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sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13498: "Francisco Caboz", um padre franciscano, natural de Ribamar, Lourinhã, na guerra colonial (Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69): Parte III: Um periquito praxado com pornografia à mesa do comandante... E as primeiras impressões (más) de Catió e do destacamento de Ganjola...

Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão (CCS/BART  1913, Catiói, 1967/69).

[ Foto à direita tirada pelo nosso saudoso Victor Condeço, 1943-2010, que foi fur mil mec armam, CCS/BART 1913].


1. Continuação da publicação do testemunho do nosso camarada, o grã-tabanqueiro Horácio Fernandes.que foi alf graduado capelão no BART 1913 (Catió, 1967/69) (*)

Esse tstemunho é um excerto do seu livro autobiográfico, "Francisco Caboz; a construção e a desconstrução de um padre" (Porto: Papiro Editora, 2009, pp. 127-162).

O Horácio Fernandes vive no Porto. Vestiu o hábito franciscano, tendo sido ordenado padre em 1959. Deixou o sacerdócio no início dos anos 70. É casado, tem 3 filhos. Está reformado da Inspeção Geral de Educação onde trabalhou 25 anos na zona norte. Em 2006 doutorou-se em ciências da educação pela Universidadfe de Salamanca, Espanha.

Foi o nosso camarada e amigo Alberto Branquinho quem descobriu o paradeiro do seu antigo capelão (*).Tenho a autorização verbal do autor (que de resto é meu parente e conterrâneo), dada por altura do nosso reencontro, 50 anos depois da sua missa nova (em 15 de agosto de 1959, em Ribamar, sua terra natal), para reproduzir esta parte do livro, relativa à sua experiênciade como capelão militar na Guiné, muito marcante e decisiva para o seu futuro como homem e como padre.

O livro já aqui foi objeto de recensão crítica por parte do nosso camarada Beja Santos (*).

Francisco Caboz é o "alter ego" do Horácio Fermandes (n. 1935, Ribamar, Lourinhã). O livro começou por ser uma tese de dissertação de mestrado em ciências da educação, pela Univeridade do Porto (1995): Francisco Caboz: de angfélico ao trânsfuga, uma autobiografia. Nesta III parte (pp. 139/143), o autor relata-nos como foi praxado à sua chegada a Catió... E descreve-nos também as suas primeiras impressões de Catié e do destacamento de Ganjola. /(LG)

sábado, 10 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13124: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte V: (i) A praxe (a história de uma partida a um alferes pira e que envolve também o cap inf Vasco Lourenço); e (ii) a cabra do mato que chorava (Fernando Pires, ex-fur mil at inf)


Capa da brochura "Histórias da CCAÇ 2533"



1. Histórias da CCAÇ 2533 > Parte V (Fur mil at inf, 3º pelotão, Fernando Pires)


[Imagem à esquerda: guião da CCAÇ 2533, cortesia de Carlos Coutinho, cuja coleção de guiões nos foi facultado pelo nosso camarada António Pires, do portal Ultramar Terraweb]


Continuamos a publicar as "histórias da CCAÇ 2533", a partir do livro editado pelo 1º ex-cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). Esta publicação é uma obra coletiva, feita com a participação de diversos ex-militares da companhia (oficiais, sargentos e praças).

A brochura chegou-nos digitalizada através do Luís Nascimento (que também nos facultou um exemplar em papel e que, até ao momento, é o único representante da CCAÇ 2533, na nossa Tabanca Grande). Temos autorização do editor e autores para dar a conhecer, a um público mais vasto de amigos e camaradas da Guiné, as peripécias por que passou o pessoal da CCAÇ 2533, companhia independente que esteve sediada em  Canjambari e Farim, região do Oio, ao serviço do BCAÇ 2879, o batalhão dos Cobras, cuja história já aqui foi publicada pelo nosso camarada e amigo Carlos Silva, carinhosamente tratado por "régulo de Farim".

 Começamos hoje a publicar a colaboração do fur mil at inf Fernando J. do Nascimento Pires, que pertenceu ao 3º pelotão,  São duas pequenas histórias: (i) a praxe (pp. 27/28); e (ii) a cabra de mato (p. 29). 

Aproveito para, em troca da sua colaboração, convidar o Fernando Piers para se juntar à nossa Tabanca Grande. Só precisamos de 2 fotos dele, uma atual e outra do tempo da tropa... O convite é extensivo aos restantes autores, que iremos publicando. (LG)










Cortesia de Fernando Pires (ex-fur mil at inf, CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71), e dos seus camaradas Joaquim Lessa e do Luís Nascimento


(Continua)
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quinta-feira, 20 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11737: FAP (74): A instrução do AL III no meu tempo: em Janeiro de 68, eu e mais cinco pilotos do P1 de 67, juntamente com quatro pilotos da Academia Militar e o Senhor Dom Duarte de Bragança, iniciamos com o Al II o curso de helis... Saí de Tancos com um total de 291 horas de voo, e no dia 1 de Outubro de 68 fazia uma evacuação (TEVS) em Cabuca.... (Jorge Félix)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (Out 64 / Jul 66) > O pessoal em operações militares: na foto, acima, transporte às costas de um ferido, evacuado para o HM 241, em Bissau, por um helicóptero Alouette II (versão anterior do Alouette III, que nos era mais familiar, sobretudo para aqueles que chegaram à Guiné a partir de 1968). Foto do Alberto Pires, editada pelo Jorge Félix.

Fotos: © Alberto Pires (Teco) / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007) / Jorge Félix (2009). Direitos reservados.



Tancos > Base Aérea nº3 > 1967 > 1º Curso de Pilotos de Helicópteros, onde pela 1ª vez também foram incorporados milicianos, segundo informação do Jorge Félix, aqui, junto a um Allouette II, no meio dos seus camaradas, onde se inclui o Duarte Nuno de Bragança.

Os primeiros pilotos milicianos de helicópetros da FAP > 14 de Março de 2008 > "Éramos oito milicianos (Eu, Antolin, Cavadas, Melo, Baeta, Pinto e Duarte) e três da Academia Militar (Braga, Afonso e Costa). O Pinto faleceu em Outubro de 2007, em Lisboa, vítima de doença. O Oliveira faleceu no acidente de aviação em Tancos, em 72 ou 73. Estes dois companheiros estiveram comigo na Guiné. O Melo anda em sítio incerto na Venezuela (vou saber pormenores da 'chatice' que foi a vida dele por lhe terem roubado um Allouette III da FAP). O Baeta faleceu em Gago Coutinho, Angola, Março de 1969, num acidente, voo nocturno, Heli. O Cavadas também já faleceu em acidente de Heli, andava nas pulverizações, no Alentejo. O Antolin está de perfeita saúde, Comandante da TAP reformado, a viver em Lisboa. O Duarte é... Sua Alteza D. Duarte Nuno de Bragança, esteve em Moçambique [ou Angola ?]  e vive em Lisboa. O Pinto, também reformado da TAP, faleceu há quatro meses. Do Braga, Afonso e Costa, sei muito pouco (...). Jorge Félix".

Foto (e legenda): © Jorge Félix. Todos os direitos reservados  [Cortesia de: Blogue do Victor Barata > Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74.]



Guiné > Algures > Jorge Félix, allf mil pil heli Al III (BA 12, BA 12, Bissalanca, 1968/70) e António Spínola (Com-Chefe e Governador Geral, CTIG, 1968/73)... O tratamento por "pilav" era reservado aos pilotos-aviadores que vinham da Academia Militar.

Foto: © Jorge Félix (2010). Todos os direitos reservados



1. Mensagem do Jorge Félix [, ex-alf mil pil, AL III, Esq 122, BA 12, Bissalanca, 1968/70,], com data de ontem, em resposta ao nosso convite para nos contar como se tornou um valoroso e glorioso "maluco" do heli AL III que faz agora 50 anos na nossa querida FAP (*)


Meu Caro Luis Graça: 

já tinha respondido a este mail, quando me apercebi que seria para os "50 anos do AL III", e como isso aconteceu no dia 20 de Abril, em Beja, onde eu estive, apaguei tudo, por pensar estar fora de tempo. Como voltas "à carga", vou tentar ser útil.

Desde já um abraço ao Pardete Ferreira pelas simpatiquissimas palavras.

Caro Fernando Leitão:

Aproveito para contar algo que será desconhecido da maioria. No ínicio da FAP, os primeiros pilotos vieram da arma de Cavalaria, razão existirem tantos termo da sua gíria:

(i) O "pilão", par de coices - afocinhamento do avião; 

(ii) "borrego", nega ao saltar um obstaculo - aterragem não conseguida; 

(iii) "cavalo de pau",  instrumento que dá o equilibrio do avião - ...

No meu tempo, as idades para concorrer, eram os 17 e 21 anos. Fazia parte das condições ser solteiro, ter autorização do pai.... Centenas de "mancebos" concorriam, uns para "andarem mais perto de Deus", outros para fugirem do "diabo"...

Depois de apertados exames medicos aparecem em São Jacinto (Fevereiro 67), BA7, meia centena de alunos para iniciar as "voadelas". Recordo que  havia um Alferes, um Aspirante e um Cabo, portanto ,recrutados das FT.

O avião de inicio de instrução foi o CHIPMUNK, onde aprendíamos os pequenos segredos de voo.
Fui largado depois de 15 horas,  no dia 21 de Abril de 67 no 1635.[ não sentir o instrutor a corrigir, a emendar, a ajudar ... (o silencio dos Deuses) foi a alegria plena]. 

 Depois da aterragem, na placa, o instrutor esperava-nos para o "caldaço no pescoço e o pontapé no traseiro". Quem estivesse por perto e já fosse Pilav também "molhava a sopa". 

O banho na Ria,  ao fim da tarde,  fazia parte da praxe dos "recém-largados". Fazia-se coincidir com a partida da lancha da Marinha, assim, os que estivessem sobre a ponte de atracagem também poderiam ir ao banho .

Era também tradição oferecer uma garrafa de "whisky" ao instrutor e fazia~se um jantar de confraternização, alunos e instrutores.

Depois desta fase, passava-se para o T-6...

No dia 28 de Junho fui largado no T-6 (1656) com 13 horas de voo. Com 170 horas de voo, acabei em São Jacinto e obtimha  o tão desejado Brevet, "as asas no peito". (Das centenas de recrutas, restaram 20 pilotos;  a seleção natural diminuiu para metade este número).

Nas 150 horas de T-6, Maio de 67 a Dezembro de 67, aprendeu-se tudo que o avião "deve "fazer": o rolar, descolar, voltas de pista, formação, navegação, voo por instrumentos, acrobacia, voo noturno, "rapadelas", tiro , ... e crescia~se ou não, no Bar dos especialistas, dos "marinheiros, nas escapadelas a Aveiro, no "Gato Preto" ....

Aqui chegados era a partida para o Ultramar.

Nesse ano a FAP abriu o primeiro curso de Helicópeteros para pilotos que não eram do quadro. Ofereci-me como voluntário e ao mesmo tempo ofereci-me para a Guiné. (a razão de me oferecer para a Guiné, teve a ver com o tempo da comissão).

Consta na minha caderneta: (Dezembro de 67) Encerra-se a presente caderneta em virtude do seu titular marchar para a Base Aérea nº 3, a fim de frequentar o Curso complementar de Helicópeteros nos termos do rádio BP...

Em Janeiro de 68, eu e mais cinco pilotos do P1 de 67, juntamente com quatro pilotos da Academia Militar e um  Sr Duarte de Bragança, iniciamos com o Al II ,o curso de helis.

Tenho registado 60 horas de AL II até junho de 68, quando comecei com o AL III. Fiz 30 horas de AL III antes de embarcar para a Guiné.

Sobre as modalidades de voo que  "referem" no questionário, naquele tempo, estou convencido que fizemos tudo. Salvamento de guincho e voo de montanha, na altura, forma para mim estranha por pensar que não iria usar isso na "Guerra ", o que veio a acontecer. O Guincho foi utilizado por mim só para manutenção ...

O voo noturno, com os instrumentos que à época existiam, seria o modo de voo a que requeria mais atenção.

Estou convencido que no final do curso que me foi ministrado, estava bem preparado para seguir para o "teatro das operações".

Saí de Tancos com 291 horas, na totalidade, e no dia 1 de Outubro de 68, fazia uma evacuação (TEVS) em Cabuca.

O meu nº da FAP era (é ?) o 114/66.

Estou a perder-me a ficar longo e maçador...
Se mais houver em que possa ajudar, ficarei ao dispor.

Abraço, Luís Graça e Fernado Leitão.

Jorge Félix

2.  Troca de mensagens com o ten cor pilav F. Leitão, com data de ontem:

(i) Caro camarada da FAP, ten cor F. pilav Leitão:

Aqui vai, em primeira mão, mais um contribuição, a do nosso querido amigo, Jorge Félix, experimentado alf mil pil, que voou, como poucos,  aos comandos do AL III no TO da Guiné, em 1968/70... Um Alfa Bravo. Luis Graça

(ii) Luís Graça, Jorge Félix:

Muito obrigado por este testemunho valioso! Vou incorporar a informação transmitida.

Um respeitoso abraço,

Fernando Leitão
Tenente-Coronel Piloto Aviador
Área de Ensino Específico da Força Aérea
Instituto de Estudos Superiores Militares
Rua de Pedrouços 1449-027 LISBOA
Tel: 213002143 / Tel mil: 226140

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11172: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (9): A praxe da Ivone

1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa (Coronel de Art.ª Ref, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), com data de 20 de Fevereiro de 2013:

Olá Camaradas
Aqui envio uma cena de praxe de que fui vitima e aceitei bem.
As coisas, como tudo na vida, têm de ser feitas com humor, gosto e classe. De outro modo, não valem a pena...

Um Ab.
Pereira da Costa


A Minha Guerra a Petróleo - 9

A Praxe da Ivone

A Ten. Enf. Pára Ivone Reis era uma militar circunspecta e que levava muito a sério os procedimentos ditados pelas ordens e regulamentos. Era simpática e acessível, mas para ela conhaque era conhaque e serviço era serviço. Mas posso testemunhar que também lhe resvalou o pé para a praxe. Como vão ver a vítima fui eu.

Em 12 Dezembro de 1968 a CArt 1692 estava a terminar o seu tempo em Cacine. A sobreposição com a CCaç 2445 – uma unidade de açorianos – estava a chegar ao fim. Foi montada uma operação lá para os lados de Cacoca levada a cabo pelos “periquitos”, na máxima força e apoiados por heli-canhão, enfermeira-paraquedista e com o controlo aéreo a cargo do meu capitão. O grupo de combate “da velhice” (o do João Almeida, “O Alce”) marchava à retaguarda e constituía a força de reserva, para qualquer situação mais delicada que pudesse surgir. Os “piras” já não eram muito piras pois já tinham tido o baptismo numa acção no Quitafine, mas a área de Sangonhá e Cacoca que havia sido repartida entre as companhias de Cacine e Gadamael não era agora muito conhecida. Fora abandonada havia cerca de seis meses e o inimigo parecia não se interessar muito por ela, limitando-se a intensificar a guerra de minas. Foram accionadas três e levantadas cerca de cem, todas anti-pessoal PMD-6. Era o tempo em que Gandembel estava ao rubro e o In não tinha possibilidade de actuar em força nos dois quartéis mais a Sul.

Os meios aéreos ficaram na pista e nós ficámos aguardando. As coisas estavam muito calmas e a dada altura o Cap. Veiga da Fonseca (“O Foca”) decidiu ir ver como estavam as coisas no terreno e eu tomei lugar na traseira da “avionette” (avião DO-27 para os pilotos). Foi a única vez que vi a “guerra” de cima.

Descolámos e, minutos depois, estávamos às voltas na área onde dois bi-grupos de “piras” progrediam e começámos a procurar o nosso grupo. Respondia às chamadas pela rádio, mas não se deixava ver. Estava bem dissimulado e de súbito…

Quem seriam aqueles gajos? Aquilo era um grupo de turras! Kum karakas! Era preciso avisar os nossos e atacá-los. O avião meteu uma asa em baixo e deu umas duas voltas bem apertadas a tentar ver o que seria “aquilo”. O “Cap.” fez-me sinal com as mãos para que eu visse cerca de 20 “turras” que progrediam lentamente e com muito cuidado. Chamou pela rádio a pedir a entrada do héli-canhão. Porém, Cacine não estava à escuta e, a toda a velocidade, voltámos a Cacine tentando chamar a atenção com sucessivos passes a baixa altitude.

Lá vimos o jeep que se dirigia para a pista com o piloto e o apontador, a grande velocidade, e regressámos ao local da refrega. Mais umas voltas e apareceu o héli que voava bastante baixo e em círculos de canhão apontado ao grupo In. De súbito, uma surpresa. Os inimigos tiravam os quicos e cada um, à sua maneira, saudava o helicóptero.

É entontecedor o movimento do rotor dum héli aos círculos e nós próprios a voar por cima, rodando. Por mim, comecei logo a ficar “almareado”, mas procurei fixar um ponto no infinito para ver se me aguentava.

Regressámos a Cacine satisfeitos por tudo ter acabado bem. Mas para mim o pior estava para vir. A cabeça andava-me à roda e eu ansiava que aquilo acabasse. O avião tocou na pista e eu só tive tempo de abrir aquela janelinha de correr que existia na fuselagem e “deitar a carga ao chão”. Chegámos a Cacine e eu deveria vir com um aspecto deplorável. A Ivone Reis (“A Gazela”) quis saber o que se passava comigo – não fosse enfermeira – e eu contei, na minha boa-fé. Quando esperava solidariedade ela puxou dos galões e deu-me uma ordem seca:
– Patinho, isso foi grave! Vá lavar o avião já e bem. Não vamos voltar assim à base.

Debalde procurei descrever em pormenor o que sucedera e apresentar as minhas razões, mas a Ivone não se comoveu (regulamento é regulamento) e eu de balde e escova, coitado de mim, lá fui lavar o vomitado que pingava da fuselagem. O Cap. (ou “Quepezinho”) que conhecia bem a Ivone de Angola ajudou à festa e só já em Bissau, alguns dias depois num jantar no “Solar do 10”, a minha falta foi relevada, creio que à custa de uma lanterna de Dão Tinto para iluminar a mesa onde se sentavam o Cap, a Ivone, o Comandante da LDG que nos trouxera para Bissau e eu.

Como se vê, pelo menos daquela vez, a Ten Enf. Pára Ivone Reis também praxou, o que não será muito regulamentar. Segue junta a prova do sucedido à qual a Ivone chamou “O Pato e a Estátua” (foto tirada junto ao monumento evocativo da passagem da CArt 1692.

Mem-Martins
18FEV13

Cacine, 12 de Dezembro de 1968 > Ivone Reis e Pereira da Costa
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 25 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10721: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (8): Você agrediu-me?

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11128: Inquérito online: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (6): Noum total de 81 respondentes, mais de metade manifestou uma opinião favorável...




1. Resultados da sondagem que acaba de correr no nosso blogue, de 14 a 20 do corrente: O tema era as praxes (militares). Pedia-se a opinião do leitor em relação à frase "As praxes aos piras, no meu  tempo, não lhes fizeram mal"...

Responderam 81 leitores. Os resultados evidenciam um certa fratura relativamente à questão em apreço. De qualquer modo, as respostas negativas poderão estar enviesadas pelas denúncias,  nestes últimos anos, de abusos cometidos com as praxes quer académicas quer militares, abusos de que a comunicação social se tem feito eco... Mas também pelas experiências individuais, cá na Metrópole, no período de instrução militar (recruta e especialidade)..

(i) Apenas 1 em cada cada 4 dos respondentes à nossa sondagem discorda  do enunciado, revelando por isso uma opinião negativa em relação às praxes a que eram submetidos, no TO da Guiné, os "piras", abreviatura de "periquitos" (ou sejam, os recém-chegados):

(ii) Um em cada cinco não tem opinião sobre o assunto, não se tendo prounciado a favor ou a contra:

(iii) Pelo contrário, mais de metade (53%) dos respondentes manifestou uma opinião favorável  às praxes e aos efeitos benéficos sobre os "piras"...



Moçambique > Mueda > CART 2369 (1968/70) > O 2º sargento miliciano Sérgio Neves, irmão do nosso camarada Tino Neves,  junto a um mural onde se lê: "Em Mueda, os cordeiros que entram, são lobos que saem. Adeus checas". Recorde-se que o checa, em Moçambique, era o nosso pira ou periquito. (**)

Foto: © Tino Neves (2007). Todos os direitos reservados.[Editada por L.G.]

2. Damos agora mais tempo de antena aos que, tendo respondido à nossa sondagem, manifestaram, em comentários,  opinião crítica ou reservas em relação às praxes, nomeadamente no seio da instituição militar.

(i) Henrique Cerqueira [, comentário ao poste P11119]

(...) Em minha opinião qualquer tipo de praxe tem tendência a descambar em abuso.E basta que uma só pessoa saia magoada dessa situação, para que seja considerada por mim uma inusitada situação,  a praxe.
Ainda em minha opinião e na nossa sociedade a "iniciação" de qualquer criança para o seu percurso de vida deve ser sempre através do amor, carinho, boa moral , bons exemplos familiares, boa educação. Enfim, muito amor e carinho.Vi na Guiné na altura do Fanado crianças com graves infecções no pénis porque após a circuncisão tiveram que sarar o corte com o pénis metido em terra e completamente sós num retiro forçado. Só para provarem que já eram adultos???... Eu sei lá o quê. Daí,  quanto a iniciações,  nada prova que seja benéfico no caráter da pessoa.


Em outras situações acontece que grande parte dos praxados fica com "mazelas" ainda que momentâneas.
Assim sendo,  e mais uma vez,  eu sou contra qualquer tipo de praxe e até contra o que é chamado de "iniciação".

Esta é a minha opinião e não é por qualquer trauma por ter sido violentamente praxado em Tavira. Quanto a mim,  e em especial em todos os organismos do Estado,  sejam eles militares ou civis,  deveriam ser banidas as praxes e severamente castigados aqueles que  as praticam .Um jovem ou uma criança quando entra nessas instituições normalmente está tão desamparado  e assustad0,  já que é um "alvo" apetecível para os potenciais abusadores das praxes. (...)

(ii)  C.Martins [, comentário ao poste P11100]

(...) Tem piada que apenas vejo aqui contadas umas brincadeiras sem grande maldade e até com alguma graça. O que eu gostava era de ver contadas aquelas com violentações, humilhações e outras "ções"..sádicas e afins. Desafio qualquer praxista, daqueles puros e pseudo-duros a contar se tem "tomates"..

É que com "pseudo-praxistas" estilo AGA [, António Graça de Abreu,]  ou "nosso alfero J.Cabral".
posso eu bem.. É que V. Exas não passavam de uns brincalhões.

Quero realçar que na Guiné nunca fui praxado... É que lá para as bandas do sul não havia tempo nem disposição para isso. Até uma simples voltinha em redor do aquartelamento poderia ser a "morte do artista ou artistas". Como tudo na vida uns mais sortudos do que outros. (...).



(iii) Hélder Sousa [, comentário ao poste P11095]: 

(...) Parece que é preciso ter opinião sobre esta 'coisa' da praxe. Ora bem, tenho por aqui um problema, pois não atino com uma resposta certa.

Por um lado percebo que uma 'certa praxe', com graça, com ironia, com civilidade, que não se estribe na humilhação do(s) visado(s) acabe por ajudar a cimentar um 'certo espírito de corpo', seja no meio militar, estudantil, clubístico ou outro qualquer.

Por outro lado entendo que o acto de 'praxar', possibilitando o anonimato ou a cobertura de grupo, pode potenciar a revelação de atitudes ou comportamentos bem primários, cobardes e desumanos.

É portanto, entre estas 'balizas' que a 'coisa' se movimenta e confesso que não tenho opinião 'definitiva' sobre a 'bondade' da praxe. Compreendo quem a defende mas sinto-me afastado da sua aplicação. (...)


______________

(**) Luís Graça escreveu sobre este mural o seguinte (excerto):

(...) [ Em Mueda, os cordeiros que entram, são lobos que saem. Adeus checas"]

(...) É um pensamento que é válido
para todas as situações de guerra.
Os jovens, quase imberbes,
os meninos de sua mãe
(como escreveu o grande Pessoa),
que chegam à frente de batalha,
ainda são cordeiros,
inocentes,
virgens,
imaculados...
O horror e a violência da guerra
irão transformá-los em lobos,
em duros,
em violentos,
em conspurcados...
Não necessariamente predadores,
assassinos,
criminosos...
(que é o estereótipo
que o ser humano ainda guarda
do pobre do lobo mau!)...

Mas há, seguramente, uma perda de inocência:
nenhum de nós foi para a Guiné
e veio de lá impunemente,
igual...
Os nossos amigos e familiares deram conta disso:
já não éramos os mesmos,
nunca mais fomos os mesmos...

Acho que é isto
que o inspirado autor do mural de Mueda quis dizer.
É claro que há também aqui
a dose habitual de bravata e de fanfarronice:
é uma frase para intimidar
os 'checas', os 'piras', os 'maçaricos', os novatos...

Também os militares, profissão de risco,
têm a sua ideologia defensiva,
as suas crenças,
os seus talismãs,
os seus mesinhos
(usavam-nos os guerrilheiros
na Guiné,
em Angola,
em Moçambique,
não obstante a sua 'formação' racionalista,
marxista-leninista,
dita revolucionária)...
A bravata e a fanfarronice,
além das praxes e do álcool,
ajudavam-nos, a todos nós,
a lidar com o medo,
as situações-limite,
a morte,
o sofrimento, físico e moral,
a impotência,
o desespero… (...)


In: Luís Graça > Blogpoesia > Quarta-feira, Abril 15, 2009 > Blogantologia(s) II - (78): A guerra como forma (heróica) de suicídio... altruista

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11119: Inquérito online: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (5): "É pela dor que te fazes homem e... bravo guerreiro"... O Ritual da Tucandeira... na Amazónia (Luís Graça)


Página da congressista norte-americana Judy Chou em que se faz campanha por uma política de tolerância zero às praxes militares... Um seu sobrinho, Harry Lew,  de 21 anos, militar da Marinha recém chegado ao Afeganistão,  suicidou-se em Abril de 2011, depois de submetido a praxes violentas...


1. Grosso modo, a praxe pode ser definida como  a prática de rituais e outras atividades de iniciação, ou ritos de passagem,  envolvendo, quase sempre,  formas diversas de violência, física ou psicológica,  tais como intimidação, assédio,  humilhação, tortura....

O objetivo é iniciar e integrar um indivíduo  num grupo particular.  É comum a diferentes grupos etários e sociais:  escolas, colégios, universidade, grupos de combate, navios, forças armadas, locais de trabalho, gangues,  equipas desportivas,  irmandades, sociedades secretas....

Termos equivalentes noutros sítios e  línguas de praxe ou iniciação:  hazing (inglês), novatada [de novato, recém chegado] (espanhol), baptême [batismo]  ou bizutage (francês), trote (português do Brasil)... A recepção aos caloiros, recrutas, mancebos, novatos, aprendizes, irmãos, novos membros, recém chegados (por ex., na guerra colonial na África portugesa, os periquitos, na Guiné, os maçaricos, em Angola, os checas, em Moçambique,  etc.), é feita pelos mais velhos (veteranos, velhinhos, seniores...). As sessões de de inicição e receção dos mais novos tendem a envolver algum tipo de violência (por ex.,  humilhações sexuais, sevícias,  etc.).

Nalguns casos (internatos,escolas militares, forças armadas...) acabam por se confundir com "bullying", "mobbing", ou sejam, com comportamentos reiterados, continuados no tempo, de discriminação, perseguição e intimação dos membros mais fracos  dos novatos... São práticas proibidas pela lei e pelos regulamentos, mas no fundo toleradas pela cultura institucional (académica, militar, etc.).

Por detrás de todas as praxes, há subjacente o princípio - comum a muitas culturas humanas, das sociedades mais simples às complexas - de que é "pela dor que te tornas homem... e bravo guerreiro"... Veja-se, por exemplo, o ritual de iniciação dos maués, grupo indígena da Amazónia brasileira... Há alguma parecença com as nossas praxes militares (nomeadamente na fase de instrução) ?...

O "hazing" militar nos EUA continua  a dar que falar... Encontrei no Google mais de mil referências "military hazing stories"...(LG)

2. Com a devida vénia, reproduz-se aqui excertos de uma reportagem do portal noticioso brasileiro Estadão.com.br [Observações nossas, entre parênteses retos. Todos os links são nossos. Mantém-se a ortografgia original].

Domingo, 25 de novembro de 2007 > Amazônia > Grandes reportagens > Iniciação dolorosa > Os adolescentes sofrem em rituais violentos

por Carlos Marchi

SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA (AM) - Os líderes indígenas não têm dúvida sobre a razão de estranhos e seguidos suicídios de adolescentes tucanos em São Gabriel da Cachoeira, onde, só em 2006, dez jovens se mataram em pouco mais de três meses. Para eles, é o choque cultural – e não cabem mais explicações. A socióloga Marilene Corrêa, reitora da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), tem uma versão bem diversa e polêmica: sempre houve suicídios de jovens entre os tucanos e outras etnias que submetem seus meninos e meninas a rituais de iniciação brutais.

Como é o caso dos sateré-maués [, ou simplemente maués], que vivem perto de Parintins e têm um ritual de iniciação que para os brancos é torturante, mas para eles funciona como o milagre que transforma meninos em homens fortes de corpo e espírito, bons guerreiros, caçadores e pescadores.

Na época, meninos que têm entre 9 e 14 anos são convocados para a prova: devem enfiar a mão numa espécie de luva tramada em palha, que cumpre o papel simbólico da vagina e tem centenas de watyamas (formigas tucandeiras) [, ver aqui imagens do Google,]  habilmente encravadas nos espaços da trama de palha, de forma que os ferrões delas fiquem voltados para dentro.

Tão logo a mão é enfiada, as formigas – irritadas pela imobilização entre as tramas da palha – começam a ferroar. Não é de bom alvitre que os meninos gritem muito e não se espera que chorem. Alguns minutos depois, eles são convidados a trocar de mão. Esse ritual assustador começa nos fins de tarde e se prolonga até o meio da madrugada. É repetido em dias subseqüentes, de forma que cada menino deve enfiar a mão na luva de formigas pelo menos 20 vezes, até ser aprovado pelos pajés [curandeiros]

Neste ano, na aldeia Mocongotuba, no Rio Andirá, o ritual juntou 32 meninos. Enquanto os jovens enfiam as mãos na luva de formigas, os adultos entoam o mypynukuri (que quer dizer tatu-açu), um cântico para homenagear a dor que eles sentem, e tomam çapó (guaraná em bastão ralado na água). Na progressão do ritual, os meninos precisam ser auxiliados em tudo, porque as mãos ficam inchadas e inabilitadas para fazer qualquer coisa, até para comer. Enquanto sofrem, não podem ser consolados pelos pais; terão de suportar sozinhos a dor extrema de milhares de picadas com o veneno potente da watyama.

Ao participarem do ritual, embora tentem mostrar coragem, produzem esgares faciais que sugerem tensão e pavor. Muitos desistem no meio do caminho. E estarão automaticamente convocados a repetir o ritual no ano seguinte, sob pena de ficarem desmoralizados na aldeia. “Nunca aconteceu de um não terminar a prova”, gaba-se Jecinaldo Sateré, o coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coiab), que participou do ritual quando era menino e agora vai incentivar o filho a fazer o mesmo – como sua mulher é ticuna, as duas filhas vão participar do ritual de iniciação ticuna.

Conta Marilene que antigamente o ritual era muito mais doloroso: os meninos eram obrigados a introduzir o pênis no formigueiro. O órgão ficava inchado como uma bexiga de ar, diz ela. As missões católicas proibiram esse formato e os sateré-maués inventaram a luva.

A ciência empírica dos tucanos, um dos povos indígenas mais populosos da Amazônia, lhes permite perceber a aproximação da primeira menstruação das meninas, época em que elas são submetidas a um impressionante ritual de iniciação. Durante dias, têm o cabelo arrancado em tufos. Depois, são induzidas a beber um chá que as esteriliza por um período de dois meses; são, por fim, entregues a uma franca e irrefreada iniciação sexual com os meninos da aldeia. Depois desse “treinamento”, a menina poderá escolher um marido – e, a partir daí, só terá olhos para ele.

Marilene lembra Lévy-Strauss [, Claude Lévi-Strauss, famoso  antropógio francês, 1908-2009], para explicar outro mito do meio indígena – por que eles bebem tanto. Segundo ela, na maioria das nações há um hábito imemorial de tomar drogas alucinógenas e servi-las aos jovens, principalmente durante os rituais de iniciação. “Das drogas para o álcool é um pulo”, afirma a socióloga. A médica e antropóloga Luíza Garnello, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e da Fiocruz, discorda: “Não há correlação entre o uso de substâncias psicoativas e o hábito de beber, até porque aquelas substâncias sempre foram de uso restrito dos xamãs (pajés).”

Luíza prefere acreditar que os suicídios podem ser causados pela mudança violenta de hábitos trazida pela invasão dos brancos.  (...)
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P11101: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (4):  Fui praxado, em Bissum Naga, e não vi nada de mal nisso... (Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez)

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11101: Inquérito online: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (4): Fui praxado, em Bissum Naga, e não vi nada de mal nisso... (Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez)

1. Mail do Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez, (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), que tem andado um tanto escondido  "escondido" por detrás do poilão da nossa Tabanca Grande:

Viva,  Luís,

Acabei de votar Concordo ( mau grado o secretismo que deve envolver as votações...)

E votei Concordo porquê ?

Fui praxado,e não vi nada de mal nisso, antes pelo contrário.  A praxe serviu para criar nos piriquitos a necessidade de sentirem a dura realidade da guerra, como que um acordar para a mesma mas também para os familiarizar com as dificuldades...

Há duas ou três situações que por muitos anos que viva nunca esquecerei...

Estávamos em sobreposição com a companhia que íamos render a Bissum/Naga,e à noite,na messe ouvíamos um alferes da companhia velha a "contar vantagem" (como diriam os brasileiros...). Era um operacional de truz,no mato tivera inúmeros contactos com o IN...  Os turras tinham-lhe medo pois ia para o mato com galões apensos (ao estilo AB...).

Viríamos a saber depois,  por um seu furriel, que se tratava de um faroleiro que se pisgava do mato sempre que podia...). Pois durante as suas divagações, pousou-lhe um mosquito num braço... Sem sequer fazer menção de o afastar do braço, olhou-o e disse : 
- Mas que falta de respeito é esta ? Com tantos piriquitos e vais escolhar a velhice ? 

Aquilo foi uma espécie de abanão para a consciencialização de que a comissão dele chegara ao fim e a nossa chegaria,ou não...

Outra situação,esta sim, verdadeira praxe, foi o convite formal, feito por um furriel velho, à malta para alinharmos numa tainada de galinha da Índia que ele supostamente teria abatido... Caberia aos piras o pagamento das bebidas...

"Entramos pela madeira dentro",como soe dizer-se,com a massa para as loiras, e fomos presenteados com uma travessa cheia de nacos de ave, besuntada em molho de piripiri e tomate ,para se parecer com a travessa que os furriéis velhos colocaram para eles próprios...

Só que a deles tinha nhec e a nossa abutre... Depois de termos "dado cabo" da nossa parte,disseram-nos então o que acabáramos de comer... Foi uma risada geral...

Fizeram-nos ainda durante as saídas noturnas em que ia uma secção deles, a "vida negra" ao obrigarem a deitar no solo completamente encharcado junto aos palmeirais (eles deitavam-se na parte seca) e passando a palavra afirmavam terem "embrulhado" várias vezes ali... 
- Está a deitar, nem um pio... 

A época das chuvas tinha começado...Quando regressávamos ao quartel,tínhamos a farda completamente enlameada em contraste com a deles... Acabaríamos depois por constatar estarmos pertíssimo do quartel, mas tínhamos dado voltas e mais voltas em irculos fechados, com o deita e levanta, que nos baralhara e amedrontara...
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11100: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (3): Também praxei "periquitos", em Cufar... (António Graça de Abreu)

Guiné 63/74 - P11100: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (3): Também praxei "periquitos", em Cufar... (António Graça de Abreu)


1. Reproduzido, com a devida vénia, de Diário da Guiné, do nosso camarada e amigo António Graça de Abreu.

Cufar, 19 de Agosto de 1973

No meio dos infortúnios quotidianos, a guerra também pode ser divertida. Esta semana tivemos um dia de grande comédia, com uma espectacular encenação e actores de primeira.

Em Cufar existe um pelotão de canhão sem recuo comandado por um alferes de Alpiarça, do meu curso de Mafra, que reencontrei na Amadora e mais tarde em Bissau. São trinta homens que têm por missão defender o aquartelamento com a pequena artilharia de que dispomos. Acabaram agora a comissão e na LDG chegou o pelotão de “periquitos” que os vem substituir. Os alferes, furriéis e soldados da companhia de açoreanos, eu também, resolveram ir esperá-los ao porto grande do Cumbijã e encenar uma espectacular paródia de modo a que os “piras” ao chegar aqui se borrassem de medo.

Montámos segurança ao cais, brutalmente armados, o que nunca é necessário fazer porque no porto o IN não actua. Os “periquitos” desembarcaram sob um assustador aparato bélico e foram postos a caminhar em fila por um, de ambos os lados da estrada que conduz a Cufar, com as armas apontadas para a vegetação e as bolanhas. Conseguimos convencê-los de que o desembarque era perigosíssimo, costumava haver flagelações, já haviam morrido muitos homens naquele quilómetro de estrada o que, na realidade, é uma refinadíssima mentira. A recepção foi medonha, os “periquitos” estavam amedrontados e eu pensei se seria coisa acertada fazer os rapazes passar por tamanhos apertos.

Assumimos personagens que não são as nossas. Um alferes da companhia 4740, já com mais de trinta anos e uma razoável barriga metamorfoseou-se em major, comandante do CAOP 1 e de toda a zona sul da Guiné. O meu coronel, verdadeiro, estava em Bissau por isso foi mais fácil engendrar e montar a cena. Um outro alferes assumiu-se como cabo especialista em minas anti-pessoal e anti-carro que deviam estar espalhadas na estrada porto-Cufar e era necessário desmontar, um soldado com imenso jeito para actor fez de alferes velhinho, comandante do pelotão a substituir, outro soldado interpretou o papel de alferes médico e, chegados a Cufar, deu consulta a uns tantos soldados “piras”, passou-lhes atestados e encheu-os de tintura de iodo e adesivos, o furriel enfermeiro fez de alferes capelão, figura religiosa que não temos cá. Já em Cufar, o alferes “periquito” pediu ao falso capelão que o confessasse.

O meu papel neste filme que se prolongou por umas três horas foi o de cabo atirador guarda-costas e segurança pessoal do alferes acabado de chegar. Andei sempre ao lado dele, a minha G 3 pronta a disparar, uma faca de mato à cinta, às vezes virava a cara e encolhia o riso. Os “periquitos” chegaram a Cufar e foram para a sua caserna, uma tabanca a cair de podre onde colocámos quatro caixões.

Mas alguns dos “piras”começaram a desconfiar, qualquer coisa não batia certo. O alferes do novo pelotão acreditou em tudo até ao fim. Ao jantar, em sua honra e em honra dos seus homens, dissemos-lhe que havia rancho melhorado, arroz com quadrados de marmelada. Sentámo-nos à mesa, veio a comida, o homem engoliu aquilo e quase vomitou. Era altura de voltarmos a ser quem somos, apareceu o capitão da 4740, deu-lhe um abraço e disse-lhe que tudo não havia passado de uma grande brincadeira. Surpreso, o rapaz reagiu bem, riu, mudou por completo de semblante, parecia outro. E jantámos bifes com um ovo estrelado, batata frita e arroz. A sobremesa foi marmelada.

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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11096: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (2) Quando o meu pira foi caçar um hipopótamo... e acabámos por apanhar um turra: revisitando uma história do Jorge Cabral

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11096: Inquérito online: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (2) Quando o meu pira foi caçar um hipopótamo... e acabámos por apanhar um turra: revisitando uma história do Jorge Cabral






Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  Um prisioneiro a embarcar no heli que o há-de levar a Bissau, ao QG. Não consigo, para identificar, quem é, e em que operação foi capturado. Já agora, quem terá sido o piloto e o mecânico deste voo ? Fotos (nº 5, 6 e 7)  do álbum do fur mil reabastecimentos Lopes, membro recente da nossa Tabanca Grande.

Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)


1. Histórias de praxes no em pleno teatro de operações da Guiné ? Claro que as houve! (*)... É o nosso alfero Cabral que o diz, respondendo a um pequena provocação minha:

(i) Luís Graça: E atão o alfero não tem estória cabraliana dessas ditas praxadas fraternais ? ... Fá Mandinga estava no roteiro das praxes, como já vimos com a história do "pira" Fernandes!... Eu próprio assisti a uma "praxe" ao alferes miliciano médico da 1ª CCmds Africanos, quando estava a a chegar a Fá Mandinga... Lembras-te, Jorge ? Estavas lá...nesse fim de tarde. Tu, o Barbosa Henriques...

(ii) Jorge Cabral: Luís Amigo! Já relatei uma praxe na minha estória, "O Hipopótamo,as Formigas e o Prisioneiro"-14/12/2007 (*).

Quanto à praxe do médico em Fá, [que foi praxado à sua chegada à 1ª Companhia de Comandos Africanos], lembro-me muito bem. Era o Drº Vasconcelos,o qual, segundo creio, também foi a Conacri [, no decurso da Op Mar Verde]. J.Cabral

Bom, parece está na altura de revisitar essa "estória cabraliana" publicada aqui há mais de 5 anos atrás (*), mna esperança de que outras, mais frescas, apareçam...

2. Estórias cabralianos > Quando o pira foi caçar um hipopótamo... e acabámos por apanhar um turra

por Jorge Cabral


Nem me lembro qual o Periquito que se apresentou naquele dia em Fá. Mas sei que,  ao anoitecer, saiu, equipado e armado, cumprindo a minha ordem. Objectivo: caçar um hipopótamo.

Levámos morteiro, bazuca e, para impressionar o novo combatente, até picámos o curtíssimo trajecto, que nos separava do rio. Perto da margem, emboscámos, vigiando as águas.

Para o Periquito era certo. Brancos e negros, já o tinham convencido, que todos os meses, caçávamos um enorme bicho.
- Ainda no mês passado, foi um elefante - afiançara-lhe o Monteiro.

Uma hora se passou porém, sem qualquer vislumbre do hipopótamo, embora o pira continuasse atentamente a espiar o rio, animado pelos incentivos dos outros que,  inventando indícios e sinais, lhe garantiam:
- Está quase!

Eis quando em vez do paquiderme, surgem as ferozes formigas, cuja predilecção testicular era nossa conhecida. Atacado nos ditos, o Periquito uivou de dor, aos saltos, e obedeceu aos nossos conselhos:
– Entra na água... Entra na água... senão eles caem!

O espalhafato, o barulho, a confusão, foram tão grandes que um turra acabado de cambar o rio, se entregou, julgando-se descoberto.

No dia seguinte, frente ao Sampaio (#), relatei,  com pompa e circunstância, a captura. Sim, com base em informações fidedignas, montara a emboscada. Do Hipopótamo, das Formigas, do Periquito, nem uma palavra.
- O Cabral é assim, um operacional de mão cheia - confidenciou depois o Major, ao Comandante (##).

Jorge Cabral
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(#) Major Herberto Amaral Sampaio, oficial de operações do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), a que estava adido o Pel Caç Nat 63. Substituiu o major Viriato da Silva.


(##) Ten Cor Jovelino Corte Real, o comandante do BCAÇ 2852, que susbtitiu o ten cor Pimentel Bastos (de alcunha, Pimbas), a quem o Com Chefe 'comprou um par de patins', na sequência do ataque a Bambadinca em 28 de maio de 1969.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 14 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11095: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (1) Quem discorda ? Quem concorda ?

(**) Vd. poste de 14 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2350: Estórias cabralianas (28): O Hipopótamo, as Formigas e o Prisioneiro (Jorge Cabral)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11095: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (1) Quem discorda ? Quem concorda ?


Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCS/BCAÇ 28161 (1969/71) > Finais de outubro de 1970 > Receção aos "piras do BCAÇ 2927.

A equipa de reportagem da RadioTelevisão de Bissorã (RTB) registou o grande momento. Ao volante o Fur Mec Meneses, no lugar do realizador o Fur Trms Gesteiro, o operador de câmara é o 1.º Cabo Trms Carlos Senra. "A velhice saúda os piriquitos!"...Foto do álbum do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf  da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70) (*)

Fotos: © Armando Pires  (2012). Todos os direitos reservados


1.  Tudo começou aqui, com a entrada do João Ruivo Fernandes para Tabanca Grande, e a sua narrativa da "praxe" a que foi submetido no Xime, em dezembro de 1972.  No fim, "paguei 2 garrafas de whisky e houve alegria" (sic)... Era um dos objetivos da praxe, nomeadamente aos piras, de rendição individual (**).

 Convenhamos que o tema merece um sereno debate, 40, 50, 60 anos depois da nossa passagem pela tropa (que era obrigatória no nosso tempo) e pela praticamente inevitável mobilização para o Ultramar (Índia, Angola, Guiné, Moçambique...). Tudo somado, eram no mínimo três anos das nossas vidas. Dos nossos verdes anos. Cá e lá, havia praxes.
___________________

(i) Vejamos o que é, no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

praxe |ch|
(grego prâksis, -eos, acção, transacção, negócio)
s. f.
1. Uso estabelecido. = COSTUME, ROTINA
2. Sistema ou conjunto de formalidades ou normas de conduta. = ETIQUETA, PRAGMÁTICA
3. O mesmo que praxe académica [: conjunto de regras e costumes que governam as relações académicas numa universidade, baseado numa relação hierárquica.

praxar |ch| - Conjugar
(praxe + -ar)

v. tr.
Submeter a praxe, nomeadamente a académica.
_______________

(ii) O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a obra máxima de referência da nossa língua, que reune o trabalho de cerca de 150 especialistas do mundo lusófono, sob a liderança do Instituto Antônio Houaiss,  diz o mesmo que o Priberam, só que com com mais detalhe:

praxe  (vocábulo que entra na nossa língua por volta de 1652), s.f.  > aquilo que habitualmente se faz; costuma, prática, rotina. Ser da praxe: 1. ser hábito,  estar integrado nos costumes; 2. ser a norma, o procedimento correto... Sinónimo: costume. (...)

Etimologia: do grego  prâksis, -eos, acção, execução, realização; empresa, condução de um caso (de guerra, de política);  comércio, negócio, intriga; maneira de agir, de ser, conduta (...)
_______________

Havia praxes na tropa ? E na guerra ? Sim... Quem é que não foi praxado, da Academia Militar à Escola Naval, do Colégio Militar à Escola de Fuzileiros Navais ? Do COM (Curso de Oficiais Milicianos) ao CSM (Curso de Sargentos Milicianos) ? Da recruta à especialidade ? A caminho da Guiné, na travessia do trópico de Câncer, à chegada à Guiné ?... Em que é que consistiam ? Eram práticas violentas e sádicas ou eram só para reinar, para brincar, para desopilar ? Contribuem para "criar espírito de corpo" e ajudar a "integrar o indivíduo" no cenário de guerra ou noutras situações-limite, ou destinavam-se, no fundo, a "destruir a individualidade, o espírito crítico" e, em última análise, reforçar os valores do militarismo, da lógica do comando-controlo, da disciplina cega, etc. ?

Precisam-se, histórias, recordações,  narrativas... de quem foi à guerra, deu e levou... "praxadas".- Entretanto, está a decorrer uma sondagem sobre o tema. Fecha no dia 19. Toda gente pode votar... uma evz. A frase, em relação à qual se pede a concordância ou a discordância é a seguinte: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... Toda a gente foi pira, o início da comissão. E, portanto, tem autoridade para falar do assunto. Para já ficam aqui os primeiros pontos de vista sobre as "praxes militares" (**).


1. João Ruivo Fernandes:

(...) Desembarquei no Xime [, CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74] , no dia 7 de Dezembro de 1972, para substituir um Furriel que, segundo informação recebida, tinha falecido numa emboscada, penso que era o Manuel da Rocha Bento.

No próprio dia em que cheguei ao Xime, sem que me apercebesse, fui sujeito a uma "praxe" que, inicialmente, foi violenta mas no final tornou-se engraçada. Puseram-me a comandar o meu pelotão e mandaram-me fazer uma operação no mato, a uma zona muito perigosa. Enfrentei vários problemas, soldados completamente "pirados", outros a não quererem continuar na missão, outros a não obedecerem às minhas ordens, etc. etc. Quando cheguei ao Quartel é que me informaram que tinha sido tudo a fingir. Paguei 2 garrafas de whisky e houve alegria.


2. António J.Serradas Pereira [, ex-adfl mil, CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74]  : 

(...) O Fernandes fez parte do meu grupo de combate, como ele diz, durante dois ou três meses
Foi "praxado" num dia que fomos a Fá Mandiga buscar pedras, não me recordo para quê, onde eu e o Sousa Pinto faziamos de soldados "muito reguilas". (...)


 3. Luís Graça [, foto à esquerda, com o Renato Monteiro, o "homem da piroga"; Contuboel, junho/julho de 1969]: 

(...) Quando cheguei ao BC 6, em Castelo Branco, em janeiro de 1969 fui "praxado", como 1º cabo miliciano... Portanto, já há muito que a malta usava a praxe na tropa... Aliás, a praxe é considerada como fundamental para criar "espírito de corpo" e ajudar a "integrar" os novatos... Sempre ouvi os militares do quadro a defender a praxe (e até a justificar os seus excessos...).

Mas mandar um "pira" para fora do arame farpado no Xime, tem que se lhe diga... Eu tenho as piores recordações do Xime, que foi no meu tempo (1969/71) um autêntico matadouro... No caso do Fernandes, acabou tudo em bem, mas podia ter dado para o torto. Releio a tua descrição:

Mas depois da explicação dada pelo Serradas Pereia, fiquei mais descansado...Afinal, o "local do crime" foi Fá Mandinga, a leste de Bambadinca... Domínios do nosso alfero Cabral, poderoso régulo no meu tempo... Não estava a imaginar o Fernandes, logo á chegada, a ir dar um passeio pela antiga estrada Xime-Ponta do Inglês... De qualquer modo, o Fernandes, com dois meses de Xime, não deve ter ficado com grandes memórias... Espero ao menos que tenham sido boas... Ou, se calhar, não, porque dali foi para o hospital. Enfim, tens que desenvolver esta história... Por acaso, no blogue, não há praxes... mas se calhar devia haver! (...)

4. Henrique Cerqueira [, (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), cfoto à direita]:

As praxes na tropa??? Quanto a mim,  e foi sempre essa a minha opinião, mesmo quando estudante, as praxes na maior das vezes serviram para "rebaixar"o praxado. Na tropa e em especial em Tavira fui de tal maneira e violentamente "praxado" que no miínimo ainda hoje só desejo aos antigos "praxadores", que se já morreram,  que a terra lhes seja pesada; se ainda não morreram,  que alguém se lembre deles e lhes abrevie o tempo...

Caros camaradas da Guiné,  até pode parecer violento o que digo ,mas quanto ao tema praxes,  ainda hoje sinto uma raiva que jamais perdoarei esses individuos. (...)

5. Jorge Cabral [, foto à esquerda, Pel Caç Nat 63, Fá e Missirá, 1969/71]:

Há Praxes e Praxes! Todo o  Periquito chegado ao meu Pelotão, era fraternalmente praxado.
Penso que todos alinharam e assim se integraram na Família.
Alfero-Praxante-Mor, J.Cabral
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Notas do editor:

(...) É destas praxes, destes momentos mais ou menos hilariantes, que cada um, no seu lugar e à sua maneira, preparava para receber condignamente aqueles que os vinham render, que quero dar testemunho nas fotos que se seguem. Peço desde já desculpa por algumas delas não serem “exclusivas”. De facto, algum tempo atrás, o Quim Santos, que pertenceu à CCAÇ 2781, que edita o blog “Guiné-Bissum” , pediu-me uma ou outra fotografia da sua chegada. Mas atrevo-me a oferecê-las ao nosso álbum por nele nunca ter visto semelhante tema retratado. Vamos a isso. (...)

(**) Vd. poste de 12 de fevereiro de 2013  > Guiné 63/74 - P11090: Tabanca Grande (396): João Ruivo Fernandes, ex-fur mil, de rendição individual, CART 3494 (Xime, dez 1972 / jan 1973), onde foi praxado... É agora o grã-tabanqueiro nº 605, apadrinhado pelo Sousa de Castro, grã-tabanqueiro nº 2

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11090: Tabanca Grande (386): João Ruivo Fernandes, ex-fur mil, de rendição individual, CART 3494 (Xime, dez 1972 / jan 1973), onde foi praxado... É agora o grã-tabanqueiro nº 605, apadrinhado pelo Sousa de Castro, grã-tabanqueiro nº 2



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Xime > CART 3494 > Dezembro de 1972 > O fur mil João Ruivo Fernandes, "periquito", em Bafatá, depois de um almoço na véspera de Natal.


1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro nº 2, o Sousa de Castro, com data de 7 do corrente:

Caríssimos camarigos editores,

Apresento mais um camarada d’armas João Ruivo Fernandes,  ex-Furriel Miliciano,  que rendeu na CART 3494 o malogrado, fur mil Manuel da Rocha Bento, morto em combate no dia 22 de abril de 1972.

Um abraço, 
Sousa de Castro

2. Mensagem do João Ruivo Fernandes, com data de 7/2/2013 (enviada diretamente para o mail do Sousa de Castro)

Assunto: Pedido de admissão à Tabanca Grande

Caro Sousa Castro


Junto as 2 fotografias, antiga e actual e a história da minha chegada e lembranças do Xime. Vou entrar na vossa Grande Tabanca e, quem sabe, futuramente participar nos vossos convívios anuais. Vou muitas vezes ao Norte, tenho um filho a morar em Braga.

Sou dos Lentiscais, uma aldeia situada a 18 Km de Castelo Branco, mas a minha morada é em Oeiras.

Junto mais 2 fotografias: uma, em almoço em Bafatá; outra em Bissau, mas não tenho a certeza do nome do Furriel que está comigo.

Sem mais de momento, um abraço,

João Ruivo Fernandes



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Xime > CART 3494 > Dezembro de 1972 > O fur mil João Ruivo Fernandes, "periquito" > Almoço de Natal. Legenda do Jorge Araújo (ex-fur mil op esp e também membro da nossa Tabanca Grande): "Da esquerda para a direita, furriéis Pacheco, Araújo, Neves, Fernandes e Godinho".

Fotos: © João Ruivo Fernandes (2013). Todos os direitos reservados



3. Praxado no Xime, no próprio dia da minha chegada  à CART à 3494 

por João Ruivo Fernandes

Sou o João Ruivo Fernandes, ex-Furriel Miliciano de Infantaria, colocado no Xime, em rendição individual.

Desembarquei no Xime, no dia 7 de Dezembro de 1972, para substituir um Furriel que, segundo informação recebida, tinha falecido numa emboscada, penso que era o Manuel da Rocha Bento. (**)

No próprio dia em que cheguei ao Xime, sem que me apercebesse, fui sujeito a uma "praxe" que, inicialmente, foi violenta mas no final tornou-se engraçada. Puseram-me a comandar o meu pelotão e mandaram-me fazer uma operação no mato, a uma zona muito perigosa. Enfrentei vários problemas, soldados completamente "pirados", outros a não quererem continuar na missão, outros a não obedecerem às minhas ordens, etc. etc. Quando cheguei ao Quartel é que me informaram que tinha sido tudo a fingir. Paguei 2 garrafas de whisky e houve alegria.

Mas a minha estadia no Xime não chegou a 2 meses. Durante esse tempo participei na actividade regular do meu pelotão, penso que era o 4.º, não posso precisar. Participei várias vezes, na segurança à estrada de Xime para Bambadinca , em Ponta Coli.

Lembro-me que na véspera de Natal de 1972, num domingo, eu e outros ex-camaradas fomos almoçar a Bafatá (junto fotografia).

Dia de Natal, segunda-feira, saímos para o mato às 6 horas da manhã e regressamos cerca das 11 horas. Houve depois um almoço para graduados e praças no qual esteve presente a mulher do Comandante.

No dia 31, final do ano, tivemos a visita do General Spínola da qual tenho ainda uma frase que ele proferiu no seu discurso: "Estais longe das vossas famílias mas estais perto da Pátria"

Na segunda quinzena de Janeiro de 1973, devido a doença, fui enviado para Bissau (Quartel dos Adidos) e posteriormente internado no Hospital Militar 241, até Abril de 1973. Aqui vi os piores horrores da guerra colonial, tantos militares mutilados.

Durante esta estadia em Bissau (, nos Adidos), opir volta de final de Janeiro de 1973, estive várias vezes com o Furriel Araújo ou Godinho, não me lembro do nome, mas junto fotografia que tirei com ele [, foto à direita,  sendo o  Fernandes o primeiro da direita]. Se algum ex-camarada me puder confirmar o nome, desde já agradeço. [No seu blogue, o Sousa de Castro, diz que o outro furriel é o Godinho].

Durante o mês de Abril de 1973, fui evacuado para Lisboa, estive no hospital da Estrela durante 6 meses. Em junta médica, passei aos Serviços Auxiliares e enviado novamente para a Guiné em Dezembro de 1973, onde permaneci até Agosto de 1974. Este percurso na Guiné, contá-lo-ei mais tarde se estiver dentro do espírito que o Blogue pretende atingir.

Um abraço, João Ruivo Fernandes

3. Comentário do editor:

Antes de mais, o meu/nosso obrigado ao Sousa de Castro, grã-tabanqueiro nº 2, que bem poderia ganhar o prémio de melhor angariador da Tabanca Grande!... Ele é o mais entusiástico e indefetível apoiante da nossa causa. Já perdi a conta aos camaradas cuja entrada ele apadrinhou, sendo uma boa parte pessoal da CART 3494 (, a companhia mais representada na Tabanca Grande). É um valente minhoto, e o primeiro camarada a bater à porta do nosso blogue, vai já fazer 9 anos!

Quanto ao João Ruivo Fernandes (que chegou ao blogue do Sousa de Castro através de um vídeo no You Tube), o nosso novo grã-tabanqueiro, com o número de entrada 605, é bem vindo, e fica a saber que vem enriquecer uma vasta e diversificada "caserna virtual", composta de gente oriunda das mais desvairadas  partes do país e da diáspora portuguesa, dos EUA à Austrália.

João: és o primeiro grã-tabanqueiro de Lentiscais, sítio por onde ainda não passei (, tanto quanto me diz o meu GPS mental)... Segundo leio na Wikipedia, a tua aldeia natal pertence à  freguesia e concelho de Castelo Branco, situando-se aproximadamente a 2 Km da margem esquerda do Rio Pônsul e albergando uma uma população de  200 almas, na sua maioria já idosas. "A população ativa dedica-se à agricultura, principalmente horticultura, olivicultura e vinicultura. Historicamente começou por ser um Monte, conforme outras aldeias vizinhas. As primeiras habitações foram construídas ao início da Rua Velha. Julga-se que contribuíram para o seu povoamento os pastores da Serra da Estrela que deixavam a Serra no inverno devido à neve (transumância). Hipóteses disso são a padroeira de Lentiscais (Nossa Senhora da Estrela) e várias famílias de apelido Serrano"... Enfim, fico com curiosidade em passar por lá, um belo dia destes. Até para relembrar os tempos (, escassos 2 meses, jan/fev 1969,   em que rapei o maior frio da minha vida) no BC 6, em Castelo Branco antes de ser mobilizado para o TO da Guiné...

O Sousa de Castro já te explicou as regras do jogo. Já pagastes as quotas e a joia: 2 fotos da praxe + 1 história. Queremos naturalmente saber o resto das tuas aventuras e desventuras pela Guiné. Pelo que percebi, terás ficado em Bissau, depois do teu demorado tratamento hospitalar (que te levou ao HM 241, em Bissau, e depois ao HMP, em Lisboa). Fica bem, desejo-te muita saúde, e que nos faças boa companhia, aqui à volta do poilão da nossa Tabanca Grande.  Espero poder conhecer-te brevemente. (LG)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 10 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11084: Tabanca Grande (385): José Carlos Lopes, ex-fur mil reabastecimentos, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), grã-tabanqueiro nº 604

(**) Vd. poste de 8 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9457: Memória dos lugares (174): 1.º e 4.º GCOMB da CART 3494/BART 3873 emboscados na Ponta Coli - Xime em 1972 (Sousa de Castro)

(...) Em 22 de Abril 1972 (...), na primeira emboscada, em Ponta Coli, o 1º Gr Comb sofreu um morto, o Fur Mil Manuel da Rocha Bento, natural de Ponte de Sor, onde está sepultado, teve 19 feridos, 7 dos quais graves. Foram louvados em 23 de abril de 1972, pelo comandante do CAOP 2 [, Bafatá,] o Fur Mil Manuel da Rocha Bento a título póstumo e o Fur Mil António Espadinha Carda. (...).

Vd. também poste de 3 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9698: O caso da ponta Coli, Xime-Bambadinca (Jorge Araújo)

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10185: Humor de caserna (27): Recepção aos piras do BCAÇ 2927 em Bissorã, em fins de outubro de 1970 (Armando Pires)

1. Mensagem do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70) com data de 16 de Julho de 2012:

Meus Caros Editores Camaradas:

Dias atrás, lembrou o régulo maior da nossa Tabanca que o verão está à porta e com ele, por causa dele, a habitual diminuição do produto “noticioso” ameaça deixar o mural da Tabanca a pão e laranja. E sugeria, como alternativa, a actualização e aprofundamento do nosso álbum fotográfico.

Faz tempo que dentro da minha cabeça bailava a vontade de dar o meu contributo para o enriquecimento dessa página do blog. Vamos então a ela, deixando para depois das férias as duas histórias que já se encontram alinhavadas nos rascunhos.

E começo pelo fim. Por aquele momento em que definitivamente respiramos fundo. O momento em que o pensamento voa longe, até que alcance a família, levando nas suas asas uma mensagem escrita que diz, sosseguem, mais uns dias e estou aí. O momento em que recebemos e damos as boas vindas aos que nos vêm render. Quem não recorda esses instantes que foram mistura de perplexidade e medo à chegada, de jubilo e paz na partida?

Tenho tão vivo e tão presente aquele 15 de Fevereiro de 69, quando saí da jangada e meti pé em terra firme de João Landim, assustado e atónito com tudo à minha volta, com uns tipos de camuflado de cor completamente diferente do meu a atirarem-me mãos cheias de amendoins (vim a saber depois que se chamava mancarra), ao mesmo tempo que gritavam, “salta periquito, vem que o paizinho quer ir para casa”, o bater metálico das culatras à rectaguarda, o roncar das Panhard  a ganharem posição na coluna, o arranque em grande velocidade estrada fora e, finalmente, a entrada no aquartelamento de Bula por entre filas de militares que se riam, que para nós se riam, com ar de quem mais parecia dizer, “coitadinhos, tão tenrinhos, nem sabem no que se metem”.

Depois, o tempo encarregou-se de tornar tudo isto normal, encarregou-se de em nós deixar fruir a ideia de que “a nossa hora também chegará”. E chegou em fins de Outubro de 1970, em data que a memória, a nossa e a deles, não consegue precisar.

Lá vêm os “piras”. 

Vindos da estrada de Mansoa, entram em Bissorã as primeiras viaturas que transportam a CCS e a CCAÇ 2781 do BCAÇ 2927. À sua espera a “Policia da Unidade”, formada pelo impagável Orlando Bonito, Fur Mil Amanuense, e o seu inseparável 1.º Cabo, o "Alentejano”, que se esforçou, todo o dia, por convencer os recém-chegados que, não obstante estarem “no mato”, tinham de andar devidamente escanhoados e ataviados, sem esquecer as botas devidamente engraxadas.

É destas praxes, destes momentos mais ou menos hilariantes, que cada um, no seu lugar e à sua maneira, preparava para receber condignamente aqueles que os vinham render, que quero dar testemunho nas fotos que se seguem. Peço desde já desculpa por algumas delas não serem “exclusivas”. De facto, algum tempo atrás, o Quim Santos, que pertenceu à CCAÇ 2781, que edita o blog “Guiné-Bissum” , pediu-me uma ou outra fotografia da sua chegada. Mas atrevo-me a oferecê-las ao nosso álbum por nele nunca ter visto semelhante tema retratado. Vamos a isso.


O pano é a legenda. "A ferrugem saúde os piriquitos". A festa dos putos é a vida.


Provocações! "Piras, tendes fome ? A velhice oferece-vos mancarra... Saltitão!...


A equipa de reportagem da RadioTelevisão de Bissorã registou o grande momento. Ao volante o Fur Mec Meneses, no lugar do realizador o Fur Trms Gesteiro, o camara é o 1.º Cabo Trms Carlos Senra. A velhcie saúda os piriquitos!"...


Esta até a mim me surpreendeu. Sobretudo ao ver que os pilantras foram aos fundos da enfermaria “gamar” as batas que não eram utilizadas mas que faziam parte do espólio a entregar. Aos protagonistas peço desculpa por me “faltarem” os nomes, mas vamos, a partir da esquerda: 1- “Setúbal”, pintor 2- Lameiras, mecânico 3- era o condutor da GMC rebenta-minas 4- o bate-chapas. O 5º sou eu, que também quis ficar para a posteridade. Cartazes: "Assistência à velhice", "Serviço de saúde ao domingo"...


Alinhada já no interior do aquartelamento de Bissorã, a coluna que transportou os homens do BCAÇ 2927.


Lindos e frescos, os periquitos sorriem para a objectiva. Aquele ali ao centro, de G3 com dilagrama e cigarro ao canto da boca, é o Furriel Cerqueira, o enfermeiro da CCS que me foi render.


E pronto! Chegou a hora de ir para casa. A nossa última coluna à partida de Bissorã para Bissau. Em primeiro plano a minha equipa. Juntos, unidos, como sempre estivemos naqueles 22 meses de Guiné. A contar da esquerda, eu, o 1º Cabo Enf Machado e os Soldados Maqueiros Maltez, Teixeira e João. Infelizmente, não está na foto o Soldado Maqueiro Daniel Agostinho, de cuja história já aqui vos dei conta no P9877. Esperou por nós em Lisboa e deu-nos uma grande alegria. 
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9562: Humor de caserna (26): Chocos recheados para curar o paludismo (Henrique Cerqueira)