sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3610: Tabanca Grande (104): António Paulo Bastos, 1.º Cabo do Pel Caç 953 (Teixeira Pinto e Farim, 1964/66)


1. Mensagem do nosso camarada António Paulo Bastos, 1.º Cabo do Pel Caç 953, Teixeira Pinto e Farim, com data de 11 de Dezembro de 2008:

Amigos companheiros da Tabanca Grande, a todos um saudoso Natal e um próspero Ano Novo. Que o novo Ano lhes traga tudo de bom e que os companheiros que ainda não foram à Guiné, vão este Ano.

Amigo Carlos, perguntas-me se não quero fazer parte da Tabanca Grande? Pois meu amigo, eu agradeço o convite e vou aceitar, porque sou dos que não larga a Net, a procurar tudo que diga respeito à Guiné ou até à guerra.

Amigo, sobre mandar fotos da minha guerra e sobre as que fiz das vezes que lá voltei (3) poucas tenho, mas tenho alguns vídeos. Também te informo que sobre computador sou um autêntico analfabeto, sempre que preciso de alguma coisa tenho de pedir ajuda.
Mas vou tentar enviar algumas.

Vou falar sobre a minha vida militar.

No dia 12 de Janeiro 1964 assentei praça no RAAF de Queluz, depois fui transferido para uma Bateria que existia em Porto Btandão, aí fiz a recruta e jurei bandeira em Queluz. Depois foi para o RI1 na Amadora onde fiz a especialidade. Tinha como oficial comandante de pelotão, um Tenente que se chamava (já faleceu) Nuno Nest Arnout Pombeiro que era genro do Comandante da Unidade, Coronel Américo Mendonça Frazão (faleceu como General). Aí acabei a especialidade e fui mobilizado para a Guiné, incorporado num Pelotão Caçadores 953, independente.

Embarquei para a Guiné no dia 15 de Julho de 1964, onde cheguei a 21. Desembarquei e fui para Amura, aí permaneci duas horas, sendo depois escoltado pela Polícia Militar até João Landim, onde rendemos o Pelotão Caçadores independente 857.

Dali fomos para Bula, Comando de Batalhão 507, cujo Comandante era o Tenente Coronel Hélio Felgas (já falecido). Depois das apresentações fomos para Teixeira Pinto, onde ficámos adidos à Companhia de Artilharia 527, comandada pelo capitão António Amorim Varela Pinto.

Eram já 16 horas quando almoçámos, dali seguimos para Cacheu onde permanecemos até ao dia 9 de Março de 1965, regressando novamente a Bissau para seguirmos para Farim, via Mansoa e Mansabá. Jantámos e às quatro horas da manhã seguimos então para Farim.

Aí já nos esperava o BCav 490, comandada pelo Tenente Coronel Cavaleiro. Permanecemos lá uns dias.

No dia 23 de Março de 1965 deu-se a grande invasão de Canjambari onde a guarnição era composta pelas Companhias 487 e 488, Pelotão Morteiros 980, um Pelotão da 1.ª Companhia de Caçadores Africanos, um Pelotão Auto-metrelhadoras e o meu, o 953.

Eram 6,30 horas quando rebentou uma mina debaixo de uma GMC e começámos a embrulhar até às 16,00 horas. Quando os T6 largaram as bombas, o IN logo nos deixou, mas por poucos dias, porque depois começaram a atacar-nos no acampamento. Este era para ficar em Canjambari praça, mas o Comandante mandou-nos recuar para Canjambari Morcunda.

Começámos logo a fazer o aquartelamento com palmeiras. De dia trabalhava-se, de noite era um desassossego, porque vinham visitar-nos e fazer alguns tiritos. Também tínhamos as operações a nível de duas secções de brancos e uma de africanos. Infelizmente numa dessas operações tivemos duas baixas na 488. Os trabalhos e até a pista para a avioneta foram todos feitos à força de braço.

Com a saída do BCav 490, veio o 733, comandado por Tenente Coronel Glória Alves, que infelizmente nos deixou no dia 30 de Novembro. Passámos a descansar e viemos para Jumbembem onde permanecemos três meses, regressando um mês a Canjambari.

Em Maio de 1966 regressámos a casa.

Um pouco abreviado é esta a minha vida militar.

Amigos e companheiros desculpem-me alguns erros, mas foi uma 4.ª classe tirada a martelo.

Vou-me despedir e desejando a todos os amigos um Natal muito feliz.
Até breve
A.Paulo Bastos

Cacheu > 1964 > António Paulo Bastos


2. Comentário de Carlos Vinhal

Caro António Paulo Bastos, ainda bem que deste resposta positiva ao meu convite para aderires à nossa Tabanca Grande.

Não te preocupes com a tua 4.ª classe tirada a martelo, como dizes. Escreve que nós estamos aqui para dar um jeito e nem se vai notar. Estou a brincar, claro, estamos aqui para nos ajudarmos uns aos outros e, como diz o nosso camarada Vitor Junqueira, o que interesa é que nas histórias se reconheça o seu autor. Não é necessária uma literatura muito eleborada, mas antes o ponto de vista sincero de quem as viveu.

Hoje deste o primeiro passo, com a tua apresentação e a resenha que fizeste da tua vida militar. Não referiste o teu Posto e a tua Especialidade, mas farás oportunamente.

Terás outras histórias, que contarás aos poucos e uma de cada vez.

Em nome de toda a Tertúlia, deixo-te um abraço, votos de um Natal com saúde e um novo Ano cheio de coisas boas.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3588: Tabanca Grande (103): Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 4745, Águias de Binta (Binta, 1972/74)

Guiné 63/74 - P3609: O meu Natal no mato (14): Numa tabanca fula em autodefesa. (Torcato Mendonça)



Meus Caríssimos Editores:


Agradeço que, devido ao pese acusem a recepção dos escritos - fotos e texto.Tenho gravado, em mini K7, o conteúdo do LP ofertado. É pertença de um antigo combatente. militar de Bissau...
Não ouvi à primeira, segunda ou terceira...as gentes de 71 devem ter...teor à disposição...

Fraternalmente, votos de um Santo Natal. Um 2OO9 a concretizar os Vossos desejos e de Vossas Famílias. A Todos um abraço.

Tri abraço do TM - Torcato Mendonça

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Mistérios de Natalpor Torcato Mendonça

Sentou-se na base do poilão, apoiou-se a tábuas de antiga caixa de granadas a servirem de banco e mesa, cigarro a enviar pequenas argolas de fumo. Sobre a minúscula mesa, além do correio recebido e ainda não lido, um presente, uma oferta.

Cópia da capa do LL Natal 71, oferecido pelo MNF - Movimento Nacional Feminino.

Fotos: © Torcato Mendonça (2008). Direitos reservados.


Certamente bem intencionada, a oferta. Certamente feita e enviada por quem desconhecia a realidade ali vivida, por ele e pelos camaradas. Não só ali, em quase todos os aquartelamentos, certamente todos foram recebedores da oferta. Olhava-a e sorria para si.

Ao lado um soldado condutor, ainda lia e relia o correio. Era uma leitura mastigada, uma leitura demorada e repetida, uma leitura a entrar bem e a fazer sentir as palavras para ele escritas.


Depois da entrega do correio e da oferta, naquela auto-defesa ou reordenamento, ou melhor, naquela tabanca do Povo Fula, onde eles estavam aquartelados, caiu um silêncio de sepulcro. Só o barulho, o eterno barulho dos pilões, gritos de crianças e vozes de gentes sem direito a correio ou ofertas se fazia ouvir.



Ele pensava, continuando a lançar, ao ar, pequenos círculos do fumo de mais um cigarro. Pensava ou desesperava pela lenta passagem do tempo, do nada.
Do nada ou do sim e do não; do verso e reverso; do branco e negro; do real e irreal. A eterna dualidade ou a força, o motor a dar sentido à vida…

De repente, vozes e gritos dos militares, risos e correrias. Pareciam meninos em recreio de escola.

Saiu um, depois outro e mais outro, muitos… e voavam pelos ares, negro contra céu azul. Aterravam pouco depois e de pronto eram relançados.



- Olha ali, disse ao soldado condutor,
- Estou a ver,
- São os discos, são os discos…

Chegavam a eles o som dos gritos:
- É Natal, é Natal…Viva o Natal, é…

Olhou para o lado, para o silêncio do camarada do volante e calou-se.
Da face do camarada escorria, lentamente, uma lágrima…

Torcato Mendonça
ex-Alf Mil,
CART 2339,
Mansambo, 1968/69

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Notas de vb:


1. Último artigo do Torcato Mendonça em 10 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3592: Do Fundão, com insónias: Bambadinca, meu amor... (Torcato Mendonça)

2. Último artigo desta série: 11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3597: O meu Natal no mato (13): De Cutia (1970) ao CAOP1, em Teixeira Pinto (1971) (Jorge Picado, ex-Cap Mil)

Guiné 63/74 - P3608: Histórias de Vitor Junqueira (12): O Saco Azul

1. Mensagem de Vitor Junqueira, ex-Alf Mil Inf, CCAÇ 2753 - Os Barões, (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), enviada no dia 11 de Dezembro de 2008, com mais uma das suas histórias, esta integrada nos arranjinhos que se faziam nas nossas Unidades, para haver sempre umas massas de reserva para o que desse e viesse, vulgo saco azul.

Amigos editores, Aleluia! O blog está como eu gosto. Menos erudição e mais histórias com gente lá dentro. Como o Natal do comandante Picado ou o segredo do José Colaço, que acabei de ler. Em tempos, disse ao Luís Graça que mais interessante do que a escrita em si, é, através dela, podermos conhecer o dono da mão que escreve. Esta é a minha onda, reafirmo-me nela através de mais um conto que conta uma cena verdadeira. Com um retrato. A todos os camaradas e amigos, obrigado por gostarem das minhas histórias. Aos que não apreciam, as minhas desculpas.


O Saco Azul

O senhor Manuel Carroça, é um sortudo. Entradote na idade, é proprietário, gerente e assistente de vendas num espaço comercial típico do Portugal da nossa meninice; uma tasca com secção de mercearia. O freguês vai à cata por exemplo, de um quilo – ratado – de prego de solho ou de um fedorento maço de tripa seca para a patroa fazer os chouriços e na volta, bota abaixo um penalty – com gola – do bom tintol da região. Como ainda não foi visitado pela ASAE, mantém-se no seu posto atrás do balcão, até ao dia em que lhe selem a porta. Tem vários problemas de saúde, incomodam-no principalmente as queixas de natureza reumatismal. A propósito, diz ele com a cara mais séria deste mundo, e com toda a propriedade, acrescento eu:

- Ó dótor, eu dos pés ainda tal, tal. Agora das mãos, sou um ladrão!

Quem pensa que foi a simpática presidente de uma ainda mais simpática autarquia do Norte que inventou e deu a conhecer ao mundo essa engenhosa criação que dá pelo nome de saco azul, está enganado. Para os ex-combatentes do ultramar, essa entidade é-lhes familiar, apesar de a maioria nunca lhe ter visto o forro! Para os que não sabem, tratava-se de uma espécie de fundo de maneio clandestino e como tal não escriturado, que servia para suportar contas de pequena ou média importância, despesas não elegíveis ou de difícil justificação.
Quem ficasse na liquidatária, liquidava o saco, sendo o respectivo inventário e processo de partilha top secret, como mandava a ética. Afirmam as más línguas que houve quem, através liquidação do saco, se tenha abotoado com umas massas e assim nasceu a atoarda dos apartamentos nas avenidas novas, tantos quantas as comissões.

Ao contrário do ti Manel Carroça, fui sempre saudável e jeitoso de mãos. Em criança, desmontava e reconstruía, geralmente com grande economia de peças, qualquer apetrecho em que pousasse a vista. Aos 11 anos confeccionei a partir de uma lâmina Nacet, a primeira gazua para a ignição do carro lá de casa. Como a sorte nem sempre protege os audazes, foi nessa idade e na qualidade de condutor que tive o primeiro acidente de viação de que resultou um ferido ligeiro, uma cabeça rachada. Apanhei-lhe o gosto. Qualquer chave comum, amorosa e pacientemente desbastada à lima, um apalpa-folgas e até os plebeus clips e corta unhas me permitiam materializar o sonho de montar tudo o que roncasse e bebesse gasolina. Por puro divertimento, fui-me aperfeiçoando. As viaturas de vizinhos e familiares pernoitavam onde acabava a gasosa, mas também podiam aparecer estacionadas sobre os relvados de jardins públicos ou encavalitadas em degraus de igreja.

Aos 17, já me encontrava num escalão mais especializado e competitivo, o das motos. Pilotando uma dessas máquinas, tive outro acidente que me podia ter custado a viola. Safei-me com uma tíbia e peróneo feitos num oito. Fui superiormente tratado pelo senhor Manuel Coelho de Porto de Mós, na altura o melhor endireita da região e, em dois meses, pude voltar ao activo com notável enriquecimento da minha colecção de automóveis escaqueirados. Até que, um encontro imediato de primeiro grau com o homem vestido de preto, no Tribunal Judicial de Ansião, pôs termo a uma promissora carreira. E ainda há quem diga que a juventude de hoje está perdida!

Como as outras, a CCaç 2753 era uma companhia séria, de gente séria, com uma administração acima de qualquer suspeita. Tirando o caso da trombadinha que o Sant’Amaro deu no baú onde o Santa Maria guardava os dólares remetidos pela família da América para o tabaquito, nunca dei conta de que alguém deitasse a unha ao do alheio. Foi por isso que, com surpresa, tomei conhecimento da presença no K3 de um senhor major vindo de Bissau para uma espécie de auditoria às contas da Unidade.

À porta da secretaria, detecto sinais de embaraço. Mãos nos bolsos, cigarro nos lábios à Bogart, o Leanito parece inquieto. E tem razões para isso. Lá dentro, está em jogo a sua reputação de militar impoluto. O Ribeiro mais o Marques, saem a voar baixinho e assim como quem não quer a coisa, vão até ao bar. Sozinho a enfrentar a fera, fica o Mexia. Senhor de uma barriguita cuja bitola já na altura não lhe permitia ver o coiso, transpira que nem um suíno, salvo seja. De cu para o ar e nariz enfiado nas gavetas da mobília, remexe a tralha. Sentado à secretária, entre o divertido e o furibundo, o major tem o ar de quem não acredita no que está a acontecer... o segredo do cofre levou tal sumiço que ninguém o encontra.

Vitor, eis o teu momento de glória, diz-me uma vozita ao ouvido. Agarra-o rapaz, porque esta merda de guerra pode não te oferecer outro. Decido avançar.

- O meu Major dá-me licença?
- ???
- Se me permitisse, gostaria de tentar abrir o cofre.
- Ah, faça favor.

O cofre, um matacão preto em ferro, deve pesar meia tonelada, seguramente. É do tipo monobloco com chave, tranca accionada por um volante central e fechadura secundária comandada por seis roletes alfabéticos. Isto vai ser canja!
Encosto-lhe o ouvido. Acaricio os roletes enquanto lhes observo as folgas e escorrências de óleo, assim como os movimentos quase imperceptíveis determinados pela pressão da tranca. Em menos de cinco minutos, o sistema rende-se. O major, excitadíssimo, salta como perdigueiro em cima da caça. Era vê-lo a farejar caixas, envelopes, papelada.

Inchado que nem um peru, afivelo uma expressão de fingida modéstia e peço autorização para me retirar. Preparado para receber o aplauso e agradecimento da multidão, muito justamente devidos a quem deu provas de tamanha expertise. Porém, oh mundo ingrato, sinto-me fuzilado pelo olhar reprovador do Leão que, do alto do seu metro e sessenta e cinco, resmunga entre dentes:

- O meu Alferes arranjou-a bonita, arranjou. Olhe, depois não se esqueça de dizer que a comida não presta.

Dizendo isto, saca a mão do bolso e vira-me a palma: R…S…T…
De braço dado com o major, lá se foram até Bissau os oito contitos do saco azul.

Nota: Personagens e glossário, pela ordem em que aparecem no texto:

Carroça – é a alcunha pela qual o senhor Manuel é mais conhecido.
Ratado – roubado no peso.
Com gola – mal cheio. Também se diz com fita.
Penalty – copo de 2,5 dl de vinho
Apalpa-folgas – instrumento semelhante a um canivete suíço com várias lâminas de aço, muito finas. Serve para ajustar a folga das válvulas na cabeça dos motores.
Manuel Coelho – o nome e morada são verdadeiros, assim como o facto de ter sido ele quem me tratou. Se tivesse ido para o hospital, o mais certo seria ter ficado coxo para o resto da vida.
Ansião – concelho do distrito de Leiria a que pertencia a minha freguesia, Chão de Couce. O julgamento deu-se em 1966. Estava relacionado com um passeio numa moto emprestada. Fui julgado à revelia (ai não…) e absolvido!!! E ainda há quem não acredite na justiça.
Sant’Amaro – por razões óbvias, o nome do santo não é este. O rapaz ganhou a alcunha porque logo no segundo dia de recruta, alegando o cumprimento imperioso e urgente de uma promessa ao tal santo, fez um peditório junto dos camaradas cujo produto gastou em vinho, cerveja e cavacos (marisco açoriano). Andou grosso durante uma semana. Após o saque irregular, não se conteve e viajou até Farim onde adquiriu alguns bens na casa Libanesa. A operação policial posta em campo descobriu rapidamente o rato através dos sinais exteriores de riqueza. Teve uma rebanhada de filhos, quase todos a residirem na América, aos quais se juntou recentemente depois de uma vida como pescador em Vila Franca do Campo.
Santa Maria – alcunha verdadeira do soldado Alves por ser natural daquela ilha, único aliás, na Companhia. Era um garnisé, asmático, incapaz de dar dois passos sem ficar com os bofes à boca. Contudo, fumava dois maços de tabaco por dia. Só por milagre é que ainda poderá estar vivo.
Bogart – Humphrey Bogart
Leanito – 1º Sargento Leão. Alentejano de Portalegre, andaria pelos cinquenta anos. Bom homem, faleceu há mais de duas décadas.
Ribeiro – 2º Sargento do QP. Fino que nem um rato, chegou a Chefe. Vive Lordelo do Campo, próximo de Vila Real.
Marques – amanuense, de Rio Maior.
Mexia – 2º Sargento do QP, alentejano de Vila Boím. Um gajo porreiro. Vi-o pela última vez há cerca de quatro ou cinco anos. Devido ao excesso de peso (200kg?), andava a ser seguido numa consulta de endocrinologia em Santa Maria.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3585: Histórias de Vitor Junqueira (11): Um conto (triste) de Natal

Guiné 63/74 - P3607: Historiografia da Presença Portuguesa em África (12): Cónego Marcelino Marques de Barros (1844-1928) (Beja Santos)



Dois documentos extraídos do artigo "Antiguidades do Ultramar: II. Organizações das Missões da Guiné (Projecto de 1880)", por António Lourenço Farinha, antigo missionário em Moçambique. In: O Missionário Católico, de 1931, p. 155. Fotografia do Cónego Marcelino Marques de Barros (1844-1928) e início de uma pequena resenha biográfica.


Imagens: © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados


1. Mensagem do Beja Santos, de 29 de Setembro último:

Historiografia da presença portuguesa (*) > Cónego Marcelino Marques de Barros, uma das glórias da Guiné

A história cultural de Guiné-Bissau tem algumas figuras incontornáveis e uma delas é Marcelino Marques de Barros[ 1844-1928] (**), que foi Vigário Geral, sócio correspondente da Sociedade de Geografia de Lisboa, onde publicou alguns dos seus mais brilhantes trabalhos.

Natural de Bissau, onde nasceu em 1844, estudou em Cernache do Bonjardim, no Colégio das Missões, onde se preparou para ser missionário. Em 1868 trabalhou entre os Felupes, no norte. Após 11 anos de trabalho exaustivo, voltou a Portugal em 1867 e daqui regressou à Guiné por onde se conservou por mais 7 anos.

Voltou ao colégio que o educou e aqui escreveu obras de uma importância transcendente para o conhecimento da corografia, línguas nativas, plantas medicinais, topografia, hidrografia, usos e costumes, dicionário de crioulo e uma colectânea de contos, parábolas e cantigas dos nativos, que a critica literária do seu tempo, (finais do século 19, princípios do século 20) elogiou entusiasticamente.

Encontrei em O Missionário Católico, de Março de 1931, uma das raras fotografias do Cónego e um texto de um importante historiador das missões portugueses, Padre António Lourenço Farinha, acerca de um projecto datado de 1880, de autoria de Marcelino Marques Barros, referente à organização das Missões da Guiné e dirigido ao Bispo da Diocese de Cabo Verde.

Como é muito próprio da sua personalidade, o prelado identifica logo a região: a Guiné e os seus rios; as ilhas e o arquipélago dos Bijagós; os povos (Ariatas, Felupes, Mandingas, Fulas, Banhuns, Cassangas, Papéis, Balantas, Bijagós, Biafadas e Nalus), as freguesias, as pontas. Refere os grumetes (***) como a parte da população mais capaz de aderir ao catolicismo, chama-lhes mesmo "o verdadeiro povo português indígena, e o que mais tem concorrido para engrossar todos os nossos presídios ou vilas contra as quais se revoltam tantas quantas vezes se julgam nos seus interesses ou interesses dos seus avós feridos".

É para estes e para os animistas que o prelado envia um projecto das organizações católicas. Vale a pena apreciar o teor da sua proposta, sinteticamente.:

(i) Os párocos e vigários deveriam ser formados num Seminário Diocesano, e ser oriundos da Guiné;

(ii) Os jovens seriam inicialmente educados num pequeno colégio, todos os régulos deveriam enviar 2 ou 3 dos seus filhos para o Colégio Central das Missões, no Reino;

(iii) Aqui deveriam aprender a falar correctamente o português e também medicina e agricultura;

(iv) Viriam depois para a Guiné acompanhados de mestres de ofícios, como pedreiros, carpinteiros e ferreiros, de preferência europeus;

(v) Como os povos guineenses adoram música, nenhum missionário poderia vir para estas paragens sem saber tocar harmónio, harpa ou flauta;

(vi) Os candidatos a missionário deviam ser escolhidos preferencialmente entre Felupes, Papéis, Bijagós, Balantas e Biafadas, visto serem estas as nações que mais se facilmente se cristianizam;

(vii) Certamente recordado da boa recepção que encontrou entre os Felupes, descreve e região como apropriada para o primeiro esforço missionário; fala de aspectos administrativos, logísticos e organizacionais que, como é óbvio, não tem para aqui interesse; e entre alguns aspectos dignos de investigação, o prelado refere "a ponta de S. António, junto ao reino do Xime, cujo a mina de ouro fez a fortuna dos espanhóis noutras eras e cujo príncipe Manuel Maneu, filho de Galen e de Arajé foi por mim baptizado aos 19 dias do mês de Setembro de 1871".

Fora do contexto desta carta, o padre António Lourenço Farinha diz que a Guiné, por motivos de insalubridade, nunca foi muito cobiçada pelos missionários desde os primeiros séculos da colonização, e desenvolve argumentos sobre a missionação da Guiné cujo teor deixaremos para mais adiante, quando aqui se falar de um conjunto de investigações do Almirante Avelino Teixeira da Mota subordinadas ao título "As Viagens do Bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné".

Beja Santos (*** *)
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 9 de Dezembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3589: Historiografia da presença portuguesa (11): Filatelia do 5º Centenário da Descoberta do Território, 1446/1946 (Beja Santos)

(**) Vd. também os seguintes sítios:

Dioceses da Guiné-Bissau > Evangelização > História

Instituto Camões > Leopoldo Amado > A Literatura Colonial Guineense

União dos Escritores Angolanos > Jurema José de Oliveira > As Literaturas Africanas e o Jornalismo no Período Colonial

(***) Do Ing. groom mate, rapaz ajudante; s. m.,
praça de marinha de graduação inferior a marinheiro e superior a aluno marinheiro;
habitante de Cacheu, na Guiné-Bissau.(Fonte: Priberam Informática)

Vd. também Vidas Alternativas > Beja Santos > A GUINÉ DOS GRUMETES, DOS ESCRAVOS E DOS PRESÍDIOS

(****) Vd. ainda os postes de:

14 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3316: O meu baptismo de fogo (9): Missirá, Cuor, 6 de Setembro de 1968 (Beja Santos)

14 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3206: Antropologia (11): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.

Guiné 63/74 - P3606: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (5): O Meu Pedido de Natal (Rui A. Ferreira)


1. Mensagem do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira, Ten Cor Ref (*), com data de 7 de Dezembro de 2008, enviando-nos este poema de sua autoria, alusivo à quadra natalícia:

Com os meus mais sentidos, sinceros e fraternais votos de Bom Natal e que o novo ano traga a cada um o que mais deseja aqui vos deixo



O meu pedido de Natal
por Rui Ferreira

Já nem sei se foi real
ou num sonho louco que tive,
ter tido especial visita
da fada magna que habita
nos planos do sobrenatural.

Que me afirmou deferente,
quando o espanto mal contive,
ter sido o feliz escolhido
para um desejo ver cumprido,
pra isso estava ali presente.

Pensei então que da mocidade
entre muitas coisas retive,
a esperança de poder legar
a minha forma invulgar
para se salvar a humanidade.

Que para cada um fosse habitual
e em cada dia que se vive,
tudo fazer com a alegria,
o doce encanto e a magia
duma noite de Natal.


Um grande abraço do
Rui Alexandrino Ferreira
____________

Notas de L.G.:

(*) O Ten Cor Ref Rui A. Ferreira tem duas comissões na Guiné, primeiro como Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e depois como Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72. Fez ainda uma comissão em Angola, como Capitão.

Publicou em 2001 a sua primeira obra literária, "Rumo a Fulacunda".

Vd. poste de 4 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3169: Blogpoesia (23): Amálgama de sentimentos e emoções...(Rui A. Ferreira).

Vd. último poste da série de 11 de Dezembro de 2008 Guiné 63/74 - P3599: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (4): Victor Condeço, Catió, Ex-Fur Mil Mec Arm, CCS/BART 1913, Catió, 1967/69

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3605: Blogoterapia (81): Sempre gostei do meu país mas nem de todos os que cá vivem (António Santos)

1. Mensagem do António Santos (*), com data de 30 de Novembro:


Eu sou daqueles que falo pouco, observo e gosto mais de actuar, por vezes nem penso, e já sofri na pele por ser assim, inclusive monetariamente.

Fala-se tanto dos que passaram ao lado da guerra, por isto ou por aquilo, não interessa agora para o caso o porquê, recentemente veio juntar-se aquela frase escrita por um olheiro do nosso blogue - "velhos a lamentarem-se", ou coisa parecida... Não merece importância.

Bem vamos ao assunto que me leva desta vez a falar, escrever, primeiro. Há dias ouvi na Antena 2 uma entrevista com o Artur Agostinho, em que a dado momento disse "que gostava de PORTUGAL e não de muitas pessoas". Ora esta frase despertou em mim certas lembranças que passo descrever: eu também sou como o Sr. Artur, gosto muitíssimo de Portugal e não gosto de muitas pessoas, especialmente se são políticos, dou valor aos amigos do seu amigo, esses sim é que têm valor.

Tenho um tio que esteve na Guiné, em 63/65, na CCAÇ 557, companhia do nosso camarada José Colaço. Depois de regressar, passado algum tempo foi clandestino para França, a salto, como todos os outros, antes do tratado de Maastritch, e ainda la está.

Quando estava a aproximar-se a data de eu ser forçado a dar o nome para a tropa, ele apareceu e quis levar-me com ele. Pois já adivinharam que não conseguiu que eu fosse, primeiro por que gosto muito da minha terra, depois não me estava a ver viver noutro país que não o meu e na altura a Guiné, para onde acabei também por ir parar, diziam ser Portugal. Ele bem que me contou coisas da guerra da Ilha do Como e não sei mais quê, mas... não me demoveu.

Não sou herói, porque não os há, há sim indivíduos mais corajosos que outros, indivíduos que perante certas situações se transcendem e/ou se passam dos carretos, e cometem actos de bravura, mas nem sempre são os medalhados.

Tudo isto para dizer que Portugal é um país muito querido, antigo como poucos e com muita História, aqui sim com H grande.


A. Santos
SPM 2558

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Notas de L.G.:

(*) Ex-Sold Trms, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego, 1972/74; membro da nossa Tabanca Grande desde 15 de Maio de 2006; residente em Caneças, concelho de Odivelas.

Vd. último poste do A. Santos > 21 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3496: Hospital Militar Principal: Fazendo mini-caixões antes de ser mobilizado (António Santos)

(**) Vd. último poste desta série > 5 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3566: Blogoterapia (73): Um elogio vindo da Bélgica (Soldado Carvalho / Santos Oliveira)

Guiné 63/74 - P3604: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (15): Eu, o Duarte, o Coelho, o Nico... mais o Jubilé do Honório (Jorge Félix)

S/l > 29 de Novembro de 2008 > O Jorge Félix, o primeiro da primeira fila, à esquerda, mais um grupo de camaradas, todos antigos pilotos da FAP que passaram pela Guiné de 1968 a 1970.


Foto: © Jorge Félix (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem, com data de 30 de Novembro, enviada pelo Jorge Félix, ex-Alf Mil Pilav Heli Alouette III (BA 12, Bissalanca, 1968/70), membro da nossa Tabanca Grande e da Tabanca de Matosinhos, residente em Vila Nova de Gaia


Caro Luís:

Segue uma foto, arrancada no último 29 de Novembro de 2008, com um grupo de pilotos que voaram pelos ares da Guiné nos anos de 68/69/70. Alguns dos nossos tertulianos devem conhecê-los, com um pouco de esforço e 40 anos em cima. Eu, o Duarte e o Coelho voavam helis. Os restantes voavam T6 e o Nico também voava Fiats, ou para os mais puristas, era piloto de Fiats e também voava T6.

Esteve lá mais malta que te enviarei se achares apropriado. Não voaram nas bolanhas, um pecado ...

Falou-se de guerras imperdíveis (*)...

Pedias-me há dias uma explicação sobre o nome de guerra do Honório (**). Segue-se o esclarecimento: quando eu e o Pinto fomos render o Arada e Ruana, quem tinha o nome de Guerra de Jagudi era o Arada. Era o mês de Setembro de 68.

O Honório até esta data utilizava o Jubilé como nome de guerra. Eu desconhecia isso, pois não estava lá. Os anos já lá vão, mas na ideia ficou-me que o Honório se auto-intitulava de o verdadeiro Jagudi. Devo ter-lhe escutado falar para a torre como sendo o Jagudi. Neste encontro com malta da Guiné fui esclarecido por gente que tem melhor cabeça que a minha que o indicativo do Honório era Jubilé.

Se na altura soubesse disto era eu que me intitularia como sendo o Jagudi. Fica para a proxima.

Este mail vai também para a nossa Tabanquinha de Matosinhos.

_____

Notas de L.G.:

(*) Vdf. úkltimo poste da série > 1 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3546: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (14): Em Junho de 69 havia bajudas a alternar no Tosco, na Conde Redondo (Jorge Félix)

(**) Vd. postes de:

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)

6 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3412: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (11): Ainda o Honório, o Jagudi... ou o puro gozo de voar (Jorge Félix)

Guiné 63/74 - P3603: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (13): Quatro actos para um ponto de vista...

Azar! Consegui chegar ao UMBIGO nº. 13.

Especialmente para o Luís: Obrigado pelas referências aos meus textos.
Para todos UM ABRAÇO do
Alberto Branquinho


NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (13)

QUATRO ACTOS PARA UM PONTO DE VISTA

ACTO 1 – In-formação

No bar da messe de oficiais de sede de batalhão, estavam um jornalista e o seu “cameraman”, encostados ao balcão, bebericando whisky com gelo. Tinham chegado nessa tarde, na Dornier do correio. Aliás, a tez pálida de ambos denunciava que não eram gente da terra nem da guerra. Faziam horas para o jantar.

Entrou um alferes em traje civil, que se sentou ao balcão.
- Boa tarde, cumprimentou-os. – Oh Bigodes, sai um whisky com Pérrier.
- E gelo?
O alferes fez que sim com a cabeça.
O jornalista aproximou-se:
- Permita-me que me apresente. Sou Amplexo da Silva do “Notícias Dia-a-Dia”.
- Alferes… quer dizer, Manuel Gonçalves. Prazer.
Cumprimentaram-se.
- O prazer é meu, em estar aqui entre combatentes da Pátria. Estou, quer dizer… estamos em missão de reportagem sobre a guerra na Guiné.
- Guerra?! Oh senhor jornalista, afinal há guerra aqui? O que aqui temos é uma insurreição armada, vinda e alimentada do exterior.
- Pois, mas há acções armadas, tanto quanto sei e eu sou… repórter de guerra.
- Mas o senhor sabe que aqui não há guerra, segundo a TV e os jornais da Metrópole.
- Já tive o prazer de conversar com o Senhor Comandante do Batalhão, a quem venho recomendado. Amanhã vou ter um briefing com o Sr. Oficial de Operações e depois de amanhã espero sair para o mato com uma unidade operacional, para sentir a realidade.
- Eu disponho-me já para o enquadrar no meu pelotão quando formos para uma zona de… porrada. Não é preciso ir muito longe.
- Sr. Alferes, muito obrigado. Vou falar da sua disponibilidade ao Sr. Comandante. Para onde o Sr. Alferes sugere que se deva ir?
- Sabe, estas coisas não dependem de irmos para norte ou para sul. Depende mais das fases da lua, da orientação do vento ou da humidade do ar…Com sorte ou com azar, pode alcançar a verdade e a vida a pouco mais que quatro/cinco quilómetros. Sempre será melhor que estar para aí a filmar a mata com meia dúzia de figurantes de armas na mão, tendo o homem da câmara encostado ao arame farpado…

Quando o Comandante chegou para jantar, convidou o jornalista para a sua mesa.

No dia seguinte o Comandante mandou chamar o Capitão Gomes. Disse-lhe para, com cuidado, dar umas voltas com o jornalista pelas tabancas mais próximas e terminou:
- Faça-me o favor de dizer ao seu alferes Gonçalves para ter tento na língua.

ACTO 2 – Passeios

A Dornier sobrevoou o aquartelamento e começou a fazer uma volta larga, para aproximação à pista.
- Segurança à pista!! Olh'ó correio!
Mal a aeronave descolou e tomou altura, abandonaram as posições defensivas à volta da pista e regressaram, ansiosamente, ao quartel.
Imediatamente o escriturário, à porta da secretaria, começou a gritar os nomes dos destinatários das cartas e aerogramas, à medida que os retirava do saco. Tinha à sua frente um amontoado de caras ansiosas, que levantavam a mão e empurravam os outros, quando ele berrava um nome.

O Fabiano recebeu o aerograma e afastou-se, com o coração aos pulos. Sentou-se contra uma parede e, ao abri-lo, quase rasgou a folha de papel. Começou a ler: “ Tu dizes que sais para batidas, patrulhas, operações e emboscadas. Ainda dás uns passeios. Eu para aqui estou e é só de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Passear, passear é só à missa nos domingos e……”
Voltou atrás para ler de novo.
Desolado, amarrotou o aerograma com a mão direita e ficou longo tempo a olhar para as biqueiras das botas.
Nunca mais escreveu.
Na aldeia constou que tinha morrido.

ACTO 3 – Conselhos de mãe

O Capitão, apontando no mapa colocado na parede, fazia, depois, uns traços, círculos e semicírculos sobre o papel branco colado ao lado, expondo aos quatro alferes o plano e a missão de cada um dos quatro pelotões quanto à operação que a Companhia iria executar, com a duração de três dias, saindo do quartel às três horas da madrugada.
Acabada a explanação, perguntou:
- Alguma dúvida?
- Meu capitão, eu não posso ir, disse o alferes Branco.
- Deixe-se de merdas! Porquê?
- Recebi hoje uma carta de minha Mãe, que me diz para eu não sair à noite e não apanhar muito sol.

ACTO – O problema é de “isolamento”

A professora de ensino primário, a exercer numa localidade próxima da fronteira com Espanha, lia pela terceira vez a carta acabada de receber:
“Prima Isabel,
Estou cansado, saturado e desiludido com tudo isto aqui na Guiné, para não falar da brutalidade e dos riscos que aqui corremos. Depois te contarei em pormenor.
Não sei se já te disseram que vou aí de férias em Julho.
Queria pedir-te que vás pensando e, com cuidado, fazendo contactos para me arranjares um “passador” que me leve para Espanha e, depois, me entregue a alguém que me passe para França. Preferia que fosse para o sul de França, saindo pela fronteira a norte de Barcelona, para, depois, ir para Marselha, onde tenho uns amigos.
Não fales disto a ninguém da Família, muito menos à minha Mãe ou ao meu Pai.
Um beijo do
Augusto."

A prima acabou de ler e ficou a olhar pela janela. Ao fundo, no horizonte, eram terras de Espanha.
Não demorou a resposta. Foi no dia seguinte. Com a autoridade que assumia por ser uns anos mais velha, foi assim:
"Augusto,
Tens que ter paciência e, além disso, ter juízo. Já viste o disparate que ias fazer?
Eu também estou para aqui isolada no meio da serra e só vou à Guarda de mês a mês. Daqui a dois anos espero ser colocada numa ……"
__________

Notas de vb:

1. Alberto Branquinho foi alf mil da CArt 1689, 1967/69. Andou por Gandembel, Empada, Bambadinca, Buba, Bedanda, Bafatá, Banjara...

2. para além de trabalho é uma diversão publicar estes "umbigos" do Alberto Branquinho. A série pode ser vista/revista em

2 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...

Guiné 63/74 - P3602: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (5): Bula - Gratidão


Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72

1. Mensagem de Luís Faria com data de 6 de Dezembro de 2008:

Caro Vinhal e Luis

Antes de mais, obrigado por terem publicado as duas imagens que pedi. Agradeço no entanto que a do emblema seja sempre publicada, mas trocada pela que enviei e é original (as cores são diferentes). Peço isto na esperança de que ela chame a atenção de mais algum camarada da CCaç 2791, de alguém relacionado ou que lá se
tivesse cruzado connosco e que possa vir também a contribuir com os seus dizeres.

Segue o capítulo 5.º das Viagens à volta das minhas memorias

Um Alfa Bravo a todos
Luis S Faria


Bula – Gratidão

Novembro foi o mês de adaptação à nova realidade, sobreposição com a velhice do BCav 2628 que nos mostrou parte da zona e passou o testemunho.

É altura de apresentar os Quadros iniciais da CCaç 2791, que muito contribuíram para a sua coesão e muito bom desempenho:

Comandante:
Cap Mil Art Mamede de Sousa (Arqt.º - casado)

Operacionais:

1.º GCOMB
Alf Mil Op Esp J. Manuel Quintas (casado)
Fur Mil Joaquim Mesquita
Fur Mil Luís Madaleno

2.º GCOMB
Alf Mil Caetano de Barros (Guineense)
Fur Mil Op Esp Carlos Castro
Fur Mil Santos Marques

3.º GCOMB
Alf Mil Ornelas Gomes
Fur Mil Amaral Almeida
Fur Mil Francisco Ferreira

4.º GCOMB
Fur Mil Luís Faria
Fur Mil Jorge Fontinha
Fur Mil Moura Chaves

Não operacionais

2.º Sarg Francisco Guerreiro
2.º Sarg Simão Bastos
Fur Mil Enf Urbano Silva
Fur Mil Trms Luís Lourenço
Fur Mil Vag A. Belchiorinho
Fur Mec Joaquim Mealha

Nota :
Aos Praças da 2791 (Força) , de quem no geral muito me orgulho e a quem, como disse o Urbano em comentário, ficou gravado parte do mapa da Guiné debaixo da pele, não os menciono aqui por a lista ser muito extensa. Alguns serão evocados / retratados ao longo dos capítulos que se irão seguir.

Aos furiéis não operacionais devo, para além da amizade, o meu agradecimento por todo o apoio de retaguarda que nos foi indispensável nas nossas deambulações pela Guiné:

Ao Mealha, algarvio de Estói que ao que sei, recebeu algumas viaturas em peças, não se chateou muito. Quantas mais, mais trabalho vão dar!! Partindo deste pressuposto deitou mãos à obra com os seus muchachos e de duas GMC conseguiu montar uma. Jipe Willys, isso era um luxo desnecessário e como tal só houve um para o Capitão. Unimogues… isso sim, eram muito necessários e como tal andavam sempre um brinquinho.

Era uma jóia e toda a gente gostava dele inclusive as Bajudas! (... Onde pára o Mealha?... se calhar foi à tabanca esvaziar óleo !!!?) Gostava de se embrenhar sozinho, a pé ou de GMC, pela povoação e uma noite que foi à fonte onde nos abastecíamos de água e pelos vistos o IN também, teve que se pirar à pressa para não ser apanhado à mão, disse!

Passou a ter mais cuidado, mas não parou.

Para além destes gostos, também era ferrinho nas Cerimónias, e julgava-se exímio a tocar na minha viola, que só arranhava com um dedo !!

E era este, numa pincelada geral, o Joaquim dos Santos Mealha daqueles tempos.

Desde o regresso, nunca mais soube nada dele, procurei-o via telefone, pessoalmente em Estói, mas nada consegui. Se algum Tertuliano souber algo, agradeço.

Ao Lourenço (Metralhinha), que com aquele seu ar ensimesmado por detrás dos grandes óculos que lhe davam um aspecto de Irmão Metralha intelectual, lhe conferiam o estatuto do eu é que sei…(?!) e que por vezes sabia ser chato, corrosivo e exasperante com’o caraças, que não só gostava de olhar de ladegos para as Bajudas (…o Metralhinha? …acho que foi à cagadeira…! !?), mas também apreciava uma boa Cerimónia.

Também era, diga-se, um fotógrafo de truz e a sua máquina - creio que Pentax - era uma companheira pronta a entrar em acção.

No que tocava a equipamento de transmissões o Lourenço não deixava os créditos em mãos alheias e que me lembre, nunca tive um problema de recepção / emissão com os banana, o que foi muitas vezes importantíssimo. Como ele dizia… são os cristais,…são os cristais… ! .

Actualmente pertence aos quadros da PT e por vezes encontramo-nos em almoços da Companhia.

Ao Belchiorinho, alentejano de Évora, que com a sua educação, honestidade, benevolência, pacatez e simplicidade era querido de toda a Jericada (rapaziada -Castro). Não gostava que o pessoal passasse fome, e como tal fazia vista grossa aos assaltos ao Depósito de géneros, para que pudessem alimentar o corpo e o espírito! Quem não achava muita piada a isto, era o Sarg Guerreiro que estava sempre a por o desgraçado do Belchiorinho à pega. E este por sua vez mandava-o p’ro caraças em pensamento e refugiava-se numa bazucada!

Nas Cerimónias era presença assídua e alegre e ainda hoje não falha, com a Esposa, a um almoço da Companhia ou do Batalhão. Eng Téc Agrónomo é Funcionário Público em Alcácer do Sal.

Ao Urbano, nortenho de Salreu, com o seu olhar perspicaz, observador atento de fisionomias e de estados de espírito, era o nosso Doutor carismático e amigo. De forte carácter e personalidade vincada não se deixava enrolar pelo pessoal, mas zelava diligentemente pela nossa saúde e pelas condições higiénico - sanitárias do pessoal, que defendia numa base de Justiça, fosse contra quem fosse! Desde obrigar a tomar o quinino às vistorias ao pessoal e ao abastecimento medicamentoso dos enfermeiros dos GComb, nunca nada faltou.

De andar gingão à cowboy cirandava pela povoação, em contacto directo com a população, observando e conhecendo. Muitas estórias pode contar…! Com a sua faca de caça submarina, treinava o lançamento comigo e era difícil falhar o alvo a 10/11 passos. E poker de cartas? Vá lá vai… os Capitães que o digam!! Para além do mais, também era ferrinho nas Cerimónias em que sobre assuntos da Companhia era fácil ouvir-lhe o vai -te f… não sabes nada…eu é que sei..!! e desbobinava o acontecimento.

Assim era o Urbano, grande amigo com quem volta e meia me encontro, juntamente com mais meia dúzia de Ex-2791 em almoçaradas bem animadas.

A todos eles mais uma vez o meu muito obrigado

Entretanto, os operacionais, coadjuvados pelos eteranos, foram fazendo segurança às colunas, umas patrulhas e emboscadas ao longo da estrada Bula –S. Vicente e um verdadeiro tirocínio aos ataques cerradíssimos de milhares de esquadrilhas de mosquitos que, quais kamicazes, atazanavam a paciência dos mais serenos. Dita a sabedoria que se gostarmos muito de uma comida e a tivermos em demasia, enjoamos e não queremos mais (origem L.F.).Seguindo esta douta máxima, o que comecei a fazer para enjoar os kamicazes e ao mesmo tempo dar exemplo de auto - domínio ao pessoal, foi desabotoar o camuflado e oferecer-me de peito aberto à voragem voadora! E não é que resultou?! Ao fim duas ou três noites já nem os sentia!! Até fazíamos apostas!!!

Nota:
Cerimónia - Reunião do pessoal à volta de uma ou mais garrafas com conteúdo alcoólico, se possível (não obrigatório) com alguns elementos sólidos a acompanhar e em que a motivação principal era dar asas ao nosso stressado Eu. Seguem-se exemplos…!

Bula > Cerimónia - Início

Bula > Cerimónia - Meio

Bula > Cerimónia - Fim


ATENÇÃO
PROCURA-SE para UM ABRAÇO


Joaquim dos Santos Mealha, ex-Fur Mec da CCAÇ 2791

Um abraço à Tertúlia
Luís S Faria
_________________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3574: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria ) (4): Conhecer a realidade de Bula

Guiné 63/74 - P3601: VIANA/CACHEU - Construir um abraço - 20 anos de Geminação/8 de Cooperação

1. Recebemos hoje do nosso camarada José Teixeira, uma mensagem que trazia anexo este programa de actividades da Associação de Cooperação com a Guiné-Bissau. Como achamos interessante a sua publicação e, porque muitas actividades ainda se vão prolongar até Janeiro de 2009, aqui o deixamos.



VIANA/CACHEU Construir um abraço

20 anos de Geminação / 8 de Cooperação



Data Actividade de 05/12/2008 a 17/01/2009

05/12/08 às 21h45 - Cinema Guineense

Bissau d´Isabel, de Sana Na N´Hada (2005)

Colaboração da Ao Norte, No Auditório do Grupo Desportivo e Cultural dos Trabalhadores dos ENVC

12/12/08 às 21h45 - Documentário José Carlos Schwarz – a Voz do Povo, de Adulai Jamanca (2006)

Colaboração da Ao Norte, No Auditório do Grupo Desportivo e Cultural dos Trabalhadores dos ENVC

13/12/08 às 10h – Abertura da Exposição “Viana-Cacheu: Construir Um Abraço, 20 anos de Geminação / 8 de cooperação” nos Antigos Paços do Concelho, Praça da República

15 a 18/12/08 às 9h30; 11h; 14h30 e 16h
Visitas orientadas para alunos e professores das escolas (pré-inscrição)

19/12/08 às 21h45 - Documentário “As duas Faces da Guerra”, de Diana Andringa e Flora Gomes (2007)
Colaboração da Ao Norte, No Auditório do Grupo Desportivo e Cultural dos Trabalhadores dos ENVC

20/12/08 FÓRUM “Abraçar a Guiné - 2008”
Cooperação Internacional e Direitos Humanos
Local / Museu de Arte e Arqueologia/ Viana do Castelo

9h – Recepção

9h30 - Sessão de Abertura

9h45 – Painel Cooperação Internacional e Direitos Humanos

Cooperação Internacional - Professor Carlos Teijo Garcia (Faculdade de Direito/Universidade de Santiago de Compostela).

África: Cooperação e Direitos humanos – Pedro Neto (Formador e gestor do sector de voluntariado) e Joana Prata (Acessoria Jurídica e de Direitos Humanos na ONGD ORBIS )

11h00 – Intervalo para café

11h30 - Testemunhos de cooperação na Guiné

Humberto Vitorino
(ONGD “Saúde em Português” )

Sónia Pinho
(ONGD “ORBIS” )

Júlio Santos
(ESE e ONGD “ISU” Viana

12h30m – Debate

13h00m – Encerramento da sessão da manhã / almoço

15h00m - Cacheu, hoje - Leonel Baticã Ferreira (Vice-Presidente da AFASCA/Cacheu)

15H30m - ACGB – Cooperação com Cacheu / Do passado ao futuro:

-Visita guiada à exposição (vídeo)
-ACGB – o futuro

17h00 – Debate

17h30m – Encerramento

04/01/09 às 21h30 – Espectáculo com Música Guineense (a confirmar)
… a favor da Construção da Maternidade de Cacheu

Teatro Municipal Sá de Miranda

15 ou 16/01/09
OBS.: data a confirmar

21h30m – Painel com:
Comércio Justo
Manuel Pinto (Equação,CRL)

Micro-crédito
Manoel Pombal (Associação Nacional de Direito ao Crédito)

Antigos Paços do Concelho

De 12 a 16 Janeiro de 2009 às 9h30; 11h; 14h30 e 16h
Visitas orientadas para alunos e professores das escolas (pré-inscrição)

CONTACTOS

* ACGB / Associação de Cooperação com a Guiné-Bissau

Tel. 966057830; e-mail: cdaponte@portugalmail.pt

* GRIC / Gabinete de Relações Internacionais e Cooperação e Secretariado das comemorações dos 750 anos de Viana do Castelo

Tel. 258 820 678 Fax. 258 824 223 e-mail: gric@cm-viana-castelo.pt
______________

Nota de CV:

Vd. poste de 20 de Outubro 2005 > Guiné 63/74 - CCLI: Cooperação, caridade ou negócio ? (2)

Vd. Apontamento da Rádio Universitária do Minho

Guiné 63/74 - P3600: A propósito do referendo Amigos/Inimigos. António Matos, Bula, ex-Alf Mil da CCaç 2790, Augusto Barros, Bula.

Reflexão


António Matos







Gostava de me reportar à sondagem que está a decorrer sobre a possibilidade da existência ou não de amigos dos dois lados da barricada.

É curiosa a questão, e dá que pensar.

Desde logo a dificuldade em se entender o verdadeiro sentido da pergunta.

1ª Hipótese – é ou não possível termos um amigo que por qualquer razão se passou para o outro lado?

Claro que é! A sua passagem para outro ideal poderá nada ter a ver connosco! Tem a ver com o sistema!

Conclusão: serão amigos em campos diferentes

Neste blog há vários relatos de confrontos que o não foram, aquando do encontro fortuito entre 2 combatentes amigos (mas separados pelo ideário).

2ª Hipótese – equacionar o problema na dualidade de “amigos/inimigos” parece-me um contra-senso.

Inimigo é, por definição, um não-amigo, logo não existem “amigos-inimigos”.
Ou são amigos (e caímos na conclusão da 1ª hipótese) ou são inimigos (que, em guerra, se matarão por verem no outro a razão da sua beligerância).

Em tese, preferiria intitular a questão em amigos e adversários ou então, pura e simplesmente, estamos a falar em inimigos.

Parece-me, contudo, uma discussão demasiado filosófica e os resultados que a sondagem apresenta não se me afiguram claros.

__________

Notas de vb:

1. Referência aos artigos em

30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3544: O segredo de... (2): Santos Oliveira: Encontros imediatos de III grau com o IN

30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3543: O segredo de ... (1): Mário Dias: Xitole, 1965, o encontro de dois amigos inimigos que não constou do relatório de operações

2. Do Autor em

10 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3596: O famoso desenrascanço...(António Matos)

Guiné 63/74 - P3599: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (4): Victor Condeço, Catió, Ex-Fur Mil Mec Arm, CCS/BART 1913, Catió, 1967/69


1. Mensagem, com cartão de boas festas, do Victor Condeço (*), enviada a 7 de Dezembro:

Que a alegria do Natal ilumine os vossos espíritos trazendo a todos um sorriso. E que a esperança que esta data nos traz, transforme em realidade todos os vossos sonhos de alegria.

São os meus votos sinceros para todos os amigos e camaradas da Tabanca Grande e suas famílias.

Victor Condeço

_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 19 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2453: O que fazia um militar da ferrugem como eu ? (Victor Condeço, ex- Fur Mil Mec Armamento, CCS/BART 1913, Catió, 1967/69)

(**) Vd. postes desta série:

6 de Dezembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3575: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (3): A minha mensagem para todos os que passaram pela Guiné. (Valentim Oliveira,Oio,Como)

5 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3571: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (2): Onde pára o espírito do Natal? (António Matos)

3 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3558: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (1): Está na Hora (Santos Oliveira)

Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite




Guiné > Zona Leste > Bafatá > CCAÇ 557 (1963/65) > Resultado de um aula de fula, dada por um prisioneiro do PAIGC durante a noite em que o Sold Trms José Colaço, por ordem do comandante, teve de fazer o papel de carcereiro, fazendo horas para o entregar à PIDE...

Fotos: © José Colaço (2008). Direitos reservados.

1. Texto enviado pelo do José Colaço (*), com data de 3 de Dezembro:

A minha relação com um prisioneiro de guerra durante uma noite em Bafatá (**)

por José Colaço


Uma pequena estória com E mas que também podia ser integrada dentro das histórias com H.

Numa das saídas das explorações que nos eram confiadas, foi apanhado um guerrilheiro e feito prisioneiro.

Quando o pessoal chegou, já era noite. Não eram horas de entregar o prisioneiro à PIDE. Então o capitão lembra-se da brilhante ideia, como o Colaço está de serviço permanente ao posto rádio, fica a guardar o prisioneiro. Ordens são ordens e não há que contestar.

A única alteração foi alterar o local da pistola Walther, pois esta estava sempre pendurada num cabide na parede do posto rádio. Nessa noite andou no coldre mas na cintura do militar.

Era um homem mais ou menos dos seus cinquenta e picos anos. Eram cerca das 3 horas e 30 minutos, depois de termos tido uma conversa, posso dizer de amigos. Olhei para ele, de olhos nos olhos, e notei o seu estado de fraqueza. Fiz-lhe a seguinte pergunta:
- Não tens fome? - Ao que ele respondeu com um sim tímido. Então disse-lhe:
- Fica aí sossegado, está bem ?!, que eu vou arranjar comida.

Na cozinha havia uma celha com bacalhau de molho, a padaria ficava na rua quase em frente ao quartel, fui lá trouxe pão quente, bacalhau que gamei - o que vi que chegava - , no posto rádio havia sempre azeite, vinagre, alho e cebola porque era normal durante a noite o pessoal de serviço fazer aquele petisco - desculpem o nome mas aquilo que se faz à mão (punheta)... Vinho também não faltou.

A seguir, depois da refeição servida no posto rádio, voltou o diálogo e uma lição, uma tradução de fula para português. O prisioneiro ensinou-me como se conta em fula, algumas palavras que na altura me lembrou de perguntar, e que ainda guardo o original, uma folha de bloco em papel fino a que se chamava carta de avião.

Envio também em anexo o original da capa do bloco. De certeza que o camarada Mário Dias vai ver que tem manga de erros ortográficos mas foi o que consegui perceber.
Um alfa bravo.

Colaço

Nota: se os camaradas acharem que merece honras de blogue, publiquem.

_________

Notas de L.G.:

(*) José Colaço, ex-Sold de Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65:

Vd. postes de:

2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2912: Tabanca Grande (73): José Botelho Colaço, ex-Soldado de Trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

(...) José Botelho Colaço, morador em São João da Talha, foi Soldado de Transmissões na CAÇ 557 (1963/65). Embarcou para a Guiné em 27 de Novembro de 1963, chegou a Bissau a 3 de Dezembro e, em 15 de Janeiro de 1964, seguiu de batelão patra Catió. No dia 23 de Janeiro desembarcou numa LDM , com quase toda a Companhia, na mata do Cachil, Ilha do Como, no âmbito da Operação Tridente (Janeiro-Março de 1964), a maior operação realizada no TO da Guiné.

Saiu do Cachil no dia 27 de Novembro de 1964, rumo a Bissau onde a CCAÇ 557 permaneceu cerca de 3 meses. O resto da comissão foi passado em Bafatá de onde saíram em 27 de Outubro de 1965, no final da comissão. De regresso a casa, desembarcou em Lisboa a 3 de Novembro. Foi Técnico Metalúrgico de profissão. Está actualmente reformado. (...)

20 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2970: Ilha do Como, Cachil, Cassacá, 1964: O pós-Operação Tridente (José Colaço)

29 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3099: Os Nossos Regressos (13): Fundeámos ao largo, com as luzes de Cascais...(José Colaço, Cachil, Bissau, Bafatá, 1963/65))

9 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3287: Controvérsias (2): Repor a realidade vivida, CCAÇ 557, Cachil, Como, Janeiro-Novembro de 1964 (José Colaço)

19 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3334 O meu baptismo de fogo (14): Cachil, Ilha do Como, meia-noite, 25 ou 26 de Janeiro de 1964 (José Colaço)

(**) Vd. postes anteriores desta série:

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3578: O segredo de... (3): Luís Faria: A minha faca de mato

30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3544: O segredo de... (2): Santos Oliveira: Encontros imediatos de III grau com o IN

30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3543: O segredo de ... (1): Mário Dias: Xitole, 1965, o encontro de dois amigos inimigos que não constou do relatório de operações

Guiné 63/74 - P3597: O meu Natal no mato (13): De Cutia (1970) ao CAOP1, em Teixeira Pinto (1971) (Jorge Picado, ex-Cap Mil)

Foto 1 > CAOP 1. Teixeira Pinto. A caminho do almoço de Natal de 1971. Da esquerda para a direita respectivamente, Cmdt do BCaç 3863 (?), Cmdt do CAOP Cor Pára Rafael Durão e Ten Pára da CCP 122.


Foto nº 2 > CAOP 1. Teixeira Pinto. Alguns oficiais do CAOP dirigindo-se para o almoço de Natal de 71. Cap Art Borges, meu camarada de quarto; Maj Barroco, de camuflado; Maj Santos Costa, com a sua inseparável bengala e de quem era adjunto; eu próprio, já bem lavadinho, de barbinha feita e bem vestidinho.


Foto nº 3 > CAOP 1. Teixeira Pinto. Na mesa da presidência distinguem-se: Cor Rafael Durão, de pé; um soldado Pára servindo o Maj Santos Costa; creio que o Maj que substituiu o Maj Inocentes (será o Maj Pára citado por Graça de Abreu no seu livro a pág 18?); o autor. De costas distingue-se um 1.º Sarg Pára.

Fotos e legendas: : © Jorge Picado (2008). Direitos reservados



1. Mensagem de Jorge Picado, ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, com data de 7 de Dezembro de 2008:

Caros Luis, Carlos e Briote

Seguem-se umas simples palavras sobre o tema do Natal e Final do Ano que, de tão repetidas, nada têm de extraordinário.

A novidade está apenas no aproveitar para enviar 3 fotografias da passagem pelo CAOP 1, retratando-se mais alguns rostos de militares que igualmente por lá andavam.

Abraços
Jorge Picado



2. O meu Natal no mato (13) > De Cutía (1970) ao CAOP1, em Teixeira Pinto (1971)
por Jorge Picado

Aproximando-se uma das épocas mais festejadas da Humanidade, Natal (principalmente para o Mundo Católico) e Mudança de Ano (para todos) (1) (2), sempre com o sentimento de que a celebração dum Nascimento e o terminar de Ano Velho sempre cheio do mesmo – miséria, fome, guerra, desnivelamento económico cada vez mais acentuado, apesar dos enormes avanços científicos que quando verdadeiramente se deu o grande salto (pós II Guerra Mundial) diziam ser para beneficio de Toda a Gente, mas que tem sido apenas para os bolsos sempre dos mesmos – em que todos manifestam a esperança dum Renascimento e dum Novo Ano que augure o início do fim de todas as misérias, guerras, mais solidariedade e se entre, já não digo no Éden (porque não sou crente), mas pelo menos num reino de Harmonia e Bem Estar, em primeiro lugar quero desejar a todo o Pessoal da Nossa Tabanca um Bom Natal e que pelo menos o 2009 não seja pior do que este 2008, pois a esperança anda pelas ruas da amargura.

De seguida, contribuir para as memórias das mesmas épocas passadas naqueles tempos da Guiné.

Essas recordações são muito vagas e ao fim e ao cabo iguais hás de tantos outros, ainda que as minhas não fossem tão sofredoras quando comparadas com a daqueles que tiveram de passar longas horas no mato a fazer segurança ou dos que sofreram ataques.

Dobrei dois Anos.

No que diz respeito ao primeiro, finais de 1970, fi-lo numa estância de veraneio , a Pousada de CUTIA.

A ceia de 24, comida como sempre sob a protecção das frondosas (e seculares?) árvores que ladeavam a estrada (era aí a messe e bar desta Pousada), foi naturalmente melhor do que nos outros dias, pois na véspera tínhamos feito coluna a MANSOA para reabastecimento de géneros mais frescos.

Só não recordo se foi uma ceia madrugadora por causa dos que foram emboscar, pois a indicação que tenho na Agenda sucintamente refere para este dia, tal como para o seguinte, [Grupo no Mato (18-24)]. Quer dizer que esteve um grupo fora das 18H até 24H.

É muito mais provável que para equilibrar os serviços, o grupo que foi fazer a segurança externa fosse dos efectivos africanos, já que estes comiam nas suas tabancas e a 25 foram os metropolitanos.

O almoço de 25 foi igualmente melhorado e possivelmente com algum excesso, pelo menos de cerveja. Existe aquela foto que enviei em que algumas mulheres de militares do Pel Caç Nat 61, me cercam contra uma das tais árvores, apadrinhadas pelo Simeão, procurando sacar-me mais alguns pesos para os festejos deles…

O que posso dizer é que não tivemos prendas oferecidas pelos nossos vizinhos do MORÉS, quer a 24 quer a 25.´

Julgava eu que esta falta de prendas tinha por origem o que se passou a 28 e que era para ser a 27, como já contei, mas perante as informações que o Senador Vítor Junqueira fez o favor de nos transmitir, num dos seus saborosos e brilhantes testemunhos, já fico na dúvida se foi afinal devido à boa Actividade Psicológica do Alf Simeão!

A primeira Passagem de Ano e o Dia de Ano Novo, passados igualmente no mesmo local também nada teve de especial, a não ser algum champanhe, para intervalar com as bazucas de cerveja, misturadas com cânticos de saudade e felizmente sem qualquer fogo de artificio, acabando por se recolher cada um ao escuro do bunquer e na solidão da noite carpir as respectivas mágoas. As esperanças eram apenas para aqueles que visionavam o fim do inferno daí a 45 dias.

Na segunda época só me recordo das Festas Natalícias.

A noite da Consoada passei-a, em representação do CAOP 1, no Destacamento do BACHILE, situado um pouco a Norte de TEIXEIRA PINTO na estrada para o CACHEU cujos trabalhos de reabertura e pavimentação decorriam nessa altura um pouco mais a Norte.

Neste aquartelamento estava pelo menos (não tenho a certeza se havia igualmente uma CCaç Africana) uma CCaç cujo Cmdt era o Cap Mil do QC Branco (em 1974, antes do 25ABRIL, vim a reencontrá-lo na minha terra onde veio morar, enquanto esteve colocado no RI de Aveiro onde apanhou a revolução, na qual esteve enquadrado) e que não tenho a certeza se seria a 3461, mas pertencia ao BCaç 3863 que tinha chegado ao Chão Manjaco em 20H30 do dia 24 de Outubro de 1971.

Não resisto a transcrever o que o camarada António Graça Abreu, que chegou ao CAOP 1 cerca de 5 meses depois de eu o ter deixado, escreveu no seu DIÁRIO DA GUINÉ sobre o BACHILE que visitou ao fim de 6 dias.

“O Bachile, um aquartelamento pequeno rodeado por fileiras duplas de arame farpado. Ao lado um reordenamento, isto é, umas dezenas de casas pintadas de branco com telhados de zinco destinadas aos negros que, vindos das zonas libertadas, se apresentam à tropa portuguesa. As casas não estão habitadas.

"O aquartelamento é deplorável. Logo atrás do arame farpado há dezenas e dezenas de bidões cheios de areia rodeando umas tantas tabancas. Depois há telhados em cimento armado cobrindo os tegúrios semi-afundados na terra habitados pelos nossos soldados, uns setenta a oitenta. É a protecção possível contra flagelações e bombardeamentos. E dão uma certa segurança aos homens brancos expatriados na terra dos negros comandados pelo alferes Rocha, …creio ser uma miniatura exemplar de dezenas e dezenas de aquartelamentos portugueses espalhados pela Guiné... ”.


Bem, como estas forças tinham, entre outras missões, efectuar a segurança aos trabalhos de reconstrução da estrada, é muito possível que, naquela data, 5 de Julho de 1972, parte dos efectivos tivesse avançado para a zona mais a N onde andaria já a frente de trabalhos e se aqui estava o Alf Rocha a comandar, das duas uma, ou o Cap Branco estava de férias ou estava na frente dos trabalhos.

Quanto às condições do aquartelamento, havia-os muito bem piores, como de certo ele posteriormente encontrou, nas suas deambulações por MANSOA e CUFAR.

Voltando ao meu percurso direi que era mais uma deslocação a esta povoação, deslocação essa que em regra não oferecia, naquela época de 71, grande perigo.
Entretanto quanto à pernoita e, numa noite daquelas, é que já a desconfiança era maior.

Lembro-me perfeitamente que, embora não manifestando, senti sempre uma sensação de desconforto durante tal permanência. Era talvez um certo nervoso miudinho, que não me deixava gozar o prazer de saborear uma refeição de certo modo melhorada, nem uma estadia tranquila. Dormitei em cima dum colchão de camuflado vestido, sempre com os ouvidos abertos, à espera do rebentar da bernarda.

Felizmente nada aconteceu e bem cedo pela manhã de 25, abalei para a sede onde o almoço de Natal me esperava na messe da CCP 122.

Junto 3 fotografias referentes a este evento:

1.ª CAOP 1, Teixeira Pinto. A caminho do almoço de Natal de 1971. Da esquerda para a direita respectivamente, Cmdt do BCaç 3863 (?), Cmdt do CAOP, Cor Pára Rafael Durão, e Ten Pára da CCP 122.

2.ª CAOP 1, Teixeira Pinto. Alguns oficiais do CAOP dirigindo-se para o almoço de Natal de 71. Cap Art Borges, meu camarada de quarto; Maj Barroco, de camuflado; Maj Santos Costa, com a sua inseparável bengala e de quem era adjunto; eu próprio, já bem lavadinho, de barbinha feita e bem vestidinho.

3.ª CAOP 1, Teixeira Pinto. Na mesa da presidência distinguem-se: Cor Rafael Durão, de pé; um soldado Pára servindo o Maj Santos Costa; creio que o Maj que substituiu o Maj Inocentes (será o Maj Pára citado por Graça de Abreu no seu livro a pág 18?); o autor. De costas distingue-se um 1.º Sarg Pára.

Nestas fotografias apresento um visual mais risonho, fruto talvez de me encontrar a menos de 2 meses do termo da comissão.

É tudo por hoje.
Jorge Picado

_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes desta série

24 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2379: O meu Natal no mato (12): Mansoa, 1971: Uma de caixão à cova... para esquecer o horror (Germano Santos)

24 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2378: O meu Natal no mato (11): Saltinho, 1972: O melhor bolo rei que comi até hoje, o da avó Clementina (Paulo Santiago)

22 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2374: O meu Natal no mato (10): Bissau, 1968: Nosso Cabo, não, meu alferes, sou o Marco Paulo (Hugo Guerra)

22 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2373: O meu Natal no mato (9): Embarquei no N/M Niassa a 21 de Dezembro de 1971... Que maldade! (João Lima Rodrigues)

21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - 2372: O meu Natal no mato (8): Bissorã, 1964 (João Parreira, CART 730)

21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2370: O meu Natal no mato (7): Destacamento do Rio Udunduma, 1969, Pel Caç Nat 52 (Beja Santos)

19 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2366: O meu Natal no Mato (6): Peluda, 1969: a Fátria, Manel (Torcato Mendonça)

19 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2364: O meu Natal no mato (5): Mato Cão, 1972: Com calor, muito calor, e longe, muito longe do meu clã (Joaquim Mexia Alves)

18 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2361: O meu Natal no mato (4): Cachil, 1966: A morte do Condeço e do Boneca, CCAÇ 1423 (Hugo Moura Ferreira / Guimarães do Carmo )

17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2357: O meu Natal no mato (3): Banjara, 1965 e 1966: um sítio aonde não chegavam as senhoras da Cruz Vermelha (Fernando Chapouto)

17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2356: O meu Natal no mato (2): Bissorã, 1973: O Milagre (Henrique Cerqueira, CCAÇ 13)

16 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2355: O meu Natal no mato (1): Jumbembem, 1965: Os homens às vezes também choram... (Artur Conceição)


(2) Vd. outros posts sobre o nosso Natal em tempo de guerra, série Feliz Natal, Próspero Ano Novo e Até ao Meu Regresso:

17 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1373: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (1): As Nossas Festas... Quentes e Boas (Luís Graça / José Martins)

17 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1374: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (2): Seguindo a Estrela, de Missirá a Belém (Beja Santos)

18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1375: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (3): A LFG Sagitário no Rio Cacheu (Manuel Lema Santos)

19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1379: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (4): Mansambá, 1970 (Carlos Vinhal, CART 2732)

19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1380: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (5): Poema: Missirá, 1970 (Jorge Cabral)

19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1381: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu regresso (6): comandos de Brá em 1965, crime e castigo (João S. Parreira)

19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1382: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (7): No longínquo ano de 1968 em Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis)

20 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1383: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (8): CART 2732, Mansabá, 1971 (Carlos Vinhal)

21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1387: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (9): Catió, 1967 (Victor Condeço)

22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1390: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (10): Os Maiorais de Empada, 1969 (Zé Teixeira)

2 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1396: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (11): 1969, na Missão do Sono, em Bambadincazinho (Luís Graça)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3596: O famoso desenrascanço...(António Matos)

Condições adversas de quem faz uma guerra com a premissa do desenrascanço

Tenho sido suficientemente crítico nos textos que já mandei para este blogue no que a uma incontornável incompetência dos comandos no delinear duma estratégia cuja táctica pertencia ao operacional, dizia respeito.
Isto sem desprimor para o reverso da medalha, isto é, para os valentes e valorosos profissionais que tivessem passado pela Academia Militar ainda que, lá na Amadora, por muitos e bons livros que tivessem lido, não apurassem o olfacto ao cheiro a carne humana assada, nem o ouvido ao grito lancinante de quem levava um tiro ou pedia ajuda ao sentir as forças esvaírem-se no clamor do combate.
Claro que nestas situações, e atendendo a que naquela altura (há quase 40 anos!!) a tecnologia bélica ainda não era tão apurada como nos dias de hoje, consegue-se entender alguma necessidade de criatividade, serôdia, é certo, na resolução de problemas do dia-a-dia, mas sem a qual o equilíbrio entre os contendores se desiquilibraria definitivamente para um dos lados.

Alferes António Matos aos comandos de um "blindado" da CCaç 2790.

Um certo amadorismo próprio de quem resolvia a guerra dando ordens em cima duma carta militar, distribuindo soldados como peças de xadrez e espantando-se quando o IN conseguia "furar" aquelas barreiras tão bem desenhadas nas salas das operações não percebendo que na realidade o território era "ligeiramente" superior ao desenho no tabuleiro, esse amadorismo, dizia, justifica verdadeiras catástrofes vividas bem assim como cenas trágico-cómicas que no fundo completam um verdadeiro cenário de guerra.
Que as coisas acontecessem, tudo bem, ninguém nasce ensinado e portanto vigora a máxima de que à primeira todos caem ...
Que dessa má experiência não se tirassem as ilações adequadas para obviar futuras situações semelhantes, já era comprometedor!

Certo dia, estava eu sediado no destacamento de Augusto Barros, comandei a deslocação a Bula, em coluna motorizada, a bordo duma tão fabulosa quanto velha GMC que, julgo, gastava aí uns 100 litros aos 10 kms !
Conduzia-a um possante soldado (reconhecia-lhe a cara no meio duma multidão mas esqueço-lhe o nome) quando nos preparávamos para o regresso.
As últimas 2 horas tinham sido passadas à volta da equipa de mecânicos "comandada" pelo furriel Perdigão afim de se arranjarem os arames mais convenientes que suportassem a resolução dum problema técnico até ao dia seguinte.
Posta a trabalhar à semelhança dum verdadeiro fórmula 1, fomos de roda batida para a nossa "casinha".
Os primeiros 4 ou 5 quilómetros eram em estrada alcatroada e só depois, na Placa, se infletia à esquerda para a picada.
Era noite.
Atraz da GMC vinha um Unimog 411 onde se abrigava o capitão.
Eu mantinha-me empoleirado na frente da coluna.
Faltava vencer a última subida na estrada quando, repentinamente, se ouve um grande estrondo seguido dum enorme solavanco e a chamada de atenção do condutor que não conseguia travar aquela massa metálica ...

Ao nível do melhor desenho animado, a viatura foi perdendo velocidade até que parou, começando de imediato a andar às arrecuas por força da ausência dos travões.
Ora agora descia em marcha à ré, ora subia ao pr'a frente até que, finalmente, establilizou.
O que teria acontecido ?
Demos, entretanto, pela falta do unimog e o breu da noite não esclarecia o mistério...
Oh capitão ! capitão ! oh capitão, onde está ?
Nada ...

Ao fim de algum tempo descobrimos o capitão e a malta que o acompanhava mais o unimog, estatelados no campo ao lado da estrada, também eles sem saberem o que se passara.
Deve ter sido uma mina ! Cuidado, coloquem um dispositivo de segurança ! Atenção àquele amontoado de arbustos que os turras podem lá estar emboscados !
Levou algum tempo a serenar os ânimos até que o discernimento apareceu.
Tão simplesmente, o motor da GMC, caiu, e o unimog "atrolelou-o" despistando-se, obviamente!
Felizmente não houve danos pessoais.
O Perdigão foi chamado com a sua equipa e não sei o que fizeram mas o certo é que, A BORDO DA MESMA GMC, chegámos a Augusto Barros 2 horas depois!

referência ao local do acidente da GMC referido no texto.


Aqui fica a minha homenagem aos mecânicos milicianos que aguentaram aquele conflito durante tantos anos nas condições logísticas mais desprezíveis mas que permitiam aos operacionais o apoio mínimo à sua função.

António Matos

ex-Alf Mil da CCaç 2790
__________

Notas de vb:

Último artigo do António Matos em

5 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3569: Ao chegar à Guiné ainda pensei em safaris, leões, elefantes...(António Matos)