quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1365: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (24): Discutindo os destinos do Cuor com o Coronel Hélio Felgas

Capa do romance de André Gide, Sinfonia Pastoral, publicado pelos Livros do Brasil, Lisboa, s/d, na sua famosaa colecção Miniatura (nº 56). Ilustração: Bernardo Marques. André Gide (1869 -1951), escritor francês, recebeu o Prémio da Literatura em 1947.

Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.



T/T Uíge > Julho de 1968 > O Alf Mil Beja Santos a caminho da Guiné. Foto gentilmente cedida, para digitalização, pelas suas filhas.

Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.

Texto enviado em 15 de Novembro de 2006. Continuação da publicação das memórias do Mário Beja Santos, ex-comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1).


Meu caro Luís, aqui vai a prestação semanal. Espero poder coincidir o período natalício com as páginas referentes ao meu Natal de Missirá. Telefonei hoje ao Cherno Suane [, meu antigo guarda-costas,] que está em Missirá e pedi-lhe fotografias, bem como do régulo.

Obviamente falámos por telemóvel, o régulo emociona-se e paralisa-lhe a fala. Estou a ganhar a coragem para escrever com olhos daquele tempo o Presépio de Chicri. Continuo com sorte e comprei mais livros que li naquele tempo. Hoje mandei-te pelo correio uma fotografia e um livro do André Gide Sinfonia Pastoral com uma belíssima ilustração do Bernardo Marques. Obrigado por todo o teu esforço a dar imagem aos meus textos e aguardo que marques para Dezembro o nosso almoço. Um abraço do Mário.

Comentário do editor do blogue:

Mário: Como as nossas comunicações, no blogue, andam atrasadas, tenho que dizer, em plena caserna, que o almoço estava óptimo, no Institut Franco-Portugais, no dia 5 de Dezembro passado. Foi um prazer rever-te, desde o verão passado. Aproveito para esclarecer os nossos amigos e camaradas da Guiné, que lêem o nosso blogue e em especial os teus posts, que as tuas frescas memórias do Cuor não são apenas fruto de uma prodigiosa memória de elefante, mas também e sobretudo da tua aturada pesquisa documental (escrevias todos os dias à tua namarada e futura esposa Cristina, tendo conseguido reaver e juntar toda essa correspondência tiveste a gentileza de ma confiar) e das longas conversas que tens mantido, ao longo destes anos todos, com os homens que comandaste na Guiné...

Não se pense, pois, que a Operação Macaréu à Vista é ficção: bem, pelo contrário, são as tuas memórias vivas - sujeitas à crítica dos teus contemporâneos que passram na mesma altura pelo Sector L1 da Zona leste - e espero que no fim, delas possam resultar um grande blook, um livro de referência sobre o nosso quotidiano na guerra da Guiné.

Quero aproveitar para esclarecer que a maior parte dos títulos e subtítulos dos teus posts são da minha responsabilidade, embora eu tenha sempre a preocupação de respeitar o conteúdo e a forma dos teus escritos. Espero até ao Natal poder pôr a tua escrita em dia... Um abraço de amizade e camaradagem. Obrigado pelos livros que me ofereceste como prenda de Natal, e em especial o exemplar nº 1, autografado, do teu último livro Este Consumo que nos Consome (Campo das Letras, Porto, 2006). Luís


Em Bafatá, para discutir os destinos do Cuor

por Beja Santos


Seriam três da manhã quando o Teixeira das transmissões bateu à porta da minha morança. Estava ainda no torpor do primeiro sono e perguntei automatizado:
- A que horas é que eu cavalgo para Berlim?

Durante aquele mês de Novembro o código fixara a expressão Cavalgar Berlim como ida a Mato de Cão. O Teixeira trazia a mensagem decifrada e simplificou-me a vida:
- Apresentar hoje manhã cedo este urgente.

Voltei a adormecer a pensar a que Buruntoni iria desta vez. E com o primeiro orvalho do raiar do dia partimos para Finete e daqui para a cambança do Geba. Apanhei o Pimbas a tomar o pequeno almoço e mandou-me sentar, explicando a situação:
- Como sabes, estamos a pôr tabancas em autodefesa no propósito de reorganizar todo o sector. Na reunião que tive com o nosso Coronel Felgas, ele quer saber se devemos dar vencimento à proposta do régulo do Cuor que é trazer população de Canturé que está presentemente a viver no Cossé. Segues já de viatura e vais falar com ele a Bafatá. Ele está à tua espera. O plano do nosso sector tem que ficar pronto até ao fim da tarde para ser analisado em Bissau com o Comandante Militar da Guiné.


Com o Hélio Felgas, comandante do Agrupamento 2957 (2)

E lá fui até Bafatá encontrar-me com o Coronel Hélio Felgas, que ainda não conhecia. Recordo um gabinete enorme e austero, um homem magro, de cabelo embranquecido e um olhar de lâmina a faíscar pelas lentes. Mandou-me sentar e foi direito ao assunto:
- Pretendo saber a verdade sobre o que se está a passar no Cuor, o que há lá e se é possível introduzirmos mais população. Desde Outubro que estamos a trabalhar com régulos e chefes de tabanca para se encontrar um novo alinhamento do sistema de autodefesa, criação de forças de milícia e uma reorganização que impeça as situações ambíguas de populações permanentemente sujeitas à pressão do inimigo. Diga-me o que acha que podemos fazer.

Tivera a viagem para organizar a minha apresentação, tal como se seguiu:
- Meu Comandante, se reparar bem no mapa a defesa do Cuor é um exclusivo pretexto para garantirmos a navegação do Geba e segurança de Bambadinca. O meu aquartelamento em Missirá é uma perfeita ruína, com metralhadoras do tempo de Hitler e Mussolini. Só agora é que tenho um morteiro 81. A população civil vive praticamente misturada com os caçadores nativos e os milícias. As milícias estão muito mal preparadas e tenho uma secção em Galomaro. Diariamente, uma a duas vezes patrulhamos até Mato de Cão. Estou a esticar a corda com patrulhamentos para identificar a presença dos rebeldes. Finete está numa lástima e há mais espingardas Mauser do que G3. Estamos agora a melhorar os abrigos, a preparar apontadores de diagrama, vai chegar um morteiro 60. O inimigo passeia-se em praticamente todo o Cuor. Se me permite a opinião, a separação entre Missirá e o Enxalé não é boa para ninguém. Nós não temos meios a não ser para emboscar e aterrorizar em regiões que permitam a retirada rápida. Por isso embosco à volta de Missirá e Finete, perto de Mato de Cão e frente a Mero, pois aqui sabemos que existem comunicações e troca de abastecimentos. Introduzir população em Canturé parece-me uma excelente ideia desde que haja tropa, um sistema de autodefesa a sério, armamento para civis e preparação paramilitar que lhes dê confiança. Tenho duas viaturas permanentemente avariadas, os caçadores nativos estão exaustos, aproveito a oportunidade para lhe pedir que se reconsidere na necessidade de definir uma melhor logística para estes dois quartéis. Tenho 5 petromaxes em Missirá e outros tantos em Finete. Sem eles, viveríamos às escuras e completamente à mercê das flagelações. Se quiser pôr população em Canturé, por favor atenda a estas realidades. Estamos numa ponta do regulado e quem o controla é o inimigo. É indispensável articular o meu trabalho com Porto Gole e Enxalé, para melhorar a segurança do Geba e criar mais intranquilidade em Madina/Belel.

O Coronel escutava-me sem nenhuma interrupção e ergueu-se ágil e decidido:
- Você trazia a lição bem estudada e sabe pedir. Tenho pouco para dar, já que o Cuor não é prioritário neste momento. Lamento, mas não tenho mais tropas e a reorganização dos Nhabijões, no Cossé, no Xitoli e Mansambo é da maior importância. Em princípio vai ficar tudo como estava. Bom dia. Espero que continue a combater já que as informações não são más nesse sentido.

Munições esgotadas em Finete

Regressei, e de facto tudo continuou na mesma: Mato de Cão, o Ramadão, a tropa doente, os melhoramentos, o permanente pedinchar materiais junto da CCS de Bambadinca. Depois da emboscada em Chicri prevíamos uma qualquer retaliação, como veio a acontecer.

A 16 de Novembro, eu escrevia uma carta para Lisboa:

São 10 horas de uma bela noite equatorial. Em derredor deste arame farpado onde despontam flores silvestres, o céu do Cuor tem tonalidades de azeitona escura, sente-se o perfume dos cajueiros e mangueiros, saí há pouco pelo cavalo de frisa e estive a olhar o caminho sulcado que vai para Sancorlã. Agradeço-te a tua bela carta e a companhia que me trouxe.

Nisto, uma sucessão de estampidos anuncia uma flagelação a escassos quilómetros. Subo para o posto de vigilância onde está Quetá Baldé. Com aquela voz de quem está permanentemente a pedir desculpa, ele aponta para Finete. Fogachos meteóricos cruzam-se nos céus, ribombam as explosões num som cavo mas intermitente. Foram 15 minutos infernais e depois um silêncio total. Conversei com os furriéis, ficámos em estado de alerta e saí com 20 homens numa progressão lenta a flanquear as picadas principais.

Pelas 3 da manhã, depois de tornear as bolanhas em direcção a Bambadinca anunciámos a nossa presença a Finete. Ainda hoje guardo o calor do abraço de Bacari Soncó quando chegamos. Felizmente, fora só uma flagelação com dois feridos ligeiros mas aonde se provou a suprema vulnerabilidade de Finete: as munições estavam praticamente esgotadas, desde cartuchos a granadas de mão.

Percorrendo a tabanca a contabilizar os estragos pensei no que nos estaria reservado caso aparecesse uma autotabanca em defesa de Canturé. Dando garantias que no dia seguinte Bambadinca abriria o cordão à bolsa no tocante a munições, dormitei duas horas e regressei a Missirá, onde andamos a capinar na estrada de Missirá-Morucunda-Canturé-Gambana.

O Casanova continua a tratar do pequeno Braima e ao mesmo tempo reconstrói o seu abrigo enquanto o Adão enfermeiro (trolha em Almargem do Bispo) estampa cimento nas paredes térreas e o Barbosa faz nova porta.

Para quem combateu neste sector, o mês de Novembro ficou associado a emboscadas à companhia do Xime, a ataques a Mansambo e ao Saltinho, uma flagelação feroz que ia tirando Demba Taco do mapa. Embora privados dos rigores do jejum, os soldados comparecem aos ofícios das seis a das nove da noite. Cheio de projectos, escrevo noutra carta:

Nunca dei um tamanho agrado ao tempo e à vida como agora.

Sinto que a minha visão do cristianismo evolui inexoravelmente e sem retorno e leio Jean Guitton:

Ensina-me a imaginar o futuro sem me desolar, com a ideia de que ele não seja como eu o imagino - ensina-me a unificar a lentidão e a pressa, a serenidade e o fervor, o zelo e a paz. E sobretudo, enche tu mesmo, Senhor, o vazio das minhas obras.

Meu alferes, nunca vi uma coisa assim...


Demba, o filho de 6 anos de Malã Soncó, está atacado de tracoma, o David Payne tenta um tratamento assíduo que expurgue as infecções. Hoje Ieró Baldé (conhecido na gíria por Nova Lamego), o meu guarda costas, pregou-me um grande susto. Notei-o arredio e confuso a dizer que já não sabia se devia casar, estava cheio de febre e doiam-lhe as partes. Pedi para ir falar com o Adão. Arrumava papéis e facturas quando o Adão me entrou aos repelões com Nova Lamego pelo braço:
- Meu alferes, nunca vi uma coisa destas, juro que nunca vi. Eh pá baixa as calças.

Ieró, com o olhar apontado para o tecto mostrou-nos o seu cancro mole, um sexo purulento. Propus-lhe que fosse a Bambadinca com urgência, que adiasse o casamento, preparei uma carta para o David Payne pedindo-lhe mais um gesto de desvelo, a juntar a muitos mais.

Esta tarde convidei Lânsana Soncó para beber chá e ouvirmos música. Lembro-me perfeitamente: Mr Nice, por Cliff Richard. Escrevi aos meus soldados da CCAÇ 2402 que ia pedir autorização para ir visitar a Có, onde eles também sofrem aflições. A todos aqueles que partiram para férias e que vão chegar até 15 de Outubro levam a incumbência de trazer vitualhas natalícias: fritos, figos, ameixas e outra fruta cristalizada, tudo aquilo que sirva para adornar o nosso Natal em Missirá. A todo em Lisboa peço ajuda, nada me foi recusado.


Cardoso Pires e Anrdé Gide em Missirá

Amanhã regresso a Chicri. Pretendo continuar a fazer pressão, vou patrulhar em Sinchã Corubal, descer o rio de Ganturandi, até S. Belchior. Tenho o corpo moído e releeio O Delfim, obra prima absoluta. Creio que já vos disse que tudo não passa de uma metáfora nesta obra: o caçador é o disfarce do narrador, liga tudo, apresenta os locais e os personagens. A Gafeira e a Lagoa são Portugal e quem tenha dúvidas escute o que diz o autor:

Lagoa, para a gente daqui, quer dizer coração, refúgio da abundância. Odre. Ilha. Ilha de água cercada de terra pro todos os lados e por espingardas de lei. Mas ilha, odre, coroa de fumos ou constelação de aves, é a partir dela que uma comunidade de camponeses-operários, mede o universo; não a partir da fábrica onde trabalha, nem da horta que cultiva nas horas livres. Daí que os gafeirenses lhe conheçam tão bem os ciclos, as estações, os animais que as frequentam e as armadilhas de que dispõem- as dela e as dos guardas (páginas 129 e 130 desta edição de Outubro de 1968, que folheio com veneração pelo bem que me fez e por ser a última recordação da biblioteca devorada pelo fogo).

Obra prima absoluta pelo retrato em agonia do marialvismo, em sintonia com o fim do poder agrícola; pela trama de mistério que acompanha o desmoronamento dos Palma Bravo, o fim da Maria das Mercês e a morte de Domingos; uma lagoa que hiberna e que espera como todo o país que vive adormecido. A literatura portuguesa mudou com esta obra, é um anúncio de liberdade, de modernidade no estilo e na forma, uma trombeta que anuncia os novos poderes políticos depois da queda dos valores que o engenheiro Palma Bravo personificava. O Delfim é o momento exemplar antes das portas abertas pelo 25 de Abril.

Folheio ainda, a chamar o sono, uma outra obra prima convocada, Sinfonia Pastoral, por André Gide. Para quem leu Os Moedeiros Falsos, esta novela é surpreendente. Gide que era descrente e cosmopolita fala de um pastor suíço com vida familiar completamene estabilizada que se apaixona por uma jovem cega. O que era inadmissível para um espírito puritano torna-se viável, a ponto de uma paixão cega lançar uma família na perturbação e o pastor na solidão absoluta, tudo isto descrito numa narrativa ultra-romântica, cerebral mas igualmente falando do inquietante silêncio de Deus, já paradigmático para a sociedade em que Gide viveu.

Adormeço e amanhã será o último adolescente da minha vida. Amanhã em Chicri vou conhecer a cor da morte. Juro que não tenho coragem em contar.

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 5 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1341: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (23): Alah Mariu Mansô (Deus é todo poderoso, em mandinga)

(2) O Agrupamento 2957, com sede em Bafatá, abarcava toda a Zona Leste, sendo constituído por cinco sectores. O de Bambadinca era o L1. Este agrupamento, comandado pelo Coronel Hélio Felgas, deu origem mais tarde ao CAOP 2.Sobre a figura deste oficial superior, que se reformou como brigadeiro, há vários posts no nosso blogue:

24 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIX: O Hélio Felgas do nosso tempo (A. Marques Lopes)

23 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCVIII: Antologia (27): depoimento do brigadeiro Hélio Felgas (1): os aquartelamentos

25 de Novembro de 20065 > Guiné 63/74 - CCCXII: Antologia (28): depoimento de Hélio Felgas (2): as emboscadas

29 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIII: Antologia (29): depoimento de Hélio Felgas (3): os ataques aos acampamentos do IN

9 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIII: Antologia (32): depoimento de Hélio Felgas (4): "Ou se faz a guerra ou se acaba com ela"

O coronel Hélio Fellgas comandou a Op Lança Afiada bem como a retirada de Madina do Boé:

Sobre a Op Lança Afiada, vd posts:

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

Guiné 63/74 - P1364: Palmeirim de Catió emboscado em Berlim (Mendes Gomes)


Berlim > Novembro de 2005 > Restos do tristemente famoso muro de Berlim que até cair em 1989 dividiu em dois a cidade, a Alemanha, a Europa, e até o mundo... A nova ordem internacional do pós-guerra ditou também a sorte do nosso Império... Daí que o mundo de Berlim e a guerra colonial da Guiné, a milhares de quilómetros de distância, não pudessem ser abordados e analisados separadamente...

Curiosamente foi também em Berlim que, em 1884/85, se realizou - por proposta de Portugal - a célebre Conferência de Berlim que ditou as regras da ocupação de África pelas potências coloniais europeias.

Fotos: © João Graça (2005). Direitos reservados.



Mensagem do Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Catió, 1964/66).


Caro Luís:

Acabo de ler o 5º extracto das minhas crónicas (1). Como sempre, fiquei feliz. A vida é como um rio: quando nasce, todos sabem para onde corre... ninguém, por onde vai.

Quem me diria, há 4 longas dezenas de anos, que, pelo prodígio da técnica, ia ver publicada a memória sobre o meu baptismo de fogo, no caminho de Cufar, aqui em Berlim!..e, sobretudo, graças ao teu inestimável, engenhoso e empenhado Blogue...

Desta vez, por uma excelente e inefável causa: vim montar uma emboscadaexactamente no coração de Berlim, no Das Mite (2), ao meu 3º neto que pode nascer a todo o momento. É a Sara Joana.

Por essa razão, se Deus quiser, vou ter um Natal duplamente feliz. E, por isso também, aproveito para desejar a ti e tua familia, aos nossos amigos tertulianos e, claro, aos meus amigos Palmeirins, um Natal igualmente muito feliz e um Bom Ano.

Com um enorme abraço
Mendes Gomes

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar

(2) O centro de Berlim

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1363: Questões politicamente (in)correctas (13): Combatentes e desertores não cabem no mesmo saco (Amaral Bernardo)

1. Mensagem enviada pelo nosso camarada Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico do BCAÇ 2930, com data de 15 de Novembro de 2006:

Luís Graça (permita-me que o trate assim):

Sou ex-Alf Mil Médico na Guiné, Dezembro de 1970/Outubro de 1972, Catió, Cacine, Guileje, Gadamael, Bedanda (11 meses), Tite e Jabadá, Bolama (20 dias para descacimbar).

Sigo com atenção ... e emoção, diariamente, este bolgue.

Hoje de manhã ao abrir o correio, foi o choque e a dúvida. A minha pergunta é: neste blogue os desertores (o termo é vosso) são considerados ex-combatentes por quem esteve na guerra? Este não é um local de ex-combatentes ? (1)

Respeito todas as opções e todas as pessoas. Mas penso que os grupos são distintos e não têm lugar no mesmo saco. Penso ainda que não deveria ser um lugar de branqueamento de posturas. Perdoe, mas é a minha opinão. E vale só isso.

Um abraço
amaral bernardo

P.S. - Claro que o Medeiros Ferreira não tem culpa nenhuma disto. Fez uma opção que eu respeito, repito.

2. Comentário do editor do blogue:

Meu caro Professor Doutor Amaral Bernardo: Não tenho o prazer de o conhecer pessoalmente, mas já descobri que temos várias coisas em comum, nomeadamente, o facto de sermos professores universitários, estarmos ligados à saúde e termos sido combatentes na Guiné, sensivelmente na mesma altura, você, entre 1970/72, e eu entre 1969/71...

O nome do Medeiros Ferreira apareceu no nosso blogue, evocado pelo Raul Albino, seu camarada da CCAÇ 2402. O Raul seguiu para a Guiné, o Medeiros Ferreira desertou na véspera do embarque (2)... O termo não é do Raul Albino, foi usado por mim em nota de pé de página... Objectiva e legalmente, a figura é a do desertor, sem qualquer juízo político, ideológico, moral ou ético.

O Raul Albino, que por razões de preparação logística seguiu em primeiro lugar para a Guiné duas ou três semanas antes, constatou apenas que à chegada da CCAÇ 2402 a Bissau, havia duas baixas de vulto no quadro de oficiais (sic): o Beja Santos e o Medeiros Ferreira (que hoje são, ambos, figuras públicas, sendo o primeiro membro da nossa tertúlia e colaborador activo do nosso blogue, tal como o Raul Albino).

Não há, por parte do Raul Albino ou do editor do blogue, nada que indicie ou sugira a condenação ou a glorificação da figura do desertor... Este blogue é de amigos e camaradas da Guiné... As regras de inclusão e de exclusão não estão definidas de uma vez por todas... Estamos abertos, por exemplo, a acolher, na nossa tertúlia, os homens e as mulheres que nos combateram, até 1974, sob a bandeira do PAIGC... Sem dúvida, que este é um blogue sobretudo dos ex-combatentes da guerra da Guiné, mas interessam-nos também os pontos de vista, as experiências, os testemunhos, de todos aqueles que directa ou indirectamente trilharam os caminhos da guerra e da paz...

Eu sei que a palavra desertor ainda hoje tem uma certa carga emocional para muitos de nós que fomos mobilizados para o ultramar... Eu sei que esta pode ser mais uma questão fracturante no nosso blogue, mas não devemos ter medo de a evocar e de a discutir...

Dito isto, registo, sem mais comentários, a opinião do Amaral Bernardo e aproveito o ensejo para o convidar a participar, mais regular e activamente, no nosso blogue. Espero, no minímo, que continue a seguir-nos diariamente, com a mesma atenção e emoção com que o tem feito até aqui.

Saudações do L.G.
__________

Notas de L.G.:

(1) José Maria Ferreira do Amaral Bernardo é Professor Catedrático Convidado no ICBAS - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Responsável do Departamento de Ensino Pré Graduado do HGSA - Hospital Geral de Santo António, Porto.

(2) Vd. post de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira

GUiné 63/74 - P1362: Bibliografia (5): Encontro: guerra colonial e descolonização (Pedro Lauret)

Aniceto Afonso é autor, juntamente com Carlos de Matos Gomes, do monumental trabalho historiográfico Guerra Colonial (Lisboa, Editorial Notícias, 2000, 635 páginas).

Foto: Sítio da 4ª Companhia de Caçadores Especiais (Angola, 1960/62) (com a devida vénia...)



Texto do Pedro Lauret, com data de 5 de Novembro de 2006:

Caro Luís,

Seguem algumas notas sobre o colóquio no ISCTE (1). Ontem não me foi possível estar presente pelo que a minha apreciação se refere apenas a 6ª feira [3 de Novembro de 2006].

Sem querer por em causa quer a qualidade quer o interesse das diversas comunicações gostaria de referir que, à excepção da intervenção do coronel Aniceto Afonso (2), todas as outras abordaram temas laterais à guerra e às forças armadas. Não que os temas não fossem conexos, mas na minha modesta opinião não enquadraram suficientemante o propósito do encontro 30 anos de fim do Império. Guerra, Revolução, Descolonização. Não é possível tratar aquelas matérias sem desenvolver os temas directamente ligados à Guerra Colonial e às Forças Armadas. O 25 de Abril e a Descolonização não são entendíveis sem ser à sua luz.

Tem-se verificado muito pouco interesse dos nossos historiadores na investigação do mais importante acontecimento da segunda metade do século XX, a Guerra Colonial. Os nossos arquivos, incluindo os militares, estão disponíveis à investigação e existe uma disponibilidade imensa de testemunhos de ex-combatentes, o que torna mais inexplicável este desinteresse.

O Aniceto Afonso (2) disponibilizou uma série de dados referentes à guerra, que vou fazer chegar à tertúlia.

Estes comentários não se reportam, obviamente, aos palestrantes da Guiné e Angola.

A comunicação do nosso companheiro Leopoldo Amado, de grande interesse, descreveu a luta do PAIGC com base na actividade e personalidade de Amílcar Cabral. As diversas etapas da luta, os apoios internacionais, a criação de estruturas de administração nas áreas libertadas, a evolução da situação militar, foram temáticas muito bem desenvolvidas. Como seria bom que pudessemos ir fazendo uma História da Guerra Colonial em paralelo com as Histórias das Guerras de Libertação.

João Milando fez uma intervenção muito interessante sobre as mudanças e não mudanças que se operaram em Angola. O que mudou e não mudou entre o Colonialismo e a Independência. Que roturas e que continuidades. Uma abordagem diferente em que ficamos cientes da complexidade dos fenómenos em presença e sobretudo que a continuidade prevalece sobre a rotura.

Um abraço
Pedro Lauret
_______

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 5 de Novembro de 2006 > 5 de Novembro de 2006> Guiné 63/74 - P1250: Os amigos são mesmo para as ocasiões, Leopoldo Amado!

(2) Aniceto Afonso, director do Arquivo Histórico-Militar, cargo que vai em breve deixar, com muita pena e apreensão por parte de todos aqueles que se interessam pela historiografia da guerra colonial e que admiram o trabalho daquele investigador.

Vd. blogue de Luís Alves de Fraga, Fio de Prumo > 29 de Outubro de 2006 > É tempo de homenagear

(...) Nas duas semanas que estive ausente do Fio de Prumo recebi muitos e-mails e chamadas telefónicas de camaradas de armas e de gente da cultura — em especial ligados à História — manifestando-me a justiça de se prestar uma homenagem pública ao Aniceto Afonso, agora que completa 65 anos de idade e abandona as funções que, com tanto brilho e empenho, tem vindo a exercer no Arquivo Histórico Militar, nos últimos catorze. Todos me dizem: — Lança a ideia no teu blog... Verás que tens aderentes. O Aniceto Afonso, como Homem de cultura e principalmente como cidadão e militar, é das raras figuras que merecem não ser esquecidas — como se eu não soubesse isso muito bem! — Não deixes passar a oportunidade.
Tenho meditado muito sobre o assunto.

"O Aniceto Afonso foi um de nós — os da geração militar do 25 de Abril — que muito tem trabalhado para, neste futuro que já vivemos, a memória dos melhores anos da nossa juventude não ser perdida nem vilipendiada por todos os que não respeitam — especialmente por ignorância — os esforços de quem lhes trouxe a paz, a democracia e as condições para Portugal merecer, como nação velha neste Velho Continente, o apreço e a admiração do mundo inteiro. Aniceto Afonso, escondido na sua natural modéstia — que não faz dele um Homem menos interventor, mas o posiciona na penumbra onde se resguardam os grandes espíritos — merece que nos juntemos à sua volta e que lhe digamos, olhos nos olhos, com a frontalidade que caracteriza quem não teme juízos malévolos, lhe digamos o quanto o estimamos e o quanto esperamos que continue a fazer excelente trabalho em prol da História recente deste martirizado Povo por séculos de sacrifícios, pois, correndo o risco de me repetir, como afirmava Alguém com justo atino, em Portugal ou se nasce por karma ou por missão.

"Fica aqui a minha parte no cumprimento das solicitações que me têm chegado; fica o apelo a todos — militares e civis, intelectuais ou meros cidadãos que se revêem na História recente de Portugal — para avançarmos para a homenagem pública ao Tenente-Coronel Aniceto Afonso, Homem de férrea vontade e indomável perseverança, Homem de uma coragem moral muito para além do comum, Homem que, avesso à luz da ribalta, com a generosidade do seu imenso coração, me vai perdoar o que lhe estou a fazer sem seu consentimento nem conhecimento.

"Aqui fica a ideia, cabe a todos nós dar-lhe corpo" (...).

Vd também post de 15 de Outubro de 2006 > A nossa História Militar: uma obra e um Amigo

Guiné 63/74 - P1361: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendença (3): Os meninos de Candamã, os meninos de África, um dia hão-de ser felizes

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Candamã > 1969 > Os meninos de Candamã... O Alf Mil Torcato Mendonça e o seu Grupo de Combate estiveram aqui em reforço do sistema de autodefesa da tabanca fula de Candamã, pertencente ao regulado do Corubal. A população balanta e biafada do regulado estava sob controlo do PAIGC, desde o início da guerra, vivendo ao longo da margem direita do Rio Corubal. A população fula sobrevivia e resistia (mal) em meia dúzia de tabancas, pobres, em decadência, dipersas, a leste da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, nomeadamente depois da contra-ofensiva lançada pelo PAIGC como resposta à grande operação (1300 homens) que foi a Operação Lança Afiada (Março de 1969). Em Candamã, o Torcato Mendonça animou a escola local (LG) (1)...

Foto: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.

Luís Graça: abri, passei os olhos e vi os meninos (2)... Os meus meninos não se digladiavam por comida... faziam fila e, quando havia comida… recebiam. Na escola aprendiam, menos letras, mais determinados princípios… Atingia também os pais…Na ginástica brincavam, jogavam… depois iam ao banho e riam, felizes, naqueles breves momentos, os meninos de Candamã, Afiá…e outras tabancas…Poucas... Em Mansambo haviam poucos meninos. Assim se ensinavam regras de higiene – a sarna era endémica, e era tanta a doença… Por vezes uma simples aspirina determinava a cura.

Na primeira selecção [de fotos] não enviei crianças. Eram as principais vítimas. Eles e as mães, por isso o meu trauma de que, parece-me, já te terei falado.

Os meninos cresceram e os seus filhos têm hoje mais fome…fogem da Guiné – onde os Todo-o -Terreno de luxo são da minoria do privilégio. Fogem os menos meninos, os jovens de uma África sofrida, dantes partilhada, esquartejada pelas potências europeias…Hoje os privilegiados, os corruptos, os…os… Tanto sofrimento!!!

Paro, caro Luís…paro… escrevo e o que escrevo nunca terá eco, [pelo contrário será] recebido com sorrisos dos safardanas de um Poder qualquer e dos seus lacaios, sempre ávidos das migalhas que tombam. Como os poderes de desmando são efémeros, adularão, depois, outros senhores…

Um dia os meninos vão sorrir felizes... vão ser felizes os meninos!

Um abraço,

Torcato Mendonça (3)

_____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

(2) Vd. post de 5 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1342: Poema: os meninos da Ilha de Luanda (... pensando nos meninos de Bolama, de Chamarra, de Mansambo ou de Saré Ganá) (Luís Graça)

(3) Vd. post anterior > 5 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1340: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendonça (3): o meu segundo país

Guiné 63/74 - P1360: Lamparam III, novo sítio do historiador luso-guineense e membro da nossa tertúlia Leopoldo Amado

Leopoldo Amado é membro da nossa tertúlia desde Setembro de 2005 (1). Nasceu na Guiné-Bissau em 1960. O pai, funcionário dos correios, esteve em Bolama e Catió, terras que ele conheceu bem quando miúdo. Em 1981 concluiu, em Bissau, o curso de formação de professores liceais. Em 1986 licenciou-se em história pela Universidade de Lisboa (UL), de que é doutorando (2). Aguardamos com júbilo a marcação da data das suas provas públicas de doutoramento em história contemporânea pela UL. Desejamos-lhe as melhores felicidades, pessoais e académicas, para o novo ano que aí vem.

Fonte: © Leopoldo Amado (2006). Direitos reservados.


Mensagem que acaba de circular pela nossa tertúlia, enviada pelo nosso amigo Leopoldo Amado, luso-guineense, historiador, doutorando em história contemporânea com uma tese sobre a guerra colonial / guerra de libertação da Guiné-Bissau (Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa):

Caro amigo(a),

Venho por este intermédio convidar-lhe a visitar o site da nova série do Lamparam, rebaptizado Lamparam II, depois das séries I e II.

No novo site do Lamparam III poderá encontrar os seguintes novos posts:

- João Rosa morreu às mãos da PIDE-DGS?, por Leopoldo Amado

- Morreu Joseph Ki-Zerbo (1922-2006), por Leopoldo Amado

- José Carlos Schwarz, elementos escolhidos, por Norberto Tavares, O Cote
Informamos ainda que teremos imenso gosto em divulgar através deste espaço os seus trabalhos, opiniões e ou comentários.

Leopoldo Amado

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 7 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXIX: Leopoldo Amado, guinense, historiador, novo membro da nossa tertúlia (Leopoldo Amado / Luís Graça)

(2) Vd. post de 4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P840: Curriculum Vitae do nosso doutorando Leopoldo Amado

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar

Continuação da publicação das memórias de Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Catió, 1964/66). Publicamos hoje a quinta parte das crónicas de um Paimeirim de Catió (1).


2.7. O baptismo de fogo


Ao fim de um mês, podia dizer-se que a Companhia tinha encontrado a própria rotina. Cada pelotão com a sua tarefa da semana e cada secção com a sua tarefa do dia. A escala da guarda ao quartel estava montada e a dos oficiais e sargentos-de-dia, também; a da secção de segurança à lancha que ia buscar água a Catió; a da capinagem do campo de aviação e a da limpeza ao quartel.

Um grupo de combate montaria emboscadas, de dia ou de noite, na mata, não muito longe do acampamento, para criar insegurança e afastar tentações aos nossos vizinhos.

Faltava, porém, a dura e temida experiência do contacto directo com o inimigo, em teatro de guerra. Um dia, teria de acontecer. E aconteceu mais depressa do que se desejava.

Uma grande operação iria ser desencadeada no Cantanhez, com companhias de intervenção, pertencentes aos vários batalhões, ali ao pé, mais uma de fuzileiros e a força aérea.

À [CCAÇ] 728, ainda inexperiente, competiria apenas manter a segurança na retirada, na zona de Cufar, a uns 12 km de Catió.

Partida, de lancha, pela noitinha, até Catió, dali seguiu-se, de madrugada, estrada fora, a pé, rumo a Cufar. Lentamente e em total silêncio, foi uma noite inteira de caminho, até ao cruzamento de Cufar, que teríamos de defender.

Durante a noite, apenas se ouvia, muito ao longe e de forma dispersa, o ribombar de morteiros ou artilharia, que tanto podia ser nosso como deles, à mistura com o piar lúgubre e o esvoaçar constante da bicharada da noite, em nosso redor.

Todos tínhamos consciência de que, de um momento para o outro, poderíamos estar a ser alvejados por uma chuva de tiroteio ou por metralha pesada de bazooka ou morteiro. Daquela vez, não seria, por certo, devido a falta de cuidado de ninguém, desde o capitão ao soldado mais insignificante. Todos éramos importantes e responsáveis, por todos e cada um.

Foram doze quilmetros de tensão, palmilhados a tactear o terreno, pé ante pé, de respiração contrita.

Pelo amanhecer, envolvidos na bruma húmida de nevoeiro, estávamos a instalar as secções, ao longo da berma, virada a norte.

À medida que o tempo passava, sem nada acontecer, foi-se instalando uma certa descompressão geral. Um certo à-vontade se apoderou dos mais irrequietos. Às vezes, já se via, aqui e ali, um soldado levantado; uma conversa cochichada, mais descontraída, apesar da repressão constante dos comandantes das secções.

Não fosse o tiroteio, ao longe e disperso, mais intenso e insistente que durante a noite, o deslumbramento da floresta pujante de vida e esmagadora, nas plantas e animais, nunca vistos, ali ao nosso pé, far-nos-ia sentir maravilhados.

O último troço de estrada térrea palmilhado, até à curva, estava coberto por autêntico rebanho denso de curiosos macacos-cães, especados, em plateia, a ver a nossa vida, intrusa.

De repente, debandaram em fuga, saltando para o cimo das árvores e nela desapareceram, à boa moda de Tarzan e da companheira, Jane, para melhor… A nossa inexperiência não deixou perceber a razão da debandada. Era o aviso infalível do que lhe sucedeu, imediatamente, tal como o relâmpago arrasta o trovão…

Uma chuva intensa de tiroteio varreu, impetuosa, as nossas cabeças coladas ao chão mais fundo das bermas. Várias granadas rugiram, atrás de nós, em estrondos infernais, cavando crateras no chão e espalhando metralha mortífera em redor.

O sítio escolhido não podia ter sido melhor. Foi a nossa sorte. A reacção tardou, mas foi esmagadora. Os ânimos acenderam-se e já alguns dos nossos se levantavam, afoitos, a lançar granadas e bazucadas para o seio da mata cerrada, obrigando-os a calar e a debandar.

Uns quinze minutos medonhos que pareceram anos. Em turbilhão, tudo passou pela cabeça. Pedra Maria nunca me apareceu tão linda…Os montes de Santa Quitéria, tão verdes… O sol manso da minha terra…

O desespero e a prece levaram-me à ermida da minha aldeia:

De quem é a ermida branca,
Erguida num rochedo de pedra,
No cimo do monte mais alto
Desta terra tão formosa?…
Senhora de Pedra Maria.
Rainha de Varziela…

Quem é aquela Senhora, bela,
De manto de renda, dourado,
Alumia inteira a capela,
No monte mais elevado
Desta bem formosa terra?..
Senhora de Pedra Maria.
Rainha de Varziela…

Quem é aquela Senhora,
Lá no alto do altar…
Mais brilhante que a aurora,
De tão doce e terno olhar?…
Com ele,
Enxugou as lágrimas meninas,
De nossos pais e avós…
É a Senhora de todo o mundo…
Rainha de Varziela…

Bendita é a Rainha e Senhora
Que mora no rochedo de pedra,
No monte mais altaneiro
Das terras de Varziela,
Senhora de Pedra Maria!…


...tornando-se num sentimento vivo de fortaleza… e, por fim, a serenidade da esperança.

O bravo capitão de Évora (2), nunca o vi tão branco…calou-se, ensimesmado, durante todo o caminho, no regresso, até ao quartel. Uma semana depois, desapareceu para Bissau e ninguém mais lhe pôs os olhos… Constou que regressara à metrópole, sob custódia e nas masmorras do cárcere, sepultou, para sempre, o sonho do generalato…

Espevitados por aquele banho inesperado de fogo, dali em diante, ficámos em alerta constante para o mais leve rumor de uma nova intervenção.

Um misto de gozo sublime e de medo era a sensação que nos invadia. A exaltação total do nosso ser que a operação causara, fascinava e atraía-nos para a repetição… Ao mesmo tempo, a consciência do risco de vida, extremo, trazía-nos estarrecidos perante um simples rumor ou hipótese de saída…

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG

(...) "Em dia certo de Outubro [de 1964], a Companhia 728 fez as malas e teve de avançar para o sul da Guiné [, para a ilha do Como].

"A companhia 726 já tinha seguido para Guileje, de má fama. Seria lá que tudo iria ser jogado. O nervosismo inicial, de quando se conheceu o destino, foi abrandando e o desejo geral era de que, quanto mais depressa, melhor.

"A secção de espólio, comandada pelo alferes Barros dos Santos, com o 1º sargento Santos e o sargento Gaspar, já tinha feito a recepção do material, no próprio quartel, na ilha do Como. As suas impressões não eram tão más como isso.

"A companhia que íamos render [a CCAV 488 ?] já tivera o grande trabalho de construir, de raíz, as instalações mínimas que havia e, segundo disseram, limitava-se a marcar presença no terreno. Nunca fora atacada, depois de terminar a grande operação que a deixou lá [, a Op Tridente]" (...).

(2) Vd. crónicas anteriores:

20 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia

2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo

20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo

Guiné 63/74 - P1358: No cais do Xime, dois velhos Unimog pedindo boleia a algum barco (António Rosinha, ex-topógrafo da TECNIL)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 1997 > Rio Geba. Cais de desembarque em ruínas. Era a porta de entra da zona leste: por aqui passaram, durante a guerra colonial (1963/74), milhares e milhares de homens, viaturas , armas e demais material, desembarcados em LDG (Lanchas de Desembarque Grandes). A partir do Xime (em frente, havia um outro destacamento, Enxalé), o rio passava a designar-se por Geba Estreito, sendo navegável até Bafatá apenas através de pequenas embarcações civis ou LDP (Lanchas de Desembarque Pequenas). Entre as embarcações civis, destacava-se os barcos da famosa Casa Gouveia, ligada ao grupo CUF - Companhia União Fabril. O ataque a embarcações no Geba Estreito era frequente, obrigando à realização de patrulhamentos ofensivos na região de Mato Cão.

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca-Xime > Rio Udunduma > 1970 > A estrada Xime (à direita) - Bambadina (à esquerda), com a respectiva ponte, semi-destruída. Vísivel também o troço da nova estrada que estava em construção, a cargo da empresa Tecnil, e que implicou a construção de uma nova ponte. Fioto aérea tirada no sentido Noroeste-Sudeste, ou seja, do lado de Nhabijões (vd. carta de Bambadinca).

Foto: © Humberto Reis(2006). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca-Xime > Ponte do Rio Udunduma > 1970 > Gr Comb da CCAÇ 12 > Pesca à linha (Humberto Reis), banho à Pai Adão, passeio de canoa, dias felizes (se descontarmos o pesadelo das noites) (1)... Nesta velha ponte, construída em 1952 e dinamitada pelo PAIGC em 28 de Maio de 1969, passava a estrada que ligava o Xime a toda a zona leste. Em 1970, a Tecnil estava a construir uma nova estrada e uma nova ponte...
Foto: © Humberto Reis(2006)


Texto do António Rosinha (2), com um belíssimo e nostálgico título > A estrada Bambadinca-Xime e dois Unimog alinhados frente ao canal do Enxalé, pedindo boleia a algum barco (1990)

Luis Graça, este será em tua lembrança, o primeiro contacto com os tertulianos, cujas mensagens leio há meses, e a quem desejo as maiores felicidades.

Mais ou menos vinte anos depois de assistires, de arma na mão, à construção da estrada em referência, estou eu na Guiné-Bissau, nas Obras Públicas como cooperante (detesto esta palavra tanto como a de colonialista).

E a minha visita ao Xime foi precisamente dentro de um projecto de manutenção de estradas do Banco Mundial em que tinha que observar todas as estradas a fim de serem reabilitadas. Esta era uma estrada com curvas suaves, bastante plana num terreno acidentado, teve portanto muito trabalho de aterros altos, com vários aquedutos com tubos metálicos, muita vegetação verdíssima.

Verifiquei que o asfalto tinha envelhecido sem uso: de facto, não vi nenhuma viatura passar por mim talvez em mais de 2 horas. Chegando ao Xime, vê-se do lado esquerdo um morro com umas construções abandonadas que tanto seriam para quartel como também para alguma função administrativa. E mesmo no fim do asfalto, um grande descampado que poderia ser parada de quartel: onde se apresentam dois Unimogues ,alinhados, envelhecidos sem uso, junto ao canal [Rio Geba], onde provavelmente passou algum barco e eles não couberam.

Pareceu-me tudo intocado. Informei-me, com um velho empregado da TECNIL, que o encarregado dessa estrada era de Alpedrinha, Beira Baixa. Os velhos patrões da Tecnil, embora se dessem bem com Luís Cabral, não tiveram pedalada, e a seguir ao Luís ir embora, venderam tudo à Soares da Costa.

Quem não viveu aquela guerra e estava na idade, passou ao lado dum momento histórico, relevante, de Portugal e daqueles países. Eu, tendo oportunidade como tive, não os perderia jamais.
___________

Notas de L. G.:

(1) Vd. post de 4 de Fevereiro de 2006> Guiné 63/74 - CDXCVIII: Os dias felizes na ponte do Rio Undunduma (CCAÇ 12) (Luís GRaça / Humberto Reis)

(2) Vd. post de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

domingo, 10 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1357: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (3): Nem a cruz nem o altar (Mário Dias / Luís Graça)

Guiné > Brá > 1965/66 > Emblema do Grupo de Comandos Diabólicos, do Alf Briote, e a que pertenceu também o então 1º cabo Marcelino da Mata (hoje, cortonel do exército, na reforma, e cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada) (1).

Foto: © Virgínio Briote (2006). Direitos reservados. (Reproduzido do blogue Tantas Vidas, com a devida vénia...).


1. Mensagem do Mário Dias, com data de 9 de Outubro de 2006:

Caro Luis:

Como sabes, conheci e lidei de perto com o Marcelino da Mata, actualmente residente em Queluz e com quem me encontro de vez em quando.

Estou disposto a ajudar a filha dele nesta homenagem tão simpática que ela quer prestar ao pai. Como fazê-lo? Directamente para ela ou através de ti?

Mantenhas.

Mário Dias

2. Resposta de L.G., na volta do correio:

Mário:

És um homem puro e generoso, sem parti-pris... Eu nunca conheci o Marcelino da Mata... Não me sinto juiz de ninguém, nem quero sê-lo, nomeadamente quando estão em causa antigos combatentes da Guiné, como eu... Deformação profissional, sociológica ? É possível... Deixo isso à história, ao futuro, aos nossos nossos netos, que nos hão-de julgar... Além disso, estamos a falar de antigos combatentes que ainda estão vivos... A questão é sempre delicada.

Julgo não ter feito a guerra como o Marcelino da Mata, ou nem sequer como tu que te ofereceste para os comandos... Tu defendias uma terra que amavas, desde os teus 15 anos... Quem te poderá apontar o dedo por lutares por convicção e patriotismo ? Ou a mim, por ter feito um papel de resistência passiva (fraca, mole...) que a minha consciência me impunha ?

No caso do Marcelino, eu gostava no mínimo de conhecer a sua história de vida, a sua acção, os seus feitos... Muita coisa já pertence ao domínio da lenda, do mito ... Eu quero o teu testemunho sereno e privilegado, o teu, o do Virgínio e de outros camaradas que com ele conviveram de perto... Vocês têm uma autoridade que ninguém mais tem na tertúlia, com excepção do coronel Nuno Rubim de quem ele foi subordinado nos anos de 1966 (segundo creio): por isso, o vosso depoimento, o vosso testemunho, é essencial...

Eu sei que o Marcelino da Mata - heroificado à direita, crucificado à esquerda - poderá vir a ser outra questão fracturante no nosso blogue, na nossa tertúlia... Vamos ter que agir com serenidade, lucidez, objectividade... Não vamos crucificá-lo nem pô-lo no altar... Interessa-nos o homem, o cidadão, o militar, o combatente (2)... É, além disso, um oficial superior do Exército Português que deve deve ser tratado como tal.

Mas eu penso que já atingimos a maturidade... Somos capazes de falar, uns com os outros, sem puxar pela G-3, ou no mínimo com a G-3 em segurança... Não há nada - pelo menos, comigo, como editor do blogue - que não se possa evocar, falar, descrever, narrar, criticar, contestar, do Salazar ao Amílcar Cabral, do Otelo ao Nino, do Alpoím Galvão ao Luís Cabral... Em suma, não há vacas sagradas na nossa caserna virtual...

Só quero (exijo) que as pessoas, os tertulianos, exponham os factos, contem o que viram, o que sentiram, o que pensaram... Sem preconceitos ideológicos (O que não quer dizer sem valores): o Marcelino da Mata foi um combatente, ao que parece excepcional... Posso interrogar-me sobre os seus métodos de actuação, depois de conhecer a sua estória... Não o conhecendo, não posso ter uma opinião sobre ele, muito menos baseada no diz-que-disse...

Há a questão (delicada) da informação a dar à sua filha... A vida de seu pai não foi nenhum conto de fadas, como ela de resto o deve saber há muito... Mas ela é uma pessoa adulta, saberá ler e contextualizar a informação que vier a ser inserida no blogue... Ela tem direito à verdade, tal como os filhos de outros combantentes, tal como nós e os nossos filhos... Foi ela, de resto, que nos pediu estes testemunhos...

O Marcelino, o Saiegh, o Bacar Jaló, o Luís Graça, o Mário Dias, o Beja Santos, o João Tunes, o Jorge Cabral ou o Virgínio Briote e os restantes membros da nossa tertúlia, todos nós estivemos, objectivamente, do mesmo lado da barricada... Seguramente, que não pensávamos todos da mesma maneira, nem actuámos da mesma maneira, mas isso que importa agora!?...

Mário: tens uma grande responsabilidade... Vais dar o pontapé de saída... O Virgínio também vais vasculhar o baú, lá em Esposende (2)...

3. Comentário do Mário Dias (cujo prometido testemunho sobre o Marcelino da Mata continuo a aguardar, desde 10 de Outubro de 2006):

Caro Luís:

Passando por cima dos elogios que me fazes, imerecidos, mas que agradeço, aceito o teu desafio e o mais brevemente que me for possível, vou narrar a história do Marcelino apenas na parte respeitante à vivência que com ele tive entre 1963 e 1966 (3). Do restante da sua vida, apenas conheço o que tenho ouvido e lido e que é do domínio público.

Claro que o julgamento que cada um faz está condicionado pela forma como ideologicamente vê e interpreta os factos. O que para uns é um acto justo e necessário, para outros será um excesso criminoso. Não é raro que alguém clame contra a injusta barbaridade dos seus opositores e enalteça como justas e patrióticas barbaridades semelhantes, e por vezes bem maiores, cometidas pela parte com que simpatiza e apoia.

Um abraço e até breve.

Mário Dias

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. o sítio oficial da Associação de Comandos > Galeria dos Heróis > Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito > Marcelino da Mata


(2) Vd. posts anteriores:

10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1355: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata a pedido de sua filha Irene (2): Orgulho-me de o ter conhecido em Guileje (José Carvalho)

10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1354: Testemunhos sobre Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (1): De 1º Cabo Comando a Torre e Espada (Virgínio Briote)

(3) De acordo com o blogue do Virgínio Briote, Tantas Vidas, o Marcelino da Mata fez parte do Grupo de Comandos, os Diabólicos, estando estado integrado na 1ª equipa:


GRUPO DE COMANDOS DIABÓLICOS (ao tempo da estadia em Barro)

1ª Equipa

1º Cabo Marcelino da Mata
Soldado Carlos Alberto dos Santos Roberto
Alferes Briote
Soldado José Feitinhas de Matos/ANPRC10
Soldado Álvaro dos Santos/Enfº

2ª Equipa

Soldado José Marques
Soldado José Caleiro
Furriel Caetano Azevedo
Soldado António Alves Maria da Silva
Soldado Joaquim Esperto

3ª Equipa

Soldado Domingos Lopes
Soldado José C. Martins
Sargento Mário Valente
Soldado Albino Ferreira da Silva / MG-42
Soldado Mamadú Jaló

4ª Equipa

Soldado Fernando Moura
Soldado Bacar Mané
1º cabo Carlos Faria Black
1º Cabo Casimiro Anselmo
1º Cabo António Domingues


Em 4 de Setembro de 1965, quando terminaram o 2º Curso de Comandos,- juntamente com os Apaches (Alf António Vilaça e Vítor Caldeira), os Vampiros (Alf António A. Neves da Silva) e os Centuriões (Luís M. N. Almeida Rainha), os Diabólicos eram assim constituídos (entre parênteses, indica-se a sua unidade de origem e assinalam-se, em observação em itálico, os que já morreram e em circunstâncias):

Alf. V. Briote (CCAV 489/BCAV 490)
2º Sarg. Mário J. Machado Valente (CCS/QG)
Fur. Caetano Azevedo (CCAÇ 764)
Fur. Fernando Marques de Matos (Pel Caç 953)
1º Cabo Carlos Filipe Faria (CCaç 462)
Sold. Bacar Djassi (CCS/QG) (fuzilado)
1º Cabo Mamadu Jaló (Agrup 16) (fuzilado)
Sold. Albino F. Silva (CCS/BCAÇ 697) (falecido)
Sold. José Vicente Caleiro Júnior (CCS/BCAÇ 697)
1º Cabo José Henriques Cristóvão(CCS/BCAÇ 790)
Sold. António Jesus da Silva (CCS/BCAÇ 790)
Sold. António A. M. Silva (CCAÇ 674) (morto, Jabadá, 06/03/66)
Sold. Fernando Simões Moura (CCAÇ 726)
Sold. António Amador Caeiro (CCAÇ 726) (falecido)
Sold. Bacar Mané (BAC) (falecido)
1º Cabo António Rita Domingues (CART 732) (falecido)
Sold. Álvaro dos Santos (CCAV 677)
Sold. Carlos Alberto S.Roberto (CCAV 677)
Sold. Domingos Lopes (CCAV 703)
1º Cabo Casimiro Oliveira Anselmo (CCAV 789)
Sold. José Correia Martins (CCAV 789)
Sold. Joaquim Ventura Esperto (CCAV 789)
Sold. José Feitinha de Matos (CCAV 789)
Sold. Diamantino F. M. Carvalho (CCAV 789)
Sold. José Joaquim Pereira Marques (CCAV 678)

Guiné 63/74 - P1355: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata a pedido de sua filha Irene (2): Orgulho-me de o ter conhecido em Guileje (José C. Carvalho)

Lisboa > Belém> 10 de Junho de 2003 > Marcelino da Mata, antigo comando, ao lado do ex-furriel mil op especiais José Casimiro Carvalho (CCAV 8350 , Guileje, 1972/73). Marcelino da Mata é hoje oficial superior, na reforma, do Exército Português, tendo sido graduado em tenente coronel (LG).

Foto: © José Casimiro Carvalho (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Carvalho, com data de 11 de Outubro de 2006:

Tenho um orgulho tão grande em falar desse homem que se me arrepia o corpo só de falar no célebre Marcelino da Mata (1).

Tive o grande privilégio de o ter conhecido e cumprimentado em Guileje, aquando da queda do FIAT G-91 da FAP, conduzido pelo Tenente Pessoa (se a memória não me atraiçoa).

Ele era a imagem do combatente de [contra-] guerrilha, que eu aspirava ser. E não era por acaso, pois o Marcelino, com o seu grupo tão famoso como famigerado - na opinião de alguns -, ostentava garbosamente no seu ombro esquerdo a chapa com Os Vingadores de Operações Especiais...

Estávamos em Maio de 1973, se não me engano, e o tal grupo ia tentar resgatar o corpo do tenente pilooto do FIAT G-91, conjuntamente com a CCAV 8350 e as tropas parquedistas do BCP 121, entretanto chegadas a Guileje.

Eu, na verdura dos meus 21 anos e com o sangue na guelra, sedento por acção - na acepção da palavra -, ofereci-me para fazer parte do grupo do Marcelino. E já pensar na minha gabarolice dos anos vindouros...

O problema é que o Marcelino (grande homem!) aceitou!!!.... Eu nem queria acreditar, mas o meu comandante, o Cap Abel Quintas, irredutivelmente, recusou. Ao que o Marcelino, retorquiu, dizendo:
- Eu trago o seu homem, este ranger, nem que seja às costas... Palavra!!!

Mas nem assim... Vieram-me as lágrimas aos olhos (e esta verdade ninguém a pode contestar), palavra de ranger)... de tanta raiva incontida.

E não é que o Marcelino, há cerca de três anos, lembrava-se textualmente deste episódio da guerra colonial, no dia 10 de Junho em que nos encontrámos ?

Fantástico, que memória, apesar do que sofreu depois do 25 de Abril segundo se consta.

Tenho fotos, no meu álbum (que emprestei ao editor do blogue), tiradas em Guileje, ao grupo do Marcelino, com armamento russo.

Para terminar e reportando-me à data dos factos, e ao clima de guerra em que se vivia - guerra nada honesta e nada concencional- , queria dizer à menina que pediu esta opinião (1) que deve ter muito orgulho nesse combatente destemido e tememário que foi (é) o seu pai.


Tenho dito.

José Carvalho
(ex-fur mil, op espec,
CCAV 8350, Guileje, 1972/73)
____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posta anterior, de 10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1354: Testemunhos sobre Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (1): De 1º Cabo Comando a Torre e Espada (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P1354: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene Rodrigues da Mata (1): De 1º Cabo Comando a Torre e Espada (Virgínio Briote)



Guiné > 1966 > Comandos a caminho de Bafatá, junto ao Dakota para operações na região do Xitole. O 1º Cabo Marcelino da Mata (hoje  tenente coronel graduado  na reforma, e com 69 anos de idade) é o primeiro da esquerda, na segunda fila (assinalado a vermelho). Dois dos actuais membros da nossa tertúlia também constam da foto: O Alf Mil Briote, o segundo, a contar da esquerda, da primeira fila (assinalado a verde); e o então Capitão Rubim (hoje coronel na reserva), o 6º da primeira fila, também a contar da esquerda (assinalado a amarelo).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em 4 de Outubro de 2006, recebi uma mensagem de e-mail da filha do Marcelino da Mata, Irene Rodrigues da Mata, a pedir a colaboração da nossa tertúlia:

Gostaria de saber se é possivel mandar-me informações sobre o meu pai, Marcelino da Mata. Gostaria de saber mais sobre ele, sobre as missões dele em África.

Para o ano o meu pai fará 70 anos e eu gostaria de lhe oferecer um bibliografia sobre ele e a vida e as missões dele .

Já conversei com alguns dos amigos do meu pai e eles concordaram em ajudar-me. Agradeceria muito se me pudesse ajudar neste trabalho, dando-me informações e fotos sobre ele.

O meu único problema é que eu estou a estudar em inglaterra, mas se me puder mandá las através de e-mail ou indicando-me sites onde poderia encontrar informação sobre ele, seria uma grande ajuda.

Fico lhe imensamente agradecida....
Irene Rodrigues da Mata.


2. Mandei, como de costume, a toda a tertúlia um pedido de colaboração, uma vez que já vários filhos de antigos combatentes nos contactaram a pedir ajuda. Alguns dos nossos tertulianos que o conheceram, de mais perto, na Guiné, já responderam à Irene Mata. Hoje começo por publicar o testemunho do Virgínio Briote, que mandou de imediato o seguinte e-mail à Irene.

Irene,

Conheci o teu Pai em Junho de 1965 em Bissau. O Marcelino já na altura era uma lenda da guerra que então se travava na Guiné. Nos comandos em Brá o então cabo Marcelino da Mata foi o 1º homem do grupo que eu comandava, os Diabólicos.

Estou a recolher fotos e documentos da época que eventualmente te possam interessar. Tenho muito gosto em o fazer e, desta forma, prestar também a minha homenagem a um homem não muito fácil e, por isso mesmo, muitas vezes incompreendido, mas com o qual mantive boas relações.

Entretanto podes procurar algumas imagens e alguns textos do Marcelino daqueles tempos no blogue, Tantas Vidas.

Um abraço,
vb


3. O editor do blogue fez um primeiro comentário, a 6 de Outubro, a este e-mail do Virgínio Brite:

Obrigado, Virgínio... Há muitos preconceitos contra o Marcelino da Mata... Não gostaria que o fuzilássemos, simbolicamente, aqui no blogue... É um nome incontornável da guerra colonial, um mito... A mim, que não o conheci, interessa-me o homem...

Achei bonito o gesto da filha... Tu que o conheceste, de tão perto, podes falar dele com o rigor, a isenção e a objectividade que nos faltam, a nós... Espero que isso possa ser também ocasião para uma (re)visita à tertúlia...

Entretanto, o que é feito de ti ? O Tantas Vidas parou em Julho... O que se passa ? Como vai a tua saúde ? Hoje fiz-te uma pequena homenagem, remetendo os nossos tertulianos para alguns dos teus "belos, intimistas e perturbantes" textos... Não há ninguém a falar das mulheres na guerra como tu... Acho que está na altura de arranjares uma editora e publicares uma selecção dos teus textos... Até 14 [de Outubro, na Ameira].


4. Novo pedido da Irene Mata, em 7 de Outubro de 2006, em resposta ao Virgínio Briote:

Sr. Virgínio, muito obrigada por me estar a ajudar.

Agradeço-lhe imenso por me ter mandado Informação sobre o meu pai. Estou muito impressionada pelo o que o meu pai fez e conquistou tanto aqui como na Guiné. Mas mais ainda estou contente por ele ter feito muitos amigos, de ter conhecido pessoas que o ajudaram e que lhe admiram.

Mas tenho uma dúvida: É verdade que o meu pai não pode entrar na Guine porque a PAIGC anda-lhe a perseguir e que tem um forno pronto para o meter la dentro ? Ou será que isso é só uma lenda ???

Eu ouvi essa historia quando era mais nova, mas, agora estou na dúvida... Será que me podia esclarecer, sff ?

Fico-lhe muito agradecida.


5. Entretanto, o Virgínio tinha respondido ao editor do blogue, a 7 de Outubro, nestes termos:

Caro Luís,

Claro que continuo a frequentar diariamente o foranada. É um gosto ver aparecer gente quase todos os dias. O Vinhais, o Beja, o Tino, o Marques dos Santos, o Vítor David, o Idálio, o Mexia, o Jorge Cabral que não conheço mas é como se o tratasse por tu quando leio as incríveis histórias que ele tão bem desenha, o Lema da Marinha, técnico e preciso nas descrições, o Pedro Lauret que já conhecia de nome, o Rebocho e os trabalhos dele com os corpos dos nossos camaradas que eu já nem sabia que houvesse gente desta por cá, as pontuadas do Tunes de vez em quando. Pessoal tão diferente, de comum apenas 24 meses passados há mais de 30 anos! Para a nossa história, a de Portugal, o foranada é uma obra inédita, até sinto pudor em palavrar.

O Tantas Vidas acabou. Eventualmente uma ou outra correcção, umas fotos para tratar e pronto. Amanhã vou a Esposende, procurar no sótão da casa da minha mãe algumas imagens do Marcelino da Mata para enviar à filha.

Obrigado Luís pelo teu cuidado, felizmente tenho-me aguentado. E ansioso por dar um abraço aos foranadas que aparecerem na Ameira, pena é que não veja o Tunes, o Beja Santos, o famoso Pira de Mansoa, o Mendes, o Coronel Lopes e tantos outros trabalhadores desta obra que tu tão bem coordenas.

Um abraço,
vb


6. Novo e-mail do Virgínio, dirigido à Irene:

Irene:

Gostei de ler a sua mensagem. Conheci o seu Pai, Marcelino da Mata, então 1º cabo do Exército, em Maio ou Junho de 1965. Vi-o em Brá, um aquartelamento do Exército Português a meia dúzia de kms de Bissau na estrada para o aeroporto de Bissalanca.

Era um jovem com bom aspecto, ar de reguila, aspecto enérgico. Ele tinha feito a opção pelo Estado Português e como militar teve que combater o PAIGC, o Partido que então encabeçava a luta armada contra o colonialismo português. Foi a decisão que tomou, tal como milhares de Guineenses e, por isso, passou a ser um inimigo do PAIGC.

Fez parte dos primeiros comandos que existiram na Guiné. Participou em inúmeras batalhas em praticamente todo o território. Foi sempre um militar muito valente e, por iso, várias vezes condecorado, desde a Cruz de Guerra (várias) até à Torre e Espada (a mais alta condecoração nacional e só atribuída em casos excepcionais).

Depois houve o 25 de Abril, ele estava na Guiné, a independência veio logo a seguir em Setembro de 1974 e o Marcelino, tal como vários militares que se distinguiram na luta ficou com a vida em perigo. Muitos dos que lá ficaram foram fuzilados e ele saiu da Guiné e fez muito bem porque se lá tivesse ficado já não era vivo há muito.

Penso que hoje, com tanto tempo passado, se ele regressasse ao chão que o viu nascer, nada lhe aconteceria. Mas a Irene sabe, as previsões só são isso. Nunca se sabe o que poderia suceder.

Quanto a essa história do forno, pode ser só isso, uma história apenas. E pronto Irene, podíamos estar aqui a falar do seu pai o dia todo e se calhar ainda nos esqueciamos de muita coisa.

E os seus estudos como vão? O que está a tirar?

Um abraço,
vb

Guiné 63/74 - P1353: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (1): O bababaga e o papa-figos

AO CORRER DA BOLHA - I

O Bagabaga e o Papa-figos

por Torcato Mendonça

Vi a foto – linda – do bagabaga (1). Recordei-os, espalhados por vários lados e sendo mesmo motivo de algumas estórias.

Com saudade, recordo uma. Eu conto:

O João Figueiras, 1º Cabo Condutor, algarvio de Faro, era um rapaz alegre e brincalhão. Havia, entre nós, uma natural empatia e cumplicidade por motivos vários. Coisas de homens do Sul e que ficam no vento ou vão com as aves… Dois breves episódios com ele:

1º episódio

Estava em Fá (1) e um dia fui chamado a Bambadinca. Viagem curta, rápida, sem perigos e fizemo-la de jipe. O João a conduzir, eu (à cautela devidamente armado) e um militar da mecânica para trazer baterias.

Assuntos rapidamente tratados, regressámos. Talvez, um quilómetro depois de Bambadinca disse ao João:
- A estrada é asfaltada, deixa-me conduzir.

Troca de lugar e lá vamos nós. Devagar dizia, de quando em vez o João. Abrandava um pouco e lá íamos nós.
- Olhe o cruzamento… o cruzamento!... - Só que tarde demais. Fui a direito capim fora, fintei bagabagas, tirei os pés dos pedais, agarrei forte o volante... mas zás, bati num tronco escondido no capim.
- Ai, ai!!! - gritava o João. Mas estávamos todos bem. Só que jipe tinha o pára-choques torcido.

Passou ele a conduzir e pouco depois estávamos em Fá. Um azar nunca vem só! Pouco depois da entrada, aí estava o 1º Sargento. Olhou, apontou o estrago e sorriu…
- Bateste!
- Não foi ele, fui eu. - Fez-se vermelho, inchou o peito gordo de ar e conteve a raiva. Tivemos sempre um contido ódio de estimação, desde Évora e mantivemo-la até fim da comissão.
Sendo assim abateu-se o pára-choques e siga a dança…

2º episódio

O João pediu-me, várias vezes, para ir comigo no mato. Numa daquelas idas simples... Sabe-se lá o que é simples. Eu dizia-lhe:
- Ó João isso não é para ti. Se te aleijas está tudo tramado e lá fica Faro sem um condutor de táxi.

Tanto insistiu, o bom do João, que um dia foi connosco.
- Vais sempre ao pé de mim e do Serra.

Íamos montar uma emboscada. Caminhamos, volteamos e, já com a noite a chegar paramos. Emboscada montada, silêncio total…toques nos rádios previamente combinados e pedrinhas atiradas, de tempos a tempos, para despertar algum dorminhoco. O João mexia-se, queria falar, soprava…para um algarvio estar tanto tempo calado é difícil. Tinha fome, sede…
- Então João, o colchão É duro…? Fumar…?

De repente o aviso. Aproxima-se qualquer coisa… Breve preparação… gestos treinados…à espera. Novo aviso: são bichos. Espera… É um casal de macacos-cães que berram desalmadamente. Ri a malta e descomprime. Fala o João:
- Mon dé, qué iste débe, nem cem cães?
- Cala, cala…quieto.

Com a primeira claridade da madrugada, redobram as cautelas. Só que o João olhou para o alto de um bagabaga, ali junto de nós, e exclamou:
- Olha um papa-figues.
- Cala-te, porra, aqui não há figos quanto mais papa-figos, não estragues isto.

Breve distracção e sinto um toque no ombro
– Olhe o gajo! … - E lá ia trepando o bagabaga…
- Ai o caraças… - Mas a malta olhava e apostava que ele apanhava o pássaro… Mais um pouco… um olho na picada, outro no João… ele estica, por fim a mão e quase apanha o pássaro que, certamente aflito, grasna e foge. Desequilibra-se o João, berra que nem capado e estatela-se no chão. Correm em seu socorro e com o barulho termina a emboscada.

O João estava triste e abanava a cabeça.

No futuro, quando passava pelo João às vezes dizia-lhe:
- Mon dé, queres um papa-figos? - Ou, se avistava um bagabaga e ele estava perto, bastava dizer o nome dele e olhar na direcção do formigueiro…

A 19 de Setembro de 1968, o meu camarada João Figueiras foi ferido gravemente, na célebre emboscada à fonte de Mansambo (3). Dizem que era comandada por um internacionalista cubano…!

Faleceu a 25 desse mês no Hospital Militar de Bissau (4).

E ainda dizem…

__________

Notas de L.G.:

(1) A CART 2339 (1968/69, a que pertencia o Alf Mil Torcato Mendonça, esteve originalmente em Fá (Mandinga), a nordeste de Bambadinca, antes de passar a undidade de quadrícula de Mansambo.

(2) Vd. post de 7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1348: Concurso O Melhor Bagabaga (2): Bissau (David Guimarães)

(3) Sobre a fonte de Mansambo e as suas tragédias, vd. posts de:

5 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1248: Monteiro: apanhado à unha na fonte de Mansambo em 1968, retido pelo IN em Conacri, libertado em 1970 (Torcato Mendonça)

2 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa)

14 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCVIII: A emboscada na fonte de Mansambo (19 de Setembro de 1968) (Carlos Marques dos Santos)

30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339 (Luís Graça / Carlos Marques dos Santos)

(4) Vd. post de 9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DIX: As baixas da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) (Carlos Marques dos Santos).

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1352: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (7): Perigos vários, a divisa dos Baixinhos de Dulombi





Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2405 (1968/70) > Embora pertencente ao BCAÇ 2852 - cujo comando e CCS estavam sedeados em Bambadinca -, a CCAÇ 2405 não teve grandes contactos com o pessoal da CCAÇ 12.
Daí que só no no 1º encontro da nossa tertúlia, na Herdade da Ameira, Ameira.Montemor-o-Novo, realizado em Outubro passado, é que eu tive o prazer de conhecer pessoalmente o Rui Felício, a par de outro baixinho de Dulombi, o Paulo Raposo.

Foto: © Victor David (2006). Direitos reservados.
Vários perigos, perigos vários (1)
por Rui Felício


É sabido que os emblemas das unidades militares normalmente são compostos por símbolos e frases que apelam a supremos valores, à audácia, à heroicidade, à destreza, ao caracter, honestidade e grandeza dos ideiais dos membros que compõem as respectivas unidades.

E os desenhos escolhidos não se afastam normalmente de símbolos guerreiros, como sabres ou armas de fogo enquadrados por espirais de flora rebuscada, ou animais selvagens subjugados pela força dos corajosos militares.

As cores usadas são normalmente berrantes e carregadas, procurando traduzir a esperança e o sangue derramado em defesa da Pátria.

Toda a amálgama kish que resulta da vontade de tentar transmitir em pequeno espaço uma míriade de ideais, é na maior parte dos casos encimada por umslogan que em poucas palavras demonstre aquilo que a confusão dos símbolos e as cores podem não conseguir espelhar de forma clara.

Por Deus e Pela Grei, Venceremos onde Outros Pereceram, Indómitos e Audazes, Desbravando o Mato e Civilizando as Gentes, são algumas das milhares de divisas que identificavam as unidades militares na Guiné.

Todos os que serviram nas Forças Armadas, sabem que é assim…Torna-se inútil multiplicar os exemplos.

O perfil a enquadrar a divisa e os símbolos, também ele, recorria a formas geométricas rebuscadas, arredondadas, simétricas, floreadas…

No terço final da comissão, com a Companhia finalmente concentrada no Dulombi, pensou-se em encontrar um emblema e uma divisa para a nossa Unidade.

Não deveriamos deixar acabar a comissão sem legar aos vindouros um símbolo que nos identificasse, tal como a maioria das outras unidades já o tinham feito.

Acolhida a ideia, estabeleceu-se um período de tempo para que fossem apresentados projectos para futura escolha daquele que merecesse o consenso geral. E assim surgiram meia dúzia de ideias para a o emblema da Companhia.

Lembro-me que, à excepção daquele que mais tarde viria a ser o escolhido, todos os outros obedeciam às caracteristicas usuais que acima procurei recordar e referir. Tratava-se de um símbolo que fugia a todos os critérios tradicionalmente considerados para a representação emblemática de uma Companhia. Não continha armas, não continha animais ferozes, não caracterizava de forma explicita os seus militares como heróicos, nem audazes, nem indomáveis...

Só continha uma cor o que o tornava de uma simplicidade contraditória com a amálgama de cores típicas dos demais emblemas, que nos feriam o olhar e nos despoletavam os mais bravos sentimentos guerreiros…

E a divisa não apelava aos nossos sentidos nem à nossa bravura... nada!… Nem impunha qualquer afirmação que levasse, quem a lia, a pensar em nós como uma espécie de super-homens, de carácter impoluto, guardiães dos sagrados valores pátrios...

Era uma singela constatação: VÁRIOS PERIGOS.

E o símbolo que o enquadrava em nada alterava o conhecido sinal de trânsito que quer dizer nem mais nem menos que a divisa escolhida. Ou seja, o símbolo gráfico era inteligível para qualquer pessoa, e traduzia fielmente a divisa.

Não foram precisos arabescos nem frases grandiloquentes para dizer a todo o mundo que os Baixinhos do Dulombi eram gente preparada e habituada a vários perigos.

E, ao contrário de tantos outros emblemas, traduzia a realidade e ao fazê-lo atribuia mérito aos militares da Companhia sem necessidade de falsamente e de forma rebuscada os transformar em heróis que não eram, em impolutos que não eram, em audazes que não eram...

Sim, porque os Baixinhos do Dulombi eram pessoas normais, com os medos próprios do Homem, mas o carácter próprio de gente cumpridora dos seus deveres... Deveres que os levaram a correr os tais Vários Perigos…

A originalidade, a simplicidade e a profundidade da mensagem do nosso emblema, escolhido entre vários outros projectos candidatos, são a razão do meu voto e do alargado consenso que reuniu a larga distância dos concorrentes.

Ao Vitor David, autor do símbolo da CCAÇ 2405, os parabéns pela excelente ideia, talvez única nos anais militares

Rui Felício
Ex-Alf Mil Inf
CCAÇ 2405

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último post > 27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1217: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (6): Sinchã Lomá, o Spínola e o alferes que não era parvo de todo

Guiné 63/74 - P1351: Postais Ilustrados (13): A catedral católica de Bissau (Beja Santos / Luís Graça / Mário Dias)

Guiné > Bissau > Catedral > Postal ilustrado do final dos anos 60. Gentilmente cedido por Beja Santos, ex-alf mil, Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70). Creio que foi lá que o Mário se casou, com a Cristina, em Abril de 1970, sendo padrinhos do casamento o médico David Payne e a sua esposa Isabel (1).

Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.


1. Série Postais Ilustrados (2). No verso deste, que não chegou a ser usado como bilhete posral, pode ler-se os seguintes dizeres, impressos:

Bihete Postal
Guiné Portuguega
132 - Catedral de Bissau
Fotografia verdadeira
Reprodução proibida
Edução "FOTO SERRA"
C.P. 239 Bissau
Impresso em Portugal

2. Das duas ou três meses que estive em Bissau, durante a minha comissão (1969/71), nunca tive a curiosidade de visitar a catedral católica. A construção parece-me ser dos anos 40/5o, sendo a arquitectura típica do Estado Novo. Em todo o caso, para muitos dos nossos camaradas que fizeram a guerra da Guiné, a existência deste templo foi um importante elemento de conforto espiritual.

Hoje não haveria mais do 5 de % de católicos e outros cristãos (3), concentrados sobretudo em Bissau e Bafatá. O bispo de Bissau é Dom José Camnate Na Bissim. O bispo de Bissau é Dom Pedro Carlos Zilli (LG).


Guiné > Bissau > Anos 50 > Perspectiva da Avenida da República, obtida a partir da torre da catedral já ao final do dia. O primeiro edifício, de que se vê pouco mais que o telhado, é a sede da uma das importantes firmes comerciais da Guiné: Nunes & Irmão. Mais ao fundo, do lado direito, o cinema UDIB e o palácio do governador na praça do Império. O edifício da Associação Comercial (hoje PAIGC), situado na mesma praça, ainda não existia (4).

Foto e legenda: © Mário Dias (2006). Direitos reservados.
__________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1238: David Payne Pereira, um gentleman luso-britânico e um grande médico em Bambadinca (Beja Santos)

(2) Vd. post de 23 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1310: Postais Ilustrados (12): Ponte-Cais de Bissau e estátua de Diogo Gomes (Tino Neves / Carlos Fortunato)

Para quem se interessa pela antropologia e sociologia da religião, recomendo a leitura de um texto disponível na Net, da autoria de Eduardo Costa Dias, investigador do Centro de Estudos Africanos, ISCTE, Lisboa, 1998 [ Este centro publica, por sua vez, desde 2001, a revista Cadernos de Estudos Africanos, de que saíram até agora 6 números]:
Eduardo Costa Dias > Protestantismo e proselitismo na Guiné-Bissau: Reflexões sobre o insucesso do proselitismono Oio e na província Leste. Lusotopie. 1999. 309-318.
Aqui fica um pequeno extracto:

(...) "No caso concreto das regiões predominantemente muçulmanas – sectores do norte da região do Oio, província Leste (região de Bafatá, região do Gabu) –, apesar da passagem ocasional de missionários protes­tantes ser assinalada várias vezes, desde pelo menos meados dos anos cin­quenta, em núcleos urbanos como Pirada, Contuboel, Bambadinca, Mansabá, Farim ou Gabu, não é conhecida a existência nestas povoações de locais de culto protestante ou de núcleos protestantes duradouros com algum significado numérico. Nas regiões acima referidas, até aos anos noventa a presença protestante permanente resumiu-se ao núcleo da WEC constituído, nos últimos anos da presença colonial, na cidade de Bafatá – um pequeno núcleo de crentes evangélicos, maioritariamente de origem cabo­verdiana, dotado de um templo, e que foi, no período colonial, combatido pela Igreja católica e pela administração e, mais tarde, disperso pelos acontecimentos imediatamente posteriores à independência.
"Como para os católicos, a zona islamizada da Guiné-Bissau sempre foi – e é – para os protestantes uma zona de muito difícil proselitismo : os muçulmanos consideram os cristãos quase como infiéis ou pelo menos como pessoas com valores religiosos (muito) inferiores aos seus ; ser muçulmano é, no quadro das mentalidades das populações fulas e mandingas, já de si uma prova de superioridade moral e social" (...)

Guiné 63/74 - P1350: Ataque ao navio patrulha no Rio Cacheu (Victor Tavares)

Guiné > Rio Cacheu > 1973 > Tropas paraquedistas e militares africanos a bordo de um navio patrulha.

Guiné > 1973 > o 1º cabo paraquedista Victor Tavares e o marinheiro Diogo, seu conterrâneo.

Guiné > Algures no mato, em operações > 1973 > O ex-1º Cabo paraquedista Victor Tavares (BCP 12, CCP 121, Guiné 1972/74), com a sua metralhadora ligeira HK21, de fita.
Fotos e texto: © Victor Tavares (2006). Direitos reservados.


Ataque ao navio patrulha,
por Victor Tavares (1)

Estimado amigo Luís: Como prometi , envio-te mais um pequeno texto, este relativo à viagem de regresso entre Ganturé e Binta, da CCP 121 - Companhia de Caçadores Paraquedistas 121, num navio patrulha do qual era comandante o Capitão de Fragata Luppi.

Na noite do dia 19 para 20 de Maio de 1973, os paraquedistas da 121, vindos de Bigene, embarcaram por volta das 23 horas e 30 minutos no respectivo navio com destino a Binta. Encontravam-se também a bordo alguns militares africanos.

Depois de toda a tropa se instalar o mais comodamente possível - o que era difícil derivado à quantidade de pessoal -, o navio entra em movimento, rio Cacheu abaixo. Passado algum tempo de viagem, aparece um elemento da guarnição do navio, meu conterrâneo, a perguntar por mim. Eu encontrava-me deitado na proa junto à peça de artilharia Metralhadora e, como era escuro, ele lá vinha saltando e perguntando.

Eu não dei sinal de vida, e ainda dei indicação ao meu camarada Ventura que se encontrava de pé, encostado aos cabos de aço dos resguardos de protecção, para não dizer nada. Quando ele ia para se retirar e, como se encontrava ao alcance da minha mão, puxei-lhe as calças brancas típicas dos marinheiros, à boca de sino, levantei-me e abraçámo-nos: era o meu amigo Diogo que eu não fazia naquele lugar .

Entretanto convida-me para ir beber uma cerveja, acedi prontamente e lá descemos até ao bar aonde conversámos enquanto saboreávamos a cerveja.

Pouco faltava para a meia noite, hora que ele ia entrar de serviço às maquinas, pegámos em mais uma cerveja e subimos as escadas, ele na frente até a um patamar e, logo em seguida, desce outras escadas para a casa das máquinas.

Ele já se encontrava lá em baixo quando eu iniciei a descida, iria eu no terceiro quarto degrau, quando se ouve um rebentamento logo seguido de outro. Ele pôs as mãos a cabeça e disse:
-Vamos morrer todos.

Eu recuo chego ao patamar que antecede as escadas, quando deparo com dois marinheiros a fechar as portas, gritei-lhes para me deixarem sair, o que aconteceu .

Quando saio olho e vejo uma confusão doida na parte da frente do navio, eram chamas e explosões junto à peça da frente, que tinha sido atingida por uma das duas roquetadas até aí dadas. Encontravam-se vários marinheiros com mangueiras a tentar apagar o fogo, as explosões eram bastantes, o meu equipamento, arma e munições estavam no meio daquela confusão, até que baixaram as chamas, eu arrisquei e fui rápido a recolher a minha HK21 e o meu cinturão com o restante equipamento. Ao mesmo tempo agarrei também a Degtyarev do 1º Cabo Paraquedista Ventura. Consegui recuperá-la porque estava junto à minha .

Quando vinha com ela a fugir das chamas, vai que os guerrilheiros do PAIGC disparam pelo menos mais 2 roquetadas da margem direita no sentido que seguíamos, eu ainda com a Degtyarev nas mãos viro-me para a margem e abro fogo descarregando o tambor. Como utilizávamos munições tracejantes algumas ficavam espetadas nas árvores da margem ainda incandescentes. Foi quando da torre do navio se ouve:
- Façam fogo para margem que eles estão a fumar.

A partir daqui foi um autêntico festival de fogo, durante dois ou três minutos.

Nesta altura já o navio se atravessava no rio correndo o risco de embater na margem, só não acontecendo por o rio naquele sitio ser largo.

Entretanto no meio de tanta confusão, diziam que tinham caído à agua alguns militares, tendo os fuzileiros ainda saído com 2 ou 3 zebros. Falso alarme , afinal estavam todos no navio, o único que esteve fora do navio foi o Ventura que com o sopro da explosão de um RPG foi projectado borda fora mas por sorte nesse movimento conseguiu agarrar-se a um dos cabos de aço ficando pendurado da parte de fora do navio.

Entretanto havia vários feridos nos militares africanos. Sorte para os parquedistas que no meio de tanta confusão apenas sofreram pequenas escoriações.

E estivamos em Binta para na manha seguinte partir para Guidaje.


Estimado amigo, despeço-me com grande abraço, para ti e todos os tertulianos.

________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último post > 26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1316: A participação dos paraquedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Kumbamory, Senegal (Victor Tavares, CCP 121)

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1349: Quartel Novo de Nova Lamego: paredes finas e chapa de zinco (Tino Neves)


Guiné- Bissau > Região de Bafatá > Gabu (antiga Nova Lamega) > Fevereiro de 2005 > O José Couto entre dois militares das Forças Armadas, no centro da parada do antigo quartel das NT, junto ao monumento de homenagem a Amílcar Cabral (que, por sua vez, é uma canibalização do memorial aos mortos do BCAÇ 2893, que esteve ali sediado entre 1969/71).


Foto: © José Couto / Tino Neves (2006). Foto gentilmente cedida por José Couto (ex-furriel miliciano de transmissões, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71), camarada do nosso tertuliano Tino Neves.



Guiné > Zona Leste > Nova Lamego > 1971 > Placa memorial erguida aos mortos do BCAÇ 2893: "Glória aos mortos"... O resto é ilegível... Depois da independência, a mesma pedra - virada do avesso - passou a conter uma inscrição de homenagem a Amílcar Lopes Cabral, o fundador da nacionalidade, o líder histórico do PAIGC, assassinado em Conacri pelo seu guarda-costas em 1973.


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS do BCAÇ 2893 (1969/71) > Cerimónia de Inauguração do Quartel Novo em 31 de Janeiro de 1971 (1)

Fotos: © Tino Neves (2006). Direitos reservados.



Estas eram as valas que do quartel Novo...


Este era um posto de Metralhadora Breda...

Este é o mesmo posto, mas com coberto anti-chuva...


Fotos e texto: © Tino Neves (2006) (1). Direitos reservados.


Todos nós, estivessemos de serviço (o chamado reforço) ou não, antes de irmos para as casernas, passavamos algumas horas, até por volta da meia noite, ou mais, pelos postos ou simplesmente nas valas, porque não nos sentíamos seguros nas casernas antes dessa hora.
A razão era simples: as ditas casernas eram feitas de simples blocos de areia e não sei que mais, o que sei é que não era cimento, porque se esfregassemos um dedo por algum tempo nos ditos tijolos, o dedo atravessava-os, portanto um simples tiro de pistola o atravessaria. E o tecto era de chapa de zinco. Não havia abrigos.

Passo a contar uma estória passada no Posto da Breda que se vê nas fotos (e que por acaso era o posto onde eu normalmente fazia o meu Reforço).
Era numa noite de muita chuva e trovoada, estando eu de serviço no posto da Breda, em companhia do camarada 1º. Cabo Escriturário Campino Ruivinho, e estando muito frio, compartilhámos a mesma manta para nos agasalharmos enquanto víamos impávidos a chuva e os relâmpagos.
De súbito um relâmpago atinge o fio das telecomunicações que estavam suspensos no ar, até ao nosso telefone de campanha, mesmo ao nosso lado. Limitámo-nos a ver o clarão de luz a correr esse mesmo fio até nós, e estoirar o aparelho!... O susto foi tão grande que, quando nos apercebemos, estávamos ambos abraçados um ao outro.

Conclusão: Fizemos figura de parvos. Se fosse um ataque, apesar de ambos sermos Escriturários, agiríamos em conformidade, mas neste caso, manda o instinto.

Sem mais termino agora com um abraço.