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terça-feira, 24 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21579: (In)citações (172): Frei Francisco Macedo (1924-2006), um madeirense, homem de Igreja e de Cultura, profundamente ligado à história contemporânea da Guiné-Bissau (Paulo Salgado, ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)


Guiné- Bissau > Bissau > c. 2010 > Vista aérea do centro histórico: Av Amílcar Cabral (, antiga Av da República, que partia da Praça do Império). Em primeiro plano, a Catedral de Bissau. 


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (*)



Paulo Salgado

1. Mensagem do Paulo Salgado [ex-Alf Mil Op Esp, CAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72); transmontano de Torre de Moncorvo, administrador hospitalar reformado;  autor dos livros, "Milando ou Andanças por África", "Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier"; autor também da série do nosso blogue, "Bombolom"; tem mais de um centena de referências no blogue]


Data - 27/10/2020 , 22:28
Assunto - O Padre Macedo: a memória de um franciscano, um cidadão e um clérigo exemplar.

Camaradas do Blogue,

Desejo partilhar convosco uma referência ao Padre Francisco Macedo, natural da Madeira, tendo-lhe sido prestada uma singela e sentida homenagem em 2007. Mas nunca é demais recordá-lo. 

Por esta razão, respigo, abaixo, alguns trechos da referida homenagem. Escreveu-se, bem, sobre Frei Heitor Pinto Rema (**). Permiti-me que invoque Frei Francisco Macedo.

Confesso que não conhecera o Frei Francisco Macedo, no tempo da guerra; apenas travei conhecimento com este grande cidadão e clérigo por força de duas circunstâncias felizes.

Na minha primeira ida à Guiné-Bissau, entre Novembro de 1990 e Outubro de 1992 – portanto quase dois anos, tantos quanto a tal estada entre 1970 e 1972 – fui à residência dos franciscanos para cumprimentar o Padre Sobrinho, também franciscano, irmão do Dr. Sobrinho, meu antigo professor no Colégio Campos Monteiro, em Torre de Moncorvo. Naquele momento, tive oportunidade de conhecer o Padre Macedo. Por três vezes visitei os decanos franciscanos na sua residência e havia…um sempre um Porto!

O segundo aspecto respeita ao facto de a minha filha Maria Paula (quinze anos) ter sido aluna de Português (11.º ano) do Padre Macedo. Com a temperança que se lhe reconhecia, os alunos adoravam-no. E acabavam por aprender a língua portuguesa. 

Um dia, fui buscar a Maria Paula ao fim da tarde, e o Padre Macedo chamou-me e disse: "Sabe, a sua filha é, talvez, a melhor aluna de Português que tive ao longo de mais de quarenta anos".

Claro que fiquei feliz!  (***)

Paulo Salgado 
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Frei Francisco Macedo: Homem de Igreja e de Cultura (1924-2006)  (Excertos)

Ecclesia > Abr 4, 2007 - 10:57  

Realizou-se no passado dia 1 de Abril, uma homenagem póstuma ao Fr. Francisco Macedo, no Centro Cultural John dos Passos, na Ponta do Sol, Made
ira.

Sendo o primeiro sacerdote franciscano natural da Ilha da Madeira, após a extinção das Ordens Religiosas em 1834, pretendeu-se com esta homenagem dá-lo a conhecer na sua terra natal e perpetuar a sua memória. 

Esta homenagem contou com o apoio da Câmara Municipal da Ponta do Sol e da Direcção Regional dos Assuntos Culturais. Para além dos autarcas locais, marcou ainda presença o Bispo do Funchal, D. Teodoro de Faria e o Provincial dos Franciscanos, Fr. Isidro Lamelas. (...) 

Fr. Macedo nasceu na Ponta do Sol a 2 de Abril de 1924. Por influência da avó paterna, terceira franciscana, entrou para a Ordem Franciscana em 1937 (Colégio de Montariol, Braga), tendo realizado a Profissão Solene em 1946, no Convento de Varatojo, e a Ordenação Sacerdotal em 1949, no Seminário da Luz, em Lisboa. 

Após uma curta permanência na Casa de Sto. António à Sé, partiu para as missões da Guiné-Bissau em 1951. Como missionário distinguiu-se, sobretudo, como pedagogo e educador da juventude. Sendo professor do Liceu Honório Barreto, em Bissau, recebeu a mais alta distinção do país pelos bons serviços prestados ao serviço da Educação: a condecoração com a Ordem de Instrução Pública, a 4 de Fevereiro de 1968, pelas mãos do então Presidente da República, Américo Tomás. 

Em 1973 toma posse como Reitor do mesmo Liceu, na presença do então Governador da Guiné, General António Spínola, sendo reconduzido no cargo, em 1975, pelos novos dirigentes da Educação, após a independência do país. 

No ano seguinte, convidado a trabalhar no Ministério da Educação, torna-se Assessor e Conselheiro do Ministro da Educação, chefiando o Gabinete de Planeamento e Estatística, departamento central do ministério. 

Foi ainda Director do Liceu Diocesano João XXIII, desde 1983, por indicação do Bispo de Bissau, D. Septtimio Ferrazetta. (...)

Fr. Macedo dedicou-se ainda à promoção do cinema, da fotografia, do teatro e da dança. Contudo, foi na música e no canto que mais se fez sentir o seu pendor artístico.

Criou o Orfeão de Bula, com cerca de 100 vozes, executando, estes, canções em latim, a três e quatro vozes, na Catedral de Bissau, nos ofícios e cerimónias da Semana Santa.

Presidiu à Comissão Diocesana de reforma e adaptação do canto litúrgico, tendo musicado, em três livros, os salmos dominicais vertidos para o Crioulo.

Foi ainda o responsável pela encomenda do órgão de tubos da Catedral, de fabrico alemão, em 1955, por ocasião da visita do Presidente da República, Higino Craveiro Lopes, tendo composto a música e letra de um hino, para esse efeito, que ficou célebre em toda a Guiné.

Deixando de trabalhar no Ministério da Educação da Guiné, em 1989, é condecorado pelo Governo do país que o louvou, oficialmente, pela Ordem nº 1/89, do Conselho de Ministros, reconhecendo-lhe as “excepcionais qualidades reveladas no exercício das diferentes funções que lhe foram confiadas no âmbito da educação, pelos seus dotes de inteligência, capacidade de trabalho, dedicação e espírito de sacrifício do que adveio uma profícua colaboração em prol do ensino, o que é grato destacar em sinal de reconhecimento do governo e do povo guineense”.

Em 1997, regressa a Portugal, por motivos de saúde. Após algum tempo no Convento de Leiria, foi colocado no Convento de Nª. Sra. da Penha, no Funchal. 

Foi Superior da Fraternidade, Assistente da União Missionara Franciscana (UMF), Capelão do Instituto Prisional da Cancela e, sobretudo, Confessor em muitas comunidades religiosas e paróquias. Faleceu a 6 de Março de 2006. 

 
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Notas do editor:


(*) Vd. poste de 14 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20344: Roteiro de Bissau: fotos de c. 2010, de um amigo do Virgílio Teixeira, empresário do ramo da hotelaria - Parte I


(***) Último poste da série > 6 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21520: (In)citações (173): Muitos parabéns, Professor Jorge Cabral, meu Mestre! (Petrouska Ribeiro, Luanda)

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23724: Notas de leitura (1508): Algumas (breves) notas sobre missionação (V) - Conheci de perto dois padres franciscanos na minha estada na Guiné-Bissau: os padres Macedo e Sobrinho. E, bem ainda, o bispo Settimio Artur Ferrazzeta, padre franciscano, italiano, o primeiro Bispo da Guiné-Bissau (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Cordeiro Salgado (ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 17 de Outubro de 2022:

Caros Camaradas,
Ainda mais este texto.
Obrigado.
Paulo Salgado



Algumas (breves) notas sobre missionação - V

Paulo Salgado

Mandou-me o nosso camarada do Blogue, Mário Beja Santos, por especial deferência, a História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema, padre franciscano, dado à estampa em 1982 pela a Editorial Franciscana, Braga.

No essencial, este valioso documento refere, com detalhe, o Encontro (expressão de que gosto – já usada por Bartolomé de las Casas) entre dois mundos: um, o invasor, o conquistador pela espada e pela fé, outro, o invadido, o conquistado pela espada e pela fé. E como se manifestou a presença dos missionários na costa da Guiné (no sentido amplo: vai para além do Bojador até ao Cabo Não).
Está referido, entre muitas outras peripécias, o seguinte:
"que por aqui andaram em 1584 uns frades carmelitas descalços, tendo sido uma falhada tentativa de fixar uma missão carmelita na Guiné. Frei Cipriano, carmelita, escreveu de Cacheu ao bispo de Cabo Verde acerca da visita de um rei de Caió, D. Bernardo, juntamente com 300 súbitos, a pedir o batismo e uma igreja no seu reino. André Álvares de Almada, refere no seu Tratado a pessoa de João Pinto, padre preto, natural da Guiné, evangelizando em região hoje pertencente ao Senegal. Almada fala dos negros Jalofos “que começam no rio Senegal”: “Esta nação dos Jalofos é mais dificultosa em receber a fé de Jesus Cristo Nosso Senhor que todas as outras nações dos negros da Guiné, porque quase todos seguem a seita de Mafoma. E ano de 1589 foi um clérigo preto por nome João Pinto àquele reino para os fazer cristãos e não fez fruto algum neles, e por isso se foi para outras nações".

Exactamente por ter tomado conhecimento deste frei Cipriano, sabendo ou imaginando o que os frades penaram num mundo tão desconhecido, ficcionei uma crónica que consta do meu livro “Guiné-Crónicas de Guerra e Amor”.

No entanto, por certo que, se tiver tempo, o Mário Beja Santos se pronunciará sobre esta magnífica obra que incide sobre a missionação no período compreendido entre os séculos XV e XX.

Como anteriormente referi, conheci de perto dois padres franciscanos na minha estada na Guiné-Bissau: os padres Macedo e Sobrinho. E, bem ainda, o bispo Settimio Artur Ferrazzeta, padre franciscano, italiano, o primeiro Bispo da Guiné-Bissau, autor do livro que está a ser distribuído às comunidades com título italiano “Sono Allora Africano” (Agora sou Africano), publicada pela Associozione Rete Guinea Bissau onlus.
A obra é uma coletânea de cartas de Dom Settimio escritas a partir de Bissau à sua família, desde que veio a esta terra 1943 até partir para o Pai, em 1999.

Para os bispos de Bafatá e Bissau, num texto de apresentação da obra, Settimio é o autentico "homem garandi", o ancião em plenitude por conquistar o coração de todo o povo da Guiné-Bissau, com o seu génio simples de comunicar o Evangelho. (in "Igreja Católica na Guiné-Bissau").


D. Settimio Artur Ferrazzeta, primeiro Bispo da Guiné-Bissau

Aqui fica a minha singela homenagem, pois dele ouvi palavras de um verdadeiro missionário.

Paulo Salgado

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Nota do editor

Poste anterior de 18 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23716: Notas de leitura (1507): Algumas (breves) notas sobre missionação (IV) - Fundo Documental do Prof. Santos Júnior, localizado no Centro de Memória de Torre de Moncorvo (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23634: Historiografia da presença portuguesa em África (335): As missões católicas na evolução político-social da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Reiteradas vezes aqui se tem feito referência ao padre António Joaquim Dias, um franciscano que viveu 8 anos na Guiné e que deixou descrita a história das missões católicas na Guiné, foi o pioneiro, mais tarde distinguir-se-á o trabalho, que continua a ser referência essencial, do padre Henrique Pinto Rema, já aqui largamente citado. Faz-se sinopse de uma conferência proferida por este missionário franciscano em agosto de 1942, ele dá conta desse historial missionário e da obra que se começou a efetuar a partir de 1932, data marcante para o reinício da atividade missionária na Guiné, onde os franciscanos preponderavam e preponderam.

Um abraço do
Mário



As missões católicas na evolução político-social da Guiné Portuguesa

Mário Beja Santos

Não é a primeira vez que aqui se fala no missionário franciscano padre António Joaquim Dias [foto à direita], viveu na Guiné mais de 18 anos, e sobre ela escreveu abundantemente, no boletim mensal dos missionários franciscanos, como leitor recordará. No entanto, este sacerdote virá a destacar-se como investigador e historiador com nome de António Joaquim Dias Dinis, foi mesmo condecorado em 1961 com a Ordem do Infante pelos seus relevantes trabalhos. Não deixou de ter polémicas, como aquela que travou com Teixeira da Mota pela descoberta da Guiné.

Proferiu uma conferência sobre as missões católicas no curso de férias da Faculdade de Letras de Coimbra, em 20 de agosto de 1942, e o seu trabalho de marca científica será publicado na revista Biblo, volume XIX, 1943. Começa por referir que regressara há meses da Guiné após 8 anos consecutivos de atividade nas missões católicas. Dedicara-se ao estudo do passado da colónia, nomeadamente das suas missões, razão pela qual aceitara o convite para abordar este tema.

Não ilude verdade, diz serem bastante débeis os ecos da nossa atuação missionária na Costa da Guiné, do século XV ao século XX, não existiam ruínas nem vestígios do passado missionário. Dá ao auditório um vasto leque de informações, desde a geografia à etnografia. Apresenta-lhes uma definição de missões católicas: assistência e ação religiosa e civilizadoras, dos sacerdotes católicos e dos seus colaboradores leigos. E recorda que a Guiné Portuguesa é o território que pertence a Portugal desde que no século XVII principiou o cerceamento dos nossos vastos domínios. A delimitação da Guiné, a Terra dos Negros, principiava a norte na margem do rio Senegal, e faz então uma citação do Canto V d’Os Lusíadas, estrofe 102:
A província Jalofo, que reparte
Por diversas nações a negra gente.


Cita documentos comprovativos sobre a finalidade religiosa dos Descobrimentos, lembrando que em 1455 o Infante D. Henrique entregara a espiritualidade da Guiné à Ordem de Cristo. Em 1462, o Papa Pio II, em breve dirigido a um bispo de Rubicão, nas Canárias, diz constar-lhe que ele andava empenhado em converter infiéis, moradores nas ilhas Canárias na província da Guiné, e que, em razão da pobreza da terra e dos habitantes, os presbíteros e clérigos seculares se recusavam a viver ali.

O conferencista destacou a atividade missionária de Frei Afonso de Bolano, nomeado pelo Papa Xisto IV, em 1472, Núncio Apostólico para a conversão dos infiéis, a viverem em Granada, Guiné, África e ilhas do Atlântico. Tal nomeação gerou polémica com os superiores das Ordens Religiosas, e a decisão acabou por ser revogada. No entanto, Xisto IV outorgou em 1475 que Frei Afonso Bolano recrutasse 16 religiosos da família franciscana nas províncias de Portugal, Santiago de Compostela, Castela e Aragão. Esta missionação revelou-se ineficaz, por várias causas: isolamento em que viviam os visionários; clima mortífero; o islamismo tudo fazia para dificultar a atividade missionária; antipática e até a hostilidade do indígena para com o europeu, em razão da escravatura. E observa: “Não me parece que a Missão tenha findado por menos zelo dos obreiros; mas sim por motivos idênticos aos que tornaram improfícuas as expedições dos missionários dominicanos a Benim e ao Senegal em 1487 e 1488, respetivamente”.

Foram depois chamados os Jesuítas para fundar um colégio em Cabo Verde e missionário na Guiné. Os Jesuítas enviaram os padres Baltasar Barreira, Manuel de Barros e Manuel Fernandes e o irmão leigo Pedro Fernandes. Barreira apresentou o seu programa ao Provincial dos Jesuítas: tratava-se de uma missão para examinar as condições da região e sugere que ela se mantenha no maior segredo. O padre Baltasar Barreira partiu de Santiago em dezembro de 1604, aportou em Guinala, no rio Grande de Buba, e daqui desceu para a Serra Leoa. Na sede em Lisboa dos Jesuítas, em São Roque, deu-se uma inflexão estratégica, ofereceram-se padres para Angola, pois considerou-se que Cabo Verde era insalubre para ter um seminário. Aconteceu que não foi concedido a Companhia de Jesus o exclusivo da missionação de Angola, foi nomeado para Bispo de Angola e Congo um dominicano. Então os Jesuítas fundaram uma missão na Serra de Leoa, foi aqui que Baltasar Barreira e Manuel Álvares encetaram atividade missionária. O rei Filipe, em 1608, mantinha os Jesuítas em Cabo Verde e ordenava visitas à Guiné. Em Cabo Verde fundar-se-ia uma casa professa. Dificultava-se a ida de padres para a Guiné alegando que faziam falta em Cabo Verde. Em 1642, os Jesuítas abandonaram definitivamente Cabo Verde e Guiné.

Escreve o autor: “É digno de censura a teimosa dos reis castelhanos, que, por via do colégio e por coisas de somenos importância, impediu a missão missionária na Costa da Guiné, precisamente quando ela ali era mais necessária”. E regressaram então os franciscanos.
Aos poucos, a presença estrangeira cresceu na Costa da Guiné. Houve projetos de introduzir Capuchinos Italianos, mas não se concretizou. Os franciscanos chegaram a Cabo Verde em janeiro de 1657. Desembarcaram em Cacheu dois padres, em 1660. Principiaram a sua atividade na etnia Banhum e passaram a Farim, seguiram para os Cassangas e depois o Casamansa. E chegaram a Bissau onde os cristãos estavam abandonados e a igreja paroquial encerrada.

Foram criadas, nas décadas seguintes, hospícios em Cacheu, Bissau e Geba. O primeiro bispo de Cabo Verde que visitou Guiné foi D. Frei Vitoriano do Porto, e por duas vezes. O autor traça um martirológico missionário impressionante. As ordens religiosas entraram em franca decadência em finais do século XVIII. Deu depois a extinção das Ordens, em 1834, foi golpe mortal na região, as cristandades definharam. O renascimento deu-se em 1932, com a reabertura da missionação: renasceram as antigas paróquias de Bissau, Bolama, Cacheu e Geba. “Na Missão Central de Bula, nas escolas missionárias de Bissau, Có, Pelundo, Churo, Cacheu, Geba, Bor, e no asilo-creche de Bor, as futuras gerações aprendem a amar a Deus”.

Asilo da Infância Desvalida de Bor, em 1939
Em Geba reabilita-se uma Igreja
Imagens da missão franciscana na Cumura, na atualidade
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23616: Historiografia da presença portuguesa em África (334): Personalidades e olhares sobre a Guiné que poucos recordam ou conhecem (Mário Beja Santos)

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21511: (In)citações (172): Contradições… Já são demais, texto extraído do livro "Estilhaços..." de Joaquim Coelho (Abel Santos)

1. Em mensagem do dia 29 de Outubro de 2020, o nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) enviou-nos este texto intitulado "Contradições... Já são demais", retirado do livro "Estilhaços...", com a devida autorização do seu autor, o Sargento Paraquedista Joaquim Coelho.


Contradições… Já são demais

Joaquim Coelho

Se servir nas Forças Armadas exige disponibilidade total, mesmo da própria vida, é preciso que os incentivos cativem os interessados mais capazes.

Com o fim do SMO (Serviço Militar Obrigatório) criou-se um vazio muito grave no percurso de formação cívica dos cidadãos. Apesar de ser um serviço incómodo para os mais bem instalados na sociedade, é nas Forças Armadas que se cultivam os mais nobres valores da ética e da disciplina, bem como os valores patrióticos e de cidadania que deveriam ser preservados, difundidos e absorvidos pelos jovens da sociedade. Os padrões da disciplina e a cultura da mística fundamentada nas tradições castrenses ajudam a moldar a personalidade dos mancebos dentro dos princípios da responsabilidade e do respeito da causa pública. As Forças Armadas são a mais importante instituição para defesa da coesão nacional, onde a camaradagem ajuda a fortalecer o espírito de corpo determinante para levar acabo as mais diversas acções com vista à defesa da soberania nacional e da liberdade democrática.

É notório que a maior parte dos governantes não está à altura de entender o que é a vida militar. Porque não querem ou porque pertencem à “vanguarda dos covardes e desertores” que renegaram o serviço militar e a defesa da Pátria. Não percebem que é preciso um forte “espírito de corpo” para enfrentar situações de perigo, em que cada um defende o espaço onde se movimentam os companheiros, na reciprocidade da ação comum. Muitos governantes deste país nunca souberam quanto é desconfortável andar dias seguidos com as fardas encharcadas, dormindo no chão e alimentados por rações de combate que, grande parte da população acharia intragáveis. As consequências para a saúde aparecem mais tarde, desgastando o corpo e o espírito mais precocemente, pelo que necessitaram de tratamentos e cuidados de saúde mais específicos e adequados.

Se as remunerações não compensarem o esforço do desempenho as evoluções nas carreiras se processarem com décadas de atraso e os incentivos se reduzirem a zero, não tarda nada que nas Forças Armadas (única instituição isenta na salvaguarda dos valores patrióticos) fique apenas os incapazes e os desafortunados. Depois, em vez da pujança física e capacidade moral vamos ter umas Forças Armadas deprimidas e compostas de gente desmotivada, incapaz e infeliz. Estamos a assistir ao desmoronar dos alicerces que sustentam as instituições chave da democracia: Forças Armadas e Justiça.

Quando vemos os políticos, incapazes e incompetentes, a afrontar as instituições mais credíveis do país, tentando modelá-las à sua imagem e semelhança, não atendendo à especificidade das respectivas necessidades básicas, só podemos esperar novos protestos que poderão conduzir a um levantamento nacional que os ponham na ordem ou mande para o inferno, antes que Portugal se afunde mais no caos económico e na corrupção instituída, alguém terá de dizer basta e imitar a Maria da Fonte.
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21485: (In)citações (171): Frei Henrique Pinto Rema, OFM, hoje com 94 anos, Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique (2018), autor da "História das Missões Católicas na Guiné" (1982) (João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, Nova Iorque)

quarta-feira, 23 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23102: Historiografia da presença portuguesa em África (309): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (13) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Há que reconhecer o incontestável mérito desta investigação, Senna Barcelos, à luz dos conhecimentos do seu tempo, procurou fazer um levantamento da história de dois territórios desde a chegada da presença portuguesa, é hoje muito fácil dizer que já se investigou muito e que se esclareceu pontos que o autor deixou na obscuridade. O dado relevante é a pesquisa nos arquivos a que ele procedeu de forma meticulosa de modo que podemos dizer sem hesitação que é a primeira vez que se possui um quadro histórico dessa presença na Guiné até ao momento em que esta foi desanexada de Cabo Verde, em 1879. Há lacunas, caso da presença missionária, que está hoje felizmente coberta no trabalho incontornável de Henrique Pinto Rema. Senna Barcelos dá-nos um retrato ímpar dessa presença, envolve-a numa atmosfera de permanentes conflitos com os gentílicos, vivem entre eles em pé de guerra, sempre numa atitude de conquista, e só muito gradualmente vão aceitando a presença portuguesa que ganhará alguma efetividade depois da campanha de Teixeira Pinto na ilha de Bissau. E são elementos que não constam do trabalho de Senna Barcelos, para o tempo ele deixou-nos um quadro valioso do que foi acontecendo no Casamansa e de como a diplomacia portuguesa ao submeter a questão de Bolama e territórios adjacentes à postura arbitral do presidente dos EUA Ulysses Grant garantiu a dimensão sul do território da Guiné-Bissau. Para que conste.

Um abraço do
Mário



Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (13)

Mário Beja Santos

São três volumes, sempre intitulados Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, as partes I e II foram editadas em 1899, a parte III, de que ainda nos ocupamos, em 1905; o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense.

Hoje se conclui este punhado de recensões a uma obra incontornável, Senna Barcelos irá despedir-se do leitor no exato momento em que a Guiné, ainda sem fronteiras definidas, se autonomiza de Cabo Verde, um desastre militar ocorrido em chão Felupe desencadeou tal decisão política tomada por Lisboa. Em 26 de abril de 1859 faleceu na Praça de Bissau Honório Pereira Barreto e o Governador-geral pronto declarou: “A morte do honrado, inteligente e patriota desinteressado, Honório Pereira Barreto, Governador da Guiné, que muito temos a lastimar, não foi efeito de causas extraordinárias. A falta do único homem que conhecia profundamente a Guiné, que estendia a sua influência para o interior e na costa a uma grande distância, instruído e sempre pronto ao serviço do seu país é uma perda irreparável”.
E o autor traça um extenso currículo dessa figura determinante da primeira metade do século XIX na Guiné. Em fevereiro do ano seguinte, o Governador-geral deu ao novo Governador da Guiné, António Cândido Zagalo, instruções sobre as diferentes obras de utilidade para o distrito, a saber, no caso de Bissau: obter uma área em volta da praça de São José de Bissau que deverá ser limitada e defendida, reparar as muralhas da Praça e desentulhar os fossos, cuidar do reparo do quartel, construir uma alfândega e um cais em frente da vila, cuidando também do estabelecimento de uma povoação em frente da vila de Bissau, no Ilhéu do Rei. Quanto a Cacheu, impunha-se alargar a área da povoação da vila, reparar os quartéis e alojamentos, construir um cais em frente da povoação tal como em Bissau. E tanto em Bissau como em Cacheu o novo Governador devia ter em vista a abertura de poços, próximos às povoações, que forneçam água aos habitantes para usos domésticos.

Mas recuemos a 1858, a questão de Bolama marca hostilidades permanentes. Em 4 de junho aportara a Bolama um vapor de guerra inglês carregado de arroz para distribuir aos escravos, ali refugiados, dos seus donos, de Bissau, Rio Grande e Ilha das Galinhas. Fazia esta distribuição o preto David Lawrence, encarregado daquela ilha pelo governo inglês. Depois daquela data nenhum outro navio inglês visitou Bolama, acabou-se o arroz e os escravos voltaram à casa dos seus donos. Os ingleses, à falta de argumentos para provarem os seus, quanto à legitimidade da posse de Bolama e áreas circunvizinhas, continuavam a provocar conflitos com os portugueses, pretendiam promover uma colonização inglesa com escravos portugueses, a troco de umas libras de arroz. Mais adiante, esteve iminente um grande conflito provocado por este David James Lawrence, senhor da Ponta Lawrence em Bissássema contra o negociante português Martinho da Silva Cardoso, senhor da Ponta Martinho, o Governador Zagalo teve de intervir. Senna Barcelos refere que o governador recebera uma carta de um súbdito britânico, Thomas W. Cowan, mestre-escola em Bolama, condenando o procedimento de David Lawrence. Zagalo procurou apurar a verdade dos factos e pediu o apoio das autoridades gentílicas, o conflito ficou temporariamente sanado. Mas, entretanto, o Governador da Serra Leoa escreveu ao Governador da Guiné declarando que tinha em posse tratados que comprovavam que Bolama, o Rio Grande de Bolola e Buba pertenciam à Grã-Bretanha. Zagalo respondeu-lhe polidamente, deixando para as autoridades de Lisboa a resposta. E escreve para o Governador-geral: “Não posso deixar de duvidar da legalidade dos documentos apresentados, porque os reis designados no termo da cessão da ilha de Bolama jamais foram senhores daquela ilha, nem das outras do Arquipélago dos Bijagós, a quem pertencem, e não aos Beafadas do citado rio, cuja margem esquerda até Bolola também pertence aos reis de Orango e Canhabaque que à força conquistaram aos Beafadas em época muito anterior à data do referido termo de cessão”. E no mesmo documento o Governador clarifica a falta de direitos históricos dos franceses no Casamansa.

A diplomacia portuguesa procura uma arbitragem para a questão de Bolama, é o que faz o Conde do Lavradio junto de Lord John Russell. As reivindicações britânicas a Bolama não param, do lado português envolvem o Duque de Loulé e o Conde d’Ávila. A questão que Portugal propõe que se submeta a arbitragem é o exame do fundamento com que as duas nações, Portugal e Inglaterra, reclamam a posse e a soberania da ilha de Bolama, e também o facto de a Inglaterra clamar ainda mais alguns territórios no continente africano.

Senna Barcelos não esquece de registar outros conflitos, caso do que se passa na região do Geba em 1865, envolvendo Futa-Fulas contra Mandingas. O território do Geba pertencia ao rei de Ganadú, este resistiu ao ataque dos Fulas e estes pediram a paz. Também nesse ano o Governador-geral deu conhecimento de um contrato feito pelo Governador de Cacheu com os régulos das regiões limítrofes de Ziguinchor. À volta do presídio de Geba, os Fulas revelavam-se hostis, a questão só será apaziguada mais tarde. Prosseguem as hostilidades britânicas, a bandeira portuguesa é sistematicamente arreada em Bolama, e enquanto isto se passa reacendem-se os conflitos no Rio Grande entre Fulas e Beafadas.

Em 26 de outubro de 1868, solicitou o ministro Carlos Bento ao nosso diplomata em Washington, Miguel Martins d’Antas, a sua intervenção junto de Mr. Seward para este diligenciar se o presidente dos EUA se prestava a arbitragem, a resposta favorável chega a 20 de novembro. O Conde d’Ávila dirige a redação da exposição histórica e jurídica dos factos, acompanhada das provas aduzidas em apoio da mesma, a qual foi enviada para Washington. A sentença favorável a Portugal foi proferida a 21 de abril de 1870 e em 1 de outubro desse ano a bandeira inglesa foi arreada em Bolama. Em maio do ano seguinte determinou-se que o território da Ilha de Bolama e do Rio Grande fosse considerado um concelho do distrito da Guiné.

Dá-se a insubmissão da região do Churo a Cacheu. No final do ano de 1876 criou-se na Guiné uma comarca judicial, com sede em Bissau. E chegamos ao desastre de Bolor. Em 30 de dezembro de 1878 foi massacrada na margem direita do rio Bolor uma força militar que para ali fora com o governador do distrito. O impacto do desastre chega a Lisboa e o Governo decretou em 18 de março de 1879 a desanexação do distrito da Guiné da província de Cabo Verde, a Guiné passava a ser uma província independente e o seu primeiro Governador foi Agostinho Coelho.

Há que fazer o comentário de que estes últimos anos do acompanhamento dos factos históricos da Guiné por Senna Barcelos decorrer a um ritmo muito apressado e apresentado de forma muito sincopada. Ele termina o seu trabalho dizendo: “Ao fim de darmos as nossas investigações que datam de 1460 podemos dizer que os maiores benefícios que a província experimentou começaram em 1859”.

E aqui também damos por finda a extensa recensão daquela investigação que bem merece se encarada, em período contemporâneo, como o primeiro arremedo historiográfico que foi conferido à Guiné.


Mapa histórico da Senegâmbia em 1707
Imagem retirada do blogue ePortuguêse, com a devida vénia
Destroço da estátua de Honório Pereira Barreto no interior da fortaleza de Cacheu
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23085: Historiografia da presença portuguesa em África (308): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (12) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19023: Os nossos capelães militares (9): segundo os dados disponíveis, serviram no CTIG 113 capelães, 90% pertenciam ao Exército, e eram na sua grande maioria oriundos do clero secular ou diocesano. Houve ainda 7 franciscanos, 3 jesuitas, 2 salesianos e 1 dominicano.









Fonte: Henrique Pinto Rema - "História das Missões Católicas da Guiné": Editorial Franciscana, Braga, 1982, pp. 709-712 (Vd. a extensa recensão bibliográfica feita pelo nosso camarada e colaborador permanente Mário Beja Santos)


1. Vendo a lista,  supra, dos capelães militares (sim, porque também há capelães hospitalares, há ou havia capelães nas prisões, nos navios da marinha mercante, etc.), que seviram no TO da Guiné, entre 1961 e 1974, podemos fazer algumas leituras interessantes, em complemento dos comentários já feitos pelos nossos leitores (*):

O exército é de longe o ramo das forças armadas que mais mobilizou capelães: 102 num total de 113, ou seja, mais de 90%.  A presença de capelães na FAP (n=7) e na Marinha (n=4) é diminuta. Na Marinha, só há registo da presença do 1º capelão a partir de finais de 1965. E na FAP,  logo no início de 1964.




Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


Foram mobilizados, em média, 7 capelões por ano, no período entre o início (1961) e o fim da guerra (1974). Mínimo: 2 (em 1962) e máximo 13 (em 1969 e em 1970) (Gráfico nº 1).

Em dois casos (os nºs 92 e 93 da lista supra) sabe-se que terminaram a comissão em 23/9/1974, mas é omisso o ano de início: presumimos que fosse 1973.

Constata-se  que todos, no geral, cumpriram a comissão de 21/22 meses, que era a norma no TO da Guiné, para o pessoal do Exército. Um ou outro fez "mais do que uma comissão".

Um dos capelães que esteve mais tempo no CTIG é o Joaquim Dias Coelho (nº 16): esteve lá 5 anos, deu-se bem com a Guiné... Percebe-se: era o capelão-chefe (fevereiro de 1964/ março de 1969). E devia viver, em Bissau, no célebre "Vaticano",  a moradia reservada aos capelões-chefe.

O salesiano Serafim Alves Monteiro Gama (nº 15 da lista) também exerceu funções de capelania durante mais de 5 anos (de 1964 a 1969).

Mas deve ter sido o franciscano (OFM) Manuel Pereira Gonçalves (nº 91 da lista ) que deve ter batido o recorde em termos de tempo: 6 anos (maio de 1968 / junho de 1974).

OFM quer dizer Ordem dos Frades Menores, vulgarmente conhecidos como Franciscanos.  É o clero regular mais representado (, são 7 ao todo), nesta amostra de capelães militares. (O  meu parente  Horácio Neto Fernandes, nascido em Ribamar, Lourinhã,  nº 42 da lista, era franciscano, e esteve lá dois anos, primeiro em Catió e depois em Bambadinca e Bissau, de novembro de 1967 a novembro de 1969; pormenor intrigante, nunca nos encontrámos em Bambadinca, nem eu conheci nenhum capelão, entre julho de 1969 e maio de 1970,  em Bambdainca, no primeiro  batalhão, a que esteve adida a minha companhia, a CCAÇ 12: refiro-me ao BCAÇ 2852 (1968/70). É possível que não houvesse número suficiente de capelães militares para as necessidades do exército, no TO da Guiné. E o BART 2917 ficou sem capelão (que era o Arsémio Puim) ao fim de ano...

O restante clero regular está escassamente representado por: (i)  um dominicano (OP= Ordem dos Pregadores); (ii) dois salesianos; e (iii) três jesuitas (SJ=Sociedade de Jesus). O resto (a grande maioria, mais de 80%) é clero secular ou diocesano, dependendo portanto de um bispo...  Há 4 capelões-chefe, que muito provavelmente pertenciam ao quadro permanente do Exército, e que terão feito várias comissões, em diferentes teatros de operações (Guiné, Angola, Moçambique...). Vamos contabilizá-los à parte. Os restantes, terminadas as suas comissões, voltavam às suas dioceses ou casas religiosas.

Há, porém, dois ou três, que foram para casa mais cedo, dois deles, meus conhecidos (e membros da nossa Tabanca Grande), por "razões disciplinares" (, ou seja, "mal com Deus e com César"):

(i) Mário de Oliveira (nº 39 da lista): só cumpriu 3 a 4 meses (de outubro de 1967 a janeiro de 1968);

(ii) Arsénio Chaves Puim (nº 66): só cumpriu 12 meses (de maio de 1970 a maio de 1971). (**)

O Carlos Manuel Valente Borges de Pinho (nº 89) também só cumpriu a sua missão durante uns  escassos seis meses, de março a setembro de 1973. Sabemos, por informação do nosso camarada Fernando Costa, de 4 de setembro de  2014, que o alf mil capelão Carlos Manuel Valente Borges de Pinho pertenceu à CCS/BCAÇ  4513 (Aldeia Formosa, 1973/74).

O nº 1 da lista, António Alberto Alves Machado, também só cumpriu pouco mais de um ano (janeiro de 1961/fevereiro de 1962)... Pode ter adoecido, não sabemos...

Os que estiveram menos tempo (poucos meses) foram naturalmente os que vieram em finais de 1973/ princípios de 1974 ou até pós-25 de abril (há um caso, de um capelão da FAP, Eduardo Raposo do Couto Resende que veio em agosto de 1974 e regressou em outubro, não deu para "aquecer o altar"...).

O Augusto Pereira Baptista  (nº 50) também é membro da nossa Tabanca Grande. Pertenceu à CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70).

Obrigado ao Mário Beja Santos, por ter "recuperado" e disponibilizado esta preciosa lista... que presumimos esteja completa. (***)

Mais contributos precisam-se,  dos leitores do blogue, sobre os nossos capelães. Gostávamos sobretudo de saber a que batalhões pertenceram estes nossos camaradas, supracitados... Na maior parte dos casos, não ainda temos essa informação.

PS - Temos mais de 80 referências no nosso blogue com o descritor "capelães"... E pelos menos a mais os seguintes "nossos capelões":

(i) Abel Gonçalves (Força Aérea, agosto de 1970 / agosto de 1974); tinha passado anteriormente pelo exército: BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69) e pelo BCAV 1905  (Teixeira Pinto, Bissau e Bafatá, 1967/68).

(ii) Libório Tavares [nome completo: Libório Jacinto Cunha Tavares], açoriano, capelão no BCAÇ 2835(Nova Lamego, 17/1/1968 - 4/12/196).

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(...) O Puim considera-se duplamente maltrado pela instituição militar e pela hierarquia religiosa. À data era capelão-mor, no CTIG, o Padre Gamboa [, Pedro Maria da Costa de Sousa Melo de Gamboa Bandeira de Melo, ] que tinha o posto de major, coordenando e supervisionando todo o trabalho de capelania (Vivia, em instalações próprias, em Bissau, conhecidas por Vaticano). Em Fevereiro de 1971, o Puim ainda tinha participado, em Bolama, num retiro espiritual, com os demais capelães da Guiné, dirigido pelo Major Capelão Gamboa. Houve discussão acesa, foi discutido o papel dos capelães na guerra colonial, a posição da Igreja, etc. (...)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20686: Historiografia da presença portuguesa em África (201): "A Guiné Através da História", pelo Coronel Leite de Magalhães; Cadernos Coloniais, Editorial Cosmos (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Março de 2019:

Queridos amigos,
É justo uma palavra de apreço sobre esta coleção dos Cadernos Coloniais, iniciativa da Editorial Cosmos, eram livrinhos de cerca de 60 páginas, o conhecimento das parcelas imperiais, de vultos e trabalhos ultramarinos muito lhe deve.
O caderno n.º 24 foi escrito por António Leite de Magalhães, homem com bibliografia, a ele se voltará mais tarde. Atenda-se ao percurso histórico que ele sintetizou neste seu livrinho, bastante útil para confirmar a leveza da presença portuguesa ao longo dos séculos em que ali se permaneceu, presença leve e sempre com a agravante de uma atmosfera de indisciplina interna e permanente hostilidade em torno das praças e presídios.

Um abraço do
Mário

Coronel António Leite de Magalhães


A Guiné Através da História, pelo Coronel Leite de Magalhães (1)

Beja Santos

Estes Cadernos Coloniais foram uma aposta da Editorial Cosmos, foram publicados durante décadas. O número 24 teve como autor o Coronel António Leite de Magalhães, governador da Guiné de 1927 a 1931, apanhou a Revolução Triunfante. É um livrinho de divulgação que tem aspetos bastante curiosos, Leite de Magalhães elenca, à luz dos conhecimentos da época alguns dos aspetos mais palpitantes da vida da colónia-feitoria.

Começa por nos dar um quadro a que ele intitula “Da descoberta à revolução liberal de 1820”. Inicia a sua descrição com a tomada de Ceuta, e logo escreve ao gosto do tempo que se lançaram as velas pandas no mar misterioso e largo, as suas quilhas abrem sulcos novos dia a dia, e neste relato entusiasmado dobra-se o Cabo Bojador e chega-se ao rio Senegal, começava a história da Senegâmbia. Não se esquece o autor de nos recordar que em 1448 o rei cedeu ao Infante o exclusivo do comércio ao sul do Cabo Bojador, e que por carta régia de D. Afonso V, de 7 de junho de 1454, o Infante D. Fernando tornou-se o donatário de todas as terras do Ultramar adquiridas e por adquirir, doação confirmada pelo Papa Nicolau V. No seu testamento, datado do ano da sua morte (1460), o Infante D. Henrique outorga à Ordem de Cristo a espiritualidade da Guiné. Dois anos depois começou a exportação de mão-de-obra escrava para Cabo Verde, António de Noli estava a povoar a Ilha de Santiago com indígenas daquela procedência. Em 1490, é feita a doação da Ilha Boavista a Rodrigo Afonso para criação de gados, é também povoada com gente da Guiné. De 1513 a 1516, Cabo Verde recebeu cerca de três mil escravos dos portos da Guiné, dos quais uma grande parte foi aproveitada por Espanha para a colonização das suas conquistas. Ao tempo a concorrência entre traficantes de escravos era enorme, mas já tinha antecedentes. D. Manuel I proibiu, em 1518, os resgates da Guiné, interdição que acabou ao fim de dois anos. No período do reinado de D. João III até ao domínio filipino a pirataria francesa fez os seus estragos na região.

Tentou-se a missionação, a história das missões irá ser alvo do importante trabalho de investigação do Padre Henrique Pinto Rema, mas o autor aqui refere a presença dos jesuítas e dos capuchinhos franceses, como é sabido, com pouco êxito. Quando em 1 de dezembro de 1640 se extinguiu o domínio espanhol, a Senegâmbia Portuguesa era um vasto campo de piratarias. Em 1641 é nomeado Capitão-Mor e Feitor de Cacheu Gonçalo de Gamboa Ayala, é o tempo em que nasce a fortaleza. A Guiné deve a este capitão a fundação de Farim e a ocupação de Zinguinchor.

A Guiné é sempre um ponto de interrogação para o Estado Português, incapaz de uma estratégia para este enclave. Em 1675, pretendeu-se formar uma companhia em benefício da Praça de Cacheu e Comércio da Guiné, não deu frutos. Segue-se um longo período de grandes tensões em Cacheu, sempre com sublevações à volta, com os ingleses no rio Gâmbia e com os franceses a pretender construir uma fortaleza em Bissau. Em 1690 funda-se a Companhia de Cacheu e Cabo Verde e dois anos depois o rei mandou que se construísse a Fortaleza de Bissau, competindo à Companhia de Cacheu e Cabo Verde costear a despesa. E o autor repertoria um estado de tensão permanente com as gentes da Guiné.

A fortaleza de Bissau foi mandada destruir em 1708, já no reinado de D. João V. Diz-se que a nova fortaleza foi edificada a expensas da Companhia do Pará e Maranhão, que se fundara em 1755, ficando com o exclusivo do comércio e a administração das ilhas de Cabo Verde. Não terá sido seguramente um êxito, a Companhia foi extinta em 1777. E o autor extrai elementos de um relatório elaborado pelo Administrador João da Costa, da Companhia do Pará e Maranhão, sobre o estado da Guiné, com data de 1778: os edifícios da praça de Bissau eram uma ruína completa, a capela caída, a guarnição de 190 soldados sem pagamento e sem vestuário, a população de 700 guineenses católicos sem serviço religioso; em Cacheu, a artilharia estava fora de uso, os soldados como os de Bissau, e quanto ao serviço religioso, ali e no rio da Gâmbia havia apenas um padre; a praça de Farim estava completamente abandonada, o mesmo se passava com Zinguinchor.


Em 1783, foi consentida a formação da Companhia de Comércio das Ilhas de Cabo Verde, mas de proveitoso para a Guiné não há registo. Instalara-se a desordem na colónia. A Corte parte para o Brasil, a Guiné ficou mais esquecida. Em 17 de maio de 1819, o Governador de Cabo Verde, António Pusich, propôs que, para alívio da Real Fazenda se entregasse a Guiné a uma companhia, o que não aconteceu. Dá-se a revolução liberal, mas não melhorou a situação da Guiné, as sublevações são constantes na guarnição de Bissau, para se salvar um dos comandantes teve de fugir para Geba, ficou protegido pela população local. Em 1834, o governador de Cabo Verde pretendeu reunir num só os dois governos, Bissau e Cacheu, Lisboa não aceitou a proposta.

Vem a propósito lembrar a extraordinária memória da Senegâmbia elaborada por Honório Pereira Barreto, em 1843: o país está completamente desorganizado, todos os empregados, desde o primeiro ao último, ignoram quais sejam as suas atribuições, e por consequência quais sejam os seus deveres… os vigários, apesar de serem ministros de uma religião sublime, pouco se importam com a moral e preceitos dela, vivem com as barregãs em casa, apresentam-nas a todos, como qualquer homem casado apresenta a mulher; a tropa é um bando de homens indisciplinados, turbulentos, esfomeados, nus e traficantes; das ilhas de Cabo Verde só mandam para estas guarnições os soldados incorrigíveis e os ladrões que lá há.

E é nesta atmosfera de caos que a Grã-Bretanha não esconde as suas ambições sobre Bolama e os franceses avançam pelo rio Casamansa e se fixam nas proximidades de Zinguinchor.

Esta questão das tropas indisciplinadas tem um largo e doloroso historial: soldadesca amotinada era um dado frequente, não faltavam trapalhadas. Atenda-se ao que escreve o autor, é um episódio antes da revolução liberal:
“Em 1804, morre envenenado em Bissau o Capitão-Mor António Cardoso de Faria. E em Fevereiro do ano seguinte segue para aquela praça o seu substituto, Manuel Pinto Gouveia. Este leva 150 degredados tirados do limoeiro, facínoras e dos maiores crimes. Em Cabo Verde entregam-lhe mais 80 homens… da mesma qualidade. E com esta gente e mais 230 soldados pretos, treinados na ordem e no vício, formou o batalhão 460 praças até ao ponto de, com eles, impor e manter a paz entre o gentio. A ilusão durou pouco, em Abril de 1818 amotina-se a tropa por falta de pagamentos. Em 12 de Junho nova insubordinação…”.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20665: Historiografia da presença portuguesa em África (200): “A Guiné Portuguesa, subsídios para o seu estudo”, comunicação de Carlos de Almeida Pereira, no 3.º Congresso Internacional de Agricultura Tropical, Londres 1914 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22604: Historiografia da presença portuguesa em África (284): História breve da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
O seu a seu dono, era uma tremenda injustiça não referir este ensaio inserido num número da revista "Ultramar" onde há outros trabalhos que merecem destaque, como é o caso do artigo de António Carreira dedicado à Guiné e às ilhas de Cabo Verde, o estudioso refere a sua unidade histórica e populacional, bem como o artigo de Rogado Quintino, sobre os temores ao Deus-Irã, entre outros. Em dezenas de páginas, o historiador Banha de Andrade circunscreveu-se à problemática do descobrimento da Guiné, ao histórico da presença portuguesa até à I Guerra Mundial e dados civilizacionais como as missões. Discreto e sóbrio, nada propagandístico, não há para ali nenhuma mentirola sobre os nossos cinco séculos na Senegâmbia.

Um abraço do
Mário



História breve da Guiné Portuguesa

Beja Santos

É do conhecimento geral que a Guiné Portuguesa não dispõe de um livro histórico minimamente atualizado. Houve tentativas, no todo ou na parte, deixaram o seu rasto, e a sua leitura é recomendada. Logo João Barreto com a sua “História da Guiné (1418-1918) ”, de 1938; a “Guiné Portuguesa” de Avelino Teixeira da Mota, 1954; Mário Matos e Lemos publicou “Os portugueses na Guiné – apontamentos para uma síntese”, em 1917; e possuímos uma vasta bibliografia parcelar com autores como António Carreira, José da Silva Horta e Eduardo Costa Dias, Carlos Lopes, Peter Karibe Mendy, René Pélissier, Armando Tavares da Silva, Julião Soares Sousa, Francisco Travassos Valdez, Philip Havik, António Duarte Silva, Francisco Henriques da Silva e este autor. Mas havia um esquecimento imerecido, na revista “Ultramar” N.º 32, 1968, dedicado à Guiné tem destaque a história breve da Guiné Portuguesa, de António Alberto Banha de Andrade, historiador e professor universitário.

O seu ensaio é organizado em torno dos problemas da descoberta da Guiné, da soberania portuguesa e da civilização, com destaque para os problemas de missionação. Pode trazer muitos dados consabidos, outros entretanto aclarados, mas o historiador consulta fontes probas, fez uma súmula de acontecimentos que ajudarão o investigador e o curioso. E como? Falando da origem do termo ‘Guiné’, das viagens em torno da Costa de África e quando se dobrou o Cabo Bojador, a ignorância dos nautas portugueses e dos árabes era profunda quanto a geografia e as populações residentes. Recorda o autor as viagens feitas no interior do continente para contatar o chefe dos Mandingas no alto Níger, Diogo Gomes subiu pelo Gâmbia até Cantor. “Duarte Pacheco Pereira, em 1505, informa que os portugueses denominam Guiné a Etiópia que se estende do rio Senegal até ao cabo da África”. Sonhava-se em chegar a Tombuctu, era a miragem das relações comerciais. E mais adiante, já precisando a descoberta da Guiné: “Atribui-se essa glória a Nuno Tristão, morto pelos nativos do rio Grande, o atual Geba. Duarte Leite, porém, secundado por Damião Peres, acreditam nas narrativas de Diogo Gomes e Cadamosto e optam pelo descobrimento por um destes, em 1456. Avelino Teixeira da Mota ainda deixa a Nuno Tristão a glória de haver sido o primeiro português a entrar em contato com os Mandingas. Nuno Tristão não teria chegado ao atual território da Guiné Portuguesa, porque fora trucidado na região do Niumi, entre o Gâmbia e o Jumbas, a região dos Barbacins dos nossos cronistas”. Pondo ainda outros nomes em cima da mesa, conclui o autor: “Assentamos que, sendo natural ter-se efetuado o descobrimento da Guiné Portuguesa em 1446 ou perto deste ano, e nunca em 1456, as honras dessa proeza se devem continuar a atribuir a Nuno Tristão, à falta do nome do navegador que se seguiu à sua viagem e à de Álvaro Fernandes”.

Quanto ao problema da soberania, o historiador recorda a gestão do comércio cedida pela Coroa aos habitantes de Cabo Verde, o arrendamento a Fernão Gomes, a concorrência de espanhóis, ingleses e holandeses no então vasto litoral da Senegâmbia. O período filipino foi nefasto para os interesses portugueses na região, o comércio transitara para as mãos dos espanhóis, franceses, ingleses e holandeses, recuou a presença portuguesa para limites geográficos bastante próximos àqueles que irão ser definidos na Convenção Luso-Francesa de 1886. O autor refere que após a Restauração, se fundou capitanias, companhias de comércio, se mantém o tráfico de escravos, predominantemente na região de Cacheu, surge a primeira fortificação de Bissau, a ameaça da presença inglesa e o progressivo alargamento de feitorias francesas no Casamansa. Na primeira metade do século XIX, distingue-se Honório Pereira Barreto que redigiu a cáustica e exemplar “Memória sobre o estado atual da Senegâmbia Portuguesa, causas da sua decadência, e meios de a fazer prosperar”, com data de 1843. Em 1879, a Guiné passa a ser província independente de Cabo Verde, reorganizam-se os serviços e a pressão francesa é sufocante. “A França exigiu que, em troca do apoio ao plano de ligar Angola e Moçambique, o governo português lhe reconhecesse a posse da rica bacia do rio Casamansa. Barbosa du Bocage, ministro dos Negócios Estrangeiros, aceitou a condição. Entretanto, novo Governo subiu ao poder, e o progressista Henrique de Barros Gomes, que sobraçou aquela pasta, não aprovou, de entrada, a renúncia do seu antecessor. Porém, era tarde de mais e as negociações foram fechadas”. O autor explana sobre a organização administrativa da colónia e releva a Carta Orgânica de 31 de maio de 1917.

A última parte do trabalho de Banha de Andrade prende-se com a questão da civilização, é uma presença praticamente reduzida ao litoral durante séculos, o contributo cabo-verdiano é determinante, a presença tem destaque no Casamansa, em Cacheu, em Bolola, na região de Buba, em Bolama e outros locais dos Bijagós. O autor socorre-se de documentos como o de Francisco Lemos Coelho, do século XVII, que dá um retrato da presença portuguesa na região. A história missionária que Banha de Andrade aqui descreve tem afinidades com o trabalho incontornável do padre Henrique Pinto Rema sobre as missões católicas na Guiné, digamos que as missões foram mal sucedidas menos por encontrar populações evangelizadas, mais pelos problemas do clima e a hostilidade dos comerciantes e traficantes. Tal como estudou Teixeira da Mota, Banha de Andrade faz menção a uma visita pastoral do Bispo de Cabo Verde à Guiné, ilha de Bissau, onde chegou D. Vitoriano do Porto, em 27 de março de 1694. O régulo recebeu-o ao som de música. Depois D. Vitoriano seguiu para Farim e Cacheu e daqui regressou a Santiago, Cabo Verde.

É um estudo onde está ausente o espalhafato ou a exaltação propagandística de que os portugueses estavam presentes por toda a Guiné, o que não tem ponta de verdade. Diz o que efetivamente aconteceu nas missões e recorda aquela figura invulgar do Padre Marcelino Marques de Barros, autor do livrinho “Literatura dos Negros” e o primeiro arremedo de dicionário português-crioulo. É de elementar justiça pôr o trabalho de Banha de Andrade na bibliografia geral sobre a Guiné Portuguesa.


António Alberto Banha de Andrade
Almirante Teixeira da Mota
Obra de 1973 em que Teixeira da Mota republicou o seu incontornável trabalho sobre o descobrimento da Guiné.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22587: Historiografia da presença portuguesa em África (283): Texto dos acordos de Argel, Lusaka e Alvor e seus anexos

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21449: Historiografia da presença portuguesa em África (235): “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
Francisco Travassos Valdez é um viajante bem equipado, tem estrutura cultural, sabe observar, seguramente que procurou os dados mais fiáveis e usa-os de forma comedida, ajustando-os aos seus comentário. É viajante cedendo ao deslumbramento, parece ter a técnica de um repórter, disseca o comércio, a composição social da entidade colonizadora, manda recados sobre o grande abandono a que a colónia tem sido devotada, e quanto à ação missionária é minucioso na descrição do seu desastre, mostra as igrejas arruinadas e as comunidades de fiéis entregues a si próprias. É um documento imprescindível para conhecer a Senegâmbia Portuguesa em 1860, é uma narrativa lúcida com variados alertas para a classe política em Lisboa.

Um abraço do
Mário


Francisco Travassos Valdez e a Senegâmbia (2)

Beja Santos

O livro intitula-se “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez, impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864. Primeiramente, a publicação surgiu em Londres com o título "Six years of a traveller’s in western Africa, 1861". Francisco Travassos Valdez tem um curioso currículo: ex-Árbitro das Comissões Mistas Luso-Britânicas e do Cabo da Boa Esperança; ex-Secretário da Comissão Especial de Colonização e Trabalho Indígena das Províncias Ultramarinas; Secretário do Governo da Província de Timor.

O volume é apresentado como 1º, abarca as seguintes descrições: Porto Santo e Madeira; Canárias; Cabo Verde (ilhas de Barlavento), Cabo Verde (ilhas de Sotavento); Senegal e Senegâmbia (Guiné Portuguesa). Nesta recensão trata-se exclusivamente o que o viajante viu e sentiu na Senegâmbia, mais tarde reportaremos o que do Senegal tem interesse relevante para a Guiné do século XIX. A importância que confiro a este relato pessoalíssimo, passa pela capacidade de observar: a aproximação do território e o desfrute que lhe dá; os contactos no Ilhéu do Rei e a chegada a Bissau; o quadro socioeconómico da colónia e as suas potencialidades; e fica-se com uma estampa do que era o conhecimento da Senegâmbia, aproximadamente 20 anos antes da criação da Guiné Portuguesa. É severo com o estado da Fortaleza de S. José, as deploráveis condições higio-sanitárias do hospital; adianta alguns elementos sobre o estado da Igreja em Bissau, não se repete aqui o que ele aduz na medida em que já se fez uma extensa recensão da obra mais importante sobre a história das Missões Católicas na Guiné, de um competentíssimo autor, Padre Henrique Pinto Rema.

Travassos Valdez enuncia as freguesias existentes na colónia: Nossa Senhora da Candelária (Bissau), Nossa Senhora da Natividade (Cacheu), Nossa Senhora da Luz (Ziguinchor), Nossa Senhora da Graça (Farim) e Nossa Senhora da Garça (Geba). Fala a seguir dos aspetos judiciais, dá-nos informações curiosas: “No estabelecimento de Bissau, ainda que importantíssimo ao comércio, são raros os pleitos comerciais, pois que poucos são os moradores portugueses e com os gentios tornam-se quase impossíveis as demandas”. Faz um resumo da organização administrativa, militar e da Fazenda da Guiné. Espraia-se sobre importações e exportações e receitas fiscais, nas vantagens em alterar as pautas, que são muito elevadas e que levam a que os habitantes da colónia procurem abastecer-se fora do país.
E aduz um comentário muito curioso:
“Na Praça de Bissau não há comércio propriamente português. Os negociantes portugueses que existem nas Praças de Bissau e Cacheu não são mais do que comissários dos estrangeiros. São quase todos indivíduos naturais do arquipélago de Cabo Verde que se estabelecem na Guiné, e a quem os negociantes da Gâmbia fiam fazendas por um ano, para serem pagas por géneros de produção em África. Os negociantes estrangeiros na Gâmbia e Gorée também não são outra coisa mais do que as gentes das poucas e grandes casas comerciais francesas, inglesas, americanas e algumas belgas, que monopolizam todo o comércio da costa, desde o Senegal até à Serra Leoa. A importância de produtos de Portugal, quer seja da nossa indústria, ou de reexportação das nossas alfândegas, é coisa que ali não há, e mesmo a única casa comercial estabelecida em Portugal que algumas especulações tem começado a fazer em Bissau (a casa Burnay) é belga, e posto que importa os objectos em navios portugueses falo directamente da América, motivo porque dizemos que o comércio português é coisa que lá não há”.

E não é menos importante o que vai comentar a propósito dos negociantes de Bissau e Cacheu:
“Qualquer daqueles negociantes, saindo do arquipélago de Cabo Verde, sem possuir nem um real seu, dirigindo-se para a Guiné, começa por se hospedar em casa dos seus parentes já estabelecidos; depois, se quer tornar-se negociante recebe dos estrangeiros que comerceiam com os seus parentes os géneros que pretende para no ano seguinte pagar em produções do país. Embarca depois para o rio Geba ou para o rio Grande, onde em uma feitoria que estabelece trata de permutar o que pode e fia o resto ao gentio, para no ano seguinte lhe pagarem em produções.
No ano seguinte, não tendo recebido tudo o que lhe devem os gentios, havendo despendido consigo alguns valores, tendo-se-lhe avariado alguns géneros, ou havendo deixado de os vender, e portanto não tendo com que pagar os seus débitos, fica alcançado o chamado negociante.
Nestes termos, para cobrar suas dívidas vê-se obrigado a continuar as suas transacções, mas para se poderem fazer é necessário um sortimento mais amplo e variado de modo que o agente de Gorée ou Gâmbia, que todos os anos vai a Bissau, no tempo próprio, lhe fia maior porção de fazenda, com obrigação de ser embolsado nos seguintes anos. Tem então aquele novo e pretendido negociante português de comprar escravos, fazer uma casa em Bissau ou Cacheu, estabelecer uma ou mais feitorias com as competentes moradas, fazer presentes aos régulos do chão em que negoceia, mandar construir ou comprar lanchões para transporte de géneros pelos rios, sustentar o luxo de mesa dos negociantes de África, pagar pesados direitos e finalmente ter de confiar as fazendas a caixeiros de má nota. Todas estas abundantes considerações vão culminar numa espiral infernal de endividamentos”
.

Travassos Valdez descreve com clareza o conjunto de circunstâncias que concorrem para que os compradores prefiram as feitorias estrangeiras às nossas, e tece considerações detalhadas do que deveriam ser as pautas comerciais, vê-se que está bem informado e tem ideias próprias.

Importante é também o que nos diz sobre a composição social, antes de passar para as descrições de usos e costumes e das povoações do território. Diz ele: “Os habitantes da Guiné Portuguesa, sujeitos ao nosso domínio, andarão por 4 mil almas (sem falar nos Grumetes de Bissau estabelecidos no chão de Bandim), divididos em três classes distintas: a comercial, composta de brancos, mulatos e pretos, que trajam à europeia, muitos dos seus negócios são dirigidos por intervenção de agentes do sexo feminino; soldados e degradados, mandados de ordinário estes de Portugal e aqueles de Cabo Verde; Grumetes ou cristãos do país”.

E lança seguidamente numa ampla descrição sobre o que se sabe do território e da presença portuguesa, começa por descrever as povoações à volta de Bissau e a sua organização socioeconómica e depois os locais de Geba preponderantes: logo S. Belchior (perto de Enxalé, continuando hoje a existir), Xime e margens do Corubal (espraia-se sobre o fenómeno do macaréu, e a seguir entramos no Geba estreito).

(Continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 7 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21427: Historiografia da presença portuguesa em África (234): “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16094: Nota de leitura (839): Num número da revista Africana encontrei um trabalho de certo fôlego intitulado “Guiné: o gentio perante a presença portuguesa”, da autoria da antropóloga Maria Teresa Vázquez Rocha (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2015:

Queridos amigos,
Pareceu-me particularmente interessante o trabalho desta antropóloga que coligiu relatos sugestivos de viajantes, juntando-lhes documentação sobre a vida das praças e a atividade missionária.
Trata-se de um percurso linear onde podemos ver a euforia de certos viajantes, a deceção dos missionários, as permanentes reivindicações de capitães-mores a pedirem mais efetivos, melhores condições, a deplorar a presença de estrangeiros perante o alheamento das autoridades portuguesas. É juntando estas peças que ganha uma certa claridade o que foi a ténue presença portuguesa e descobrir as razões pelas quais a Grande Senegâmbia excedeu as nossas possibilidades. 

Um abraço do Mário




A Guiné entre os séculos XV e XVIII: olhares e documentos

Beja Santos

Num número da revista Africana encontrei um trabalho de certo fôlego intitulado “Guiné: o gentio perante a presença portuguesa” da autoria da antropóloga Maria Teresa Vázquez Rocha, em que se procura analisar as reações, perante a presença portuguesa, até ao século XVIII das populações autóctones. E o texto arranca com um belíssimo parágrafo do Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde, de André Álvares de Almada: “Esta terra é tão abundante de tudo que nada lhe falta; abastada de muitos mantimentos, muito fresca de ribeiras de água, laranjeiras, cidreiras, limoeiros, canas-de-açúcar, muitos palmares, muita madeira excelente. Povoando-se, viria a ser de facto de maior trato que o Brasil; nesta terra há algodão e o pau que há no Brasil, e marfim, cera, ouro, âmbar, malagueta, e podem-se fazer muitos engenhos de açúcar”. A autora fala abreviadamente das ligações da Guiné aos grandes impérios da África Ocidental e socorre-se de vários autores para caraterizar as diferentes etnias, e cita novamente André Álvares de Almada: “E como os reinos dos negros sejam tantos e as linguagens tão várias como os costumes diversos, porque em cada espaço em menos de 20 léguas há duas e três nações, todas misturadas, e os reinos uns pequenos, e outros grandes, sujeitos uns aos outros”. Os grupos referenciados são: Balantas, Felupes, Banhuns, Cassangas, Cobianas, Manjacos, Brâmes, Papéis, Bijagós, Beafares, Nalus, Mandingas, Fulas. Quanto à caraterização da chegada, instalação e primórdios portugueses, a fonte mais invocada é a “Crónica da Guiné”, de Azurara.

A ligação a Cabo Verde vem desde os primeiros tempos e daí as designações “Rios da Guiné do Cabo Verde”, “Guiné do Cabo Verde” ou “Senegâmbia do Cabo Verde”. Tudo começa com os comerciantes originários de Cabo Verde que se fixaram no continente adquirindo escravos e outras mercadorias, como escreveu Henrique Pinto Rema, a propósito das primeiras missões da costa da Guiné: “Estes comerciantes brancos, vindos do arquipélago, sobretudo de S. Tiago, familiarizaram-se com os negros e com as negras, aprenderam as línguas do país, enriquecendo-as por seu lado com vocábulos da própria língua materna e confiadamente se lançaram pelo sertão adentro, de onde lhes veio o epiteto de lançados”. Cacheu surge em 1588, teve praça construída por Manuel Lopes Cardoso. Mas só com Gonçalo Gamboa Aiala será construída uma fortaleza propriamente dita e ele nomeado capitão-mor, em 1641. A fixação mais densa dos portugueses verificar-se à apenas nos finais do século XVII, como forma de salvaguardar os interesses nacionais face às intenções francesas. E daí a construção da fortaleza em Bissau, em finais do século XVII e renovada em 1708. Como escreve a autora: “Só no reinado de D. José I, em 1753, se restabeleceu a capitania, ficando Nicolau de Pina Araújo à frente da mesma. A reedificação da fortaleza de S. José de Bissau torna-se então indispensável. O novo forte foi construído sob enorme oposição dos indígenas, a qual se manifestou por inúmeros atos agressivos; Papéis e Grumetes cometiam enormes desacatos, o que não impediria estes de serem, noutras alturas, grandes auxiliares na defesa das praças da Guiné”.

Para além destas praças foram criadas as de Geba, Farim e Zinguinchor. Era quase impossível encontrar colonos devido à natureza do clima e os degredados enviados eram em pequeno número e elevada a taxa de mortalidade. A autora, que pesquisou no Arquivo Histórico Ultramarino cita documentação alusiva à falta de condições de salubridade, às más condições existentes, ao miserável estado da praça de Cacheu, aos conflitos permanentes com as populações circundantes. Desde muito cedo também que irá surgir um problema para o qual não se encontrou solução adequada: a presença efetiva de missionários. Aliás, enviavam-se padres visitadores que tinham uma ação pouco ou nada eficaz, eram frequentes os conflitos entre os visitadores e os moradores das praças, na medida em que os primeiros cometiam excessos e faziam desmesuradas exigências.

Nesta documentação, a autora deteta informação sólida sobre os europeus e o seu comportamento em terras guineenses: falta de qualidades morais de lançados e comerciantes, ganância e toda a sorte de expediente para enriquecer rapidamente, arbitrariedades de toda a espécie. Ficamos igualmente a saber o que se transacionava nas praças, com destaque para o tráfico de escravos. E temos também as queixas sobre a concorrência de franceses, ingleses e holandeses, é percetível o enfraquecimento da presença portuguesa. Quanto às relações políticas, há um documento eloquente, a carta do rei de Bissau, Bacampolco, a D. Pedro II, em 26 de Abril de 1694, manifestando a sua afeição e propondo-se enviar o seu filho primogénito e onde diz: “Rei de Portugal meu irmão, a esta minha ilha veio o bispo dos cristãos e eu o recebi com amor e desejava que ele ficasse logo amigo, pelo gosto que tive de o ver; e como se ele tornar a esta ilha e me achar vivo me quero lavar minha cabeça e fazer cristão, e não só eu mas todos os meus vassalos; peço e rogo a Vossa Majestade que o queira mandar com ele alguns padres para me ensinarem e a minha gente o caminho verdadeiro do Senhor Deus para salvação das nossas almas, que estou pronto e com grande vontade fazer igrejas em que se conheça e adore o verdadeiro Deus”.

A ação missionária dos franciscanos foi hostilizada por quantos se dedicavam ao tráfico de escravos, são choques infindáveis, os frades sairão da Guiné no início do século XVIII. A missionação da Guiné ficou entregue aos cuidados dos padres seculares de Cabo Verde, a assistência foi sempre muito reduzida. Como observa a autora, o século XVIII foi marcado pela decadência missionária. Até 1940, a igreja da Guiné esteve dependente de Cabo Verde, depois ganhou autonomia.

Queremos agora fazer referência a outro artigo publicado nesta revista Africana, trata-se de uma conferência proferida por Silva Cunha em 1959 no Instituto dos Altos Estudos Militares e que tem a ver com os antecedentes da subversão na Guiné. Em dado passo, e falando da importância do movimento islâmico na Guiné e Moçambique, disse o seguinte: “Cerca de um terço da população indígena destas províncias seguem o credo muçulmano e o número tende a aumentar, pois o islamismo, religião missionária, faz um intenso proselitismo entre as populações animistas do nosso território, sem que, infelizmente, se lhe oponha por parte das missões cristãs um apostolado eficiente. A situação é tal que, a manter-se, dentro de uma dezena de anos toda ou quase toda a população nativa da Guiné estará islamizada. Ora, a comunidade de religião cria novas afinidades que, por vezes, superam mesmo as divisões tribais e tendem a uniformizar os caráteres sociais das populações”. O antigo ministro do Ultramar enganou-se, o islamismo cresceu, tal como, surpreendentemente, as religiões cristãs, com destaque para o catolicismo. Iniciada a guerra, verificou-se que o islamismo não foi em si um fator de divisão, ou seja, nem toda a população islamizada se manteve fiel à bandeira portuguesa, e os aspetos religiosos, na atualidade, não parecem tender a agravar as grandes questões étnicas e não se deteta a tal uniformização dos caráteres sociais das populações. Há outros fatores em jogo nesta ponderação, o cultural, a vitória sobre o analfabetismo, a criação de riqueza, o sentido de identidade nacional, o primado do trabalho, etc, jogam tanto ou mais que o fator religioso na tal uniformização dos caráteres sociais do povo.



Carta Hidrográfica da Guiné Portuguesa, 1844, Sociedade de Geografia de Lisboa que amavelmente permitiu a sua publicação no livro “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro”, por Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos, Fronteira do Caos, 2014, reproduz-se com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16081: Nota de leitura (838): Alexandre Herculano e a Questão de Bolama (Mário Beja Santos)