segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2552: Estórias de Guileje (8): Como feri, capturei e evacuei o comandante Malan Camará no Cantanhez (Manuel Rebocho, CCP 123 / BCP 12)

Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Cachambas Balantas, próximo de Jamberém > CCP 123 / BCP 12 (1972/74) >12 de Fevereiro de 1973 > "Os dois Pára-Quedistas que surgem na fotografia, ambos da minha Secção, são o Álvaro da Silva (o Biafra para os amigos e conhecidos, o homem das mil e uma estórias (...) e que é hoje um empresário de táxi em Loures) (...) e o Solinho" (MR).

O 1º Cabo pára-quedista Álvaro, o militar à esquerda na fotografia, pouco depois da captura, no Cantanhez, do famoso Comandante Malan Camará, ferido por um disparo de Sneb [rocket de 3,7 cm], "que eu próprio mandei disparar" (Manuel Rebocho) (1).

Foto: © Costa Ferreira (gentilmente cedida pelo Manuel Rebocho) (2007). Direitos reservados.


1. A propósito de Guileje e do Malan Camará, no mês de Janeiro último, troquei alguns emails com o Manuel Rebocho que, além de ter sido um grande operacional, como sargento pára-quedista da CCP 123 / BCP 12 (Guiné, 1972/74), é também meu confrade da(s) sociologia(s), sendo doutorado pela Universidade de Évora. Sobretudo a partir dos escritos do nosso camarada Victor Tavares, sabemos hoje melhor – pelo menos aqui no blogue - o papel decisivo que tiveram os homens do BCP 12, na contenção da ofensiva do PAIGC e na defesa das vidas de muitos camaradas nossos (tanto no sul, Guileje e Gadamael, como no norte, Guidaje) (2).

Na sequência dessa troca de correspondência, pedi-lhe para publicar autonomamente o relato da captura do Malan Camará, comandante de um bigrupo do PAIGC, o bigrupo de Simbeli. Além de ter comandado o Grupo de Combate que esteve na origem do aprisionamento desse guerrilheiro, o Rebocho possui cópia do relatório da operação:

Este relatório está classificado de 'secreto'. Não o roubei, nem o obtive pela 'porta do cavalo'. Tenho-o por despachos do Ex.mo General CEME e do Ex.mo Major-General Comandante das Tropas Aerotransportadas. Tenho este relatório e centos de outros, obtidos todos, de igual forma.

O Rebocho, que neste blogue tem cultivado um low profile, fez questão inclusive de me dar os números de telemóvel ou de telefone de todos os camaradas que ele menciona aqui, e que podem comprovar a sua estória/história. Naturalmente que não vamos divulgar no blogue esses contactos. Mas o gesto é revelador da honestidade intelectual do autor. De resto, já lho tinha dito:
Caro colega de academia e camarada de armas: Admiro a tua frontalidade e a paixão pelo rigor, filhos da carreira de armas, da guerra, da camaradagem e da... ciência.

A captura do Malan Camará (que por lapso chegou a ser imputada à CCP 121) não é apenas mais um episódio da guerra, dura e cruel, que se travou na Guiné, e em especial no sul, nos últimos anos (1972/74)...Tem também o seu lado de nobreza e de grandeza humanas, que eu quero aqui sublinhar, ao publicar mais esta Estória de Guileje (3). O teatro de operações não foi exactamente o da zona de acção de Guileje, mas foi nas suas proximidades, a sudoeste, na actual Região de Tombali, na mítica mata do Cantanhez, perto de Jemberém (Carta de Cacine).

E a propósito onde estava o Rebocho mais os seus homens em 22 de Maio de 1973 ? Escreveu ele:

"A minha Companhia [a CCP 123] estava, no dia 21 de Maio de 1973, com dois Pelotões em
Cadique e os outros dois em Jemberém, no Cantanhez. Durante a noite de 21 para 22 de Maio a Companhia recebeu ordens para reagrupar, como reagrupou. As ordens são para cumprir - na guerra ou nas guerras - se cada um faz o que quer, convencido de que possui toda a razão, o resultado acaba por ser sempre o mesmo - morrem todos. Durante a madrugada desse maldito dia 22 de Maio, a minha Companhia embarcou numa LDG, ancorada no rio Cumbijã, para seguir para Gadamael, e daqui, em marcha apeada, para atacar as bases do PAICG, que estavam a bombardear Guiledje".



Estórias de Guileje > A captura do Malan Camará
por Manuel Rebocho

Revisão e fixação de texto: L.G.

O Malan Camará foi capturado no dia 12 de Fevereiro de 1973, nas Cachambas Balantas, próximo de Jemberém, depois de ter sido ferido por um disparo de Sneb, que eu próprio mandei disparar. Era ele, ou eu e os meus homens: foi assim a guerra, que só a conheceu quem a fez.

Malan Camará, ou os homens sob o seu comando, mataram-me um soldado, o Azinheirinha, e feriram gravemente o Alferes, razão pela qual assumi o comando do pelotão.

O Malan Camará recebeu os primeiros socorros no terreno, antes de ser evacuado de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau, onde foi bem tratado. E não foi evacuado por engano, eu pedi uma quarta aterragem de helicóptero, dizendo expressamente que era para evacuar um elemento IN ferido.

O General Spínola, que estivera no local falando connosco, ouviu as comunicações rádio e não se opôs, o que permite que eu afirme que este género de humanidade era assumido pela mais alta hierarquia. De facto, o General Spínola não teve só conhecimento, via rádio, de que eu pedira a avacuação de Malan Camará, como tendo acompanhado via rádio as nossas comunicaçãoes, foi lá, esteve no terreno connosco, falou connosco e inteirou-se do que se estava a passar.

Como eu esperava o helicóptero para evacuar o Malan, quando o helicóptero se aproximava mandei, como era natural, quatro soldados avançarem com o preso. Spínola desceu e viu claramente que o elemento a evacuar era um inimigo.

Hoje, os que fugiram da guerra, para o ar condicionado, dizem de Spínola cobras e lagartos, mas têm mais defeitos do que ele, enquanto o não assemelham nas virtudes.

A guerra em que eu participei, foi uma guerra violenta, mas humana, dentro do possível, claro. Não a do ar condicionado nem a da violência gratuita.

A vinda de Spínola acabou por nos trazer mais um embaraço: Malan Camará não seguiu naquele helicóptero e tivemos que esperar por outro. Mas, como um mal nunca vem só, os Pilotos consideraram, e bem, que aterrarem uma quarta vez no mesmo sítio era já muito perigoso, pelo que acertámos que a evacuação de Malan se faria, como se fez, numa outra bolanha, para onde partimos e a evacuação se processou.

É de referir que, naquele momento, eu não sabia quem era o guerrilheiro, pelo que no campo da estrita decisão militar, eu evacuei um guerrilheiro, sem nome nem função.

A operação era comandada pelo Tenente Sousa Bernardes. Porém, como o seu Comandante estava aprisionado, os guerrilheiros lutaram prolongada e desesperadamente, o que levou à exaustão dos meus homens e de mim próprio.

Então, Sousa Bernardes, que eu considero o melhor Oficial com quem trabalhei, decidiu perseguir os guerrilheiros, com o pelotão dele, arrastando os combates para o interior da mata e facilitando assim as evacuações. Por este motivo o comando das evacuações ficou a meu cargo, pois os nossos dois pelotões separaram-se, o que bloqueou a capacidade táctica da guerrilha.

Como, e muito bem, se tem acentuado no nosso blogue, os combatentes não lutam para matar, mas para sobreviver, e neste sentido e por esta razão, aqueles combates sucessivos foram dramáticos, porque os guerrilheiros queriam desesperadamente recuperar o seu comandante e nós queríamos sobreviver, o que estava a ser difícil.

Os dois Pára-Quedistas que surgem na fotografia, ambos da minha Secção, são o Álvaro da Silva (o Biafra para os amigos e conhecidos, o homem das mil e uma estórias, que por mais que estranhas são verdadeiras), que é hoje um empresário de táxi em Loures; o outro é o Solinho.

Os outros dois Cabos Pára-Quedistas, que comigo ficaram debaixo de fogo, pois tratou-se de uma emboscada montada pelo PAIGC, com abelhas e tudo, são o Gonçalves e o Ferreira (o Salvaterra para os amigos, por ser de Salvaterra de Magos, onde é hoje, um respeitável industrial da construção civil).

O Alferes que comandava o Pelotão e que foi ferido e evacuado, é hoje Coronel na reserva, chama-se Fernando Pires Saraiva.

O comandante da operação era o então Tenente Pára-Quedista Norberto Crisante de Sousa Bernardes, o melhor Oficial do Quadro que eu conheci, comandava a partir da frente, onde não ia naquele momento, por que seguia na frente um sargento chamado Rebocho e, como estávamos nas proximidades da base do PAIGC, todas as regras desaconselhavam que fossemos os dois perto um do outro. A operação foi conduzida a dois pelotões. Sousa Bernardes é hoje Major-General, na reserva, vive em Abrantes.

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Notas de L.G.:

(1) Sobre o Malan Camará, vd. postes de:

24 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2478: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (9): Inimigos de ontem, amigos de hoje

25 de Janeiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2481: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (11): Malan Camará... e a maldição dos 3 G + 1 J (Manuel Rebocho)

30 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2490: Em busca de... (18) : Malan Camará, comandante do PAIGC, capturado pela CCP 123, no Cantanhez, em 1973 (Manuel Rebocho / Pepito)


(2) Vd. postes do Victor Tavares:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os paraquedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gamparà (Victor Tavares, CCP 121)

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista

29 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1793: Operação Muralha Quimérica, com os paraquedistas do BCP 12: Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael, Abril de 1972 (Victor Tavares)

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1891: O Cantanhez (Cadique, Caboxanque, Cafine...) e os paraquedistas do BCP 12 (1972/74) (Victor Tavares, CCP 121)

9 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2038: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (I parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)

31 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2014: O Idálio Reis, a CCAÇ 2317, Gandembel e os pára-quedistas do BCP 12 (Victor Tavares)

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2051: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (II parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)


(3) Vd. último poste desta série > 11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2523: Estórias de Guileje (7): Um capitão, cacimbado, e um médico, periquito, aos tiros um ao outro... (Rui Ferreira)

Guiné 63/74 - P2551: Estórias do Juvenal Amado (3): Como hóspede do Xime (Juvenal Amado)

Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro
1972/74


1. Em 9 de Fevereiro recebemos esta mensagem de Juvenal Amado:

Caros camaradas da Tabanca Grande,

Cá estou com mais uma recordação, ou pelo menos parte dela, pois datas nomes diluiram-se no tempo. Embora não seja difícil saber em que data foi o domingo de Pácoa de 1972, acho que não é importante para a narração (1).

Um abraço
Juvenal Amado


2. Como hóspede do Xime

Quando desembarquei da LDG pela primeira vez, junto com o meu Batalhão, debaixo de todo um aparato defensivo, com carros blindados e apoio aéreo, quase não dei pelo destacamento do Xime, tal era a minha atrapalhação.

Agora, uns meses passados, estou no mesmo cais a colocar as viaturas que vou entregar em Bissau, para o respectivo abate.

Olho para o destacamento que fica numa pequena elevação. É um monte de casernas de telhado de zinco, já algo ferrugento, e há também um edifício com telha de barro.

O arame farpado cerca o destacamento. O arame farpado no jardim usa-se muito por toda a Guiné. Está na moda.

Quando aceitei fazer a entrega do equipamento para abate em Bissau, nunca me passou pela cabeça que ia ficar à espera mais de um mês no Xime, até que conseguisse embarcar numa LDG, ou noutra embarcação, que subia e descia o Geba.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 1997 > Restos do famoso cais do Xime, no Rio Geba...

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.


Todos os camaradas que por cá andam sabem que, por mau que seja o nosso próprio destacamento, é sempre melhor do que estar noutro, onde nada temos.

No caso, o Xime é muito pior que Galomaro.

Entrego as minhas Guias de Marcha, para que me seja facultado alimentação e alojamento.
Não estou sozinho nesta empreitada. Vários camaradas, de vários pontos do Leste, ali amargam juntamente comigo. Uns tinham chegado antes, outros comigo e outros chegaram posteriormente.

Dormíamos todos no edifício com telha. É um armazém, temos uns colchões e chega. As refeições são tomadas por grupos, pois por razões de segurança não comemos todos ao mesmo tempo.

Lá em baixo no cais, as duas Berliet cada uma com um Unimog em cima, mais a GMC, que tenho de entregar, aguardam indiferentes ao encher e vazar do rio.

Numa dessas viaturas estão também minas, granadas de RPG e duas ou três armas, coisa que eu só venho a tomar conhecimento em Bissau.

Uma das minhas preocupações é como vou meter as viaturas dentro da embarcação, uma vez que elas não trabalhavam e por isso, nem travões têm. Os dias vão passando, os barcos atracam duas vezes por semana, mas eu não consigo embarcar.

Ontem sofremos um ataque. Uma granada de morteiro ou canhão sem recuo acertou perto da cozinha, mas sem causar danos de maior.


Como outros motivos de interesse, ouvíamos os ataques a outros destacamentos da área, o que acontece várias vezes:

- Olh, estão a embrulhar.

Pomo-nos de sobreaviso, pois por vezes o IN ataca o Xime para que o destacamento não possa prestar ajuda.

É Domingo de Páscoa, nisto chega uma coluna. Vem de Pirada.

Traz quatro caixões, e segundo se veio a saber, pelo soldado que também ficou connosco, a tragédia passou-se da seguinte forma:
- Um soldado tresloucado entrou no gabinete do capitão, com duas granadas descavilhadas e enquanto falava, abriu as mãos, morrendo ele, o capitão, um alferes e um furriel.

A guerra tinha feito mais vítimas, embora de forma inesperada.

O soldado que acompanhava as urnas, apanhou um enorme susto já em Bissau, pois a LDG ficou ao largo e nós fomos transportados para terra em pequenos barcos. Esta situação manteve-se durante dois dias e, quando finalmente atracou, as urnas já lá não estavam. Era um assunto de muita responsabilidade e, para mais, não foi fácil encontrá-las.

Mas voltando ao Xime. Esta situação tende a eternizar-se. Hoje é dia de vir a LDG e já combinei previamente, com um condutor, para me empurrar pela rampa abaixo, uma viatura de cada vez, preparo-me para sair dali.

Entraram as primeiras. Acho que é a minha oportunidade, faço sinal e engreno a marcha atrás, pois é a única forma de as parar, naquela louca descida. E lá vou eu.


Escusado será dizer que parto aquilo tudo e ainda esborracho os carros que já estão a bordo.
Uma manobra perigosa, mesmo sem saber, porque levo explosivos numa das viaturas.

O major 2.º Comandante do BCAÇ 3873 de Bambadinca, que assiste a toda a manobra, só me diz: - Já te safaste, não é?

Eu esbocei um sorriso, pois dificilmente me obrigariam a tirar o monte de destroços, que eu tinha acabado de lá pôr dentro.

Em Bissau, o representante do Batalhão trata do necessário para a entrega do material no enorme cemitério auto que se situa para os lados dos Adidos.

Estou ansioso para regressar a Galomaro. Uma coisa aprendi. Ir a Bissau não vale tamanho sacrifício.

Juvenal Amado
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Nota de CV:

(1) Vd. último poste desta série, de 7 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2510: Estórias do Juvenal Amado (2): O boato: nós, o Sardeira e a Maria Turra (J. Amado, CCS/BCAÇ 3873, Galomaro, 1972/74)

Guiné 63/74 - P2550: Blogoterapia (43): O que os Jornais dizem (Virgínio Briote)


Capa do DN, de hoje, 17 de Fevereiro de 2008. Com a devida vénia.

1. Hoje na revista do Diário de Notícias

Fidelidade, honra, lealdade. Em 1961, o regime salazarista começou a recrutar soldados nativos para combaterem contra os movimentos independentistas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.

Durante os 13 anos seguintes, milhares de africanos juraram pela bandeira portuguesa e lutaram aos lado dos colonos. Quando o conflito terminou, a maioria ficou entregue à sua sorte. Estas são as histórias dos que foram mortos, dos que ainda vivem escondidos no mato e dos que conseguiram fugir para a metrópole. Homens que Portugal abandonou e tentou esquecer. Aqui estão eles. (...)

Em meia dúzia de páginas, Ricardo Rodrigues do DN (fotos de Constantino Leite) fala das histórias de algumas daquelas vidas.
E chama colonos aos que daqui para lá foram, muitos deles que com aquelas idades nem o mar ainda tinham visto. Eu, o mais longe que tinha ido tinha sido à Madeira e a S. Miguel e à Terceira, nos Açores.

Não temos que estranhar, nem as histórias que contam nem os temas que abordam. Continua a ser um assunto que vende. É e vai continuar a ser, uma das feridas que a nossa História recente ainda não fechou.
E muitas outras páginas ainda se vão escrever sobre os Camaradas, originários daquelas terras, que nos acompanharam de G3 na mão.

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2. Os nossos Camaradas presentes-ausentes: breve nota

Não faço ideia do que levou o Luís Graça a abrir esta página sobre a Guerra da Guiné. Mas, que tem méritos, tem.
E não só por, todos os dias, acrescentar novas páginas de acontecimentos, uma boa parte deles esquecidos ou oficializados pela história oficial. Relatar estes factos esquecidos é importante, especialmente se estão a ser contados por intervenientes ainda vivos.

E muito importante também é dar-nos a oportunidade de lavar a crosta que nestes quarenta e tal anos decorridos se foi acumulando.

Para mim, espero que permitam que o facto de ser co-editor não me limite, o principal mérito do nosso blogue foi e continua a sê-lo todos os dias, permitir que nós, ex-combatentes da Guerra da Guiné, se encontrem e, que em conjunto, se esforcem por arrumar prateleiras fechadas em sótãos, anos e anos.

Muitos de nós, mais de 200, têm dado a cara. Fotos, mapas, nomes, relatos pessoais, relatórios oficiais, de tudo isto se vai fazendo a história do nosso blogue. E falar do nosso blogue é contar a história da Guerra da Guiné.

Somos uma minoria. Quantos combatentes passaram pela Guiné, desde 1963, o início oficial da Guerra até ao fim em Abril de 1974?
Que é feito de tantos e tantos outros, muitos deles ainda bem vivos, e alguns dos quais sabemos serem nossos acompanhantes diários, ainda que silenciosos?

Caros Camaradas, que silenciosamente nos acompanham, o que esperam para se juntarem a nós, acrescentando mais factos, mais imagens, mais depoimentos?

É possível que alguns pensem que há coisas a separar-nos (a informática, a escrita?).

Mas naqueles tempos, entre o início da década de 60 e os meados da de 70, estávamos todos juntos, dentro dos mesmos aquartelamentos, os arames farpados eram os mesmos, as picadas e os trilhos que pisávamos eram também os mesmos e as balas das PPSHs, e as granadas dos morteiros e dos RPGs atingiam-nos indiscriminadamente.

vb

Guiné 63/74 - P2549: Blogoterapia (42): 34 anos depois (Henrique Cerqueira)


Henrique Cerqueira
Ex-Fur Mil
BCAÇ 4610/72/3.ª Companhia no Biambe
4.º Grupo de Combate da CCAÇ 13
1972/74


1. Em 29 de Janeiro de 2008, o Henrique Cerqueira mandou esta mensagem para o nosso Blogue

Camarada Luís:
Envio um pequeno trabalho... No entanto agradeço que verifiques bem se deve ser publicado ou não. A decisão que tomares eu estarei de acordo.

Aproveito para te desejar a ti e restantes camaradas que irão estar em Guileje, no Simpósio, muitas felicidades para o mesmo. Tenho imensa pena de não poder ir, mas há valores mais baixos que se levantam. Desculpa lá isto foi um trocadilho mal conseguido.

O que se passa, é que para mim é economicamente inviável fazer uma viajem dessas neste momento, mas penso a médio prazo ir à Guiné, mais propriamente a Bissorã, pois estive lá com a minha mulher e filho e pensamos voltar lá um dia. Nessa altura poderei vir a precisar dos vossos conhecimentos em termos de contactos.

Um abraço
Henrique Cerqueira

2. As Precisões e Imprecisões, 34 anos Depois

Olá camaradas tertulianos.

Cá estou eu, o Ex-Fur Mil Henrique Cerqueira, para escrever alguma coisa sobre o assunto em título.

Se calhar vou arranjar alguma polémica, espero que não. É que sou mesmo leitor assíduo do nosso Blogue e de outros idênticos e venho a ficar um pouco pasmado com tanta precisão em certas narrativas referentes às nossas vidas passadas na famigerada guerra da Guiné.

É espectacular a quantidade de conhecimentos que tenho adquirido nestes últimos tempos. Nunca soube tanto sobre a nossa guerra de estimação como sei hoje em dia e depois que me tornei membro desta maravilhosa tertúlia.

Atenção que na minha singela opinião acho que é mesmo bom que antigos camaradas tenham uma memória tão fresca que chegam a ponto de narrarem horas, dia, mês, etc.

Eu, das duas uma, ou estou mesmo xéxé ou então andei na Guiné só como carne para canhão RPG, Minas, e outros artefactos já que canhão pelo vistos só os nossos, os tais de 10,5 ou 10,6 e 14 cm, afinal que interessa, nenhum deles valia mais do que o seu valor em ferro, aço, chapa, eu sei lá.

O que sei, isso sim, era que a maioria da malta andava lá e não tinha nem uma ínfima parte da informação que hoje em dia vejo aqui descrita no nosso Blogue e, como tal, é mais que natural que passados todos estes anos, muitos de nós só somos precisos nos momentos que mais nos marcaram, daí eu pensar que é mesmo muito necessário que haja alguma condescendência nos juízos que fazemos em relação a certas narrativas.

Pelo menos para mim e desde que descobri este Blogue, o mais importante tem sido a oportunidade de expulsar alguns fantasmas e até ser um pouco mais realista em relação a essa época, pois que aqui estamos a falar com gente que bateu lá com os costados e não estamos a contar balelas, que às vezes até se compreendem.

Lembro, por exemplo, que alguma malta até ostenta com algum orgulho as marcas físicas conseguidas na guerra, a outros até lhes faz algum jeito em termos de reformas e sei lá mais algumas benesses após 25 de Abril, mas tudo bem, cada qual é como cada qual.

Agora eu pergunto. Quantos de nós não ficamos aliviados quando a bala ou estilhaço acertava no camarada do lado e não em nós???

E agora vocês perguntam, mas o que é que o cu tem a ver com as calças?
Tem e muito. É que tenho lido ultimamente uma simples palavra que é fugiu e reporto-me em especial ao que aconteceu em Guileje.

Eu não estava lá, mas íamos tendo algumas notícias, pelo jornal da caserna, claro está, pois que os nossos altíssimos superiores nada nos diziam ou explicavam, tanto nesse assunto como noutros, porque quer queiramos ou não reconhecer, os furriéis e até parte dos alferes, serviam simplesmente para fazer o trabalho desagradável junto dos soldados e pouco mais e, quando o trabalho era bem feito ou alguém se destacava por este ou aquele acto, os louros eram quase sempre para o Comando do Batalhão.

Já se sabe que haverá gente que está em total desacordo comigo, no entanto foi isto que senti na pele.

Por exemplo, sempre que participei em operações ou patrulhamentos, nunca assisti a uma reunião de planeamento das mesmas (se calhar também não as faziam por falta de conhecimentos).

É mais ao menos por isto que me baseio na falta que havia de funcionamento nos meios militares e, já agora, se calhar foi por isso que eu e outros nunca fomos incentivados a ter o tal espírito militar e de soldado que um ex-capitão meu me acusa num certo artigo de direito de resposta.

Voltando às supostas fugas. Eu penso que até para se fugir é preciso ter muita coragem e até muita responsabilidade. Como sabemos, o Sr. Comandante de Guileje bem sentiu as consequências e desgraçadamente está ainda a sentir. Eu penso que a palavra fugir, neste caso, devia ser banida, senão veja-se o exemplo que nos foi dado com a descolonização, que foi a fuga mais desastrosa de que há memória, com todas as implicações que ainda hoje sentimos.

Eu não tive a coragem suficiente para fugir à guerra, pois já nesse tempo e na Metrópole, a PIDE ao constatar que eu fazia parte de um grupo de amigos mais ao menos revolucionários, dos quais alguns fugiram para França, se encarregou através da Câmara Municipal do Porto, avisar que os Pais dos que fugissem seriam despejados das casas camarárias. Além disso eu era casado e já tinha um filho, como tal foi-me assim proporcionado ser um valente militar em defesa da Pátria.

Se a maioria de nós meter o dedinho na carola verá que andou a tentar tudo por tudo para não ir à Guerra do Ultramar, só que não conseguiu.

Camaradas, que estão em desacordo comigo, quero que saibam que respeito em pleno o vosso desacordo, não somos todos iguais (felizmente).

Não estou aqui armado em inteligente, só estou a expressar a minha opinião neste nosso famoso Blogue, já que na altura nós não tínhamos opinião, não é ?

Bom, eu acho mesmo que esta escrita já está longa demais, mas as imagens fervilham no meu cérebro e francamente é muito difícil expor tudo que se pensa por escrito até porque há as pontuações, as vírgulas e outras que tais, que na falta ou em excesso desvirtuam a ideia.

É por essas e por outras que tenho receio da escrita e da má interpretação que possa suscitar em mentes menos abertas a certos temas.

No entanto esse é mais um dos medos que tenho de enfrentar e como tal faço aqui o pedido do costume:
- Luís Graça, se achares que esta escrita não tem interesse ou é susceptível de criar excesso de polémica para os Bloguistas, não te inibas de o não transcrever. Aceito de pleno acordo que o blogue não deve ser local de desavenças, mas sim o sítio certo para expormos parte das nossas vidas passadas em comum, que foi na guerra.

Aproveito ainda para reafirmar uma vez mais que, apesar dos pesares, sinto-me orgulhoso de ter feito parte de todas as companhias em que cumpri com a minha obrigação e que não tenho absolutamente nenhum rancor ou recalcamento de qualquer camarada de armas tanto na Guiné como cá em Portugal.

Espero ainda que estes 34 anos vividos após o final dessas guerras estpidas nos tenham amadurecido o suficiente para podermos ensinar melhor os nossos filhos, mais agora, os nossos netos.

Ah, já me esquecia. Aprendi na época, com os Comandos e Rangers, a seguinte frase: Um Comando Nunca Foge, Recua é para Tomar Balanço.

Um grande abraço para toda a tertúlia e não sejam mauzinhos comigo depois de lerem este escrito.

Henrique Cerqueira
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Notas dos editores:

(1) Vd. último post da série Blogoterapia de 17 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2545: Blogoteria (41): Guileje, Gadamael, Mata do Cantanhez... e a memória das gentes (José Teixeira)

(2) Vd. último post de Henrique Cerqueira de 22 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2471: Glória às nossas enfermeiras pára-quedistas e aos malucos das máquinas voadoras (Henrique Cerqueira, Bissorã e Biambe, 1972/74)

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2548: Ser Solidário (5): Ainda a Expedição à Guiné-Bissau (Carlos M. Santos)

1. Mensagem de Carlos Marques Santos de 17 de Fevereiro de 2008 com notícias da expedição que parte no próximo dia 21 para a Guiné-Bissau

Vinhal:

Um abraço.
Mais uma achega à expedição à Guiné do próximo dia 21 retirada do Diário de Notícias do dia 16 de Fevereiro de 2008 (uma página inteira).

CMSantos







O maior contentor de apoio humanitário chega dia 28 de Fevereiro à Guiné-Bissau.
37 anos depois de ter saído da Guiné-Bissau , José Moreira voltou a Jumbembem, onde estivera entre 1966 e 67 como furriel de companhia de caçadores.
De regresso a Coimbra carregava uma vontade de ser útil.
Criou então a Associação Memórias e Gentes.
Dia 21 de Fevereiro 26 expedicionários (12 de Coimbra e 14 do Porto) fazem-se à estrada para receber em Bissau o maior contentor (cedido pela Portline) de apoio humanitário entretanto embarcado no navio panamiano CRISTINA 1, que zarpará de Setúbal.

(Fotos e texto extraídos do DN de 16 de Fevereiro de 2008, com a devida vénia)
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Nota dos editores:

Vd. último post da série de 13 de Fevereiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2531: Ser solidário (4): Coimbra encaixotou o maior contentor de apoio humanitário à Guiné-Bissau

Guiné 63/74 - P2547: Campanha 1 Peça para o Museu de Guiledje (2): O aerograma em que o Casimiro Carvalho prêve o ataque ... (Manuel Rebocho)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Rebocho, ex-sargento paraquedista da CCP 123 / BCP 12 (Guiné, Maio de 1972/Julho de 1974), hoje Sargento-Mor Pára-quedista, na Reserva, e doutorado pela Universidade de Évora em Sociologia da Paz e dos Conflitos (tese de doutoramento: "A formação das elites militares portuguesas entre 1900 e 1975")

Camaradas Luís Graça e Casimiro, e demais camaradas

Acabo de ler no nosso Blogue, que o Luís tem os aerogramas do Casimiro (1).

Li também, e concordo, que estes aerogramas (2) podem constituir peças do Museu de Guileje.

Não sendo o assunto meu, mas também não deixando de o ser, gostaria de alertar para um aerograma, que eu considero histórico, que hoje não tem valor, porque os donos de Abril o não permitem, mas virá a tê-lo, muito seguramente, um dia.

Neste aerograma, que eu já li, e tenho uma fotocópia, o HERÓI DE GADAMAEL prevê o ataque a Guileje. Não me enganei, Camaradas, o camarada Casimiro, num aerograma que dirigiu aos pais, prevê o ataque a Guileje. Previsão que extrai a partir de determinadas atitudes do Estado-Maior, que considera erros tácticos (3).

Na minha tese de doutoramento, em que conclui ser muito fraca a formação ministrada na Academia Militar, transcrevo, deste aerograma, a parte em que o Casimiro prevê o ataque a Guileje.

Na sequência da transcrição, eu questiono: como é possível que um aparentemente simples [militar], um Furriel Miliciano, tenha previsto o que nenhum dos Oficiais do Estado-Maior previu???

É certo que alguns Oficiais odeiam a minha tese, por esta e por outras. Mas factos são factos. Factos estes que levaram o ilustre Professor Doutor Adriano Moreira, durante a arguição da minha tese de doutoramento, a comparar-me, quanto ao que afirmo relativamente à formação ministrada na Academia Militar, a Lutero, quanto ao que afirmava relativamente à Igreja, para concluir: Podem descordar mas ele é que sabe. Foi-me atribuída a classificação máxima.

Vemos, assim, que este aerograma é histórico e revelador da estratégia de uma Nação, que é a nossa e à qual muito me prezo pertencer, mas, se é tempo de se elevarem as virtudes, também o é para se referirem os defeitos.

Penso, camaradas, que embora apoie, e muito, o Museu de Guileje, este aerograma merece mais. Se fosse eu a decidir, enviava uma fotocópia.

Mas os camaradas, e meus ilustres amigos, são soberanos. Nunca vos criticarei, seja qual for a atitude que tomarem.

Um grande abraço

Manuel Rebocho

2. Comentário de L.G.:

Como investigadores que somos, temos a consciência da importância que tem (ou pode ter) os testemunhos pessoais, escritos ou orais, dos actores sociais, e nomeadamente dos intervenientes nos acontecimentos históricos. Obrigado, Manuel, pelo teu contributo, o teu alerta... Manda-me, se possível, cópia do excerto desse aerograma a que te referes... Não sei como está o arquivo pessoal do J. Casimiro Carvalho, mas deve estar como o de muitos outros camaradas: por inventariar, organizar, classificar... Não tenho ideia de ter visto esse tal aerograma (ou carta). Vou ver melhor. E, naturalmente, vou decidir, de acordo com a vontade do Carvalho em doar alguma da sua documentação ao futuro Museu de Guiledje, e a própria margem de liberdade que ele me concedeu ("Ofereço os aerogramas que escolheres, [e que] estão na tua posse")...

______

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 16 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2544: Campanha 1 Peça para o Museu de Guiledje (1): Gesto de ternura e simbolismo do herói de Gadamael, J.C.Carvalho


(2) Há uma série, já publicada, com excertos da correspondência do J. Casimiro Carvalho, do período que vai de Fevereiro a Junho de 1973, em que ele esteve em Guileje:

Vd. postes de:

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)


(3) Não sei exactamente a que aerograma ou carta se refere o Manuel Rebocho. Não tenho aqui, em casa, a colecção de aerogramas e cartas de Guileje, Cacine, Gadamael e Paunca que o J. Casimiro Carvalho me confiou (além de dois álbuns de fotografias), mas numas das cartas, já parcialmente transcritas, ele dava conta do agravamento da situação militar na fonteira sul... Três dias antes do ataque a Guileje, ele escrevia o seguinte ao seu pai (ou paizinho, como ele afectuosamente o tratava):

Carros de combate russos na fronteira

Cacine, 15/5/73

Paizinho: (…) A guerra aqui está cada vez pior. O Hospital de Bissau está repleto (infelizmente). Só em Guidaje ,[ no norte], 40 feridos, alguns dos quais com membros amputados (já a cheirar mal devido a terem esperado 2 ou 3 dias por coluna para serem evacuados). Aviões já não vão lá.

No Cantanhez (todos estes locais que menciono são no sul, onde estou), 13 feridos numa emboscada. Guileje foi atacada outra vez e passados dois dias os melhores homens que tínhamos lá (dois furriéis milicianos) morreram, em consequência de uma mina anticarro que iam levantar. Andamos todos transtornados.

A 18 km de Guileje fica Gadamael e foram para lá 4 canhões sem recuo e 35 homens para os guarnecer. Levaram também granadas antitanque, pois foram vistos carros de combate na fronteira da República [da Guiné-Conacri].

O meu serviço aqui [ em Cacine,] é receber os géneros e artigos de cantina que vão para Guileje, para o isolamento, pois com as chuvas ficamos como que numa ilha e não podemos sair de lá, só de avião ou barcos de borracha. Aviões não há. Portanto só de barco (o que é muito perigoso)…

Guiné 63/74 - P2546: Álbum das Glórias (40): Equipas de Andebol do Benfica de Bissau e da Ancar em 1966 (Rui Silva)


Rui Silva
ex-Fur Mil
CCAÇ 816
Bissorã, Olossato, Mansoa
1965/67




Bissau> 1966> As equipas de Andebol do Benfica de Bissau e da Ancar, em foto tirada antes de um jogo disputado no Complexo Desportivo Sarmento Rodrigues

O nosso camarada Rui Silva mandou-nos em 3 de Fevereiro de 2008 uma mensagem com a foto que se reproduz.

Jogo de Andebol (1966) no complexo desportivo Sarmento Rodrigues em Bissau.
Fotografia das equipas antes de um jogo Benfica de Bissau e a Ancar.

Envio esta foto pois como nas equipas alinhavam muitos militares de diversos sectores das forças armadas, muitos gostarão de a ver e recordar.

De pé, o 2.º a contar da esquerda para a direita, sou eu (Keeper, isso mesmo).
Na mesma fila em 6.º também a contar de esquerda para direita é o José Luís que trabalhava na agência de Viagens em Bissau, julgo que em frente ao café Portugal, e era o que nos arranjava os bilhetes da Tap para virmos à metrópole de avião. Quem se lembra?

José Luís se vires esta foto, recebe logo um grande abraço, julgo que será a vontade de todos aqueles que compartilham da foto.

Felicidades para os tertulianos da Tabanca Grande

Até sempre
Rui Silva
(Comp.ª 816 - 1965/67)


Bissorã> Agosto de 1966> O camarada Rui Silva também tinha jeito para o futebol. Ei-lo, segurando a bola, integrado na equipa da CCAÇ 816 no Campo do Atlético de Bissorã

Fotos: © Rui Silva (2008). Direitos reservados.
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Nota dos editores:

(1) Vd. post de 18 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2279: Bissorã: As rondas nocturnas (Rui Silva, CCAÇ 816, 1965/67)

Guiné 63/74 - P2545: Blogoterapia (41): Guileje, Gadamael, Mata do Cantanhez... e a memória das gentes (José Teixeira)


José Teixeira
ex-1.º Cabo Enfermeiro
CCAÇ 2381
Buba, Quebo, Mampatá e Empada
1968/70



1. Em 9 de Fevereiro de 2008 o nosso camarada José Teixeira enviou-nos este trabalho. Um relato extraído do seu Diário, mas complementado com um comentário actual, sentido, sofrido e violento, só no sentido filosófico porque ele é um pacifista nato.

É minha convicção que aquilo que ele escreveu ao tempo e o que escreve agora, é o reflexo do grande amor que ele nutre pela Guiné-Bissau e pelo seu povo, especialmente por aqueles companheiros que, escapando à morte no pós independência, ele vai encontrando nas sua visitas àquele País.

Não escondo a especial simpatia que tenho pelo Zé, com quem infelizmente privo muito pouco, pela actividade que desenvolveu para bem da saúde daquele povo, enquanto Enfermeiro Militar e, pela maneira desassombrada e aberta como fala da Guerra Colonial, onde esteve com o seu espírito humanitário e não bélico.

As suas palavras são para todos nós meditarmos e medirmos as nossas emoções, quando no correr da pena nos esquecemos que do nosso lado, estava a razão da força, contra a força da razão de quem se queria libertar do jugo colonial.

Fomos todos vítimas, de um lado e do outro, dos erros políticos de um regime autoritário. Os senhores da guerra, esses, nunca sentiram o cheiro da morte como nós.

C.V.

2. Guiledje, Mata do Cantanhez, Gadamael Porto... e a memória das gentes
Por José Teixeira

Como os camaradas navegadores do nosso blogue sabem, eu tinha por hábito passar ao papel do Meu diário alguns dos acontecimentos vividos.

Escrita feita a quente, sobre os efeitos psicológicos dos acontecimentos.
Diário, já passado na primeira série desta grande e frutuosa aventura iniciada pelo Luís Graça, o blogueforanada .

Hoje vou relendo o que escrevi. Vou apreciando as minhas contradições num tempo, marcado profundamente por uma educação de patriotismo elaborado até ao exagero, quer pelo Estado, quer pela Igreja a que pertencia. Vou reflectindo sobre as realidades vividas e dificuldades superadas. Sobre as amizades conquistadas de uma e outra banda, ou seja de portugueses, camaradas de luta e guineenses, da população autóctone e também camaradas da milícia local, que connosco se batiam, sob o lema Por uma Guiné melhor.

Sem saber muito bem porque o faziam e que tipo de Guiné queria construir para eles, aquele estranho de binóculo e pingalim na mão, que não era da sua terra, não conhecia os seus usos e costumes, as suas leis naturais e tal com tantos outros, um dia regressava a Portugal, com mais uns galões e uns milhões no bolso.

Olhando para o mais profundo de mim próprio e colocando-me lado a lado com os camaradas que se bateram em nome do meu País, sinto que de facto aquela guerra não era nossa. Estávamos lá forçados, quais escravos de uma força obscura e obscurante das mentes que nos fazia seguir o caminho, como carneiros, de camuflado e canhota ao ombro, porque, diziam eles, a Pátria o exigia.

O texto que se segue, escrito dois dias depois dos acontecimentos relatados, após saber via piloto da avioneta do correio, a conhecia DO ou Dornier de sua marca, que aterrou em Aldeia Formosa, dos resultados, possivelmente exagerados, da luta travada em Gadamael Porto e na mata do Cantanhez. Acontecimentos reais que eu, relativamente perto, vi (aviões – Fiat e T6 em constante movimento), ouvi e vivi os tiros e rebentamentos, por longas horas do dia e da noite.

Este texto expressa, creio eu, um pouco das contradições com que nos deparávamos ou nos deixávamos envolver.

Chamarra, 16 de Janeiro de 1969

Gadamael foi teatro de uma das maiores lutas no Ultramar entre a Força Aérea e o IN.
O resultado, pelo que dizem, demonstra bem o poder da aviação e sobretudo mostra que os homens se matam sem compaixão e mesmo neste caso em que as nossas forças lutam para manter a ordem, não há homem, creio eu, que não sinta o coração sangrando, quando vê o inimigo a sofrer, numa luta desigual.

Gadamael estava a ser atacada como nunca qualquer outra população da Guiné. Muitos homens, com as melhores armas, algumas utilizadas pela 1.ª vez, atacavam de longe e caíam tão afastado da povoação, ao ponto de os colegas de Gadamael pensarem que o ataque se dirigia a um sítio onde já não havia ninguém, daí pediram à FA para bater a zona.

Quando os Fiat sobrevoaram o IN, foram metralhados por uma quádrupla anti-aérea. Deixaram 200 kg da sua carga mortífera e foram buscar mais. Os bombardeiros T6 apareceram também e durante duas horas foi um descarregar de bombas. Nós só víamos os aviões à distância e ouvíamos o estrondo dos rebentamentos, mas calculámos que tenha sido uma luta terrível, tal a quantidade de chocolate que estourou.

Eu imagino o chão juncado de cadáveres, regado com o sangue dos mortos e feridos, imagino os gritos lancinantes dos feridos ao verem a vida a fugir-lhe. Parece-me que estou a ver os que ficaram ilesos carregar os mortos.

Dentro de mim há uma confusão tremenda. A paz consegue-se fazendo a guerra. Impondo-a, até certo ponto, através das armas que matam. É certo que aqueles queriam fazer guerra, estavam a atacar uma população que quer a paz, que quer ir para o seu trabalho na bolanha sem arma, sem medo que alguém lhe surja no caminho com intenções assassinas.

Uma população que quer viver na sua Tabanca despreocupada, sem precisar de correr a toda a hora para um abrigo e dormir debaixo de terra para não ser surpreendida, uma população que quer viver sem precisar de matar, mas haverá homens com coração de pedra que não sinta tanta morte, homens que foram levados talvez à força ou com uma dose maior de vinho de palma, como consta que acontece muita vez...


Dizem-nos que temos de fazer a guerra para impôr a paz, que aqueles que morreram e os que ainda estão vivos, são um perigo para a sociedade guineense. Eu e os meus camaradas, tantos outros, já sofremos muito por sua causa. Arriscamos a nossa vida a todo o momento por causa dessas mãos assassinas, cujo prazer é matar. Um prazer cego ao ponto de verem os seus camaradas morrerem às dúzias e continuarem a luta. Será prazer, ou será a convicção da sua razão que os faz lutar?

Porque é que estes homens querem a guerra, quando podiam viver em paz, do seu trabalho, na sua Tabanca e no seu lar com os seus filhos? Que os faz lutar? Que faço eu no meio disto tudo?

Numa re-leitura posterior acrescentei:

Que admiração tenho hoje por este povo, pobre e humilde, puramente selvagem.
Como eu gostava, hoje, de ser selvagem como eles. Amavam a sua terra, queriam ser donos do seu próprio destino. Lutavam. Sacrificavam-se, palmilhando quilómetros e mais quilómetros, para dizerem "estamos aqui na nossa terra, ide-vos embora" como tantas vezes ouvi, do outro lado da mata, ou através do troar das suas armas, que teimosamente se recusavam acertar no alvo, ou mesmo nas populações ditas fiéis, nas Tabancas por onde passei.

Um dia o Raul Fodé de Empada, meu companheiro na profissão de assistir a população em cuidados de saúde, nos seus poucos conhecimentos de enfermagem colhidos no contacto com a tropa Portuguesa, em Empada, pessoa culta, teologo árabe, disse-me:
- Tixeira nós queremos que tu firma na Guiné. Deissa arma e vem na Tabanca, mas deissa a arma, abandona o exército!

Ele, que acompanhava esse mesmo exército com a sua arma igual à minha, a bolsa de Enfermeiro...

Hoje, passados trinta e oito do meu regresso, ao reler o texto, já enquadrado no Espírito de Guiledje, continuo a pensar que fui profundamente enganado pelos senhores do poder, à data dos acontecimentos do Ultramar. Não lhes perdoo-o tantas vidas de ambos os lados roubadas, na flor da idade, por uma guerra inglória e sem justificação, pois os ventos que corriam nos meandros dos grandes areópagos políticos mundiais, eram direccionados para a independência dos povos submetidos pelos países europeus, em muitos casos já concretizada.

A acrescentar os testemunhos das autoridades militares portuguesas da altura, que se propunham garantir condições de segurança para que fosse procurada uma solução politica. Permito-me deduzir que para estes, a solução de impor a soberania pelas armas já não era viável e hoje está mais que confirmado, nunca seria a solução possível, porque os ventos da História não invertem a direcção, pelo simples facto de um pequeno país teimosamente só, insistir na sua razão.

Infelizmente, por miopia política e ambições desmedidas, os poderes politico e económico, e alguns militares de carreira, teimosamente forçaram a manutenção de um estado de guerra, que redundou num terrível desastre, para ambas as frentes de combate, com milhares de militares mortos, milhares de estropiados e doentes. Populações dizimadas, culturas destruídas, fome, doença e miséria.

Alguns enriqueceram. Ficou mais pobre o meu País, pelos milhares de mortos. Jovens na força da juventude, a força do trabalho dos anos vindouros que se foi em parte.
Ficou mais triste o meu País, pelos lutos forçados, jamais esquecidos de mães, esposas, filhos, noivas ou namoradas.

Ficou mais pobre o meus país pelo esforço financeiro que teve de fazer e se reflectiu nos anos seguintes. Ficou mais pobre a Guiné Bissau, pela juventude e populações perdidas cujos números são imensuráveis, pelas culturas agrícolas e florestais destruídas como estratégia de guerra, pela destruição de uma economia centrada na exploração, dos nativos, sem condições para de imediato se desenvolver uma economia alternativa e igualitária.

Pelos abutres que logo de seguida se abateram sobre um País na miséria, sem rumo definido, à mercê dos espertalhões que logo aparecem com ar de santinhos benfeitores, para sugar tudo o que for possível. Pela perda da fé que animava aquelas gentes e lhe dava forças para avançar para a luta.

Era o General Spinola que gritava “por uma Guiné melhor” e arrastava populações inteiras, sem que estas se interrogassem quem era este tipo de binóculo e pingalim, surgido de repente, com promessas.

Não seria mais um que, tempos depois, voltaria, como tantos outros já o fizeram, à sua terra com mais alguns galões e uns milhões no bolso, ficando os guineenses à mercê do seguinte?

Ou, o Amílcar Cabral nos seus discursos a defender a independência como o caminho da libertação do seu povo que fazia movimentar milhares de homens e mulheres, para a frente de combate, numa luta desigual, certos da vitória final?

Tudo isto se esfumou num ápice. Um regressou à sua terra, o outro foi assassinado. A guerra, essa continuou, mais agressiva, mais mortífera. Tão violenta que mesmo depois de ter acabado e feitas as pazes, milhares de guineenses, acusados de traição, pelos vencedores, foram barbaramente assassinados.

Não tem perdão quem não teve coragem e força para os proteger. O meu País, a sua Pátria, como orgulhosamente lhe ensinávamos e eles sentiam, como país pluricontinemtal e plurirracial.

Os novos senhores da Guiné, que tanto lutaram pela sua liberdade e a perderam quando não souberam reconhecer como seus irmãos, os guineenses que se bateram do lado oposto, levados, na sua maioria por uma convicção, injectada nos bancos da escola ou pelos canais da sua história recente que os mais velhos cultivavam, de que eram portugueses e que com Portugal teriam “Uma Guiné melhor".

Agora é tempo de darmos as mãos. De abraçarmos os adversários de outrora, chorarmos os mortos e gritarmos: Guerra, nunca mais.


Zé Teixeira

Sublinhados da responsabilidade do autor
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Notas dos editores:

(1) Vd. último post da série de 10 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2517: Blogoterapia (40): A nossa camaradagem sarou-me a maioria das feridas de guerra (João Tunes)

(2) Vd. último post do José Teixeira de 16 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2543: As Nossas Madrinhas de Guerra (2): Minha querida Madrinha de Guerra (José Teixeira)

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2544: Campanha 1 Peça para o Museu de Guiledje (1): Gesto de ternura e simbolismo do herói de Gadamael, J.C.Carvalho


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350, os Piratas de Guileje (1972/73) > Croquis do aquartelamento feito pelo Fur Mil Op Especiais José Casimiro Carvalho. Em cima, o crachá dos Gringos, a CCAÇ 3477 (1971/73). Por lapso, atribuíamos a autoria da foto do crachá ao Gringo Amaro Samúdio (1). O seu a seu dono: o autor é o nosso herói de Gadamael, Pirata de Guileje (2)...

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


1. Eis a primeira resposta ao nosso apelo lançado com a Campanha 1 Peça para o Museu de Guiledje:

Luís:

Ofereço os aerogramas que escolheres, estão na tua posse;
ofereço o crachá (único na minha posse) dos Piratas de Quileje, com a particularidade de ser eu o autor do logo e nome da CCAV 8350;
Ofereço o crachá dos Gringos;
Ofereço o crachá do GA 7;
ofereço o meu apreço e carinho por quem defendeu o seu solo com o seu sangue, misturado com o meu, derramado em Gadamael;
ofereço a minha compreensão;
ofereço mum momento de memória por SATALA COLUBALI E CAMISA CONTÉ, vitimas de mina anti-carro, em Guileje antes do assalto ao aquartelamento.
Vva a Guiné,
viva a Guiné livre!
Ofereço este meu esboço (original) do aquartelamento (em anexo)

José Casimiro Carvalho


2. Resposta do editor do blogue (com conhecimento, em primeira mão, a toda a Tabanca Grande, por email que já seguiu)

Amigo e camarada Carvalho:

É um gesto de grande significado e simbolismo, vindo da parte de um Pirata de Guileje, e que merece ser partilhado com toda a Tabanca Grande, em primeiro mão...

Farei a devida fotocópia dos teus aerogramas, que são uma pequena preciosidade e um ternura...Farei fotocópias porque queremos também ficar, no nosso Arquivo Histórico Militar, e no arquivo da nossa Tabanca Grande, com o teu testemunho, com as tuas impressões de Guileje e de Gadamel... Escolherei os que tiverem mais interesse documental. E devolver-te-ei aqueles aerogramas (e cartas, e são também algumas) em que revelas uma grande ternura cúmplice com o teu velhote... Essa faceta merece ser melhor conhecida dos teus camaradas...

O Pepito e os nossos amigos guineenses vão ficar-te reconhecidos... Um grande Oscar Bravo, em nome de todos nós.

Luís
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Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2541: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (20): Campanha Uma Peça para o Nosso Museu de Guiledje

(2) Vd. postes de:

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!


Guiné 63/74 - P2543: As Nossas Madrinhas de Guerra (2): Minha querida Madrinha de Guerra (José Teixeira)


1. As CARTAS ÀS MADRINHAS DE GUERRA cuja 1ª edição saiu em 1929, no Porto são uma colectânea de 43 cartas, cujo autor foi o então jovem Ten Afonso do Paço, nascido no lugar de Além do Rio, da freguesia de Outeiro, concelho de Viana do Castelo, que combateu na Grande Guerra, de 1914 a 1919.

As 18 primeiras cartas foram escritas, durante o período desgastante da guerra nas trincheiras, as 20 seguintes, nos campos de concentração de Lille, Rastatte Breesen, depois de ter ficado prisioneiro dos alemães, em 9 de Abril de 1918, e as 8 últimas, desde a saída da Alemanha até ao regresso a Portugal.
Como o título do livro deixa adivinhar, as cartas tiveram por destinatárias as Madrinhas de Guerra que, conforme o autor afirma, foram os "entes mais queridos da guerra, que lançaram sobre as trincheiras regadas de sangue catadupas de amor e de carinho...". Estas senhoras, pertencentes a qualquer estatuto social, mantinham correspondência assídua com os soldados da linha da frente, contavam-lhes novidades e faziam chegar até eles recordações e presentes, que muito contribuíram para os encorajar e mitigar as suas dores físicas e morais .

(Foto e texto tirados do site da Câmara Municipal de Viana do Castelo, com a devida vénia)



Crónica Feminina, cujo primeiro número saiu em 29 de Novembro de 1956. Nas suas páginas apareciam imensos anúncios de militares a pedir Madrinhas de Guerras para troca de correspondência



Madrinhas de Guerra


2. Apoio Moral

[...] O MNF passou a dedicar-se prioritariamente ao apoio moral e social dos militares e suas famílias, muitas vezes através de acções populares a que não faltavam o cunho da demagogia, mas que em muitos casos se revelaram eficazes na resolução de problemas dos jovens e dos seus agregados familiares face à burocracia e ao desconhecimento das situações decorrentes da guerra.

Ao MNF se deve o lançamento dos aerogramas, alcunhados de “bate-estradas”, que constituíram o meio mais difundido de correspondência entre os militares e as famílias.

Destes aerogramas foram, cujo o fornecimento e transporte era gratuito para os militares, estima-se, impressos cerca de 300 milhões.

Das actividades do MNF destacaram-se a organização de visitas de artistas aos teatros de operações, as ofertas de Natal, com o envio de lembranças, discos, bolas de futebol, isqueiros... . Deve-se ainda ao MNF a promoção da troca de correspondência entre os soldados e as madrinhas de guerra.

Foto e texto retirados do site do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, com a devida vénia.
CV


3. Madrinhas de Guerra
Por José Teixeira

Minha querida madrinha de guerra.
Muito estimo que esta minha simples carta a encontre de perfeita e feliz saúde na companhia de seus queridos paizinhos e demais família. Eu encontro-me bem Graças a Deus


Possivelmente foi deste modo que o João, oriundo de uma aldeia no Douro vinhateiro, iniciou a primeira carta dirigida a uma das suas madrinhas de guerra, conquistada através das revistas Plateia ou Crónica Feminina (1).

Das três cartas que recebera de candidatas a madrinhas, uma atraiu-o pela forma carinhosa e afectiva, como a candidata se expressava.

Palavras, algumas delas ininteligíveis, para a sua 4.ª classe (linguagem da época) arrancada aos 10 anos, num tempo em que misturava a escola com a guarda das cabras no monte ou andar à frente dos bois, na lavoura do campo do Zé da Caluba, para ter direito a uma malga de caldo com a tora de carne de porco.

Luxo que não tinha no barraco que partilhava com os pais e mais quatro irmãos.

Os pais analfabetos, raramente conseguiam que o seu irmão lhe enviasse uma carta e mesmo essa não dizia nada.

A madrinha, parecia ser gente fina, escrevia coisas lindas e até lhe mandou uns versos. Quem sabe se ainda arranjava um namorico, ou pelo menos uns petiscos via SPM!

A Sofia, viúva de 75 anos, beirã dos quatro costados, com 12 filhos e uma ranchada de netos e bisnetos, uma referência na Igreja local pela sua piedade, ao passar os olhos por uma revista feminina, esbarrou com a página dedicada aos pedidos de madrinhas de guerra, por parte de militares na Guerra Colonial.
Um entretimento como outro qualquer, pensou, ou uma forma de ajudar estes jovens valentes a suportar melhor a solidão e o sofrimento.

Como portuguesa e patriota, deste modo, faria alguma coisa e sobretudo correspondia ao apelo que o Senhor Abade tinha feito na prática da missa do domingo passado, ao falar nos heróicos rapazes que lá longe defendiam a pátria das garras do comunismo internacional.

Escolheu ao acaso um João que estava na Guiné e toca a escrever-lhe uma missiva consoladora, disponibilizando-se para o acompanhar à distância como sua madrinha de guerra.

A partir de então, todas as semanas fazia seguir uma carta para o afilhado. Quase todas as semanas recebia, um esquisito papel amarelo, escrevinhado em todos os cantos numa letra, difícil de ler.

A avioneta do correio, começou a vir com uns gramas a mais.
O João todo contente e ufano, mal ouvia o roncar anunciador, corria para a pista como tantos outros o faziam, para fazer uma espécie de guarda de honra ao saco do correio.

Depois, era o esperar pacientemente que o Escritas fizesse a separação e viesse à porta da caserna, anunciar os felizes contemplados.
Depois eram os sorrisos anunciadores de boas novas para uns. O seu isolamento à sombra de uma árvore para saborear as novidades ou o abandonar do local, cabisbaixos, muitas vezes a caminho da cantina para tentar esmagar a dôr do esquecimento, com uma cerveja gelada, caso houvesse.

O João lia e relia as cartas da madrinha. A gaja devia ser doutora, pensava ele e lá ia ter com o seu alferes para lhe explicar melhor o que ela lhe queria dizer nas cartas.

Rapidamente os colegas se aperceberam que o João tinha arranjado tacho e logo ele o matarruano que mal sabia ler.
Era gozado de fininho, primeiro porque se tornou um gabarolas, depois porque sempre que vinha o correio todo o seu comportamento mudava. Desde o correr para a pista, o ficar junto da Secretaria especado à espera que o escritas, o isolar-se depois e passar horas a ler e reler a carta. Enfim, era outro João.

Tornou-se mais comunicativo.
Agora lia todas as revistas e fotonovelas que apanhava. Pedia ao alferes que lhe emprestasse livros que devorava, mas ficava muito chateado sempre que os colegas pegavam com ele, insinuando que ela tinha namorado ou porque não tinha ele coragem para lhe pedir namoro!

Um dia encheu-se de coragem e pediu à madrinha autorização para a tratar por tu.

Esperou pacientemente a resposta, que nunca mais chegava.

Um tanto desiludido e arrependido pensava: mas porque é que ela continua a escrever-me e não me fala no assunto? Será que não gostou da minha ousadia e me vai deixar?

Certo dia, ao chegar de uma operação esgotado e cheio de fome, tinha a carta da madrinha à espera.
Com o coração cheio de esperança, abriu-a de imediato e não conteve um grito de alegria. A sua Sofia, tratava-o por tu.

Afinal foi tiro certeiro! Bem me dizia o meu alferes, pensou ele.
Nessa noite, na cantina, houve cerveja para os amigos. Até o alferes lá foi beber um wiskie com cola.

Carta para lá, aerograma para cá com algumas fotos mal tiradas em ambiente de guerra.

A Sofia começou a tomar conhecimento da real dimensão da guerra.
Começou por estranhar as contradições entre o pouco que o João conseguia contar na sua inocência e o que ela conseguia ler pelos jornais.

Os relatos simples e sinceros das cartas do João. As emboscadas contínuas, os ataques ao quartel, os feridos e mortos em catadupa, as minas, nome estranho para ela, que matavam ou estropiavam aqueles jovens, quando não eram detectadas e levantadas a tempo, os dias que passava na selva, ao sol e à chuva, começaram por alimentar mais ainda o seu patriotismo, apesar de o seu conceito de que os pretinhos eram uns coitadinhos que precisavam de ser salvos e baptizados, como disse uns anos antes o missionário que foi à sua aldeia fazer uma Santa Missão.

Nada disso vinha nos jornais, esses, de vez em quando lá traziam um comunicado com alguns mortos, mas nada que se comparasse com o que o João lhe dizia nas cartas e se ele o dizia, era verdade. Pensava ela.

Nas entrelinhas da sua escrita tinha descoberto um jovem simples, bem educado e honesto. O João não me engana, pensava ela. Parece que querem que a guerra passe ao lado.

A sua grande descoberta, que lentamente começou a persegui-la e a fez mudar de ideias, para gáudio do seu filho mais novo, todo esquerdelho, que em Coimbra passeava os livros e se livrara de dar com as costelas em África. Um tio activo dirigente da União Nacional o tinha safo das perseguições da Pide que se seguiram às escaramuças de 1969, quando o Senhor Presidente Américo Tomás foi vaiado pelos estudantes.

Orgulhoso da sua madrinha, o João era matraqueado pelos camaradas. Queriam que ele lhe mostrasse a fotografia.
Para o afinarem mostravam-lhe as fotos das namoradas as verdadeiras e das madrinhas de guerra, algumas das quais já transformadas em namoradas.
Até alguns, casados e com filhos, tinham madrinhas/namoradas , o que chocava o nosso herói, educado nos princípios da Santa Madre Igreja.
Ele quando namorasse, ia ser fiel à cachopa eternamente.

Uma noite depois de matutar bem, decidiu-se.
Logo de manhã foi ter com o seu alferes e com a sua ajuda, escreveu-lhe um aerograma, no qual pedia o favor de lhe enviar uma fotografia.

Como resposta, teve uns tempos depois uma pergunta:
- Mas queres mesmo uma foto minha? Sim, respondeu. Quero trazer-te sempre comigo, bem juntinho ao coração.

A resposta demorou, mas chegou mais uma vez.

- Pois aí vai. Lamento desiludir-te. Sou mãe e avó. Tu és como que o meu filho mais novo, que eu quero acarinhar e ajudar, até ao teu regresso. A partir de agora dependerá de ti o continuarmos a escrever um ao outro.

A velha gozou-me. Ah se eu pudesse, ia lá a sua casa e partia toda de porrada.

Cerca de mês e meio de mudo silêncio.
Deixou de correr para pista da aviação quando os camaradas no gozo lhe perguntavam se a madrinha estava boa, obtinham respostas tortas e azedas, factores insenctivadores à provocação, o que lhe roía as entranhas.

Um dia, quando já tinha perdido a esperança de reencontrar o seu João, o carteiro bate à porta da D. Sofia.
Trazia um aerograma. Uma lágrima selvagem teimou em correr-lhe pela face, enquanto a abria de supetão e tentava interpretar os gatafunhos a que já se desabituara.

Minha querida madrinha de guerra.
Muito estimo que esta minha simples carta a encontre de perfeita e feliz saúde na companhia de seus queridos paizinhos e demais família. Eu encontro-me bem Graças a Deus.
Querida madrinha, andou a gozar comigo este tempo todo, mas eu gosto muito de si. Não calcula quanto me tem ajudado a passar este maldito tempo, aqui na Guiné.

Li a estória da D. Sofia que já faleceu há uns anitos, numa revista religiosa, como testemunho real.

O João, esse não o conheci, mas conheci tantos Joões, Manéis ou Zés que, durante a sua Comissão, encontraram almas caridosas, disponíveis e acolhedoras, que os apoiaram, nos apoiaram nas arguras de uma guerra, para onde fomos atirados, sem respeito pela nossa vontade, pelos nossos sentimentos, pela nossa vida, para esmagar, matar, segundo diziam.

Com este texto baseado numa situação real, quero agradecer a tantas mulheres jovens e menos jovens, que aceitaram o desafio de serem Madrinhas de Guerra e sofreram à sua maneira, os efeitos de uma guerra que não queríamos fazer.

José Teixeira
________________

Nota do autor

(1) Revistas fofoqueiras da época, a quais se dispunham a fazer passar anúncios/pedidos de militares em missão na Guerra colonial, a raparigas para se tornarem suas madrinhas de guerra.
________________

Nota do editor CV

Sobre o tema Madrinhas de Guerra, Vd. post de 10 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2519: As Nossas Madrinhas de Guerra (1): Os aerogramas ou bate-estradas do nosso contentamento (Carlos Vinhal / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P2542: Em busca de... (20): Camaradas da CCAÇ 1487 (José Jerónimo)

José Jerónimo
ex-Alf Mil
CCAÇ 1487
Fulacunda
1965/67

1. Aqui ficam, para leitura atenta, diversas trocas de correspondência a propósito do pedido do nosso camarada José Jerónimo para encontrar camaradas seus da CCAÇ 1487.

Mais uma vez ficou demonstrado o espírito de camaradagem, (à moda antiga) que ainda perdura entre nós.
Desta vez a estrela foi o Santos Oliveira que levou a peito ajudar José Jerónimo que, por se encontrar no Brasil há 27 anos, perdeu o contacto com os seus antigos companheiros.

Esta ajuda do Oliveira ao Jerónimo, provocou uma reacção nunca vista, acho eu, até hoje, que foi um Oficial bater pala a um Sargento.

Esta homenagem, simbólica e não atentatória ao RDM, reforça a ideia de que nesta altura, a camaradagem é aquilo que perdura e une os ex-combatentes da Guiné.
C.V.

2. Em 26 de Janeiro de 2008, José Jerónimo dirigia-se a Luís Graça

O meu nome é José Amadeu de Jesus Jerónimo.
Fui Alf Mil da CCAÇ 1487, comandada pelo (naquele momento) Capitão Alberto Fernão de Magalhães Osório.

Comigo estiveram o Alf Mil Marques Lobato, Alf Mil Freitas Soares e Alf Mil Castro.

Pertencemos ao RI 15 - Tomar e estivemos em Fulacunda.
Actuamos como Companhia de Intervenção do Batalhão de Tite e várias vezes com a Companhia do Cap Fabião (Tite) e Companhia de Comandos do Cap Leandro (que nos comandava nas férias do Cap Osório).

Vivo no Brasil há 27 anos e perdi todos os contactos.
Gostaria de voltar ao contacto, pelo menos com os alferes meus colegas e sargentos, já que o Osório morreu na sua outra comissão com General Spinola (1).

Você pode ajudar?
Também posso colaborar no seu Blog com depoimentos sobre momentos vividos naquele tempo.
Façamos a nossa história

Meu contacto:
josama@uol.com.br
Tel. móvel; 00 55 11 8432 9647

Abraço,
José Jerónimo

3. Em 26 de Janeiro, CV enviava uma mensagem à Tertúlia no sentido de se encontrar alguém que pudesse ajudar o nosso camarada

Caríssimos companheiros e amigos:

Mais um pedido nos chegou. Desta feita do José Jerónimo que nos lê no Brasil, onde está há 27 anos.

Perdeu o contacto com os seus camaradas da CCAÇ 1487, onde esteve como Alf Mil.
Pergunta da ordem. Quem pode ajudar este nosso camarada?

Eu já fui à Pagina do nosso amigo Jorge Santos na espectativa de encontrar por lá alguém da CCAÇ 1487 a pedir contactos, mas infelizmente não há lá nenhum pedido.

Se alguém tiver uma dica para ajudar este nosso amigo, por favor informem-no directamente ou por nosso intermédio.

Desde já muito obrigado.
Um abraço e bom domingo para todos.
Carlos Vinhal

4. Os efeitos não se fizeram esperar e em 27 de Janeiro, o nosso Sarg Mil Santos Oliveira entrava em contacto com o José Jerónimo.

José Jerónimo:
Estou a envidar esforços para te poder ajudar.
Vou continuar a tentar, agora, junto de Companheiros da CCAÇ 797 do Carlos Fabião.

Seguem nomes idênticos aos que referes, mas faltam os nomes próprios e, isso, só tu podes decifrar.

Do Alf Castro, apenas com esta referência nominal, teríamos uma enciclopédia.
Se conseguires alguns elementos identificativos mais precisos, por exemplo, dos sargentos ou furriéis, podes ajudar-te imenso.
Por agora, o que consegui saber:
[...]
Paz à alma deste valoroso filho da Nação Portuguesa, cujo local de sepultura se indica a seguir:

- Major de Infantaria N.º 50972511, do Comando de Agrupamento Operacional / CTIG, Alberto Fernão Magalhães Osório: Cemitério Paroquial do Baraçal, Celorico da Beira [...]

De possibilidades de serem quem procuras, vê se é um destes nomes (*):

[...] Podes contar comigo

Um fraterno abraço, do

Santos Oliveira
Sarg Mil Armas Pesadas
Do Extinto Pel Ind Morteiros 912

5. Em 28 de Janeiro, José Jerónimo dirigia-se assim a Santos Oliveira

Santos Oliveira,

Muito obrigado também pela tua ajuda.
Vamos a ver no que eu posso ajudar também, depois das muitas andanças pelo Mundo, em que fui perdendo documentos que agora nos poderiam auxiliar.
A memória, depois de todos estes anos por longes terras, também não está tão clara quanto eu gostaria.
Mesmo assim lá vai o meu primeiro contributo, para ver se começamos por alguma ponta do fio para desenrolar o novelo, até que a minha memória comece a ficar um pouco mais clara.
Estou copiando o Briote, o Luis Graça, o Henrique Matos e o Henrique Cabral, porque também eles me estão ajudando.
Talvez em conjunto consigamos.

Estive em Tite com o (naquele momento) Major Jasmim de Freitas (2.° Comandante do Batalhão de Tite e antigo Comandante do meu Curso de Oficiais em Mafra).

1 - Informações sobre o Ten Cor Alberto Magalhães Osório, estão de acordo com o que sei.

2 - Quanto ao António F Freitas Soares - [...] estou quase certo que seja este.
Um dos furriéis do seu Grupo se chama Moniz e o Sargento Costa

3 - Quanto ao Alf Mil Marques Lobato. Estou quase certo que se chama José Marques Lobato e vivia em Penafiel em 1964 (filho de um Major do Exército)

4 - Quanto ao Alf Mil Castro. Não lembro se o nome era Sousa e Castro (é de Vila Nova de Famalicão)

5 - Furriéis do meu Grupo: Murça (acho que de Vila Nova de Famalicão) e Freire (Golegã

6 - Actuei inicialmente como Companhia de Intervenção no Batalhão de Bissau, actuando nesse curto espaço de tempo, pelo menos, em Mansabá e Mansoa.
Depois de chegar a Fulacunda actuei várias vezes em Gã Pedro, Gã Chiquinho, Braia, Tite, Louvado e Bila, Gandua Porto, Bária, Jufá, etc. e, na região de Jabadá, onde existia um Pelotão de Armas Pesadas de Infantaria comandado pelo Alf Mil Basílio (meu Curso em Mafra).

7 - Em Tite o (naquele momento) Major Jasmim de Freitas era o 2.° Comandante do Batalhão e antigo Comandante do meu Curso de Oficiais em Mafra).

Bom, estou certo que vamos conseguir muito mais informações e que nos encontraremos na minha próxima viagem a Portugal.
Obrigado pela ajuda.

Meu endereço actual é:
Rua Palacete das Águias, 842 - Apto. 53 Vila Sta. Catarina (ao lado do Aeroporto de Congonhas).
Codigo Postal 04635-023 São Paulo - SP - Brasil
Telemóvel: 00 55 11 8432 9647

Um grande abraço para todos
José Jerónimo

6. No mesmo dia Virgínio Briote mandava esta mensagem a Santos Oliveira

Caro Santos Oliveira,

Tenho estado a acompanhar o teu notável trabalho.
Quando penso que quem esteve no Cachil naqueles difíceis tempos, e quem o defendeu naquelas condições, bate certo, é o mesmo gajo que está a ajudar o Jerónimo a reencontrar os Camaradas, a reencontrar-se com ele próprio.

Eu sei, pelo que me lembro, que o que vou fazer não faz parte das etiquetas militares do nosso Exército. Mas tenho formação comando e nestas condições o que é bem feito deve estar acima de todas as praxes.

Deixe que lhe faça a continência, meu Caro Furriel Santos Oliveira,
vb

7. Ainda em 28 de Janeiro José Jerónimo dirigia-se a Santos Oliveira e a Virgínio Briote, assim:

Amigos,
Gostei desse fora das praxes militares sugerido pelo Briote. E também eu, saindo dessas mesmas praxes, vos faço a continência, pela ajuda que me estão dando. O que puderem fazer, é para mim muito importante. É como diz o Briote, um reencontro, pelo menos, com uma parte que estava perdida de mim mesmo.
Abraços para os dois.

J.Jerónimo


8. Santos Oliveira contactava de novo José Jerónimo

Amigo e Camarada

Tenho metade da CCAÇ 797 e da CCS do BCAÇ 1860 a procurar contactos. Passou muito tempo, não é? Também estive por Tite.

Bem, quero dizer-te que o Pelotão de Morteiros que encontraste em Jabadá, deveria ser o meu, o 912, sem uma Secção, que era a minha e que havia estado noutro lugar e noutra Missão.

O período, ou a data que lá passaste deve ter sido até Novembro de 1965.
Nesse caso, o Alferes que contigo Cursou não seria o Alf Mil Basílio, antes o Alf Mil António Fernandes O. Rodrigues [...] de Vila Nova de Gaia

Este, como tu e eu (EPI-1963) também teve por Director de Instrução o Major Jasmim de Freitas; mais tarde reencontrado como 2.º Comandante do BCAÇ 1860 em Tite.

Tenho estado a tentar ligar ao Freitas Soares (se é que é o mesmo). Vai para o Voice Mail onde deixo recado, mas que até agora, ainda não resultou.

Estou com esperanças de vir a ajudar.
Aguardemos mais um pouco.

Um abraço, do
Santos Oliveira

9. Resposta ao mail anterior de José Jerónimo

Amigo Santos Oliveira,

A minha memória parece querer clarear.
Lembrei de mais um nome. O do Sargento do Grupo do Alferes Castro de V.N.Famalicão. Se chama Sargento Gaspar (acho que era também do Minho e já tinha estado em Angola. Era o fotografo de todos nós e um militar destemido - Cruz de Guerra).

Aquele a quem eu chamo de Alferes Basilio é Indiano. Será que é ele a quem tu te referes?

Passei umas três vezes em Jabadá.
Uma, vindo de Gã Pedro (a primeira quase logo quando cheguei em Fulacunda.

Duas semanas antes tinha estado em uma Operação em ???? junto com a CCAÇ 797 . Foi quando conheci o Cap Fabião e a CCAÇ 797, que se encontrou com a nossa CCAÇ 1487 em Fulacunda, de onde saimos para a Operação)

Outra, a segunda vindo de Jufá. Nessa o Alferes Basilio (??? ou António Fernandes) com uma parte do seu Pelotão, nos esperava fora do quartel de Jabadá. Chegámos debaixo de fogo.

A terceira vez não lembro mais.

O meu cabo da bazuca, o Cerqueira, também tem uma Cruz de Guerra.

Conto contigo nesta tentativa de descoberta.

Abraços
J.Jerónimo

10. Em 29 de Janeiro, Santos Oliveira contactava Virgínio Briote com esta mensagem:

Caro Briote:

Obrigado pela tua consideração para comigo. Eu ajudo qualquer um de nós, porque um Ranger com preparação especial para ser infiltrado sozinho, é sempre um Homem solitário.

E se isso parece não me ter perturbado (pela preparação que então tive), com o passar dos anos vai-se tornando um enorme e gigantesco problema psicológico em que o pivot principal é a solidão.

Disso, creio, não me livro mais. É demasiado profundo. Portanto só resta abrir um pouco a mente e tentar ser o Eu original (sensível, atento, prestável, etc.).

Fiquei em sentido (e com as lágrimas nos olhos) com a continência que me fizeste.

Fizeste-me lembrar um episódio que se passou em Catió, em finais de 1964, quando aí me desloquei para assistência Médica mais especializada (urinava sangue, porque apenas bebia água, a qual era transportada em pipos de tinto e que a tinto sabia e cheirava).

Estava encostado ao muro da Messe de Sargentos e vejo, vindo desde o Quartel, um Militar Nativo, que, uns dez passos antes, se perfila e me faz continência, conforme os Regulamentos.

Olhei para um lado e para o outro, não vejo ninguém ali perto, correspondi à mesma e só então reparei que era um Alferes (segundo os galões que ostentava).

Hesitei, mas acabei por ganhar coragem e chamei: - Oh, meu Alferes! Por favor. Eu sou quem tem de lhe fazer continência.

Atrás de mim uma risada colectiva de vários camaradas.

-Ele não te conhece e por isso é que te fez continência.
-Porquê, perguntei.
-É que ele é Alferes de Segunda Classe.
-Segunda Classe? O que é isso? - Retruquei.
-Os nativos, quando comandam tropas, são uma espécie de Graduados, mas são sempre inferiores (esta doeu-me e ainda me dói) aos brancos.

Eu, nunca havia ouvido tal e fiquei escandalizado.

Voltei-me para o meu Alferes (de 2ª) e disse:
-Meu Alferes, quando se cruzar comigo, sou eu quem lhe deve continência. Está bem?
-Sim, meu Furrié.

Ali, fiquei a saber (o que era normal em Portugal, mas não desta forma) que havia, classificados, Portugueses de primeira e de segunda.

Foi deste modo que conheci, pessoalmente, o saudoso João Bakar Djaló, a quem, postumamente, homenageio.

Palavras para quê? Assim, já não tenho palavras.

Um enorme abraço, do
Santos Oliveira

11. E contactava também José Jerónimo

Amigo J.Jerónimo

Acabo de olhar vários mails e vou, por ordem de chegada, prestar as minhas informações e comentários.

Fico contente com o abrir da tua memória; é o que estou tentando fazer com a minha. É, seguramente, a melhor terapia, falar e ouvir os que por lá passaram e bem entendem e subentendem os nossos sentimentos, medos, frustrações, alegrias e tristezas. Por isso estou aqui e te disse: conta comigo.

O indiano Basílio, não é, com toda a certeza o Rodrigues. Esse, conheço bem demais e também não o estou a ver a sair do seu reduto para cobrir a segurança de quem quer que fosse. Por isso, a tua passagem por Jabadá, ter-se-á dado depois de Novembro de 1965.

Sem mais comentários sobre o indivíduo.

Não sei se existe listagem sobre as Cruzes de Guerra que foram atribuídas em Campanha; vou averiguar e se possível encontrar o Sargento Gaspar e o Cabo Cerqueira.

Vou dando notícias conforme forem aparecendo.

Um abraço, do
Santos Oliveira

12. Em 30 de Janeiro Santos Oliveira mandava nova mensagem a José Jerónimo

Amigo Jerónimo:

Creio que o meu percurso Militar foi um tanto diferente do teu.

Fiz todo o Curso de Sargentos Milicianos e a Especialização de Armas Pesadas de Infantaria em Mafra (seja: Canhões S/Recuo, Morteiros e Metralhadoras – tudo os tipos classificados Pesados).

A minha paixão era os Canhões S/Recuo, mas não foi por aí que andei.

Acabado o Curso de Sargentos Milicianos, como fui muito bom aluno e dedicado (naquele tempo os nossos destinos eram determinados pelas habilitações escolares e não pelos psicotécnicos) fui promovido a 1.º Cabo Miliciano (o Sargento económico da época; possuía Instrução de Oficial, tinha Responsabilidade de Sargento, Regalias e Pré, igual às dos Praças).
Isso, tu deves conhecer.

Talvez pelos resultados dos psicotécnicos ou pelas classificações obtidas, pude escolher uma Unidade pertinho de casa; escolhi o GACA3, em Espinho.

Três dias depois da minha apresentação, sem qualquer aviso prévio, fui carregado numa GMC com toldo, a juntar-me a outros, poucos, Cabos Milicianos e um Furriel do QP.

Na cabine, além do condutor, iam dois Oficiais: um Tenente do QP, com farda Portuguesa e um outro com farda estranha.

Para onde nos levavam era a pergunta que cada um de nós fazia ao outro. Mas ninguém sabia e o Furriel não se descosia. Sempre que tentamos espreitar pelas frinchas do toldo, éramos impedidos pelo nosso Furriel.

Ao fim dumas horas, já de noite, creio que estávamos nas traseiras do CIOE, em Lamego.

Ali mesmo, sem mais, começou o nosso Curso de Tirocínio de Rangers de Infiltração.

Eu nunca havia ouvido infiltração associado a Rangers.

O Oficial de farda estranha, era um Capitão dos Rangers Americanos, que havia feito duas comissões no Vietname, estava em Portugal como Conselheiro Militar(???), falava um espanhol abrasileirado no seu sotaque.

Partimos, de imediato, sei lá para onde naquela região; tínhamos, além da arma e ração de combate, uma corda de uns 10 metros, um mapa com os objectivos assinalados, uma bússola e uma lanterna militar. Quase nunca mais nos voltámos a ver; era um por si.

Claro que alguns trajectos finais passaram pelos esgotos (aí pude olhar gente).

A higiene era apenas quando se caía ao Rio e mais não estou a lembrar.

Altos e baixos, rochas e monte, apenas se ouviam os cães e se viam ovelhas ou carneiros e, aqui e ali se ouvia o assobiar típico dos pastores. Gente, não.

Sofri bem mais em Mafra, acredita.

E com a mesma e única porca farda malcheirosa, uma certa madrugada, lá voltamos a ser carregados na GMC com o toldo que já conhecíamos e nos transportaram para Tancos; aqui não havia engano possível.

Viam-se Boinas verdes por todos os lados.

Novo Tirocínio, desta feita para a preparação de Salto.
Nada de especial a não ser a velha torre, em cima da qual a nossa visão lateral não enxergava o patamar... apenas o chão cá em baixo.

Mais medos tive das águas do Douro.

Um salto dum velho Junkers e de novo o regresso à nossa conhecida GMC e... às nossas novas Unidades.

Era suposto ter dado uma Recruta (fazia parte dos Regulamentos) mas eu fui convidado pelo 2.º Comandante a formar uma equipa, ao lado da Sala do Comando, uma Secção Técnica onde abri a comunicação da minha própria Mobilização, em rendição individual, para a Guiné.

Antes disso, estava cumulativamente a fazer Sargento de Piquete e, porque a porta se encontrava aberta (a Secretaria Técnica era na Torre de Controle do aeródromo de Espinho - tudo vidro e calor insuportável) abusivamente, um Oficial entrou para saber assunto classificado e eu não lhe dei a informação que pedia e solicitei que se retirasse, porque a zona era Classificada.

Ele resistiu e apontei-lhe a FBP e perguntei se saía pelo seu pé, ou se de maca.

Ele participou de mim e eu apanhei oito dias de Detenção, que foram oito Sargentos de Dia que fiz pelos camaradas solidários.

Só passado o castigo é que apresentei, de acordo com o RDM, a minha parte do caso.

Foi anulado o meu Castigo e recebi um Louvor.

Igualmente não fui incomodado, quando algum tempo depois da tentativa de assalto ao Quartel de Beja, quando Sargento de Dia, durante a ronda nocturna, um das sentinelas disse ter ouvido restolho no meio do milheiral.
Tomei a Mauser e disparei depois de dizer que esta era para perto a próxima seria para acertar.
Acordei o Quartel às 4 da manhã.

Do resto, podes, no Blogue, clicar, Sábado, 15 de Dezembro de 2007
Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)
que, no essencial está lá.

Vamos deixar esta longa História, noutros pormenores que te podem fazer avaliar se vale a pena… “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena"
Luto pelo que acredito, crê

Santos Oliveira
___________
Notas dos editores:

(*) - Foram removidos endereços e números de telefones, por não ser ter a certeza de que as pessoas citadas eram as procuradas.

(1) - Vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo) (João Tunes)

(...) Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. (...)