fonte: Câmara Municipal de Lisboa > Hemeroteca Digital > Jornal programa, editado pelo Sport Lisboa e Bolama, novembro de 1938, p. 4 (com a devida vénia).(*)


1. Não sei se o nosso camarada e amigo António Estácio, autor de "Bolama, a saudosa" (edição de autor, 2016, 496 pp.) nos sabe dizer quem era o comandante dos Bombeiros Voluntários de Bolama, em 1938, talvez o próprio autor, R. C. P.,  do texto que acima reproduzimos.  

O eng. Estácio não era desse tempo, nasceria  nove anos depois, em 1947, em Bissau, no chão Papel, mudando-se depois, com os pais, para Bolama, onde fez a instrução primária. Mas deve estar lembrado desta humanitária associação, de que reproduzimos também uma imagem, embora de muita fraca qualidade e pior resolução...

Tal como as equipas de futebol, raros os eram  negros, da Guiné, que faziam parte destas e outras associações, como por exemplo os clubes desportivos... mesmo 20 anos depois, como era o caso do Sporting Clube de Bafatá (vd. foto a seguir).

Enfim, as duas fotos merecem uma legenda! (**).


Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > 1958/59 > Foto nº 242: > "Equipa de futebol do Sporting Clube de Bafatá"

Foto enviada pelo nosso camarada Leopoldo Correia (ex-fur mil da CART 564, Nhacra, Quinhamel, Binar, Teixeira Pinto, Encheia e Mansoa, 1963/65). (***)

[Observação do LC:"Fotos de Bafatá, de 1959, tiradas por um familiar ligado ao comércio local (Casa Marques Silva), casado com uma senhora libanesa, filha do senhor Faraha Heneni",


2. Recorde-se aqui alguns dados do recenseamento populacional de 1950,  na colónia da Guiné,  para se perceber melhor a estrutura social do território: havia uma clara distinção entre  uma pequena minoria de "civilizados" (os que tinham a  cidadania portuguesa),  e a grande maioria dos  "indígenas". 

"Civilizados" eram então 8320 residentes, dos quais 501 originários da metrópole, 1703 provenientes  do arquipélago de Cabo Verde e os restantes 4644 da própria Guiné.  Dos 366 estrangeiros, a maioria deles eram imigrantes libaneses e seus descendentes. A taxa de analfabetismo dos "civilizados" ultrapassava os 43%. Os "indígenas" eram cerca de meio milhão de indivíduos, distribuindo-se por 30 grupos étnicos. (****).

"Índigenas" eram todos os guineenses que não podiam ser "assimilados a europeus": (i)  eram  "de raça negra (sic) ou dela descendentes"; (ii) não sabiam ler nem escrever (o português); (iii) não possuíam bens ou profissão remunerada;  e, "last but not the least",  (iv)  praticavam "os usos e os costumes do comum da sua raça" (sic)...

Mais exatamente, em 1950, a população era constituída por "negros" (503 035), "mestiços" (4 568) e "brancos"  (2 263), num total de 510 776.  Os "brancos" (, europeus, na sua grande maioria) representavam apenas 0,4% do total da população. Só depois da II Guerra Mundial, é  que o seu número começou a aumentar: 1226, em 1930,  1419 em 1940, 2263 em 1950, 13686  em 1960...

Enfim, em 1950, o ensino oficial obrigatório abrangia apenas um escasso milhar de alunos, que frequentavam as 13 escolas primárias. As escolas das missões católicas acolhiam, por sua vez, cerca de 10 mil alunos. Em 1949, com a criação do Colégio-Liceu Honório Barreto, os guineenses passam a ter a oportunidade de aceder ao ensino secundário.

Em 1961, a distinção entre "civilizados" e "indígenas" foi finalmente abolida... No consulado de Sarmento Rodrigues, na segunda década de 1940, a colónia fez um notável esforço de modernização... de que o PAIGC vai recolher frutos: os seus melhores quadros saem da nova "elite crioula"...

Enfim, em 1973, no final do consulado de Spínola, já havia cerca de 4 centenas de "escolas oficiais" (mais cerca de 8 dezenas de escolas das Missões), para um total de 46 mil alunos... Mas quantas dessas escolas eram apenas simples "postos escolares militares" ?... Um esforço digno de nota,  que não foi inglório mas que pecou por tardio...

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 17 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20152: Jorge Araújo: memórias de Bolama: a imprensa e o comércio locais há oito décadas atrás.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20152: Jorge Araújo: memórias de Bolama: a imprensa e o comércio locais há oito décadas atrás.



Bolama (1964) – Fonte: Arquivo Digital > Foto de   Manuel da Silva Pereira Bóia, com a devida vénia).


Guiné-Bissau > Região de Bolama / Bijagós > Bolama > Agosto de 2010 > Ruína do antigo Palácio de Bolama, que foi sede da administração colonial

Foto: © Patrício Ribeiro (2010)Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Guiné-Bissau > Bolama (2017) >  Fonte: Jornal "O Democrata", Bissau, edição de 12 de Abril de 2017, com a devida vénia).





O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, indigitado régulo da Tabanca de Almada; tem c. 225 registos no nosso blogue.


MEMÓRIAS DE BOLAM: A IMPRENSA E O COMÉRCIO LOCAIS HÁ OITO DÉCADAS ATRÁS 



1. INTRODUÇÃO

Emerge esta narrativa do facto de terem surgido no Fórum, nas últimas quatro semanas, vários subsídios históricos alusivos à Ilha de Bolama. Uns, os mais antigos, relacionados com a sua descoberta e a presença portuguesa em África [P20104]. Outros, do princípio do Século XX, através de testemunhos do 2.º Sargento António dos Anjos, onde descreve ao pormenor a sua comissão de dois anos na Guiné, iniciada em 29 de Março de 1911, a primeira, com vivências em Bolama [P20041 e P20059]. Os últimos, recuperando uma efeméride de terror, pela quantidade de sangue derramado, respeitante aos trágicos acontecimentos de Morocunda, em Farim, nos dias 1 e 2 de Novembro de 1965, em que se presume ter sido o ex-presidente da Câmara Municipal de Bolama, Júlio Lopes Pereira, o seu "autor moral", e de que resultaram mais de três dezenas de mortos e cerca de uma centena de feridos [P20130, P 20135, P20140 e P20144].

Corolário da conjugação desses diferentes factos e análises historiográficas e sociológicas dadas à estampa pelos seus autores, permitiu adicionar-lhe uma outra abordagem, ainda pouco aprofundada, e que acabaria por corresponder ao tema em título. E esse aprofundamento, ou questão de partida, nasceu, inicialmente, da consulta ao trabalho de investigação do historiador guineense, Leopoldo Amado, publicado no seu livro «Guineidade e Africanidade», das Edições Vieira da Silva, 2013.


2. A IMPRENSA E O COMÉRCIO LOCAL HÁ OITO DÉCADAS ATRÁS

De forma sucinta e como antecedente histórico, Leopoldo Amado defende que Portugal, ao sair vitorioso da disputa por Bolama em que se vira envolvido com os Ingleses, ainda que com a sentença arbitral do Presidente norte-americano, Ulisses Grant, ficou obrigado a proceder à implantação de uma administração que garantisse a soberania sobre o território, bem como a criação de um mínimo de infraestruturas, que até então tinham estado sob a tutela do Governo-geral de Cabo Verde.

E é em 1879 que a Guiné ganha o estatuto de Província, passando Bolama a ser a sua capital, onde oito anos antes (1871) havia ganho o estatuto de Concelho [hoje, Município]. Desde então o Governo da Guiné passou a preocupar-se mais com as guerras de pacificação, e a prosseguir com a intervenção na estruturação da sua administração, processo que decorreu aproximadamente até aos finais da década de 30 do século XX.

Quanto à Imprensa, e na sequência do processo de pacificação, Leopoldo Amado acrescenta: "os colonos entregaram-se às tarefas mais prementes como, por exemplo, a instalação da tipografia em 1879 e a criação do Boletim Oficial da Guiné em 1880 que, não obstante alguns pequenos hiatos, foi publicado ininterruptamente até 1974" [P11804]

2.1. A IMPRENSA COLONIAL

De acordo com a narrativa de Leopoldo Amado, é no ano de 1879, com a instalação de uma tipografia em Bolama e com a constituição do primeiro grupo de tipógrafos guineenses que, no ano seguinte (1880), começa a ser editado o Boletim Oficial da Guiné. Acrescenta ainda que "a década de 30 [do século passado] nem por isso foi fértil."

Entretanto, em consulta à obra do jornalista guineense António Soares Lopes Jr. (Tony Tcheka), em «Os media na Guiné-Bissau», publicado pelas Edições Corubal, em Agosto de 2015 (capa ao lado, da 1.ª edição), aí se aprofunda um pouco mais sobre as origens da tipografia e, concomitantemente, a sua importância para a evolução da imprensa escrita.

António Lopes refere que "o surgimento da imprensa na Guiné-Bissau está intimamente ligado à instalação de uma tipografia em Bolama, em 1879, que seria mais tarde designada por Imprensa Nacional da Guiné Bissau. Nesta unidade se constituiu o primeiro grupo de tipógrafos guineenses, a maior parte deles, já com instrução primária feita. Depois, em 31 de Outubro de 1883, foi em Bolama editada a primeira publicação,  'Fraternidade', dedicada à sensibilização e recolha de fundos para socorrer as vítimas da estiagem que tinha ocorrido, nesse mesmo ano, em Cabo-Verde.

Em 1920, quarenta anos depois da criação da Tipografia em Bolama, surge na banca a terceira publicação, 'Ecos da Guiné'. Seguiram-se em 1922, a 'Voz da Guiné', um quinzenário republicano independente, e em 1924 o 'Pró-Guiné', órgão do Partido Democrático Republicano. Estas publicações pertenciam a portugueses radicados na Guiné." (op. cit. p35)

Por outro lado, o primeiro periódico editado e dirigido por um guineense, o advogado Armando António Pereira, foi 'O Comércio da Guiné', em 1930, tendo tido, contudo, uma curta duração, com encerramento no ano seguinte. No entanto, congregou à sua volta figuras de relevo da sociedade guineense, como o poeta Fausto Duarte (coordenador de um dos Anuários da Guiné-1946), Alberto Pimentel, Álvaro Coelho Mendonça, Juvenal Cabral (pai de Amílcar Cabral), João Augusto Silva e Fernando Pais de Figueiredo." (op. cit. p36).

Após o encerramento de 'O Comércio da Guiné', surgem três outros jornais, todos de número único e por isso, como afirma Leopoldo Amado,  "sem qualquer importância para o sujeito em estudo". Foram eles, respectivamente, o '15 de Agosto', em 1932, o 'Sport Lisboa e Bolama', em 1938, e 'A Guiné Agradecida', em 1939." [P11804].

"Entretanto, a década de 40 do século XX inicia-se com um acontecimento importante: a capital da Guiné é transferida de Bolama para Bissau, e dela resulta que Bissau cresce a olhos vistos, enquanto Bolama perde a sua vitalidade. Na verdade, a transferência da capital para Bissau foi um duro golpe para a elite africana de cariz pequeno-burguesa de Bolama, dispersando-se por imperativos de força maior. Por isso, a actividade literária e cultural em geral foi o primeiro sector a apresentar sinais palpáveis de um retraimento significativo, a ponto de se paralisar qualquer actividade editorial na Guiné, exceptuando as publicações do Boletim Oficial da Guiné." (Leopoldo Amado; P5147].


Fonte: Câmara Municipal de Lisboa > Hemeroteca Digital > Cabeçalho do jornal programa, editado pelo Sport Lisboa e Bolama, novembro de 1938, 12 pp. (com a devida vénia).

2.2. O 'SPORT LISBOA E BOLAMA', EM 1938

Partindo da referência supra, mas procedendo em sentido contrário ao de Leopoldo Amado, entendemos que se justificaria tudo fazer para encontrar este número do jornal do Sport Lisboa e Bolama, que, por ser único, era de primordial importância localizá-lo.

E assim aconteceu.

Este jornal único do Sport Lisboa e Bolama é editado a propósito das comemorações do 5.º Aniversário da sua fundação em Bolama, em Novembro de 1933, inspirado no Sport Lisboa e Benfica (fundado em  28.02.1904), como se prova na figura acima. Com a transferência da capital de Bolama para Bissau, nasce o Sport Bissau e Benfica, em 27.05.1944, sendo a vigésima nona filial do Sport Lisboa e Benfica.

O seu estádio é considerado como sendo a mais antiga instalação desportiva da Guiné-Bissau, tendo sido inaugurado com a designação de «Estádio de Bissau», em 10 de Junho de 1948, pelo então governador da Província da Guiné, Manuel Maria Sarmento Rodrigues (1899-1979), quatro anos depois da inauguração do «Estádio Nacional», no Jamor. 

Mais tarde o «Estádio de Bissau» passou a designar-se por «Estádio Sarmento Rodrigues», em homenagem àquele governador. Na sequência da independência da Guiné-Bissau, em 1974, a designação anterior foi, de novo, alterada, passando a designar-se por «Estádio Lino Correia», em homenagem ao antigo jogador da União Desportiva Internacional de Bissau (UDIB), e guerrilheiro do PAIGC, morto em 1962.

 Eis o programa das Festas: entre 26Nov1938 (sábado) e 04Dez1938 (domingo)



2.3. O COMÉRCIO LOCAL QUE CONTRIBUIU PARA OS FESTEJOS

Como elemento historiográfico relacionado com o comércio existente em Bolama, naquela época, e para memória futura, apresentamos o nome das empresas que patrocinaram o 5.º Aniversário do Sport Lisboa e Bolama. De entre os comerciantes e industriais , destaque para os nossos já conhecidos  Fausto [da Silva] Teixeira (, "Serração Eléctro-Mecânica") e Júlio Lopes Pereira (representante na Guiné da máquina de escrever Royal).

[Recorde-se que o Fausto Teixeira foi um dos primeiros militantes comunistas [, segundo reivindicação do PCP,] a ser deportado para a Guiné, logo em 1925, com 25 anos, ainda no tempo da I República; era dono, em novembro de 1938,   segundo o anúncio, que abaixo se reproduz, de "a mais apetrechada de todas as Serrações existente nesta Colónia". E o anúncio acrescenta: "Em 'stock' sempre as mais raras madeiras. Preços especiais a revendedores. Agentes em Bolama, Bissau e nos principais centros comerciais da Guiné"... Na altura a sede ou o estabelecimento principal era no Xitole... Foi expandindo a sua rede de serrações pelo território: Fá Mandinga,  Bafatá,  Banjara...  Era exportador de madeiras tropicais, colono próspero e figura respeitável na colónia em 1947, um dos primeiros a ter telefone em Bafatá, amigo de Amílcar Cabral, tendo inclusive ajudado o Luís Cabral a fugir para o Senegal, em 1960... Naturalmente, sempre vigiado pela PIDE...Nota do editor, LG]



Fonte: Câmara Municipal de Lisboa > Hemeroteca Digital >  Jornal programa, editado pelo Sport Lisboa e Bolama, novembro de 1938, p. 7  (com a devida vénia).




















Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

13SET2019
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terça-feira, 20 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20077: Manuscrito(s) (Luís Graça) (166): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte VIII - De 71 a 80 de 100 pictogramas)



Portugal > Cadaval > Adão Lobo > 1950 > Equipa de futebol do Sporting Clube Lourinhanense, da Lourinhã, no campo de jogos do Adão Lobo. O segundo da primeira fila, da esquerda para a direita, é o meu pai, meu velho,  meu camarada, Luís Henriques, então com 29 anos...

Esteve toda a vida ligada ao futebol, quer como jogador quer como dirigente e treinador de futebol das camadas mais jovens... Faria ontem 99 anos, se fosse vivo... Nasceu em 1920 e morreu em 2012, ia completar os 92 anos...

Esta foto foi tirada em 1950, no dia em que o Benfica, seu clube de eleição,  ganhou a Taça Latina (pode-se ler-se na legenda da foto... Ao que parece foi o primeiro feito internacional do S.L. Benfica: ganhou à Lázio nas meias-finais e depois ao Bordéus na final)... É também uma homenagem à sua geração para quem o futebol era uma paixão... Aqui  ficam os seus nomes: "De pé, da esquerda para a direita, o filho do Vitor Pedro, Miranda (Alfaiate), Jorge "Tarofa" (ou Jorge Serralheiro), José Costa (que haveria de morrer em Angola), José Miguel, Américo "Russo", Manuel "Swing", António Serralheiro; na primeira fila, da esquerda para a direita, Vitor Pedro, Luís Henriques, António Zé da Graça, Manuel Dias ("Néu"), Artur Borges, João Borges". E acrescenta o meu pai: "Perdemos 3 a 2. Nesse dia faltaram três ou quatro dos nossos melhores jogadores: o "Gino" (ou Higino), o Mário   "Pepe", o Manuel "Ferrador", o António Costa"...


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Cemitério de Mindelo > 1943 >  Foto do álbum de Luís Henriques (1920-2012), com a seguinte legenda: "Justa homenagem àqueles que dormem o sono eterno na terra fria. Companheiros de expedição os quais Deus chamou ao Juízo Final. Pessoal da A[nti] Aérea depois das cerimónias desfila fazendo continência às sepulturas dos companheiros. Oferecido pelo meu amigo Boaventura [Horta, conterrâneo, da Lourinhã,] no dia 17-8-1943, dia em que fiquei livre da junta (hospitalar)."




Luís Henriques (1920-2012), ex-1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5, Caldas da Rainha. Esteve 26 meses "desterrado" em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, Lazareto, de julho de 1941 a setembro de 1943, em missão de soberania. Escrevia vinte e tal cartas por semana, em nome dos muitos camaradas do seu pelotão e da sua companhia que não sabiam ler nem escrever. Eram todos oriundos da Estremadura, Oeste

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça  & Camaradas da Guiné]



Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde [em 100 pictogramas]
Texto (inédito):

© Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.




(Continuação) (*)

[...] 1. Domingo à tarde… Sempre detestaste os domingos à tarde: ou chovia ou fazia vento e um cão uivava na vinha vindimada do Senhor. Nada acontecia, no domingo à tarde, e até o tempo parava no relógio, sonolento, da torre da igreja da tua aldeia.[...]


71. Sim, descobrirás, mais tarde, os famosos aventais de pau 
[1], no lendário Bairro Alto da formosa Lisboa onde se ia de camioneta, de excursão, uma vez na vida, no passeio da escola ou da catequese, ou quando se ia fazer, os sortudos!, o exame de admissão ao liceu, ou quando um mancebo, cheio de garbo, tiradas as sortes, de fitinha vermelha na lapela, era chamado para a tropa e jurava bandeira, e ia às meninas, para tirar… os três, antes de partir para defender a pátria, lá longe no ultramar, nas Áfricas, nas Índias, como o teu pai, em Cabo Verde em 1941/43…


72. Ah!, e o respeitinho, que naquele tempo ainda era tão bonito, cada macaco no seu galho, Deus no céu e os santos nos altares, nobreza, clero e povo, os três estados, uns em cima e outros em baixo, mal acamados, o povo a cavar a terra, a enxertar o bacelo, a podar, a sulfatar e a vindimar a vinha do Senhor, e o esplendor do cinismo dos grandes e a ostentação da caridade dos ricos, e a abjeção da arraia miúda, que dar aos pobres, era emprestar a Deus, que Deus, santo banqueiro, haveria de pagar-lhes com língua de palmo, juros e dividendos, ámen!... Deus, dizia o padre franciscano, pregador da Quaresma, sempre foi bom nas contas: "Cá se fazem, cá se pagam, meus irmãos!!...


Como os ricos emprestavam a Deus, dando aos pobres, eram cada vez ricos, como os judeus, pro causa dos juros e dividendos. Eles tinham uma conta-corrente no céu, os felizardos. E era importante que houvesse pobres, para os ricos poderem continuar a emprestar a Deus. Era talvez por isso que os ricos da tua aldeia eram gordos e tinham terras e casas, ou tinham terras e casas e eram gordos. Mas o povo mal os via: viviam em Lisboa.Não te lembras de ver um rico, em carne e osso, na tua aldeia. Só os criados e os feitores dos ricos. Os ricos nunca apareciam, tinham os seus representantes na aldeia. Como Deus, que tinha os seus representantes na terra: o papa em Roma, o padre vigário na tua aldeia, a tua catequista, a "Branca de Neve", a senhora professora, o regedor da freguesia, o cabo de esquadra, e poucos mais mais. O "Brutamontes" e o "Frasco do Veneno", esses, eram os representantes do diabo na terra. Nunca lhes viste a credencial passada pelo diabo, mas a verdade é que eram os sacanas que te endiabravam... Ao longo do tempo, irás conhecer outros "Brutamontes" e outros "Frascos do Veneno", na paz e na guerra...


73. E o garboso comandante dos bombeiros, com o seu capacete de latão e o seu machado de paz, faiscante como a espada do samurai, e o aferidor dos pesos e medidas, o avaliador e o agrimensor, e o juiz do julgado de paz e de guerra, e o pobre do legionário, patético, o senhor Pessoa, de seu nome Fernando, sósia do original, escriturário camarário, que era o chefe da Legião Portuguesa, e que fazia ordem unida com os fedelhos, de espingarda Mauser ao ombro, e que era incapaz de fazer mal a uma mosca, e que, dizem, morreu virgem e chupado como uma carocha!...


Ora nenhum herói da pátria, em tempo de paz ou de guerra,  devia morrer virgem, sem reproduzir, ao menos, o ADN do heroísmo. Crescei e multiplicai-vos era então a palavra de ordem. E, pelo menos na tua aldeia, pais e mães faziam o seu trabalho de casa.

Ah!, o senhor capitão Belo, de farda republicana, não menos excelentíssimo presidente do município, pequenitote representante do todo poderoso Estado Novo, que inaugurava o lavadouro e o fontanário e perante quem o povo se desbarretava, sempre atento, venerador e obrigado, o povo, o polvo, temente a Deus e aos grandes deste mundo, o Zé Povinho que só acordava da sua letargia e se agigantava de meio século em meio século.



E, quando acordava, esbaforido, qual gigante cego, era para se alvoraçar e escaqueirar a mobília toda das repartições do Estado e queimar os papéis. E bater na mulher e nos filhos, nos criados e nos marginais, nos judeus e nos pretos, nos malhados e nos comunistas.... O povo dormia demais mas tinha mau despertar, agigantava-se como o ogre. Forte com os fracos, fraco com os fortes... Dava uma manguito e voltava a adormecer por mais cinquenta anos...

Havia um judeu na tua terra chamado Jacó. E um papagaio também chamado Jacó. É estranho: não havia pretos de carapinha. Ou havia, e desfrisavam o cabelo ? 

74. Enfim, havia ainda a charanga no coreto, mas isso era em agosto, na festa da nossa senhora dos Anjos e os foguetes e os meninos, pobretes mas alegretes, e os cães, danados, atrás das canas dos foguetes, alvoraçados, os diabretes, que depois faziam chichi, à noite, na cama, ameaçava-te a tua mãezinha!... (Nunca a trataste por mãezinha, pois não ? Isso eram ternuras citadinas!).


Afinal, eram tantas as emoções!... Mesmo assim... Mesmo se detestasses os domingos à tarde, em que chovia ou fazia vento e um cão uivava na vinha vindimada do Senhor. Mesmo se nada acontecia, no domingo à tarde, e até o tempo parasse no relógio, sonolento, da torre sineira da igreja da tua aldeia.


"Experimenta comer um limão à frente do gajo do trombone", ensinava-te o "Brutamontes". "O gajo do trombone começa a salivar e a dar fífias!"... 

As coisas, más, que sabia o "Brutamontes”!... Ou essa ensinou-te o "Frasco do Veneno" ?!... A verdade é que os putos da tua aldeia, provocadores, adoravam comer limões à frente da secção de metais da banda filarmónica. Só havia metais, não havia cordas!...


75. Um cão uivava aos domingos à tarde, enquanto os trabalhadores da vinha do Senhor descansavam o corpo, magoado, os malteses, os ratinhos que vinham em magotes dos minhos, das beiras, dos ribatejos, dos alentejos, fugidos da fome e dos cavalos da GNR. E dormiam, na papel do trigo ou nas folhas de milho, que se guardavam para se fazer os colchões no inverno.

Em boa verdade, tu nunca chegarás a ver a GNR a cavalo, a espadeirar o povo, só mais tarde em fotografia, isso era no Barreiro da CUF, e tu ainda não sabias que existia o Barreiro da CUF, apenas os sacos de adubo da CUF com que a tua mãe faziam os sacos para o pão, e os aventais de cozinha. No tempo em que nãohvaia sacos de plástico, e tudo se reciclava... 


Muito menos alguma vez tinhas visto as ceifeiras do Alentejo, só conhecias o celeiro do trigo da Federação Nacional do Trigo, com cereal até ao teto em anos de grande fartura de pão. 

Nem sabias da Marinha Grande dos vidreiros ou sequer da Peniche dos pescadores, ali tão perto, as Berlengas à vista e o temível cabo Carvoeiro, o mar da Meia Via, cemitério de corsários, marinheiros, pescadores e outros mareantes.


Sabias lá tu dos operários que estavam em construção, nem muito menos das fábricas de chaminés altas, e dos perigosos comunistas (de que Deus nos livrasse!), inimigos mortais da Nação, metidos a foice e a martelo na fortaleza de Peniche, muda e queda.


76. Tu nunca tinhas saído do perímetro da tua terra, até aos oito anos, idade em que foste de excursão a Lisboa, com a "Branca de Neve" e os "Sete Anões": entrava-se na cidade pela tortuosa e íngreme calçada de Carriche, e pelas vetustas ruas do Lumiar, por meio de quintas, mas só te lembras do Tejo e das velas das fragatas, dos comboios e dos elétricos e do aquário de Vasco da Gama, e dos Jerónimos e do palácio de Belém… 


Não te lembras de ir ao Jardim Zoológico, que devia ser muito caro, para os meninos da tua terra, que levavam farnel e tudo!... Lembras-te dos palacetes do Lumiar e das heras a crescer nos muros altos e da patine do tempo. Nunca mais esquecerás essa expressão, a da patine do tempo.


77. E o Tarrafal ? Sabias lá tu onde ficava o Tarrafal 
[2], o teu pai, expedicionário da II Guerra Mundial, na ilha de São Vicente, Cabo Verde, nunca te falara do Tarrafal, falava-te do Mindelo, do Monte Cara, do Lazareto, as bias, os tubarões, a morna, a coladera, a baía, o porto grande, a ilha onde até as pedras tinham venéreo, a fome do Joãozinho, a morte do Joãozinho, nosso cabo, bó impedido, Joãozinho, morreu. De fome, da grande fome, da fome milenar, intrínseca, de Liberdade, Igualdade, Fraternidade, da fome da música e da poesia, da fome de pão de milho, e fome de terra e de céu, de fome de pão de trigo misturado com centeio, de mandioca e de cereal no pilão, e de poesia em crioulo, e de cachupa e de chabéu.


78. Lembras-te do álbum de fotografias do teu pai, o teu único brinquedo de montar e desmontar, que tiveste na infância, lembras-te do Mouzinho de Albuquerque, vapor da nossa orgulhosa marinha mercante, mas sabias lá tu quem era o Xico Vieira Machado, lídimo representante da nação, de visita a Cabo Verde, ministro plenipotenciário, homenzinho atarracado de chapéu colonial, latifundiário da tua terra, patrão do Banco Nacional Ultramarino, banco emissor de patacão da Guiné (, sabê-lo-ás, mais tarde), e que deixou o Joãozinho morrer de fome.


79. Enfim, havia o Império de todos nós, o lusitano império do tamanho da lonjura do Minho a Timor, desmesurado para tão parcas e desvairadas gentes. O último baluarte da civilização ocidental e cristã, lia-se nos títulos de caixa alta dos jornais de Lisboa, que chegavam à província.

Lembras-te, de reler, as cartas apaixonadas que o teu pai escrevia à tua mãe, em papel bíblico, a tinta de cor verde, e belíssima caligrafia, com selo e carimbo do correio de Cabo Verde que ficava lá longe no ultramar dos pretinhos e dos missionários de barbas brancas:

“Maria, minha cachopa,
não me sais do pensamento,
assim que eu sair da tropa,
trataremos do casamento”.



80. Ias para o pequeno rio Grande brincar, o rio Grande da tua aldeia, apanhar as bugalhos dos carvalhos, enquanto o teu pai, o teu ídolo, jogava a ponta esquerda, coitado do sapateiro e campeão das damas, nunca passaria da cepa torta, por jogar à bola e a ponta esquerda num campo pelado, no campo pelado da vida, no campo de jogos da tua terra, ao domingo à tarde, com um cão a uivar na vinha vindimada do Senhor.

Ah!, o rio Grande que só era grande quando galgava as margens e se confundia com o mar, o grande oceano.


(Continua)



[1] Avental de pau  queria dizer as meias portas onde as mulheres do Bairro Alto  se mostravam…

[2] A Colónia Penal do Tarrafal, situada no lugar de Chão Bom do concelho do Tarrafal, na ilha de Santiago (Cabo Verde), foi criada pelo Governo português do Estado Novo ao abrigo do Decreto-Lei n.º 26 539, de 23 de Abril de 1936.

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Nota do editor:

(*) Últimos postes da série:

11 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20052: Manuscrito(s) (Luís Graça) (159): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte I - De 1 a 10 de 100 pictogramas)

13 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20056: Manuscrito(s) (Luís Graça) (160): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte II - De 11 a 20 de 100 pictogramas)

14 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20058: Manuscrito(s) (Luís Graça) (161): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte III - De 21 a 30 de 100 pictogramas)

15 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20060: Manuscrito(s) (Luís Graça) (162): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte IV - De 31 a 40 de 100 pictogramas)

16 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20064: Manuscrito(s) (Luís Graça) (163): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte V - De 41 a 50 de 100 pictogramas)

17 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20068 Manuscrito(s) (Luís Graça) (164): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte VI - De 51 a 60 de 100 pictogramas)

18 de agosto de  2019 > Guiné 61/74 - P20071: Manuscrito(s) (Luís Graça) (165): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte VII - De 61 a 70 de 100 pictogramas)

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20043: Fotos à procura de... uma legenda (116): Sabes, menino, o que é a Pátria ?


Lourinhã > 2012 > Bandeira Nacional pintada numa parede lateal de uma casa.  Autoria: PM, 10.06.06. Por essa altura, realizava-se o Campeonato Mundial de Futebol, na Alemanha, de 9 de junho a 9 de julho de 2006, em que Portugal participou. A pintura mural lá continua, 13 anos depois, cada vez mais desbotada...

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A Pátria

Menino, sabes o que é a Pátria?

A Pátria é a terra em que nascemos, a terra em que nasceram os nossos pais e muitas gerações de portugueses como nós.

É nossa Pátria todo o território sagrado que D. Afonso Henriques começou a talhar para a Nação Portuguesa, que tantos heróis defenderam com o seu sangue ou alargaram com sacrifício de suas vidas. É a terra em que viveram e agora repousam esses heróis, a par dos santos e de sábios, de escritores e de artistas geniais. A Pátria é a mãe de nós todos - os que já se foram, os que vivemos e os que depois de nós hão-de vir.

Na Pátria está, meu menino, a casa em que vieste à luz do dia, o regaço materno que tanta vez te embalou, a aldeia ou a cidade em que tu cresceste, a escola onde melhor te ensinam a conhecê-la e a amá-la, e a familia e as pessoas que te rodeiam.

Na Pátria estão os campos de ricas searas, os prados verdejantes, os bosques sombreados, as vinhas de cachos negros ou cor de ouro, os montes com as suas capelinhas brancas votivas.

A Pátria é o solo abençoado de todo o Portugal, com as suas ilhas do Atlântico (Açores e Madeira, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe...), as nossas terras dos dois lados de África, a Índia, Macau, a longinqua Timor.

Para cá e para além dos mares, é nossa Pátria bendita todo o território em que, à sombra da nossa bandeira, se diz na formosa lingua portuguesa a doce palavra Mãe !...

Fonte: Portugal, Ministério da Educação Nacional (1958) -  Livro de Leitura da 3ª Classe, pp. 5-6.

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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19713: Fotos à procura de... uma legenda (115): os nossos aposentos "bunkerizados"... com "climatizadores de pesadelos"!

segunda-feira, 25 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19620: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (7): O futebol e não só... O futebol faz parar a cidade... E se as mulheres guineenses parassem ?... Mais de metade da população morreria de fome.






Guiné-Bissau > Bissau > Março de 2019 >  As alegrias e as tristezas do futebol...


Fotos (e legendas): © Luís Oliveira (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).

1. Sétima crónica do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): é lisboeta,fezo Liceu Pedro Nunes, é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol, tem fortes ligações à minha terra natal, onde agora vivo, Lourinhã, Oeste, Estremadura...

Chegou a Bissau, a 2 de março de 2019, e aqui vai estar 3 meses como voluntário na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo.


Data - 21/03/2019, 12:57

Olá Luís

Mais uma crónica do futebol que partilhei contigo na Google Drive.

As fotos que seguiram sem qualquer legenda representam o naming do estádio Bom Fim, a mulher festejando o golo feminino e a baliza do estádio.

O Salinas também está representado tal como a programação.

Grande abraço,

Luís Oliveira
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Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (7): Guiné-Bissau e o Futebol...e não só


Não sendo o desporto da minha preferência, uma das coisas que iria abdicar quando decidi vir em missão de voluntariado seriam as visitas futeboleiras ao Estádio de Alvalade para ver o meu Sporting. 


Mais que o jogo, vale o convívio com amigos de longa data, as imperiais sempre frescas e a expectativa de uma grande exibição o que infelizmente para nós, sportinguistas, há muito tempo vai faltando.

Como será na Guiné? Num café à semelhança de Lisboa, porque com tantos aficionados do futebol, os guineenses de certeza que acompanham as diversas ligas da Europa, mas aqui não há os tais cafés ou tascas que proliferam em Portugal e em certas alturas tanto jeito dão. 

Perguntei ao Abubacar onde se podia ver futebol, pois o Sporting defrontava o Boavista e era uma boa forma de passar o serão melhor ainda se o meu clube sacasse os três pontitos que tanta falta estão a fazer.
Convidou-me imediatamente para o acompanhar ao “salon” porque também ele, sportinguista, não perdia o jogo por nada. Combinámos o encontro à porta do contentor e quinze minutos antes do jogo, à hora marcada o Abubacar apresentou-se tal como eu e sem prévia combinação com a lindíssima camisola de riscas verdes que é a cor da esperança.
” Para o ano é que é !”.

“Salon” I


O “salon” é apenas um armazém com cerca de cento e cinquenta metros quadrados. Cem Francos CFA para entrar e lá dentro uns bancos corridos, um mega LCD na parede e umas engenhocas estranhas onde estava incluída uma ventoinha apontada às box não fosse o jogo aquecer e aquilo dar para o torto.
Lá começou o jogo e logo no início da transmissão uma primeira paragem. Não se deveu por excesso de velocidade dos jogadores do Sporting, porque após a acção bem direcionada da ventoinha e das manobras mágicas do técnico, acompanhadas de pancadinhas na box, quando voltamos a ter imagem o Sporting já perdia por 1-0.
Como em todas as tascas em Portugal, um dos espectadores, certamente já precavido com as interrupções que aqui não são da responsabilidade do VAR, de banana no ouvido não perdia uma! Até deu com antecedência a noticia do invisível para nós golo Boavisteiro.

Jogo morno de pouca qualidade que finalmente chegou ao intervalo empatado. Em substituição da bica ou do gelado em Alvalade, o Abubakar brindou-nos com laranjas descascadas que uma mulher grande vendia à porta do “salon”.
Final do Jogo, 2-1 para o Sporting com pontapé de penalty polémico contestado por uns justificado por outros e semelhança do que acontece no estádio todos comentámos o jogo e as suas contingências. Não faltaram as críticas ao árbitro, ao posicionamento e empenho dos jogadores, às opções do mister Kaiser… Éramos todos treinadores de “salon” .

“Salon” 2

Dia de jogo da Champions que parecia estar a entusiasmar os guineenses e eu não percebia bem porquê, jogavam a Juventus versus Atlético de Madrid.

Confesso que em Espanha a equipa que mais admiro é o Atlético de Madrid, para além de ser o clube do povo republicano e inicialmente achincalhada pela elite aristocrática madrilena pelo seu equipamento às riscas se assemelhar ao colchões da época (colchoneros), rendo-me à garra, à ausência de galácticos e à personalidade combativa inspirada por Diego Simeone. Mas sendo o adversário a Juventus, agora a reboque do nosso Ronaldo, a minha escolha está feita porque nisto de futebol é impossível não tomar partido.


A Silvia e Nôno são aficionadas do futebol, a Silvia, filha de um brilhante futebolista, Pedro Barny, que jogou no Boavista e no meu Sporting na posição de central e chegou à Selecção Nacional de Portugal, também quiseram assistir ao jogo mas desta vez fomos acompanhados pelos nossos vizinhos do lado, familiares da Maia, proprietária da casa dos voluntários.

Os nossos companheiros atrasam-se, ou até já teriam partido sem nos chamar, mas um telefonema da Maia fez com que rapidamente nos viessem buscar e encaminharam-nos para outro “salon”. 

Dia de grandes jogos dois mega LCD (um para transmissão do Manchester City) mas o seu interior não diferia do primeiro onde estive, só que em dia de Champions e com Ronaldo a jogar, a coisa pia mais fino e a entrada aumentou para duzentos e cinquenta Francos.
O Salão estava a abarrotar já não havia lugares sentados e o “peão” era em qualquer lugar desde que houvesse uma nesga para espreitar o jogo. Ronaldo, muito mais do que acontece em Portugal, era o único responsável por toda aquela agitação que nos contagiava e elevava o nosso entusiasmo a níveis que nem todos as claques juntas de Portugal teriam capacidade.

A temperatura ultrapassava em muito os quarenta graus, transpirávamos por todos os poros e toda a gente cabeceava a bolas imaginárias tentando assim empurrar mais alto o Cristiano para que conseguisse por a “teimosa” dentro da baliza mas infelizmente o primeiro golo não valeu! 

À segunda foi de vez ...Gól!, Gól! Gól! Duzentas gargantas a gritar talvez quatrocentas pernas aos saltos, uma festa. Um ruído ensurdecedor.

Ao intervalo toda a gente veio para a rua onde os trinta graus da altura sabiam a frescura. Todos os espectadores receberam um bilhete de prova de pagamento para voltar a entrar, sendo nós (os voluntários) dispensados deste formalidade de segurança, não pelo facto de sermos voluntários, mas facilmente identificados por sermos os únicos brancos no “sálon”.

No grupo que se abeirou de nós para a conversa havia um adepto de Ronaldo especialmente entusiasmado que lamentava a ausência de jogo interior pela Juventus, fazia falta um dez como Modric, mas mesmo sem um dez Ronaldo é o maior e se ele fosse para Angola, jurava que passaria a ser angolano.
Lá recomeçou a partida e toda a gente sem ponta de cansaço. Incentivos permanentes e graças a eles, Gól! Gól!, Gól!. Ronaldo tinha marcado o segundo e passei a ver apenas metade do ecrã porque o movimento daquela massa humana já não me permitia ver mais. Dois golos eram insuficientes e eu já pedia a todos os santinhos que o Cristiano marcasse mais um porque não ia aguentar o prolongamento e devo ter sido ouvido porque mesmo no final do encontro uma falta para pontapé de penalty a favor da Juventus.

Ronaldo avança para o local da marcação. Vai ser mais um hat trick, afiancei às voluntárias e a bola entrou mesmo! Loucura total, apesar da falta de espaço toda a gente aos saltos, cânticos de aves que nunca tinha ouvido, uma alegria enorme, contagiante e pacifica que não me recordo de alguma vez ter vivido num estádio.

Concluí que Ronaldo é o nosso maior embaixador e devemos-lhe respeito e gratidão e encontrei naquele “salon” a verdadeira alegria do futebol que talvez apenas aqui tenha direito ao titulo de Desporto Rei.


“Katem salon” (Não há salão)

No dia da mulher, também celebrado na Guiné-Bissau, no Bairro Militar zona de Santa Clara, as mulheres resolveram mostrar su valor e desafiaram os homens para um jogo de futebol. O prélio não se disputou no Estádio Bom Fim, mas junto às tabancas onde moram e num terreiro que apesar dos buracos e outras irregularidades oferece espaço para a diversão e, a partir das quatro, quando o calor perda a força avançou a força da Mulher.

Duas pedras a fazer a marcação das balizas, equipamento ká tem e o que distingue os jogadores é o género e aqui não há supremacia, elas lutam com garra de igual para igual ignorando as normas sociais e a própria regulamentação do Estado que as condiciona e humilha.

Só assisti ao jogo até que a equipa da mulher marcou golo. GÓL!, GÓL! GÓL! Fiquei para assistir à festa do golo e após esta pequena vitória afastei-me para guardar a alegria com que elas me contagiaram. Para mim este resultado foi o final.

O jogo vai prolongar-se muito para além dos noventa minutos, talvez anos mas o desporto, neste caso o futebol, é um dos veículos de integração e que pode contribuir na via para a igualdade de género em todas as áreas da sociedade.

P.S. - O Sociólogo guineense Miguel Barros, investigador da ONG Guineense Tiniguena venceu o Prémio Humanitário Pan Africano em pesquisa de grande impacto social, neste refere a importância da mulher guineense na economia da família e do próprio País.
Alguns dados:

-30% das mulheres menores de idade escolar não frequentam o ensino.

-São as mulheres que trabalham no campo e quase tudo o que se consome na Guiné Bissau é produzido por elas. Trabalham em terras emprestadas ou concessionadas temporariamente. 

-Não têm acesso à propriedade, a própria lei do Estado não permite e mesmo no casamento quando a família oferece um dote, este ficará para sempre na posse do marido e na morte deste e na ausência de filhos a propriedade é herdada pelo irmão do falecido.(#)

Se as mulheres guineenses parassem, mais de metade da população morreria de fome.

(#) A religião muçulmana tem regras próprias que permitem à viúva a posse da propriedade, tratando-se de um dote, mas são frequentemente desrespeitadas.
Bissau, 21/3/2019 
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domingo, 30 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19345: In Memoriam (332): Armando Duarte Lopes (1920-2018): antiga glória do futebol guineense, morreu no passado dia 18 o "Búfalo Bill"; foi a enterrar na sua terra natal, o Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde (Nelson Herbert Lopes, EUA)



Gâmbia > Bathurst > 1953 > Comemorações da entronização da Rainha Isabel II, de Inglaterra > Foto da seleção de futebol da Província Portuguesa da Guiné > De pé, da esquerda para a direita, Antero Bubu (Sport Bissau e Benfica; capitão), Douglas (Sport Bissau e Benfica), Armando Lopes (UDIB), Theca (Sport Bissau e Benfica), Epifânio (UDIB) e Nanduco (UDIB); de joelhos, também da esquerda para a direita: Mário Silva (Sport Bissau e Benfica), Miguel Pérola (Sporting Club de Bissau), Júlio Almeida (UDIB), Emílio Sinais (Sport Bissau e Benfica, Joãozinho Burgo ( Sport Bissau e Benfica) e João Coronel (Sport Bissau e Benfica).

No 1º jogo, a seleção da Guiné ganhou à seleção da Gâmbia por 2-0, com golos de Joãozinho Burgo; no 2º jogo, as duas seleções empataram 2-2 (com golos, pela Guiné, de Mário Silva e Joãozinho Burgo). Antiga colónia inglesa, a Gâmbia acedeu à independência em 1965.

Legenda de João Burgo Correia Tavares: vd. livro Noberto Tavares de Carvalho -  "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita", Porto, edição de autor,  2011, p. 41.

Caboverdiano, da Ilha do Fogo, onde nasceu em 1929, Joãozinho Burgo era mais novo do que o Armando Lopes (n. 1920) mas dez anos  mais velho que o Bobo Keita (n. 1939). O auge da sua carreira é em 1960, com o apuramento da seleção de futebol da Guiné para a fase de qualificação para a disputa da taça Kwame Nkrumah.

Vencedora da Série D, a seleção guineense foi disputar a final em Acra, capital do Gana: além de Joãozinho Burgo, fizeram parte dessa equipa Bobo Keita, Júlio Semedo (Swift, guarda-redes), Antero 'Bubu', Vitor Mendes ('Penicilina'), 'Djinha', João de Deus, 'Chito', Luís 'Djató', 'Nhartanga' (que jogará depois em Portugal), entre outros...

O Joãozinho Burgo deixou de jogar na época de 1966/67, para de seguida ir tirar o curso de treinador, ainda em 1967, em Setúbal (onde teve como colegas de curso o José Augusto, o Coluna e o Cavém)

O Bobo Keita  (1939-2009), embora sportinguista de coração, assinou e jogou pelo Sport Bissau e Benfica, clube do seu pai, alfaiate... O mais interessante era verificar a grande popularidade que tinha o futebol nessa época, nomeadamente em Bissau, mas também no interior (Mansoa e Bafatá, por ex.).

O futebol, tal como o exército,  também foi um viveiro de militantes, combatentes e dirigentes ao PAIGC (Júlio Almeida, Júlio Semedo, Bobo Keita, Lino Correia...). Era interessante saber porquê...

O pai do nosso amigo e grã-tabanqueiro Nelson Lopes Herbert, de seu nome Armando Duarte Lopes, foi também, pois, uma antiga glória do futebol cabo-verdiano e guineense ("Armando Bufallo Bill, seu nome de guerra, o melhor futebolista da UDIB - União Desportiva e Internacional de Bissau. Também jogou no Sport Bissau e Benfica, de longe a melhor equipa de futebol da província,  e foi internacional pela selecção guineense.

Trabalhou depois na administração de portos da Guiné, e inclusive na   porto fluvial de Bambadinca, entre 1969 e 1971, na altura em que eu estive em Bambadinca, na CCAÇ 12 (julho de 1969/março de 1971). Tenho pena de o não ter conhecido pessoalmente, mas seguramente que nos cruzámos algumas vezes....


Foto: © Armando Lopes / Nelson Herbert (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].





Armando Duarte Lopes (Mindelo, 1920 - Mindelo, 2018),antiga glória do futebol de Cabo Verde e da Guiné


Fotos: © Nelson Herbert Lopes  (2018. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Monte Cara, Mindelo, S Vicente, Cabo Verde  >  Monte Cara é uma montanha na parte ocidental da ilha de São Vicente, Cabo Verde. Assemelha-se a um rosto humano olhando para o céu, daí o seu nome, o que significa 'Montanha do rosto'. Foto (e legenda) de cronologia da página do Facebook do nosso amigo Nelson Herbert. (Reproduzida aqui com a devida vénia).


1. Mensagem, com data de 26 do corrente, nosso amigo e grã-tabanqueiro Nelson Herbert Lopes [jornalista, nascido em Bissau, filho da antiga glória do futebol cabo-verdiano e  guineense, Armando Duarte Lopes, o "Búfalo Bill; vive nos EUA, onde trabalha ou trabalhou na VOA - Voice of America):

Meu Caro Luis

Espero que tenha tido um bom Natal cheio de surpresas agradaveis.

Estas linhas apenas para lhe deixar saber que infelizmente o meu “Velho” Armando Duarte Lopes faleceu no passado dia 18 de Dezembro com 98 anos de idade... e foi a enterrar na última sexta feira no seu Mindelo natal. Não resistiu a uma paragem cardíaca...

Um abrço e um Feliz Ano Novo.

Nelson Herbert

2. Comentário do nosso editor Luís Graça:

Tínhamos até agora uma meia dúzia de referências ao pai do nosso amigo Nelson Herbert Lopes (*). Chega agora ao fim da sua viagem terrena. 

Cabo-verdiano do Mindelo, nasceu em 1920 (ou em 1922 ?)  fez o serviço militar na sua terra natal, no RI 23. em 1943, na altura em que também lá estava, como expedicionário, o meu pai, meu velho e meu camarada, Luís Henriques (1920-2012):  ambos tinham uma paixão pelo futebol, e ainda é possível que se tenham conhecido...(**)

O RI 23 foi também a unidade onde prestaram serviço, como expedicionários durante a II Guerra Mundial,  o Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), pai do nosso camarada Hélder Sousa, e o Porfírio Dias (1919-1988), pai do nosso  camarada Luís Dias. (*)

Ao filho Nelson Herbert e demais família e amigos, ficam aqui registadas as condolências dos amigos e camaradas da Guiné que se sentam sob o poilão da Tabanca Grande. (***)

3. Mensagem de Nelson Herbert, de 20 de outubro de 2011,  21:05 (***)

Assunto: Futebol e Nacionalismo

Caro Luis

"As equipas de futebol deram bastantes militantes ao PAIGC... Era interessante saber porquê...No caso do Bobo Keita, foram decisivas as viagens ao estrangeiro (Ghana, Nigéria...) com a seleção nacional, até 1960, ano em que ele passou à clandestinidade"... E eis (mais) um capítulo da história da Guiné ainda por aprofundar !!!

Repare que a seleção de que Bobo Keita fazia parte, contava igualmente com um dos elementos fundadores do PAIGC, refiro-me pois ao cabo-verdiano Júlio Almeida (guarda redes, que deduzo estar na foto a que fez referência) , então técnico agrário da Granja de Pessubé, [onde trabalhou com] Amílcar Cabral !!!

A indicação e a consequente transferência de Júlio Almeida do futebol mindelense para a UDIB de Bissau foi iniciada, a pedido do clube guineense - creio que [no ínício dos] anos 50- pelo meu pai [ Armadndo Lopes], na altura de férias em S. Vicente, a ilha de natal de ambos.

Convém não perder de vista que, ante a então apertada vigilância da PIDE, a "bola" foi por sinal a via encontrada por Amílcar Cabral para a conglomeração, na periferia de Bissau, de guineenses e cabo-verdianos em redor de ideais nacionalistas.

E falando ainda de futebol, recordo ter lido em tempos no blogue um poste que fazia referência ao papel dos soldados portugueses na Guiné, na "massificação" do futebol naquela antiga província ultramarina.

Obrigado por partilhar!

Mantenhas

Nelson Herbert
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Notas do editor:

(*) Vd. por exemplo postes de;