Mostrar mensagens com a etiqueta lavadeiras. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta lavadeiras. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19239: Fotos à procura de... uma legenda (110): O sorriso da bajuda... (Virgílio Teixeira / Cherno Baldé)



Foto nº 6A > Belíssima imagem!... Um dos mais belos sorrisos (e seios) de bajuda do Gabu, que temos aqui publicado...




F6 – Uma bela bajuda lavadeira, até tirou o vestido para baixo, fui eu de certeza que lhe pedi, e outra mais novinha ao lado, e os seus rapazes a controlar tudo. Nova Lamego, Outubro 67.


Guiné > Região de Gabu > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Fonte de Nova Lamego > Fotos do álbum do Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM. (*)


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1.  O que é que cada um de nós na foto nº 6A ?

(i) Cherno Baldé:

Na foto n.6A está  uma Bajuda de Gabu, de etnia indefinida, a quem o Virgílio deve ter pedido para mostrar os seios para a fotografia, pois a posiçao do braço preso pela manga do vestido e a cara da mesma mostram que ela acedeu ao pedido sem grandes contrariedades, mas claramente embaraçada e pouco à vontade.

É isto que significa aquilo que parece ser um sorriso, mas que significa ao mesmo tempo uma cedência/recusa desafiante. 

Explicando melhor:  a posição dos lábios mostram desprezo pelo acto em si, sinalizado com a emissão de um som característico, ao mesmo tempo que os seus olhos brilhantes lançam um desafio ao Virgílio como quem diz: 'Era isto que querias, seu desavergonhado e depois?!'...

 (ii) O dono da foto (e da máquina que tirou a foto), o Virgílio Teixeira,  esclarece o contexto: "Uma bela bajuda lavadeira, até tirou o vestido para baixo, fui eu de certeza que lhe pedi, e outra mais novinha ao lado, e os seus rapazes a controlar tudo. Nova Lamego, Outubro 67".

(iii) Em legenda complementar, o editor do blogue, comenta: "Belíssima imagem!... Um dos mais belos sorrisos (e seios) de bajuda do Gabu, que temos aqui publicado"...

2.  Todos o(s) olhar(es) é(são) "etnocêntrico(s)"... O do Virgílio Teixeira, português, o do Cherno Baldé, guineense, o do editor, o do leitor... Toda a comunicação é complexa, em todas as espécies animais... A comunicação humana é ainda mais complexa porque junta à "natureza" a "cultura"...  Comunicamos por sistemas de  signos, a língua, a fotografia, a música, os cheiros, suportados por códigos próprios  (linguísticos, icónicos, musicais, sensoriais, etc.), que não são universais...

Uma foto não é a "realidade", mas um signo (ou um conjunto complexo de signos) que estabelece uma "relação" entre um significante e um significado... Algo que "fala" pela realidade... 

A foto nº 6A não é apenas a de uma lavadeira, bajuda, do Gabu, no leste da Guiné-Bissau (hoje,  no passado, Guiné, colónia portuguesa em guerra...) que mostra os seios a um militar português, a aparentemente a pedido deste, "para a fotografia"...  

O Virgílio Teixeira acrescentaria: "naturalmente, sem pudor"... E o nosso editor viu, ingenuamente, um "belo sorriso"... O Cherno Baldé, por seu turno,  dá importância à "postura corporal" e diz que aquele aparente  sorriso denota  ao mesmo tempo "uma cedência/recusa desafiante". 

É a leitura mais atenta, mais rica mas também a mais arriscada, podendo suscitar "contraditório".  Não deixa de ser tão "etnocêntrica" como a do Virgílio... Mas o Cherno tem, por si, a vantagem de pertencer à mesma cultura da bajuda fotografada:

(...) A posição dos lábios mostram desprezo pelo acto em si, sinalizado com a emissão de um som característico, ao mesmo tempo que os seus olhos brilhantes lançam um desafio ao Virgílio como quem diz: 'Era isto que querias, seu desavergonhado e depois?!' (...)

No nosso entender, o sorriso da bajuda pode ser tão enigmático como a da Giaconda...

Caro/a leitor(a): é a tua vez...Acrescenta a tua legenda à foto nº 6A.
________________

Notas do editor:

(*) 27 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19238: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LIII: As fontes e as lavadeiras de Nova Lamego

(**) Último poste da série > 31 de outubro de  2018 > Guiné 61/74 - P19151: Fotos à procura de...uma legenda (109): a GNR de ontem e de hoje, na Feira Saloia da Lourinhã, no passado dia 27 de maio de 2018... Ou os uniformes que também contam histórias... (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P19238: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LIII: As fontes e as lavadeiras de Nova Lamego


Guiné > Nova Lamego (ou Gabu) > Fonte de Nova Lamego... Aspeto parcial com ornamentação de azulejo português, pintado à mão, com a seguinte inscrição: «Fonte da Várzea CABO (sic) 1945». Obra do tempo do governador Sarmento Rodrigues (1945-1949).

Foto (parcial) de postal ilustrada: "Nova Lamego, Guiné Portuguesa".  Colecção "Guiné Portuguesa, nº 153". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL). 

A partir de exemplar da colecção do nosso camarada Agostinho Gaspar (ex-1.º cabo mec auto rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria.

Digitalização e edição de imagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).


Foto nº  1A > Fonte de Nova Lamego > Parcialmente visível o painel de azulejo português, pintado à mão, com a seguinte inscrição: «Fonte da Várzea CABO (sic) 1945». 


Foto nº 1 > Fonte de Nova Lamego, 28 de janeiro de 1968... O fotógrafo, no seu jipe, observa as lavadeiras, na véspera de completar 25 anos...


Foto nº 1B > Da inscrição no painel de azulejo (que representa um cavaleiro do Gabu)  só se lê as duas últimas letras, "ea", do topónimo "Várzea"


Foto nº 3 > Fonte de Nova Lamego, outubro de 1967


Foto nº 6 > Nova Lamego, lavadeiras, outubro de 1967


Foto nº 6A > Belíssima imagem!... Um dos mais belos sorrisos (e seios) de bajuda do Gabu, que temos aqui publicado...

Foto nº 7A > Nova Lamego, lavadeira bajuda no rio, fevereiro de 1968


Foto nº 2 A > Pormenor da lavadeira, com a sua lata, à direita, que servia para recolher a
água (. Parece ser uma lata de conservas, da manutenção militar.)


Foto nº 2 > Lavadeiras na Fonte de Nova Lamego, outubro de 1967


Guiné > Região de Gabu > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Fonte de Nova Lamego

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem enviado pelo Virgílio Teixeira, que vive em Vila do Conde:

Data - 16/11/2018, 13:28
Assunto - Tema T003 - As Fontes de Nova Lamego



Bom dia,  Luís,

(...) Eu vou continuando a construir 'pequenos temas' com meia dúzia de fotos, para ir enviando. Mas já temos alguns que estão desde Maio ou Junho e nunca apareceram, não sei porquê.

Gostava de saber se existem alguns temas ou fotos ou conversa, que não deva mandar, basta dizer e altero tudo num abrir e fechar de olhos.

(...) Mas para alternar, de guerra, armas, aviões, crónicas, minas, mortes etc, estou aqui eu com as minhas relíquias e os meus temas, para a malta ver as terras que não conhecem, tenho visto pedidos nesse sentido, e o tempo vai voando, sobre um ninho de cucos, e um dia isto acaba, e fica mais de metade do meu espolio por aparecer no Blogue.

Este exemplo, que volto a enviar - As Fontes - já muito falado há tempos, já foi corrigido 3 vezes desde Junho até esta data, Acho que poderia ser editado, para aliviar a malta, mas tens por aí mais, é só escolher.

Hoje é o "Dia Internacional da Tolerância". Por isso desculpa estas minhas lamentações ou o que quiserem chamar, tolerem-me estas lamechices.

Um BFS,
abraço, Virgílio


2. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)

CTIG / Guiné - Portugal 67/69 - Álbum de Temas:
T003 – A FONTE DE NOVA LAMEGO – GABU
AS NOSSAS LAVADEIRAS NA FONTE DE NOVA LAMEGO


I - Anotações e Introdução ao tema:


INTRODUÇÃO:

Estava a dar uma vista de olhos sobre as mais de 200 fotos de Nova Lamego. Pensei que é muita coisa para um Poste, temos de fazer coisas mais pequenas.

Observei pela primeira vez, apesar de já ter enviado estas fotos junto do Tema Nova Lamego – Parte I, a existência desta fonte, apesar de ter escrito tratar-se de uma fonte.

Como nos últimos tempos tivemos vários Postes sobre Fontes, aqui encontrei mais um para juntar aos restantes.

Na foto não se lê completamente o nome, o meu lema era fazer alguma fotografia com um fundo, neste caso o fundo foi a Fonte, mas as personagens são as lavadeiras que utilizavam aquela água para as suas lavagens, quer de roupa, quer para tomar banho.

Mas pode-se ler ainda duas letras ‘GO’ as duas últimas de Nova LameGO. Julgo que é, mas não vi lá mais nenhuma Fonte, para ali me deslocava tantas vezes para apreciar as bajudas, e ver a minha lavadeira Fátima, bonita q.b. 

[. Na realidade, a fonte chama-se ou chamava-se "Fonte da Várzea",  as letras que se vêem na foto nº 1 não são "GO" do topónimo "Lamego",  mas as duas últimas letras, "EA", do topónimo "Várzea"... Nota do editor, LG.]

Se alguém tem outras que contrariem esta imagem, pode fazê-lo, eu estou quase certo disso, embora a Fonte não fosse o meu primeiro objectivo da foto, como se pode ver.

Aproveitei para selecionar mais algumas, que têm a ver com o tema: Fonte, Lavadeira, Rio.

Espero que apreciem, tenho pena ser a preto e branco, uma delas a cores ficava bem, mas não tinha nessa altura ainda chegado às minhas mãos rolos a cores.

Obrigado, Virgílio Teixeira

II – As Legendas das fotos:

F1 – A Fonte de Nova Lamego e lavadeiras bajudas. Eu observo do Jeep. Nova Lamego,  28Jan68. No dia seguinte fiz os 25 anos de nascimento.

F2 – Grupo de lavadeiras nas águas da Fonte. Nova Lamego, Outubro 67.

F3 – Grupo de lavadeiras nas águas da Fonte. Nova Lamego, Outubro 67.

F6 – Uma bela bajuda lavadeira, até tirou o vestido para baixo, para a fotografia,   e outra mais novinha ao lado, e os seus rapazes a controlar tudo. Nova Lamego, Outubro 67.

F7 – Uma lavadeira Fula, na hora da minha despedida daquela terra, já tinha o cabelo rapado por causa da praga de piolhos. Acho que é a última daquela terra. Nova Lamego,  Fevereiro 68.

F8 - A Fonte de Nova Lamego e lavadeiras bajudas. Eu observo do jipe. Foto Original com legenda escrita na hora. Nova Lamego, 28Jan68. No dia seguinte completei os meus 25 anos (de juventude)

Em, 2018-06-18, Virgílio Teixeira

Revisto hoje novamente com alterações,

Em, 2018-09-13

Revisto hoje novamente com alterações, Em, 2018-11-16

Nota Final do Autor:

# As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir.#

Em, 2018-11-16

DIA INTERNACIONAL DA TOLERÂNCIA

Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ 1933 / RI 15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21Set67 a 04Ago69».
_______________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 21 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19216: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LII: Fez ontem 50 anos que o meu cmtd de batalhão, ten cor Armando Vasco de Campos Saraiva, foi gravemente ferido em combate, sendo evacuado para a metrópole... A minha homenagem à sua memória,

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P18989: (De)Caras (116): Sou dos que acreditam na história que o Cajan Seidi conta sobre o aniquilamento de cerca de vinte Homens Grandes da população de Jolmete, em 1964 (Manuel Carvalho, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70)






Guiné > Região do Oio > Jolmete > Caç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) > O grandalhão do Manuel Carvalho com a "lavadeira Melinha", a Amélia, hoje a 3ª mulher do Cajan Seidi, atual régulo de Jolmete, neto de Cambanque Seidi, o régulo de Jol que, em 1964, terá sido executado pelas NT, à frente de um grupo de duas dezenas de homens grandes, como represália pela sua alegada colaboração com o PAIGC. O  pai do Cajan, por sua vez, tinha sido morto pelo PAIGC, logo no início da guerra de guerrilha.


Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCaç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) >  "Baile, na recepção aos periquitos da CCAÇ 2585: a dançar,  a partir da esquerda,  um furriel mecânico, o Crista de costas e eu. A minha lavadeira já me tinha posto os palitos."


Guiné > Região do Oio   > Jolmete > CCaç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) >  Foto sem legenda: as "mulheres grandes" e a NT... Apoio médico-sanitário ?...  Nesta altura, a pouca população que existia, tinha sido "recuperada do mato"... Depois dos trágicos acontecimentos de junho/setembro de 1964, os sobreviventes (mulheres e crianças), ter-se-ão refugiado nas matas do Oio...


Guiné > Região do Oio  > Jolmete > CCaç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) >  Vista (parcial) da tabanca.



Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCaç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) >  "Eu, com o Dandi e o Martins na chegada da operação em que apanhamos o RPG2 e três armas". (Dandi, natural de Jol, no chão manjaco, capitão da companhia de milícias do Pelundo, agraciado com Cruz de Guerra pelo Gen Spínola em 1972, será fuzilado pelo PAIGC em 1975)

Fotos (e legendas): © Manuel Carvalho (2012). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do nosso camarada Manuel Carvalho (ex-fur mil armas pesadas inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70) ao poste P18988 (*):


(...) "Pois o Cajan foi um dos nossos valentes milícias de Jolmete,  conhecia muito bem a zona e foi muitas vezes o homem da frente, é bom vê-lo ainda com alguma saúde, também não andará longe dos setenta anos.

A Amélia que está na segunda foto de vestido rosa,  continua muito franzininha como era há 50 anos mas tratava muito bem da roupa de muitos de nós e até julgo que tinha algumas mais velhas,  suas colaboradoras. Quem quiser ver como ela era há 50 anos,  tenho uma foto com ela ao colo no poste P10191 (**).

Sou dos que acreditam na história que o Cajan conta sobre o aniquilamento de cerca de vinte Homens Grandes da população de Jolmete. (***) (...)

2. Excerto do poste P10191:

(...) Ao ler as estórias e ver as fotos do Augusto Santos, de Jolmete do ano de 72, lembrei que tenho fotos de Jolmete do inicio de 68 quando nós,  CCaç 2366,  lá chegamos. Sei que pelo menos o Augusto Santos o Manuel Resende e o Firmino vão gostar de ver algumas diferenças.

Como podem ver em Jolmete até bailes fazíamos,  foi a recepção aos periquitos da CCAÇ 2585: a dançar da esquerda um furriel das viaturas, o Crista de costas e eu. A minha lavadeira já me tinha posto os palitos. (...)

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P18987: Estórias do Zé Teixeira (47): Binta - a lavadeira do alfero Barbosa (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Em mensagem do dia 1 de Setembro de 2018, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos mais uma das suas estórias, esta metendo parasitas difíceis de controlar.


ESTÓRIAS DO ZÉ TEIXEIRA

47 - A Binta 

Estávamos nos primórdios dos anos sessenta do século vinte. A Guiné vivia, segundo os políticos do Estado Novo, em paz. Uma paz podre, sobretudo depois do massacre do Pidjiguiti em que alguns trabalhadores portuários de Bissau se puseram na mira da Mauser da tropa colonial ao revindicar melhorias no seu salário de miséria que as empresas, protegidas pelo sistema colonial, lhes impunham. Os tiros assassinos fizeram acordar Amílcar Cabral e alguns guineenses. Havia muito a fazer para libertar um conjunto díspar de povos, unidos por uma força secular que lhes era estranha, tanto quanto a sua cor, os seus costumes, formas de ser e agir - os portugueses colonialistas, não o povo português, simples e afável que ele tão bem conhecera quando estudou em Lisboa.

Binta era uma bajudinha de nove anos, com corpo de mulher, esbelta de olhos negros e penetrantes, onde os seios teimavam em furar pela sua pele, indiciando o fruto que começava a amadurecer. Habituada desde pequenina a tratar dos dois irmãos mais novos, sentia agora a necessidade de olhar para si. Já era uma mulherzinha, disse-lhe a mãe com um sorriso preocupante, ao mesmo tempo que a apertava entre os seus braços, naquele fim de tarde em que estando as duas a tomar banho na bolanha, a mãe notou a sua mudança física.

Como ela gostava de cantar e dançar ao som do batuque que o Braima Cassamá, filho do chefe da tabanca vizinha, tão bem tocava acompanhado pelo assobiar estridente da pequena gaita que sustinha nos lábios! Era tempo de paz no Regulado. Todos os momentos eram bons para fazer festa. Quando a chuva caía e regava as lalas, ou o sol ardente persistia para amadurecer os frutos; nos tempos das semeaduras ou nos tempos das colheitas; quando alguém casava e quando alguém iniciava o ciclo da vida. Tudo era tempo para festas, até quando alguém partia para a eternidade. O ritmo que o Braima impunha através dos instrumentos que tangia ferozmente eletrificava-a e o seu corpo, todo ele gingava. Gingava como o gigante poilão que crescera no centro da tabanca, quando açoitado pelo vento da tempestade, para logo depois entrar na acalmia que permitia com que a passarada fizesse dos ramos o seu poiso e chilreasse harmoniosamente um hino ao criador. E sonhava...

O Braima, então com dezassete anos, andava de tabanca em tabanca animando as batucadas. Já tinha posto o olho na bajudinha e na sua graciosidade, quando se embrenhava no mato e ia até à sua tabanca para animar as festanças. Saltara-lhe à vista e até já tinha sonhado com ela. Ele, graças ao seu pai, era um jovem de vistas largas, tinha aprendido a ler e escrever nas freiras que abriram um externato para rapazes na sua tabanca. Dizia o pai que as horas que ele roubava ao trabalho na lala, havia de ser compensado no futuro longo e feliz que augurava para o rapaz, já de si esperto que nem um leão e ágil que nem uma gazela.

Mas tudo mudou quando chegaram os emissários do PAIGC. Falaram com o régulo e com os chefes de cada uma das tabancas. Disseram ao que vinham – libertar o povo da exploração colonial – Queriam a adesão da população ao seu projeto de luta, mas não foram entendidos, e muito menos atendidos. Aquele povo vivia em paz, a paz possível na terra, que com seu amanho ia dando o pão para matar a fome. – Para quê a guerra que ia destroçar o bem-estar? Para quê lutar, se nasceram portugueses, como tantos outros que já estão na terra da verdade? A guerra traz morte, traz fome, traz dor, insegurança e destruição. Rouba-nos a juventude e a alegria. destrói as nossas lalas. De que vamos viver? – assim falou o régulo, amante do seu povo, que leu o perigo que se avizinhava.

Os emissários violentaram alguns dos chefes de tabanca e ameaçaram com a morte os cobardes que se recusassem a aderir ao movimento pela libertação e independência da Guiné. Prometeram voltar e o povo ficou com medo.

Uns dias depois, um capitão do exército português rodeado por um grupo de soldados bem armados apareceu na região. Chamou o régulo e os chefes de tabanca. Imponente na sua farda, de pistola à cintura e pingalim na mão, começou por censurar asperamente os presentes, por terem dado ouvidos aos inimigos da Pátria – um bando de cobardes comunistas que querem destabilizar a província, mandatados e armados pela União Soviética e pela China que se querem apoderar da Guiné para a explorar os seus povos, agora, que está pacificada, graças a Deus. Ai daquele ou daquela que ousar dar-lhe ouvidos e cobertura! Nós não teremos dó nem piedade. Como Teixeira Pinto cortaremos a direito até à morte, se for necessário. – Assim falou o capitão a quem ninguém conseguiu ver a cor dos olhos, porque os óculos escuros o impediam. Respondeu-lhe o Régulo com a sua calma e conhecimento de causa. - Nós não queremos a guerra que só traz morte e desolação, queremos a paz, mas também não queremos imposições. Deixem-nos viver em paz, apenas pedimos isso. Muito pouco afinal -. O capitão partiu e o povo ficou em silêncio. Acabaram-se as festas, as batucadas. Fecharam-se nas moranças e choraram o futuro que se avizinhava.

E o PAIGC voltou. Juntou todos os homens grandes do Regulado. Alguns foram arrastados à força para ouvirem as “ordens” do chefe. A censura ao Régulo por ter acolhido e ouvido os militares colonialistas foi brutal. Se o voltassem a fazer seriam severamente castigados e como prova de que não estavam a brincar, ali mesmo deram violentas chibatadas em alguns dos presentes que ousaram defender timidamente a ligação aos portugueses. Depois, o chefe ditou as leis do Partido:
- As tabancas deviam, a partir daquele momento, obedecerem apenas ao PAIGC.
- Deviam recusar a pagar o imposto ao colonizador.
- Os colonialistas deviam ser expulsos à catanada, porque aquela terra não era dos portugueses.
- Os chefes de tabanca deviam tomar providências para enviarem os mancebos para servirem a pátria livre nas forças que se estavam a organizar para combater o opressor.
- A partir daquele momento deviam partilhar os seus produtos agrícolas, nomeadamente arroz, com as forças de libertação.

Como vieram, assim partiram, levando com eles alguns mancebos sob prisão para enfileirarem nas suas forças e os sacos de arroz que conseguiram localizar, deixando aquela gente apoderada pelo medo, e os chefes divididos entre aceitar as regras que o PAIGC impunha ou continuarem fiéis a Portugal e ao homem grande de Bissau.

Braima foi obrigado a partir integrado no grupo de mancebos raptados e ao despedir-se do pai, disse-lhe, ao ouvido, que queria casar com a Binta, a bajudinha filha do Iero Embaló. Mamadu, seu pai apertou-o contra o peito e jurou por Alah que ela seria a mulher do seu filho.

Reunido à volta do poilão com os chefes de tabanca e homens grandes, o régulo procurava as soluções possíveis, perante as ameaças do Partido e dos militares portugueses. As mães choravam os filhos que partiram para o desconhecido, exigiam soluções para que as suas crianças voltassem - Não queriam vê-los envolvidos numa terrível guerra que já adivinhavam. O régulo manteve-se fiel a Portugal e incentivou os presentes a manterem-se firmes enquanto ele ia à cidade falar com o Administrador e pedir apoio para defesa do seu povo.

Não teve tempo, pois logo apareceu o capitão com os seus homens, incluindo um civil. Berrou, berrou, distribuiu algumas coronhadas e por fim levou, presos para averiguações, o Régulo e dois chefes de tabanca. Quando regressaram uns dias depois ilibados de qualquer acusação, foram recebidos em festa que logo se desvaneceu. O “branco”, como eram conhecidos os portugueses, exigia fidelidade, ameaçava com violência e a destruição das tabancas se o Partido voltasse a ser recebido. Apenas promessas vagas de que estariam atentos e a tropa andaria por perto para defender as tabancas que lhe fossem fiéis. As outras seriam destruídas implacavelmente.

A Binta transformou-se numa linda bajuda. Seu corpo queimava e o seu espírito voava para o Braima, o seu amado que tinha desaparecido. Entretanto, o pai do Braima foi ter com o seu pai e contratualizou o casamento por duas vacas e três carneiros, logo que a Binta assumisse a sua condição de mulher, ou seja, tivesse as primeiras regras e o Braima voltasse...

Nem sonhava que ele estava destinado a ser o seu marido. Quando a mãe lhe disse, só se lembra de ter chorado de alegria, mas as regras da comunidade exigiam recato e cuidados dobrados, agora que estava quase pronta para assumir o noivado. Não podia comunicar com o Braima, muito menos encontrar-se com ele. Que calvário! - pensou e as lágrimas começaram a deslizar pela face bronzeada sempre que conseguia isolar-se. Era o homem da vida dela. Que sorte a sua, tão diferente da da sua irmã que fora obrigada a casar com o Aliu. A segunda mulher de um homem velho que trabalhava para os portugueses e ganhava muito dinheiro, mas era um velho.

O tempo foi passando. O Braima fora levado para Conakry onde fez o treino militar e passados uns meses seguiu para a China para o curso de minas e armadilhas, enquanto o seu cérebro era bombardeado por toda uma doutrinação contra o branco português, que colonizava violentamente o seu país, massacrando o seu povo. Muitas promessas de liberdade pelo meio. Promessas que ele, nos primeirs tempos, não entendia, pois sempre se sentira um homem livre. Também não via violência no seu pequeno mundo, onde o branco só parecia para cobrar o imposto, e os comerciantes para levarem os produtos agrícolas que produziam na lala, deixando algum patacão como pagamento. Nesses dias havia sempre festa ao cair a noite.

Assim se perdia no tempo ao pensar no passado feliz que tivera junto dos seus. O coração traía-o continuamente. Lembrava-lhe os pais, os amigos, as batucadas que tanto gostava de animar, as chuvas que davam vida à terra, o sol que amadurecia os frutos do seu trabalho e... a Binta. Pois, a Binta?! Teria o seu pai cumprido a promessa? Como fazer para voltar à sua tabanca?

Mas se o Partido afirmava que o “tuga” era um colonialista explorador, então vamos expulsá-lo. Mesmo sem saber o sentido pleno destas palavras o Braima transformou-se num combatente da liberdade e ganhou a confiança dos seus superiores.

O Partido ganhou punjança, alimentado pela URSS e pela China com o apoio velado do mundo ocidental que há alguns anos, contrariamente ao que Portugal defendia, tinha optado por dar a “independência” aos povos africanos, que dominaram durante séculos. A guerra tornara-se uma realidade sangrenta. O PAIGC desenvolvia ataques sistemáticos contra as populações que não aderiram ao seu projeto. Duas tabancas foram queimadas e os habitantes foram raptados para engrossar as forças combatentes. Ficaram os velhos e algumas crianças que se refugiaram junto da tabanca do régulo. As F.A. de Portugal colocaram no local uma companhia de atiradores que se distribuíram por três tabancas, mantendo-se em movimento contínuo de vigilância, quer junto das populações que se afirmavam fiéis, quer na mata que as circundava para evitar, o mais possível, as surpresas dos “turras”. Os ataques iam-se sucedendo provocando sofrimento e dor. O número de feridos e mortos, bem como moranças queimadas ia crescendo, apesar dos “roncos” que a tropa e a milícia local faziam junto dos inimigos da pátria, como afrirmava o comandante militar. Não se vislumbrava o fim da terrível castástrofe que se abatera sobre aquele pacífico povo.

 - Binta! Binta!

O coração deu um pulo. Já se tinham passado uns anos, mas aquela voz estava-lhe gravada no coração. Era ele, o Braima que a chamava do meio da floresta, ou estaria a sonhar?! Tinha de se manter calma e avisá-lo do perigo. Olhou na direção do som. Fez um sorriso e mexeu os lábios pedindo silêncio. Não viu o Braima, mas sentiu-o a seu lado e o seu corpo vibrou de emoção. O coração quase a traiu, mas o Alferes Barbosa, que a cotejava, estava ali por perto a vê-la lavar a sua roupa, no pequeno riacho que passava ao lado da tabanca.

O Barbosa adorava a bajuda. Tentara todas as formas possíveis para a conquistar. A Binta defendia-se afirmando que estava comprometida com o filho do Mamadu Camará, o chefe da tabanca vizinha que era atualmente o sargento comandante da milícia na sua tabanca, sob o comando e orientação do Barbosa. Afirmava – mentido – que o seu noivo era soldado do exército português e cumpria tropa em Bolama. Mantinha-se assim intocável e respeitada pelos soldados de quem era lavadeira para ganhar algum patacão. Iria precisar de dinheiro para contituir família quando o Braima regressasse, pensava ela. Sofria em silêncio e acreditava que a guerra acabaria um dia, ou fugiria para o mato ao encontro do seu amado e prometido marido.

Tentou manter a calma. Acabou de lavar a roupa do alferes, enviou-lhe um sorriso matreiro e correu para casa. Pôs a roupa a secar, voltou ao rio para tomar banho e esperou pelo lusco-fusco. Então cobriu-se com o mais lindo pano, pôs o lenço mais garrido na cabeça e perfurmou o corpo. Aproveitando a hora do rancho dos militares, abandonou a tabanca. Embrenhou-se na mata e desapareceu para sempre dos olhos do Barbosa.

************

Passados quarenta e dois anos, o Barbosa ganhou coragem e partiu com um grupo de antigos combatentes para a Guiné-Bissau numa romagem de saudade. Aquele povo ficara-lhe gravado na alma e com o correr dos tempos ganhou novas formas no seu coração, já cansado. Os locais onde sofrerera os horrores da guerra perseguiam-no. O olhar daquelas crianças assustadas, os gritos e as fugas para os abrigos bailavam na sua mente. Precisava de lá voltar, ver as pessoas, dizer-lhe que nunca as esquecera, que as amava. E a Binta! Ai a Binta, a mulher mais bonita que conhecera em toda a sua vida.
Onde estará?

Chegados a Bissau, logo alugaram uma viatura e partiram para o interior. Fixaram-se no Saltinho e partiram de novo em peregrinação pelas picadas de outrora, na Mata do Cantanhez, ao encontro das pessoas que ansiavam rever, numa ânsia de respostas a muitas perguntas que teimavam em lhe queimar os neurónios.

- Alfero Barbosa! Lembras-te do Mamadu Cassamá?

O Barbosa, procurou a voz que surgira atrás de si e deparou com uma senhora que lhe sorria. Bem constiuida, vestia um longo e colorido vestido, onde o verde alface predominava como fundo e as flores vermelhas parece que se projetavam no espaço ao encontro dos olhos espantados do Barbosa. O lenço colocado com todo o esmero dava-lhe um aspeto solene, de mulher dominante.

Quem será esta mulher que passados quarenta e dois anos me reconheceu? - foi a primeira pergunta que lhe surgiu. Enquanto a mirava, sentiu o coração estremecer de emoção.

- Sim lembro-me, respondeu com a voz trémula, era sargento da milícia, ainda é vivo? Gostava de lhe dar um abraço.
- Pois... E não te lembras de mim?
- Confesso que... O coração gritava-lhe qualquer coisa, mas não conseguiu decifrar a mensagem. Ficou confuso
- Não te lembras da Binta, a tua lavadeira?
- És tu?! Ó mulher da minha vida! Correu para ela e abraçaram-se longamente. As lágrimas, essas, não deram tréguas e deslizaram suavemente pelas faces de ambos. Seguiram de mão dada até à casa dela, onde o Braima, deitado na rede, fumava o seu cachimbo.
- Este é o filho do Mamadu, o meu marido. Braima Cassamá.
- O tal que estava na tropa em Bolama?
- Nunca estive em Bolama. Eu era bandido, estava ali na mata. Respondeu o Braima com um sorriso, estendendo-lhe a mão para um cumprimento efusivo.
- Ah! agora entendo porque desapareceste minha marota!

E juntaram-se os três num fraternal abraço.

José Teixeira
____________

Nota do editor

Último poste da série de 6 DE MARÇO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18383: Estórias do Zé Teixeira (46): Uma chapelada de piolhos (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18869: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte II: A fonte da colina de Madina: mais fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné > Região do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68) > 1967 >  A "Fonte da Colina de Madina"... Na foto nº 1, o fotógrafo...

Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Manuel Coelho, com data de 23 do corrente, às 19h45;

Para quem esteve nessa zona de guerra, pelo menos para mim, pouco nos diz as fotos e vídeos do Patrício Ribeiro, a não ser um ou outro pormenor que se reconhece (*).

Parabéns pelo esforço (conseguido) de mostrar uma região tão importante para nós como para o PAIGC. Quem sobreviveu aqui a este conflito não esquece, fica marcado no nosso pensamento e,  mesmo após 50 anos. ainda dói!

Quem dera ter a veia poética do Luís ou de outros camaradas para explicar em verso o calvário de meses de isolamento, com  falta de reabastecimento, ataques diários, etc...

Para comparar envio mais algumas fotos [, inéditas,  ] do meu álbum, começando pela da célebre "Fonte da Colina de Madina" [, que ainda lá está] (*)...

Em relação a esta fonte, ela servia não só para fornecer os bidões para banho como para as lavadeiras fazerem o seu trabalho. Para beber tinha de se ferver ou desinfectar devidamente.

(Continua)


2. Comentário do nosso editor LG:

Até à data o Manuel Coelho é quem tem as melhores fotos de Madina do Boé... Recorde-se que ele foi fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68), também alinhava nas saídas para o mato,  vive em Paço de Arcos, desde 1969, mas nunca esquece a sua querida  terra, Reguengos de Monsaraz.

Os "tufas", os bravos da CCAÇ 1589 (**) reuniram-se este ano em 26 de maio passado.  Vou pedir ao Manuel Coelho que nos mande umas fotos desse convívio.
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18863: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (8): Os meus passeios pelo Boé - Parte II: 1 de julho de 2018: Béli (e a Fundação Chimbo Daribó), Dandum, Madina do Boé, Canjadude..

21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18861: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché

(**) Último poste da série > 24 de julho de 18 > Guiné 61/74 - P18867: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte I: seleção de fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18723: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte III: Reordenamentos & Casamentos... Ou quem casa, quer casa...


Foto nº 12



Foto nº 11


Foto nº 13


Foto nº 14


Foto nº 15


Foto nº 16


Foto nº 17


Foto nº 18


Foto nº 19


Foto nº 20


Foto nº 21

Guiné > Região Cacheu > Bula > Ponta Consolação > CCAV 2639 (1969/71) > Capunga > 3º Grupo de Comnbate

Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendag complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

António Ramalho

1. Continuação da publicação do álbum de António Ramalho, ex-fur mil at cav,  CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), membro da Tabanca Grande, nº 757, natural de Vila Fernando, Elvas (*):

CCav 2639 > Guiné 1969/1971 > Listagem de fotos (11 a 21/55)

11. Capunga > Os meus 22 anos com amigos.

12. Cpunga > A minha linda lavadeira Maria que me acompanhou até Bissum.

13. Capunga >  Matéria-prima para o reordenamento.

14. Capunga  > Reordenamento > Fases de Construção.(I)

15. Capunga > Reordenamento >  Fases de construção. (II)

16. Casamento em Capunga >  A noiva.

17. Casamento em Capunga > A bebida.

18. Casamento em Capunga > O Escanção.

19. Casamento em Capunga > Os  convidados.

20. Casamento em Capunga> O serviço de Catering.

21. Casamento em Capung >  Malaque pai da Sandra, Homem Grande da Tabanca. 

(Continua)
______________

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17215: (De) Caras (62): A lavadeira Miriam e o furriel Mamadu... Comentários: da misogenia ao levirato, da tragédia da infertilidade feminina ao sexo em tempo de guerra...



A Miriam e o furriel Mamadu


Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao último poste do Mário Fitas (*)


[Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô; foto atual, à direita]


(i) Valdemar Queiroz:

Belo texto.
Esquisita aquela passagem 'apesar de ser negra Mariam não era nada de desperdiçar' Não percebo por que é que por ser uma mulher negra tinha que ser desperdiçada?  Mas desperdiçada de quê? (Por cá dizemos o mesmo, mas não é por ser branca)
Ainda bem que naquela pequena tabanca (o Mamudu não sabia se fula ou mandinga ?) a população dominava perfeitamente o crioulo e até o Aqueba tocava kora, mas, estranhamente, nada sabia da infertilidade das mulheres.
Venham mais textos
Valdemar Queiroz

5 de abril de 2017 às 18:46

(ii)  Tabanca Grande:

Mário, é um texto "corajoso", em que te expões, dás a cara... Concordo com o Valdemar, é um pouco "infeliz" a tua observação: "apesar de ser negra, Miriam não era nada de desperdiçar"... Tal como aquela outra, mais à frente: "ao fim de quinze dias na Guiné, as negras começam a ficar brancas”...

Bom, a Miriam é uma grande mulher e se ela foi tua lavadeira e amante, foste um tuga, além de "balente", com sorte na guerra e nos amores... Tiro-lhe o quico, a ela e ao Mamadu!

O teu texto é prosa e da boa. É literatura, é ficção, memso com um fundo autobiográfico. E o romancista, o novelista, o contista, não tem que ser "politicamente correto"!... Hoje temos dificuldade em abordar, com frontalidade, as questões de género...

Muitos de nós, na época, "pensavam" o mesmo... De resto, a misogenia (e o racismo) está ainda bem presente em muitos provérbios e outros lugares comuns da língua portuguesa... Aqui vai uma mão chão deles, selecionados por mim:

"A mulher e a mula o pau as cura";

"A raposa tem sete manhas e a mulher a manha de sete raposas";

"Até aos vinte, evita a mulher; depois dos quarenta, foge dela";

"Com mulher louca, andem as mãos e cale-se a boca";

"Da cintura para baixo não há mulher feia";

"De má mulher te guarda e da boa não fies nada" (Séc. XVI);

"Debaixo da manta tanto faz a preta como a branca";

"Desejo de doente, visita de barbeiro, serviço de mulher";

"Dia de Santo André, quem não tem porcos mata a mulher";

"Foge da mulher que sabe latim e da burra que faz ‘im’…";

"Frade e mulher - duas garras do diabo";

"Frade, freira e mulher rezadeira - três pessoas distintas e nenhuma verdadeira";

"Hábito de frade e saia de mulher chega onde quer";

"Guarda-te do boi pela frente, do burro por detrás e da mulher por todos os lados";

"Guarde-vos Deus de moça adivinha e de mulher latina" (Séc.XVI);

"Mulher beata, mulher velhaca";

"Mulher doente, mulher para sempre";

"Mulher não se enceleira: ou se casa ou vai ser freira";

"Mulher se queixa, mulher se dói, enferma a mulher quando ela quer";

"Não provam bem as senhoras que se metem a doutoras";

"O homem deve cheirar a pólvora e a mulher a incenso";

"Para perder a mulher e um tostão, a maior perda é a do dinheiro";

"Para se encontrar o Diabo não se precisa sair de casa";

"Três coisas mudam o homem: a mulher, o estudo e o vinho";

"Vaca triste e pançuda não presta e não muda".

Fonte: Graça (2000) -

http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/textos76.html

Já quanto à Miriam ter sido "herdada" pelo velho sargento de milícias Aqueba Baldé, por morte do marido, temos que ter alguma "cuidado" com a palavra... O nosso Cherno Baldé é capaz de te vir dizer que a lei islâmica proibe que uma mulher seja "herdada"... Mas uma coisa é a lei e outra a prática social dos fulas, há meio século atrás...

Em todo o caso estamos perante um caso de levirato, que remonta ao antigo Testamento: é um tipo de casamento no qual o irmão de um falecido é obrigado a casar com a viúva de seu irmão, e a viúva é obrigada a casar com o irmão do seu falecido marido.

O casamento levirao foi (e continua a ser) praticado por sociedades com uma forte estrutura tribal e clânica em que o casamento fora do clã (exogamia) era proibido. A prática é semelhante à "herança" da viúva, em que os parentes do falecido marido podem decidir com quem a viúva pode casar.

O termo deriva do latim "levir", o "irmão do marido".

5 de abril de 2017 às 20:06
 

(iii) Tabanca Grande: 

"Jarama" ou "djarama" em fula quer dizer obrigado...

O que é que o velho sargento de milícias queria dizer com a frase:
-Jaramááááá… furiel Mamadu qui na bai na mato e cá tem medo, Jaramááááá!...

Mário, levantas outra questão interessante, e aqui pouco abordada, o uso de "mezinhas" contra bala do inimigo... É interessante a tua descrição do ritual a que o furriel Mamadu foi submetido, com o propósito de "fechar o corpo" contra as balas... Era uma prática "animista", corrente na Guiné... Toda a gente usava "amuletos", tanto os cristãos, como os muçulmanos como os animistas, a começar pelo 'Nino' Vieira... E o pobre do Amílcar Cabral, que combatia a prática "irracional" dos amuletos, também devia usá-los... Se calhar as balas da Kalash do "traidor" Inocêncio Kano não lhe teriam entrado no corpo, na noite de 20 de janeiro de 1973...

5 de abril de 2017 às 20:46

(iv)  Tabanca Grande

O que diz a Bíblia, Antigo Testamento, sobre o levirato:

Deuterónimo, 25: 5-10

5. Se alguns irmãos habitarem juntos, e um deles morrer sem deixar filhos, a mulher do defunto não se casará fora com um estranho: seu cunhado a desposará e se aproximará dela, observando o costume do levirato.

6.Ao primeiro filho que ela tiver se porá o nome do irmão morto, a fim de que o seu nome não se extinga em Israel.

7.Porém, se lhe repugnar receber a mulher do seu irmão, essa mulher irá ter com os anciães à porta da cidade e lhes dirá: meu cunhado recusa perpetuar o nome de seu irmão em Israel e não quer observar o costume do levirato, recebendo-me por mulher.

8.Eles o farão logo comparecer e o interrogarão. Se persistir em declarar que não a quer desposar,

9.sua cunhada se aproximará dele em presença dos anciães, tirar-lhe-á a sandália do pé e lhe cuspirá no rosto, dizendo: eis o que se faz ao homem que recusa levantar a casa de seu irmão!

10.E a família desse homem se chamará em Israel a família do descalçado."

Deuteronômio, 25 - Bíblia Católica Online

Leia mais em: http://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/deuteronomio/25/

5 de abril de 2017 às 20:57

(v)  Tabanca Grande:

Mário, a tua "Miriam" dá... pano para mangas!... Levantas outra questão que é uma tragédia em África, a da infertilidade "feminina"...

A cultura africana, e nomeadamente subsariana, impõe aos casais uma prole numerosa. Os filhos são a principal riqueza de um homem. E o papel da mulher é a reprodução. A mulher infértil (... não há homens infertéis!) é vítima de discriminação, estigmatizados, marginalização social, rejeição. Sem um filho biológico, a mulher cai facilmente no círculo vicioso da pobreza e da marginalização... Na África subsariana, a proporção dos casais inférteis é muito alta (quase um terço dos indivíduos em idade fértil, segundo estima da OMS - Organização Mundial de Saúde.

Miriam, provavelmente, também sentia culpa e vergonha por não ter filhos... E desejo de os ter, mesmo que fosse um "filho do vento"... Mal sabia ela que os não podia ter...

Mário, é comovente o desfecho da história:

(...) Regresso junto ao pântano, fizeram conversa giro com aquele como fundo. O furriel esquecendo o carregamento e camaradas sentiu-se na obrigação de partilhar alguma coisa com aquela mulher-criança. O corpo de Miriam estremeceu, sentiu algo de novo que nunca tinha conhecido e a lavadeira chorou. As causas ninguém as saberá. No espírito e corpo Miriam nunca mais esqueceria aquele momento em que não houve cor, raça ou fêmea, mas simplesmente foi considerada mulher a corpo inteiro, a quem a sua própria crença e raça tinham castrado, retirando-lhe parte desse estatuto de um ser livre. E acreditou que teria sido o momento do seu sonho. Pelo contrário o militar sentiu-se safado e triste por utilizar os seus instintos brincando com os sentimentos de um ser humano.

Perdoa, mulher negra, mas o teu sonho não será realizado nem por branco safado nem por outro homem qualquer. Serás eternamente uma flor que não transformará a sua polinização em fruto. (...) (**)

_________________

Notas do editor:


quarta-feira, 5 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17209: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XIX Parte: Cap X - Miriam quer fazer cumbersa giro com furiel Mamadu


A bela mas estéril Miriam

Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados
 [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

[Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]

Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XVIII Parte > Cap IX - Guerra 2 (pp. 62-66)

por Mário Vicente

Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele.

Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XIX Parte: Cap X: Miriam (pp. 61-66)


X Miriam

Cada Povo tem os seus rituais para exorcizar o medo da morte. Mas é a morte que está sempre presente na guerra.

Miriam, sendo fula, apresenta como é natural as características gerais desta etnia. Feições perfeitas cor de ébano, alimenta-se de arroz, fruta, carne,  exceptuando porco, e abusa um pouco da cola. De origem nómada,  convertida ao islamismo, tem regressões ao feiticismo e foi herdada pelo sargento de milícia Aqueba Baldé, homem já de uma certa idade, por morte de seu irmão, conforme a lei e tradição fula. Relativamente nova, sem definição de idade, andará pelos vinte, vinte e um anos. Seios pequenos mas levantados, apesar do uso do pano para os quebrar, é demonstrativo que ainda não teve filhos.

Caracterizando por alto, eis a lavadeira que o chefe dos Vagabundos conseguiu, tendo talvez aqui começado em parte também a alcunha daquele, para furriel Mamadu não desvalorizando também o gosto deste em saber usos e costumes, o seu convívio e relacionamento com o pessoal nativo. Era habitual ver o furriel falando e convivendo com os soldados da milícia.

Tantas vezes o cântaro vai à fonte até que… ou antes, tantas vezes a roupa foi lavada, que Vagabundo começou a estranhar o extremo esmero com que sua roupa era tratada sem reclamação ou exigências de melhor remuneração. A lavadeira um dia mais afoita e atrevida, atacou directamente Vagabundo:


Furiel!... tu é Mamadu, home balente, bó na bai na mato e cá tem medo, Miriam gosta de furiel. Eu sabo tu é branco, a mim preto! Miriam quer fazer cumbersa giro com furiel Mamadu!

Vagabundo poderia esperar tudo menos isto! Grande morteirada! Havia normas e conceitos que,  como graduado responsável,  tinha de respeitar. Além do mais, Miriam,  para todos os efeitos,  era mulher do sargento da milícia e tudo traria problemas que teriam reflexos em toda a CCAÇ 763.

Sejamos claros! Não seria coisa que desgostasse ao furriel, porque apesar de ser negra, Miriam não era nada de desperdiçar, com a agravante da inexistência de formas dos militares,  naquela situação no mato, resolverem carências de sexo em termos normais. E como se dizia: "ao fim de quinze dias na Guiné, as negras começam a ficar brancas”!

Vagabundo, a princípio,  não ligou e mandou a lavadeira ter cabeça, criar juízo. Mas Miriam continuou insistindo. O furriel, para evitar problemas,  foi falar com o sargento da milícia e informou-o que prescindia dos serviços da mulher e que ela não tinha juízo. Aqueba ouviu, olhou de uma forma resignada para Mamadu e disse:


- Furiel!... a mim sabe desse cumbersa todo! Miriam cá tem cabeça, Miriam fala a mim desse coisa todo! Mim recebe esse mulher de irmon meu. Eu, home belho, furiel, não pode dar a ela filho, ela quer filho de home branco e quer ser de furiel minino qué Mamadu! Qui na bai na mato, cá tem medo, home balente. 


O furriel viu de imediato o filme todo!... Apesar de ter o conhecimento de, na etnia, a mulher conceder favores sexuais facilmente, em que grande complicação se meteria ainda por cima com aquela ideia louca do filho.

Mas o velho milícia insistiu:


-Cá tem porblema! Furiel cá fala desse cumbersa, a mim cá fala tabem! Si Aqueba firma na Catió, Miriam firma ali no Cufar; si Aqueba firma na Cufar, Miriam firma na Catió. Furiel Mamadu faz como tu sabe!

Sim senhora!... Desta simples forma se viu Vagabundo usufrutuário do corpo de Miriam.

Nessa tarde, ao passar pelas moranças onde estavam instaladas as duas secções de milícia, Vagabundo viu Miriam aproximar-se de Aqueba que, sentado, dedilhava um corá, instrumento rústico de cordas. Qualquer coisa segredou que o sargento da milícia começou cantando uma lenga lenga em linguagem fula misturada de crioulo onde as únicas palavras que o furriel entendeu foram:


-Jaramááááá… furiel Mamadu qui na bai na mato e cá tem medo, Jaramááááá!...

O chefe dos Vagabundos falou com o médico e Miriam foi vista pelo tenente obstetra, natural das terras do Mondego.

O tenente médico miliciano entrou na messe de sargentos e pediu ao Lopez um whisky,  o qual mandou pôr na conta de Mamadu. Ao sair encontrou-se com este e disse-lhe:
- Já cobrei a consulta!
- Então!?
- Em perfeita saúde! Entre aspas é claro, tens mais sorte que o Diogo Alves! Há ali uma disfunção hormonal qualquer, pelo que ela não tem ovulação, sofre de amenorreia crónica!
- Palavra?
- Pela conversa que tive e para teu bem, e mal dela, coitada, pois ela disse-me o que queria! Aliás o que quereria! Dado não ser possível, convém não lhe falares nisso. É melhor a ignorância e ilusão por vezes, que uma grande vida. Deixa-a viver na esperança, que assim vive feliz. Não vale a pena criar problemas psíquicos que geralmente nestes casos resultam em grandes complicações. Entendido? Vamos beber mais um para afastar o mosquito?
- OK! Mas volto a pagar eu!
- ripostou Vagabundo.

Nada de anormal no reino de Cufar. Esta parelha era vista muitas vezes de volta do copo de bambu, sempre com a desculpa do mosquito. O que é certo é que não constava que tivessem tido paludismo, talvez porque o remédio faria efeito.

Numa das ocasiões em que Miriam estava em Catió, o 2º Grupo de Combate foi fazer o abastecimento. Mamadu solicitou a Almeida para ficar um tempinho em Priame,  só para um “converse”, pois o Chico Zé e o Tambinha não se importavam e desenrascavam a secção com o cabo Cigarra, enquanto ele não chegava.
-Está bem! Mas qualquer dia tens de me deixar dar uma volta na bicicleta! 
- gozou o alferes com o seu furriel.

-É pá, quando quiseres, não sou eu o dono!

Mal soube da passagem da coluna,  Miriam correu, como de costume para ver quem vinha: ou era o dono da roupa e haveria festa, ou teria tristemente mandar por alguém. Mal reconheceu o grupo de combate, naquele dia desapareceu. O furriel Mamadu desceu da viatura e cumprimenta o pessoal conhecido e não, com o tradicional “Corpo di bó tá bom?” Contornou as primeiras moranças de Proame e dirigiu-se para a casa de Aqueba Baldé. 


Entrou na casa e o cheiro de plantas perfumadas habitualmente queimadas quando da sua visita, encheu-lhe as narinas. Chamou por Miriam mas esta não respondeu, pelo que foi entrando. Quando estava ao centro da morança, apareceu-lhe Miriam completamente vestida, com vestimenta de ronco azul às ramagens, de saia e corpete tapando unicamente os seios. Pelo odor e luzir da pele como ébano polido notava-se que se tinha preparado com óleo de flores.

-Bó cá fala com furriel Miriam? - inquiriu Mamadu.


-Fala, sim, furiel Mamadu, mas dia de hoje tu na bai cum Miriam no Homem Grande a mim quer corpo di bó fechado!


O furriel viu o filme. Temos bruxaria de certeza, pensou. Mas,  curioso como era,  e delirando conhecer os usos e costumes desta misteriosa África , achou que seria o momento oportuno para enriquecer os seus conhecimentos e respondeu:
-Certo, vamos então estar com o Homem Grande!

Miriam pediu ao furriel para a seguir. Atravessaram a estrada Priame-Catió para o lado direito, passando por um campo de mancarra e contornando uma plantação de abacaxis, internaram-se num bananal até atingirem a orla da mata. Aí chegados, Miriam derivou para a esquerda e passados uns dez metros já dentro da mata, disse para Mamadu:
-Jube!

Mamadu,  estupefacto, ficou petrificado. Os seus olhos nunca tinham visto algo assim. Que maravilhosa é a natureza! Indescritível!... Perante o olhar extasiado do furriel, uma das visões mais lindas até aí apreciadas. Entre um círculo de palmeiras e outras plantas arbustivas próprias do clima tropical, aparece um lago de água estagnada, um pântano. A sua superfície está coberta de um rendilhado de nenúfares gigantes, desde o alvo branco ao rosa forte misturados com outras plantas e flores aquático-tropicais. Que paisagem linda este pântano! Nas suas manifestações de actividade, a natureza revela tal imaginação que qualquer hipótese de relato não traduz na plenitude os seus surpreendentes efeitos.

Miriam acordou Vagabundo daquele sonho e continuou a conduzi-lo pelo estreito carreiro, agora transformado pela vegetação, em túnel, obrigando Mamadu a caminhar um pouco vergado. Preocupado o furriel, pegou no braço da lavadeira e informou-a de que se estariam a afastar demasiado da povoação, o que se tornava perigoso. Ela olhou para ele e disse:


-Tu cá tem medo, tu bai fica fechado p´ra bala!
-Merda para isto,  fico fechado para a bala e aberto para o morteiro e RPG! Meto-me em cada uma!



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (Catió 1967/69)> Álbum fotográfico de Vitor Condeço (1943-2010) > Catió - Vila > Foto 50 > "Lagoa com nenúfares à esquerda na estrada de Catió-Priame".

Foto (e legenda) : © Vítor Condeço (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Andaram mais ou menos cinquenta metros, e numa curva do carreiro, apareceu inesperadamente uma pequena clareira, cercada de enormes poilões em cujo centro existia uma palhota onde fumegava uma pequena fogueira, com panelas de ferro de variado tamanho ao redor.

Batendo as palmas, a lavadeira falou em fula ou mandinga qualquer coisa que Vagabundo não entendeu. Passado uns momentos de silêncio naquele arbóreo claustro, por entre a porta da palhota, apareceu uma figura muito seca de carnes, mesmo magríssima, apenas com meio corpo coberto por um pano branco alabastro. Pequeno, cabelo e uma rala barbicha brancos, eis o Homem Grande, pensou o furriel. E era verdade!... Embora parecendo mais uma palhinha ao vento do que gente. Ali estava o milagreiro que fecharia o corpo de Mamadu à bala.

Miriam encetou uma conversa com o velhote, e Vagabundo completamente off, não petiscava nada do que se estava passando. Não entendia nada e aquela porra já o estava a deixar descontrolado. É que não tinha trazido arma nenhuma, nem ao menos uma granada de mão como era seu costume. Embora a confiança na lavadeira fosse total, o filme de ser apanhado à mão começou a exibir-se na sua mente.

Passados aqueles primeiros momentos, o velhote olhou o furriel de forma profunda, como se o seu olhar fosse raio X que trespassasse o corpo do homem. Sorriu, descontraindo um pouco o militar e mandou-o entrar. A lavadeira pediu ao furriel para fazer tudo o que o Homem Grande quisesse, porque ela teria de ficar cá fora. Vagabundo animou e pensou: já que ali estava, os dados estavam lançados, valeria a pena arriscar para ver. Deve ser giro entrar numa sessão de feiticismo e, com a curiosidade espicaçada, Mamadu entrou na palhota.

O velho, por gestos mandou o furriel despir-se e deitar-se sobre uma esteira de fibra vegetal. Começou a falar e a pôr as mãos sobre o corpo do militar. Saía e entrava, seu corpo palhinha estremecia, os braços movimentavam-se para cima e para baixo, sempre falando como que implorando algo a um deus qualquer. Derramou um líquido indefinido sobre o peito do furriel, cobrindo-lhe o corpo com um pano branco colocou-lhe as mãos sobre o peito, o que fez sentir palpitações no coração de Mamadu que regressou ao nevrótico estado inicial.

A palhinha negra deve ter chamado a lavadeira, pois esta entrou e, após uma troca de palavras, o velho saiu e Miriam pediu ao furriel para beber o que o Homem Grande lhe apresentasse. Este entrou com uma meia tigela de coco cujo indecifrável conteúdo, beberragem que o militar teria de tomar,  seria a finalização daquele acto.

O furriel fez negação com a cabeça, mas Miriam insistiu. Querendo livrar-se daquela porra toda, e relembrando os camaradas foçando, carregando as viaturas e com certeza mandando bocas sobre o furriel comendo a lavadeira e eles no duro, resolveu beber a mistela e sair dali o mais rápido possível. Bebeu, vestiu-se, tirou uma nota de cem pesos e meteu-a na mão do velhote palhinha que delirou, ao ver-se com a dádiva de uma nota daquelas na mão.

Saindo da palhota,  Miriam começou a saltitar alegremente na frente do militar e segredou-lhe:
-Agora bala cá entra no corpo de Mamadu!
 

Regresso junto ao pântano, fizeram conversa giro com aquele como fundo. O furriel esquecendo o carregamento e camaradas sentiu-se na obrigação de partilhar alguma coisa com aquela mulher-criança. O corpo de Miriam estremeceu, sentiu algo de novo que nunca tinha conhecido e a lavadeira chorou. As causas ninguém as saberá. No espírito e corpo Miriam nunca mais esqueceria aquele momento em que não houve cor, raça ou fêmea, mas simplesmente foi considerada mulher a corpo inteiro, a quem a sua própria crença e raça tinham castrado, retirando-lhe parte desse estatuto de um ser livre. E acreditou que teria sido o momento do seu sonho.

Pelo contrário o militar sentiu-se safado e triste por utilizar os seus instintos brincando com os sentimentos de um ser humano.

Perdoa, mulher negra, mas o teu sonho não será realizado nem por branco safado nem por outro homem qualquer. Serás eternamente uma flor que não transformará a sua polinização em fruto.

Vagabundo ainda chegou a tempo ao batalhão. O abastecimento estava a meio e nada de anormal tinha acontecido. Abastecimento feito, regresso a Cufar normal. Viagem sem problemas. Se sempre assim fosse, que óptimas férias em África. Não! Não será assim!

______________