terça-feira, 26 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4418: O poder aéreo no CTIG: uma pesquisa de Matthew M. Hurley, Ten Cor, USAF: Trad. de Miguel Pessoa (1): Parte I

A. Mensagem, de 19 do corrente, de Miguel Pessoa, membro da nossa Tabanca Grande, coplaborador assíduo do nosso blogue, antigo Ten Pilav no CTIG (1972/74), sobrevivente da queda de um FiatG-91, abatido em 25 de Março de 1973 por um impío Grail:

Caros Luís e Carlos:

Terminei a minha parte da tarefa que me propus com a inserção de algumas correcções propostas por alguns bloguistas de nomeada (leia-se: João Seabra, Vasco da Gama, Alberto Branquinho) à tradução que tinha feito da súmula do trabalho do Matt Hurley.

Fica à vossa consideração e discernimento o modo como vão integrar este rolo no blogue - a versão original em inglês e a respectiva tradução para português. Lembro o que o Matt escreveu quando me enviou o texto:

"Here it is! If you find the document acceptable within the spirit of Luis' blog, then you have my permission to publish it. Please include the bibliography, too - I am very interested in learning of new sources from your former comrades (or adversaries) in Guinea.

But please let your comrades know that I understand, fully, that I was not there; I am only a student of this war, not a participant. Our perspectives will differ on many issues. Some may call it 'bias' or 'naivete', but we academics try to achieve 'objectivity'.


[Tradução Inglês-Português:

"Aqui está! Se achares o documento aceitável dentro do espírito do blogue do Luís, então tens a minha autorização para publicá-lo. Inclui também a bibliografia - Estou muito interessado em conhecer novas fontes dos teus companheiros (ou adversários) na guerra da Guiné.

"Mas, por favor deixa-me dizer aos teus companheiros que eu quero que eles saibam que eu que não estive lá, no teatro de operações, que eu sou apenas um estudioso dessa guerra, não um participante. Os nossos pontos de visto podem diferir em muitas questões. Alguns podem chamar a isso 'viés' ou 'ingenuidade ', mas nós, académicos, procuramos alcançar a 'objectividade'"
. ]


Este trabalho foi feito por carolice e não pretendo retirar créditos dele (isto, se a tradução merecesse algum crédito...), por isso divulguem-no como um trabalho produzido para o blogue por um grupo de tabanqueiros - o que, na prática, acabou por ser verdade. Estou convencido que os nossos camaradas, cujos nomes já indiquei atrás, não se importarão de permanecer no anonimato, como eu. Mas poderão perguntar isso mesmo aos próprios.

Abraço. Miguel


B. Esta colaboração entre o Ten Cor da Força Aérea dos EUA, Matt Hurley (foto , à esquerda), e o nosso blogue, começou com um mail enviado por ele, em 12 de Março de 2009, em português:

Exmo. Senhor Luís Graça

Chamo-me Matthew Hurley e sou Ten Cor na USAF. Estou neste momento a fazer uma dissertação em História sobre a guerra aérea na Guiné no período de 1963-1974.

Sobre um post a respeito de uma comunicação de Miguel Pessoa, será que me podia facultar o e-mail dele de forma a eu pedir autorização ao visado para reproduzir as suas declarações na minha tese? Ou então será que podia dirigir o meu pedido ao próprio?

Obrigado por tudo fico a aguardar uma resposta.

Lt Col Matt 'Liz' Hurley, USAF
"Those whom the gods would destroy, they first make proud"



A história já aqui foi sumariamente contada (*), e apresentado o nosso camarada norte-americano (duplo camarada, tropa e das lides académicas), estudioso da guerra colonial na Guiné, no que diz respeito ao poder aéreo, de um lado (NT) e do outro (PAIGC).

À revelia do poder democrático, o Miguel Pessoa foi rapidamente promovido, pelo nosso blogmaster a oficial de ligação, diplomata, public relations, consultor para as questões do ar (ou ,melhor, air power) e tradutor, múltiplas tarefas essas de que se está a sair tão bem como (ou melhor do que) no tempo em que era o senhor dos céus do CTIG, enquanto jovem Ten Pilav (Guiné, BA 12, Bissalanca, 1972/74), aos comandos do seu Fiat G-91... até ao dia em que atropelou um jagudi em peno voo...

Agradeço aos todos os membros do nosso blogue que deram uma mãozinha ao Miguel na tradução deste resumo do projecto de investigação do Matt Hurley (elaborado para efeitos de obtenção do grau de Doutor em História pela Universidade do Estado de Ohio) (**).

O nosso blogue, incluindo editores e demais pessoal da nossa Tabanca Grande, sente-se honrado pelo pedido de colaboração do Matt Hurley, bem como pela credibilidade que este investigador nos atribui.

Faremos o nosso melhor, lutando pela nossa dama e apoiando em especial os nossos camaradas que serviram a FAP no CTIG, os quais que podem (e devem) ser fontes de informação privilegiada para o tema em investigação, com destaque, para já, para o nosso sempre Miguel Pessoa que tem mantido uma constante correspondência com o investigador (A talhe de foice, dga-se que o Miguel, a modéstia em pessoa, é muito avesso às luzes da ribalta, um problema do foro da alergologia ou talvez até da oftalmologia)....

Apesr de cultivar um low profile, o nome do Miguel tem que ser aqui citado, e desta vez em primeiro lugar... Espero que outros ex-pilotos e ex-especialistas da FAP possam seguir o exemplo do Miguel, colaborando neste estudo académico, cujas conclusões também nos interessam, a nós, portugueses, veteranos da guerra da Guiné (bem como aos guineenses que nos combatíam)... Contamos, nomeadamente, com o apoio dos nossos camaradas do blogue do Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74, quanto mais não seja para lhes sacar umas chapas relacionadas com o air power (que é uma coisa que os infantes não têm, coitados).

Vamos publicar, em português e em inglês, a primeira parte do paper que o nosso doutorando nos enviou... Aproveito para mandar ao Matt as minhas saudações pessoais e os meus parabéns pela sua festa de casamento, no dia 2 de Maio do corrente (Na América, os miliares também têm direito a constituir família)...

Para além da nossa disponibilidade para colaborar contigo, my dear Matt, queria também convidar-te para integrar o nosso blogue, na qualidade de estudioso da guerra da Guiné, o que faz de ti automaticamente um amigo e camarada da Guiné, com direito a sentar-se debaixo do nosso poilão... (Isto dito em crioulo, é intraduzível para inglês)...


C. Súmula da tese de doutoramento de Matthew M. Hurley,Ten Cor da Força Aérea dos EUA:

Departamento de História
Universidade do Estado de Ohio
Data: 23 de Fevereiro de 2009
Orientador: Prof Guilmartin John F., Jr.

Título do Trabalho: O "ímpio Grail: O Poder Aéreo do Governo e a Defesa Aérea dos revoltosos na Guiné Portuguesa, 1963-1974".

Tradução: Miguel Pessoa & Partners...


1. Tema e sua importância.


O tema da insurreição tem atraído cada vez mais atenção no decurso dos nossos actuais conflitos no Iraque e no Afeganistão, tanto nos fóruns políticos como nos meios académicos. Muita dessa atenção tem sido dedicada à análise de insurreições e contra-insurreições numa tentativa de reunir lições práticas retiradas de exemplos históricos.

Nesse sentido, as campanhas dos EUA na América Latina e no Vietname, a experiência britânica na Malásia e as operações francesas na Argélia e na Indochina tornaram-se referências icónicas durante as discussões sobre insurreição, nos dias de hoje.

Independentemente do mérito de tais tentativas, o critério histórico, tal como construído actualmente, permanece lamentavelmente incompleto. Decididamente, não há colóquios, manuais doutrinários ou cursos de história militar que possam esperar cobrir todos os exemplos relevantes de contra-insurreições anteriores; até mesmo estudos de sub-domínios especializados, tais como operações aéreas de contra-insurreição, devem ser baseados numa amostragem adequada de registos históricos relevantes.

A este respeito, contudo, quer os estudiosos quer os profissionais do poder aéreo têm constantemente ignorado um caso quase perfeito do uso e das vulnerabilidades da componente aérea na contra-insurreição: as operações da Força Aérea Portuguesa (FAP) na Guiné-Bissau, de 1963 a 1974.

A campanha da FAP na Guiné-Bissau oferece muitas lições úteis e duradouras aos analistas e também aos operacionais. As operações aéreas portuguesas cobriram todo o espectro de papéis e missões do poder aéreo, desde os ataques de bombardeamento até às evacuações médicas e voos de presença e de boa vontade.

Os seus oponentes, entretanto, executaram uma vasta gama de tácticas e operações para combater o poder aéreo português, desde medidas passivas de ocultação até à execução de raides contra bases aéreas portuguesas. As operações da FAP e a resposta dos insurrectos demonstram claramente o impacto quer da liderança quer da tecnologia, bem como a interacção das duas.

Além disso, ambas as operações - da FAP e dos insurrectos - apresentavam um carácter marcadamente assimétrico, cada lado tentando usar todos e quaisquer dos seus pontos fortes contra os pontos fracos do inimigo.

Esta assimetria, por sua vez, conduz a uma demonstração evidente da não-linearidade na guerra; de facto, neste conflito as operações efectuadas a uma escala relativamente pequena e os seus efeitos imediatos tiveram um impacto desproporcionadamente elevado, apesar da coragem, competência e resistência da FAP e dos insurrectos.

Essencialmente, a FAP era extremamente eficaz na luta contra a guerrilha - talvez demasiado eficaz. Por exemplo, num determinado momento as actividades de umas poucas dezenas de aeronaves esteve perto de fazer colapsar o esforço de guerra do PAIGC. A minha pesquisa sugere fortemente que, uma vez que a FAP era tão boa no seu trabalho, as forças no terreno tornaram-se excessivamente dependentes do poder aéreo; consequentemente, o PAIGC elegeu a defesa aérea como uma das suas principais prioridades. O esforço da guerrilha incidiu em armas de defesa aérea cada vez mais eficazes, culminando com a utilização do míssil de origem soviética ZPRK Strela-2M (Código NATO SA-7 Grail), míssil portátil terra-ar, que foi responsável pelo abate de cinco aviões da Força Aérea Portuguesa entre 25 de Março e 6 de Abril de 1973.

No imediato, esta significativa quantidade de perdas num período de duas semanas confundiu temporariamente o esforço aéreo Português na Guiné-Bissau. Dado o limitado número de meios aéreos da FAP na Guiné-Bissau e as fracas perspectivas de aquisição de aeronaves adicionais, as perdas devidas à utilização do Strela forçaram a FAP a adoptar tácticas defensivas que afectaram severamente a eficácia operacional. Após a perda de três aviões num único dia, a FAP cessou mesmo as suas operações durante alguns dias.

Esta evolução resultou na intensificação de uma escalada de efeitos, a começar nas forças no terreno. Inúmeros relatos em primeira mão de veteranos do Exército na guerra na Guiné relatam que o apoio aéreo, que anteriormente era praticamente garantido, se tornou irregular, e quando prestado, as novas tácticas, mais restritivas, ainda mais atenuaram o efeito dos ataques aéreos.

Do mesmo modo, as missões de transporte aéreo, de reconhecimento e de evacuação médica foram reduzidas devido à ameaça dos mísseis. De acordo com os relatos, isto, por seu turno, afectou o moral dos portugueses, já desgastado pelos efeitos de uma década de dura campanha na Guiné-Bissau. O que contribuiu para - e, em alguns aspectos precipitou - a formação de um movimento dissidente no seio das Forças Armadas e o golpe de 1974 que custou a Portugal a guerra, as suas possessões africanas, bem como o futuro do regime do Estado Novo.

Esta representa então a minha tese fundamental: A crescente capacidade de defesa aérea dos insurrectos na Guiné-Bissau - a que tinha sido dada prioridade devido à eficácia do poder aéreo português - em última análise, despojou decisivamente Portugal da superioridade aérea, a sua maior e mais efectiva vantagem militar neste conflito.

Forçados, por limitação de recursos e restrições externas, a reduzir as operações aéreas e adoptar tácticas restritivas, a FAP viu-se assim incapaz de responder adequadamente às necessidades de apoio aéreo sentidas pelas forças no terreno. O moral e a capacidade de combate das forças terrestres decaíram proporcionalmente, sendo o catalisador final para a Revolta dos Capitães em Abril de 1974, que derrubou o regime autoritário existente em Portugal e levou à descolonização da África Portuguesa.

É possível que a guerra na Guiné-Bissau não tenha sido tida em conta nos estudos de contra-insurreição, porque foi um caso relativamente pequeno quando comparado com outros episódios como a Argélia ou o Vietname. A então Guiné Portuguesa era uma pequena província, a presença portuguesa era menor do que em Angola ou Moçambique, e o esforço de guerra da sua aviação não envolveu em qualquer momento mais do que 50 aeronaves (incluindo helicópteros).

No entanto, a pequena dimensão deste esforço ilustra claramente o efeito que até uma presença mesmo limitada de forças no ar pode atingir num contexto de contra-insurreição - uma lição valiosa para os empreendimentos militares do USA, agora virados para uma implantação maciça de Forças Aéreas Expedicionárias para combater inimigos similares.

Mais provavelmente, porém, o esforço aéreo português na Guiné-Bissau passou despercebido porque são escassos os registos publicados noutros idiomas que não o português. Com base na minha pesquisa, até à data, seria então esta a primeira investigação completa focada na campanha aérea na Guiné-Bissau, em Inglês ou qualquer outro idioma.


2. Situação da literatura disponível


A saga colonial de Portugal e subsequente guerra ultramarina em África têm sido objecto de considerável atenção académica e jornalística desde a década de 1960. Literalmente milhares de obras estão disponíveis sobre o assunto na sua generalidade, a grande maioria em Português.

A maior parte das obras disponíveis em Inglês são relativamente antigas, embora essa maioria não seja de modo nenhum esmagadora; de facto, desde o início dos anos 90 tem sido publicada uma série de livros importantes sobre a insurreição na Guiné-Bissau e à contra-insurreição Portuguesa. Estes incluem:

- Amílcar Cabral: Revolutionary Leadership and People's War (2003), de Patrick Chabal;

- Worriers at Work: How Guinea-Bissau Was Really Set Free(1993), de Mustafah Dhada;

- e Counterinsurgency in Africa: The Portuguese Way of War, 1961-1974 (1998), de John P. Cann.

Contudo, a maioria das obras em língua Inglesa relativas a esta ou a qualquer "luta de libertação" tendem a ser polémicas ou romanceadas, com forte inclinação para um ou para o outro antagonista (isto é particularmente verdade no caso dos livros publicados no decorrer do conflito).

Será difícil, mas não impossível, que venham a aparecer estudos verdadeiramente objectivos e imparciais sobre esta matéria. Um bom exemplo de um trabalho assim é uma obra constituída por relatos na primeira pessoa, feitos por intervenientes fundamentais nos três Teatros de Operações de Portugal em África, uma obra em dois volumes, A Guerra de África (1961-1974) (1996), ´de José Freire Antunes.

A parcialidade inerente à maioria dos trabalhos aconselha no entanto grande cautela na avaliação dos níveis de motivação, métodos e eficácia relativamente às duas partes em confronto na guerra guineense.

Começou a aparecer na década passada um crescente número de memórias de militares e relatos na primeira pessoa, sobretudo de antigo pessoal do Exército Português, pessoal, onde se inclui Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, de António Graça de Abreu, Guiné 1968-1973: Soldados uma vez, Sempre Soldados, de Nuno Mira Vaz, ambos tratando especificamente da guerra na Guiné-Bissau.

Embora tais trabalhos nos dêem relatos reveladores, na primeira pessoa, de operações aéreas específicas ou do seu impacto na guerra terrestre, há poucos trabalhos focando o próprio Poder Aéreo em si. Na verdade, de cerca de 5.000 fontes pesquisadas que trataram as guerras coloniais de Portugal, apenas três livros focam questões do Poder Aéreo, nenhum deles se debruçando especificamente sobre o caso da Guiné-Bissau.

As publicações periódicas sãoes pouco melhor - depois de dois anos de pesquisa activa, deparei com dois ensaios académicos tratando especificamente da campanha aérea de Portugal na Guiné-Bissau, juntamente com cerca de vinte artigos sobre o assunto em várias edições da Revista Mais Alto (a publicação oficial da FAP).

A grande maioria das fontes, em qualquer idioma, trata a campanha aérea na Guiné-Bissau com visível superficialidade e/ou parcialidade, embora nenhum trabalho em inglês aborde exclusivamente as questões do Poder Aéreo (Nota: O Prof. John P.Cann está presentemente a trabalhar num livro com essas características, com o título provisório de "O Plano de Voo Africano: A Força Aérea Portuguesa na Guerra").

Partes das diversas obras editadas ajudam a corrigir esta lacuna, onde se inclui o ensaio "A Força Aérea Portuguesa nas Guerras de África de 1961-1974", de Tomás George Conceição na Ed. de John P. Cann, "Memories of Portugal's African Wars", bem como vários capítulos de "A Guerra de África", de Freire Antunes.

Globalmente, contudo, embora a literatura existente seja suficiente para realizar um estudo geral das operações da FAP na Guiné-Bissau e no resto da África, é insuficiente para a investigação aprofundada que me proponho realizar. Para continuar a recolher provas para a minha tese, é necessária uma investigação considerável de arquivos.

NOTA SUBSEQUENTE: Visitei o Arquivo Histórico da Força Aérea em Março de 2009, e obtive informação muito relevante e útil! Além disso, a equipa liderada pelo Cor. Ismael Alves provou ser extremamente útil e cooperante.


3. Material disponível para investigação.


Felizmente, as fontes primárias adequadas existem numa grande variedade de arquivos por todo o mundo. Para além das muitas colecções de obras de Amílcar Cabral publicadas, está disponível na colecção Ronald CHILCOTE (no Instituto Hoover da Universidade de Stanford , Califórnia) um manancial de fontes primárias do PAIGC, o grupo insurrecto que se opôs ao domínio de Portugal na Guiné-Bissau.

Em combinação com os recursos (particularmente traduções de imprensa) existentes na Air University Library, no Alabama, esta colecção tem vindo a fornecer-me uma compilação tão completa como prática de documentação do PAIGC - comunicados, instruções e publicações propagandísticas relativas à resposta dos insurrectos contra o Poder Aéreo português.

Preferencialmente teria gostado de me deslocar a Bissau para consultar a documentação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP), os arquivos nacionais da Guiné-Bissau. No entanto, a eclosão da guerra civil em 1998 quase destruiu essa instituição. Situado a menos de um quilómetro da linha de frente, o INEP foi requisitado como um quartel para as tropas de intervenção senegalesas e foi repetidamente bombardeado. As "necessidades militares" e os danos na cobertura do edifício expuseram aos elementos a documentação existente no INEP e a grande maioria foi destruída.

Além disso, como os E.U.A. ainda não tinham reocupado a sua embaixada em Bissau, a minha unidade recusou deixar-me viajar para o país. Dado que a Guiné-Bissau presentemente não tem embaixada aberta nos E.U.A., teria sido também um desafio considerável reunir os vistos necessários. Felizmente, a atenção dada à guerra, enquanto ela prosseguia, resultou na localização de colecções "satélite" adequadas, como a colecção CHILCOTE já descrita acima.

Consegui obter a autorização do Gabinete do Chefe de Estado Maior da Força Aérea Portuguesa para visitar os arquivos da FAP (do Arquivo Histórico de Força Aérea, ou AHFA), em Lisboa, e irei viajar para lá em 20 de Março de 2009.

Embora o AFHA não seja aberto ao público, a correspondência com o seu director indica-me que ele e a sua equipa serão úteis e cooperantes na minha pesquisa. O director já dispõe da lista das minhas prioridades na investigação e comprometeu-se a informar-me se surgirem quaisquer potenciais assuntos de interesse. De realçar que o AFHA sofreu uma significativa expansão na década de 1970 para abarcar a grande quantidade de documentação trazida das várias Bases existentes em África, no fim dos conflitos.

Uma vez que grande parte da minha discussão se prende com a finalidade dos sistemas de defesa aérea, as suas características técnicas e sua utilização em campanhas contemporâneas, vou continuar a basear-me em informações recolhidas na Air Force Historical Research Agency (AFHRA), no Alabama. A AFHRA dispõe de uma colecção impressionante de documentos relativos ao desenvolvimento inicial de mísseis de defesa aérea que remonta a 1945; além disso, a sua actividade de recolha de histórias orais reuniu as recordações de pessoal da Força Aérea dos EUA que defrontou o míssil de defesa aérea SA-7 no Vietname. Esse mesmo míssil iria igualmente, no início de 1973, afectar grandemente as operações da FAP na Guiné-Bissau.

Além disso, relatos alargados da época de operações aéreas da FAP e de actividades de defesa aérea do PAIGC estão disponíveis em salas de leitura on-line em vários FOIA - US Government Freedom of Information Act - em especial os disponíveis através de sítios na Internet do Departamento de Estado e da CIA (Central Intelligence Agency).

Ambos possuem uma série de registos de comentários sinceros e reveladores por parte de ministros, diplomatas, e líderes militares portugueses quanto ao impacto das acções de defesa aérea do PAIGC, o que contribui para os meus esforços para provar a minha tese central.

Finalmente, existe em sítios da Internet um número considerável de depoimentos e testemunhos de veteranos de ambos os lados do conflito, com detalhes das operações aéreas, de um lado, e das acções de Defesa Aérea, do outro. O mais notável é o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, de Luís Graça, que apresenta um grande número de relatos das actividades militares na Guiné, a maioria dos quais pode ser corroborada por outras fontes. Algumas das pessoas que contribuem para este site - e há centenas delas - manifestaram a sua disponibilidade para dar resposta a novas investigações, se for necessário.

[Continua]

Dissertation Prospectus for Matthew M. Hurley, Department of History, The Ohio State University
Date: 23 February 2009
Advisor: Prof. John F. Guilmartin, Jr.

Working Title: The “Unholy GRAIL: Government Airpower and Insurgent Air Defense in Portuguese Guinea, 1963-1974.”


Topic and Significance.

The subject of insurgency has attracted dramatically increased attention during the course of our current conflicts in Iraq and Afghanistan, within both policy forums and academic circles. Much of this attention has been devoted to analyzing past insurgencies and counterinsurgencies in an attempt to glean applicable “lessons” from historical examples. In this respect, US campaigns in Latin America and Vietnam, the British experience in Malaya, and French operations in Algeria and Indochina have become iconic references during discussions of insurgency today.

Regardless of the merits of such attempts, the historical canon as currently constructed remains woefully incomplete. Granted, no conference, doctrine manual, or military history course could ever hope to cover every relevant example of previous counterinsurgencies; even studies of specialized sub-fields, such as counterinsurgency air operations, must be based on an appropriate sample of the relevant historical record. In this respect, however, both students and practitioners of airpower have consistently ignored a near-textbook case of the uses and vulnerabilities of the air arm in counterinsurgency: the operations of the Portuguese Air Force (Força Aérea Portuguesa, or FAP) in Guinea-Bissau from 1963 to 1974.

The FAP’s campaign in Guinea-Bissau offers many lessons of enduring utility to analysts and operators alike. Portuguese air operations covered the entire spectrum of airpower roles and missions, from bombing attacks to medical evacuation and goodwill “presence” flights. Their insurgent opponents, meanwhile, executed a wide range of tactics and operations to combat Portuguese airpower, from passive concealment measures to commando raids against Portuguese air bases. The FAP’s operations, and the insurgent response, vividly demonstrate the impact of both leadership and technology, as well as the interplay between the two. Furthermore, both FAP and insurgent operations manifested a distinctly asymmetric character, with each side attempting to pit any and all of its strengths against the enemy’s weaknesses. This asymmetry, in turn, leads to a revealing demonstration of nonlinearity in warfare; indeed, in this conflict relatively small-scale operations and their immediate effects had profoundly disproportionate “Nth-order” impact, despite the courage, skill and resilience of the FAP and its insurgent foes.

Essentially, the FAP was extremely affective in the counter-Guerrilla fight—perhaps too effective. For example, at one point the activities of a few dozen aircraft came close to collapsing the PAIGC’s war effort. My research strongly suggests that, because the FAP was so good at its job, the ground forces became overly dependent on airpower; consequently, the PAIGC made air defense one of their main priorities. The guerrilla effort included increasingly effective air defense weaponry, culminating with the use of the Soviet-made ZPRK Strela-2M (NATO SA-7 “GRAIL”) manportable surface-to-air missile, which was responsible for downing five Portuguese aircraft between 22 March and 6 April 1973.

At the first level of impact, this comparative handful of losses over a two-week period temporarily crippled the Portuguese air effort in Guinea-Bissau. Given the limited FAP inventory in Guinea-Bissau—and the dim prospects of acquiring additional aircraft—the losses due to Strela use forced the FAP to adopt defensive tactics that severely hindered operational effectiveness. Following the loss of three aircraft in a single day, the FAP even ceased operations altogether for a few days.

These developments resulted in an intensifying cascade of effects, first on the ground forces. Numerous firsthand accounts by Portuguese Army veterans of the war in Guinea-Bissau recount that air support, previously virtually guaranteed, became irregular; when provided, the FAP’s new restrictive tactics further mitigated the effect of air-delivered fires. Similarly, airborne transport, reconnaissance, and medical evacuation missions were curtailed due to the missile threat. This, in turn, reportedly eroded Portuguese morale, already worn by the effects of a decade’s worth of hard campaigning in Guinea-Bissau. This contributed to—and in some respects precipitated—the formation of a dissident movement within the armed forces and the 1974 coup that cost Portugal the war, its African possessions, and the future of its Novo Estado regime.

This, then, represents my fundamental thesis: The increasing air defense capability of the insurgents in Guinea-Bissau—given top priority due to the effectiveness of Portuguese airpower—ultimately stripped Portugal of air superiority, its greatest and most effective military advantage in that conflict. Forced by limited resources and external restrictions to curtail air operations and adopt restrictive tactics, the FAP thus found itself unable to adequately respond to the ground forces’ air support requirements. Morale and combat effectiveness within the ground forces correspondingly suffered, providing the final catalyst for the April 1974 “Captains’ Revolt” that overthrew Portugal’s authoritarian regime and led to the decolonization of Portuguese Africa.

It is possible that the war in Guinea-Bissau has been discounted within counterinsurgency deliberations because it was a relatively small affair compared to other episodes, such as Algeria or Vietnam. Then-Portuguese Guinea was a small province; the Portuguese presence was smaller than that in Angola or Mozambique; and the entire air effort involved no more than 50 aircraft at any one time (including helicopters). Yet the small scale of this effort dramatically illustrates the effect that even a limited air presence can achieve in a counterinsurgency context—a valuable lesson for a US military establishment now in the habit of deploying massive “Air Expeditionary Forces” to contend with similar foes. More likely, however, the Portuguese air effort in Guinea-Bissau has gone unnoticed because the published record is so sparse in any language other than Portuguese. Based on my research to date, this would then be the first full investigation focused on the air campaign in Guinea-Bissau, in English or any language.

Status of Existing Literature.

Portugal’s colonial enterprise and the subsequent “Ultramar Wars” in Africa have been the subject of considerable academic and journalistic attention since the 1960s. Literally thousands of works are available on the overall subject, most by far in Portuguese. The majority of the works available in English are relatively dated, although that “majority” is by no means overwhelming; in fact, since the early 1990s a number of important books regarding insurgency in Guinea-Bissau and the Portuguese counterinsurgency effort have been published. These include Patrick Chabal’s Amílcar Cabral: Revolutionary Leadership and People’s War (2003), Mustafah Dhada’s Warriors at Work: How Guinea-Bissau Was Really Set Free (1993), and John P. Cann’s Counterinsurgency in Africa: The Portuguese Way of War, 1961-1974 (1998).

However, most English-language works regarding this or any other “liberation struggle” tend to be polemical or romanticized, heavily tilted in sentiment towards one or the other antagonist (this is particularly true of books published while the conflict continued). Truly objective and even-handed studies have proven much more difficult, but not impossible, to come by. A fine example of such a work is a compendium of first-person accounts related by key players in all three of Portugal’s African wars, José Freire Antunes’ two-volume A Guerra de África (1961-1974) (1996). The bias inherent in most works, however, mandates great caution when evaluating claims of motivation, method, and effectiveness relative to the two sides of the Guinean war.

A growing number of military memoirs and first-person accounts, particularly by former Portuguese Army personnel, have also begun to appear in the past decade, including António Graça de Abreu’s Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, and Nuno Mira Vaz’ Guiné 1968-1973: Soldados uma Vez, Sempre Soldados, each of which deals specifically with the war in Guinea-Bissau.

Although such works offer revealing first-person accounts of specific air operations or their impact on the ground war, there have been few works focusing on airpower itself. In fact, of nearly 5000 surveyed sources dealing with Portugal’s colonial wars, only three books focus on airpower matters, and none specifically treat the case of Guinea-Bissau. The periodical literature fares little better—after two years of actively searching, I have come across exactly two scholarly essays dealing specifically with Portugual’s air campaign in Guinea-Bissau, along with some twenty articles on the subject in various editions of Mais Alto (the FAP’s official journal).

The vast majority of sources, in any language, treat the air campaign in Guinea-Bissau with palpable superficiality and/or bias, while no single work in English addresses airpower issues exclusively. (Note: Prof. John P. Cann is currently working on such a book, tentatively titled African Flight Plan: The Portuguese Air Force at War) Elements of various edited works help to rectify this shortfall, including Tomás George Conceição’s essay “The Portuguese Air Force in the African Wars of 1961-1974,” in John P. Cann, ed., Memories of Portugal’s African Wars, as well as various chapters in Antunes’ A Guerra de África. Overall, however, while the existing published literature is adequate for undertaking a general study of FAP operations in Guinea-Bissau and elsewhere in Africa, it is insufficient for the detailed investigation I propose to undertake. To continue gathering evidence for my thesis, considerable archival research is required.

SUBSEQUENT NOTE: I did visit the Arquivo Histórico da Força Aérea in March 2009, and acquired much relevant and useful information! Also, the staff—led by Cor. Ismael Alves—proved to be both helpful and incredibly friendly.

Materials Available for Investigation.

Fortunately, adequate primary sources exist in a variety of different archives around the world. In addition to the many published collections of Ámilcar Cabral’s works, a wealth of primary sources from the PAIGC—the insurgent group opposing Portugal’s domination of Guinea-Bissau—are available in the Ronald Chilcote Collection at the Hoover Institute at Stanford University, California. Combined with the resources (notably press translations) at the Air University Library in Alabama, this collection has provided me with as complete as practical a compilation of PAIGC communiqués, instructions, and propaganda releases regarding insurgent reactions to Portuguese airpower.

Ideally, I would have liked to travel to Bissau to consult the holdings of the Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP), Guinea-Bissau’s national archives. However, the outbreak of civil war in 1998 very nearly destroyed that institution. Situated less than a kilometer from the front lines, INEP was requisitioned as a barracks for intervening Senegalese troops and was repeatedly shelled.

Both “military necessity” and damage to the roofs exposed most of INEP’s documentary holdings to the elements, and the great majority was destroyed. Further, as the United States has not yet reoccupied its embassy in Bissau, my parent unit has denied travel to the country. Furthermore, given that Guinea-Bissau currently has no open embassy in the US, meeting visa requirements would have also been a considerable challenge. Fortunately, the attention given the war while it continued has resulted in the location of adequate “satellite” collections, such as the Chilcote collection described above.

I have successfully gained approval from the FAP Chief of Staff’s office to visit the FAP archives (the Arquivo Histórico de Força Aérea, or AHFA) in Lisbon, and I will be traveling there on 20 March 2009. Though AFHA is not open to the public, correspondence with the AFHA director has suggested he and his staff will be both helpful and accommodating in my research. The director has my research priorities, and has promised to inform me if there are any potential issues. Of note, the AFHA underwent a significant expansion in the 1970s to contend with the large amount of documentation returning from FAP’s various African bases after the conclusion of their conflicts there.

Since much of my discussion relates to the intended purpose of air defense systems, their technical characteristics, and their use in contemporaneous campaigns, I will continue to rely on information collected from the Air Force Historical Research Agency (AFHRA) in Alabama. AFHRA features an impressive collection of documents regarding the early development of air defense missiles dating back to 1945; in addition, their oral history activities have gathered the recollections of US Air Force personnel who encountered the SA-7 air defense missile in Vietnam. That same missile would, beginning in 1973, greatly affect FAP operations in Guinea-Bissau as well.

Additionally, extensive contemporaneous accounts of FAP air operations and PAIGC air defense activities are available in the various US Government Freedom of Information Act (FOIA) on-line reading rooms, particularly those available through the Department of State and Central Intelligence Agency internet sites. Both feature a number of candid and revealing comments by Portuguese Ministers, diplomats, and military leaders regarding the impact of PAIGC air defenses, which contributes to my efforts to prove my core thesis.

Finally, there exist a considerable number of internet testimonials and accounts by veterans on both sides of the conflict, offering further details of air operations and air defense engagements. Most notable is Luis Graça’s “Camaradas da Guiné” website, which features a great many accounts of military activities in Guinea, most of which can be corroborated by other sources. Some of the individuals contributing to this site—and there are hundreds of them—have indicated their willingness to provide answers to further inquiries, if required.

[To be continued]

_____

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 16 de Abril de 2009 >Guiné 63/74 - P4197: FAP (23): O poder aéreo no CTIG, 'case study' numa tese de doutoramento nos EUA (Matt Hurley / Luís Graça)

(**) Encontrei na Net um artigo do Mattew M. Hurley, publicado em espanhol:

Matthew M. Hurley, Sub-Teniente, USAF - Saddam Hussein y el poder aéreo iraquí:tener una fuerza aérea no es suficiente. Air Power Journal. Edición hispanoamericana. Otoño trimestre 1993.

Guiné 63/74 - P4417: Tabanca Grande (148): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil da CART 2412, Bigene, Guidage e Barro (1968/70)

1. Mensagem de Jorge Teixeira, um outro Jorge Teixeira e novo tertuliano que quer atabancar na nossa Caserna Virtual, com data de 24 de Maio de 2009:

Caro Carlos Vinhal,
Camarada

Sou Jorge Teixeira, (jteix- veterano de guerra), ex-Furriel Milº Art da CART 2412 -1968/70, em Bigene - Guidage - Barro, no CTIG.

Para não me confundirem com o outro Jorge Teixeira, membro das duas Tabancas, me intitulo sómente por J.TEIXEIRA. Esse outro Teixeira é do meu curso e fizemos praticamente o mesmo trajecto até à Guiné, ou seja RI5 - EPA - GACA3 - CTIG.

Já que falo em Teixeira's, ainda há um outro, o Zé fermero como ele diz, que fomos e espero continuar a ser, amigos, (e camaradas), mas do tempo em que éramos adolescentes, jovens e bons rapazes, na mesma freguesia, aqui na Invicta cidade do Porto, de que me orgulho pertencer.

Vem esta conversa toda a propósito, de que aqui há tempos ao ver o vosso/nosso blogue, me apareceram escarrapachadas as fotos destes dois meliantes, que já não via há 40 anos. Vai daí pus-me a pesquisar, e até ir almoçar ao Milho Rei, foi um passo.

Nesse almoço, ostentava como habitualmente, na lapela do casaco (vidé foto), uma barreta que representa a medalha atribuída aos ex-combatentes no fim da comissão, nas campanhas, neste caso no Ultramar.

Quando me perguntaram o porquê, expliquei-lhes que era a melhor forma que tinha encontrado para me identificar perante desconhecidos e a quem interessar, como um ex-combatente, veterano de guerra e dar-me a conhecer como tal.

Alguns, acharam a ideia interessante e o Portojo (Teixeira) até sugeriu que elaborasse um texto para ser publicado no blogue da Tabanca de Matosinhos, o que de facto veio a acontecer no P134 (*). O dito Teixeira, o outro, que o publicou, achou que poderia ter mais impacto e divulgação, se fosse publicado na Tabanca Grande.

Que o levasse à vossa apreciação e consideração, disse.

É o que agora estou a fazer, se acharem que tem algum interesse publicar para divulgar.

Então o texto dizia assim:

Quantas vezes nos cruzamos na rua com alguém que julgamos conhecer,
ou nos faz lembrar algum camarada dos tempos da guerra já longínqua, mas sempre presente?

Passados 30/40 anos, é natural a dúvida, já temos uma barriguinha a mais, uns cabelos brancos, quando os há, etc,etc... estamos diferentes, mas... quase, quase parecidos.

Quantas vezes temos vontade de o abordar para esclarecer, mas faltou-nos a coragem?
A dúvida persiste e... subsiste e perde-se a oportunidade.
Mas, e se o contactamos e é engano? Pode haver má interpretação e até desconfiança.
Nunca vos aconteceu? A mim já.

É frequente ver na roupa dos homens (e das mulheres também), emblemas, (agora diz-se pin's) do clube a ou b, até do partido y ou z, emblemas quadrados, redondos, assim, assim, laços, fitas e até a marca da camisa ou da camisola e que pagamos para fazer propaganda... de borla.

E vem esta lenga-lenga toda, a propósito de quê, perguntam vocês? Vá lá, perguntem?

O que é que isto tem a ver com VETERANOS DE GUERRA, ex-Combatentes?
Este gajo já está apanhado do clima, é o stress pós... qualquer coisa, querem ver.

Vá lá, então, perguntem?

Pronto, pronto eu digo:

Porque não haver algo, que nos identifique como VETERANOS de GUERRA, para que quando nos cruzamos com alguém e nos faça lembrar algum dos nossos, não haver dúvidas?

-Olha ali vai mais um camarada (já há poucos), ex-combatente... e já é veterano.

-Olá estás bom? Então, a que BANDO pertencias? Em que Bu...rako... o que fazias...?

Lembram-se da estória publicada no P4368 Raízes (**), que mete tatuagens? Nem de propósito.

-É pá, estiveste no mesmo sitio que eu, só que...
Ou simplesmente... bom dia camarada, ou boa tarde muito prazer. Bô note, dá-me lume se faz chavor?

Eureka!!!

Mas nós temos uma identificação, e práticamente só nós, que estivemos no Ultramar, a conhecemos.
Lembram-se das "barretas" (parece que é assim que se chamam, vidé foto) que recebemos no fim da comissão e que são representativas das medalhas(que não recebemos) atribuídas aos militares que estiveram em campanha, neste caso em África?

Pois bem, e porque não usá-las? Assim era fácil sabermos quem somos e quantos ainda somos.

Assim até facilitava aos políticos saberem de nós, para nos darem caneladas mais certeiras.

Quanto mais não seja para que saibam que ainda cá vamos andando,... só para chatear.

Olha e já agora me lembrei doutra:

O senhor general assim, já podia desabafar:

- Cambada, mais um que pertencia ao BANDO do arame

Eu, já a uso há algum tempo (vidé foto) e curiosamente já fui abordado por vários camaradas desconhecidos e até por alguns amigos, que já não se lembravam que além de amigos também temos em comum ser ex-Combatentes, embora nalguns casos, em sítios, províncias e alturas diferentes.
Por isso "CAMARAADASS" é só ir à caixinha das lembranças (todos temos uma, ou não, se calhar sou o único, querem ver?) e USÁ-LA. Se porventura já não sabem onde está, no Costa Braga, no Porto (passe a publicidade), custa 1,95€. Só para quem tiver orgulho em a exibir.

USA-A - IDENTIFICA-TE


... e é só, (só???), fica à vossa consideração o que acharem por bem.


2. Já agora aproveito para pedir a minha inscrição na Tabanca Grande, se acharem que mereço.

Já tenho participado com alguns comentários no blogue, só falta a história, (ou mais uma estória?).

Para o caso de ser aceite, aí vão os meus dados e respectivas fotos:

J.TEIXEIRA (só) para não me confundirem com o outro o dito cujo, meu/nosso camarada e amigo

ex-Fur Mil Art - veterano de guerra
Nascido a 26 Novembro 1945
Natural de CERVA - Ribeira de Pena - Vila Real (com dupla naturalidade, sou do PORTO)

A morar no PORTO (querido, como diz o Portojo) há mais de 63 anos, ou seja quase nasci aqui, por isso sou portuense de alma e coração, não confundir com portista (mas gosto), na Rua da Alegria

Casado (Gina), pai de dois filhos (Filipe e Daniela)
Técnico de Vendas (há 38 anos)
Reformado
...e que mais?...

Serviço Militar Obrigatório
Obrigatório e comprido, 37 mesitos (só?)

- Recruta: CSM, RI5, Caldas Rainha, 2.º Turno de 1967, dia 11 de Abril de 1967
- Especialidade, EPA, Vendas Novas, dia 25 de Junho de 1967

- 1.º Cabo Mil.º no GACA3, Espinho, dia 25 de Setembro de 1967
- Curso CIOE Lamego, dia 02 de Janeiro de 1968

- Formar CART 2412 no RAP2 Vila Nona de Gaia (Março de 1968)
- Embarque para Guiné no Uige, no dia 11 de Agosto de 1968
- Desembarque em Bissau, no dia 16 de Agosto de 1968

No CTIG a CART 2412 (e eu) esteve colocada em:

- Brá, de 16 a 29 de Agosto de 1968
- Bigene (TO/COP3), de 31 de Agosto a 14 de Outubro de 1968
- Guidage, com destacamento em Binta, de 15 de Outubro de 1968 a 08 de Março de 1969
- Barro, de 09 de Março de 1969 a Maio de 1970

- Embarque para regresso no Carvalho Araújo (ia de lado) em 05 de Maio de 1970
- Desembarque em Lisboa no dia 14 de Maio de 1970

- Passagem à peluda em 06 de Junho de 1970

...e esta é a história da minha ida à guerra, 1968/70.

Um abraço... e desculpa qualquer coisinha.
Cumprimentos
jteix-veterano de guerra
ex-Fur Mil Art
CART 2412-68/70
Bigene-Guidage-Barro


3. Comentário de CV:

Caro Jorge Teixeira, outro, o novo, o não Portojo.
Bem-vindo à Tabanca

Ficamos radiantes quando contribuímos para o reencontro de camaradas e mais ainda quando se trata de amigos de longa data, separados neste caminhar pela vida.

Quando foste ao Encontro das quartas-feiras da Tabanca de Matosinhos, foste, como dizer... à catedral. Esta tertúlia é impar, contagiando tudo e todos. Ninguém fica indiferente àquele ambiente genuíno e informal, onde quem chega, se sente em minutos, como fazendo parte da família há muito tempo.

Vamos ao que importa, porque a Tabanca de Matosinhos não precisa de elogios.
Quanto à tua ideia, sim senhor, é de apresentar à tertúlia e, por que não, de seguir. Eu, zeloso dos meus farrapitos, só ponho um senão que é o alfinete estragar o casaco do fatinho de marujo, ou como também se diz, da comunhão ou ainda de ir ver a Joana. A barreta que tenho exibe cá um alfinete que até assusta. Há algum meio menos destrutivo para fixar a dita, à roupa. E se pedíssemos conselho ao AB que é um expert na matéria?

Quanto à tua integração na nossa Tabanca Grande, está oficializada, a partir de hoje. Podes e deves é começar a trabalhar já, enviando as tuas histórias e as tuas fotografias legendadas. Andaste lá por cima pelo Norte da Guiné, relativamente perto dos locais por onde eu também andei. Bons ares, boas instalações, que mais queríamos nós? Paz e sossego que até aborrecia. Era mesmo intediosa aquela vida dentro do arame farpado, tirando algumas escaramuças, quando eles, os outros, se lembravam de nos ir despejar em cima, munições que tinham além do stock estabelecido.

Não pode faltar o abraço de boas-vindas em nome dos editores e tertúlia em geral. Não esqueças poderás conhecer alguns dos camaradas do Blogue no dia 20 de Junho no nosso próximo Encontro. Vamos ter muita gente nova presente.

Já agora vamos combinar que o Jorge Teixeira mais velhote fica a ser conhecido por Jorge Teixeira (Portojo) e tu só por Jorge Teixeira. Assim evitam-se as confusões.

Recebe um abraço do camarada
Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste da Tabanca de Matosinhos com data de 2 de Abril de 2009 > P134-Uma ideia...com pernas para andar

(**) Vd. poste de 18 de Maio de 2009 >
Guiné 63/74 - P4368: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (17): Raízes...

Vd. último poste da série de 24 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4406: Tabanca Grande (147): António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto Rodas do BCAV 8323, Copá, 1973/74

Guiné 63/74 - P4416: Memória dos lugares (26): Bambadinca, CCS/BART 2917, 1970/72 (Arsénio Puim, ex-capelão)

1. Mensagem do Benjamim Durães, que vive em Palmela e tem sido o grande dinamizador dos convívios da malta da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e undidades adidas (já vão em três edições: Setúbal, 2007; Viseu, 2008; Viana do Castelo, 2009):

Luís,

Depois de ler este teu poste (*), recordei-me de um E-Mail que o Puim me enviou em 31de Maio de 2007 pelas 22,25 horas, e que passo a transcrever:

Amigo Durães

Na impossibilidade de estar presente, este ano, no encontro da Companhia[, em Setúbal] (**), envio-lhe uma pequena mensagem, como lhe havia dito, que gostaria fosse apresentada na reunião em Setúbal.

Cumprimentos sinceros – Arsénio Puim


VILA FRANCA DO CAMPO / AÇORES

QUINTA-FEIRA, 31 DE MAIO DE 2007 - 22:25:04

Ainda não é neste 36.º ano depois da minha saída da Guiné, [em Maio de 1971,] que tenho a alegria de voltar a encontrar-me com os soldados da minha CCS. Será num próximo ano, se Deus quiser.

Não quero, porém, deixar de estar presente no vosso encontro, enviando-vos uma saudação especial e dando-vos também algumas notícias da minha parte.

Desde [Maio de] 1970, Bambadinca passou a ser, sem dúvida para nós todos, uma referência geográfica e vivencial inapagável e, em certa medida, determinante. Recordo-a com agrado:

o quartel,
a igreja da Missão,
a tabanca,
o Geba,
o macaréu,
os tornados e as trovoadas,
alguns nativos, etc.

Recordo-vos com muita simpatia e tenho muita honra em ter sido o vosso capelão desde a serra do Pilar até ao planalto de Bambadinca, embora considere que ser capelão militar em situação de guerra é a função mais complexa e difícil de exercer no Exército, como também na Igreja.


Conservo, porém, muitas recordações boas da nossa vivência em comum no dia a dia, a vossa alegria, lembro as nossas festas, os nossos convívios e serões musicais, estou mesmo a ouvir ainda o Povo que lavas no rio, admiravelmente cantado pelo então grande sargento Brito [, o 1º sargento da CCS, hoje major reformado] (***) .

Entre as memórias gratificantes relacionadas com a minha estadia na Guiné, destaco também uma cena que se passou numa altura em que algumas mulheres nativas, com os seus meninos, foram capturadas e estiveram retidas no quartel, junto da Administração (*).

Eu aparecia por lá ás vezes e levava leite e bolachas aos miúdos - o mais novo tinha apenas cinco dias.

Quando foram libertadas, manifestaram ter qualquer coisas para me dizer. Dispostas em fila, com os meninos junto de si, uma delas, com aquela solenidade africana muito própria, tomou a palavra e o cipaio foi traduzindo: Que estavam muito contentes com o "alfero”, porque o “alfero é amigo dos mininos”, e que iam pedir aos irãs para darem ao “alfero” tudo na vida.

Sem dúvida, foi mais uma bênção que me tem acompanhado no meu trajecto de vida até hoje.

Pós Bambadinca e pós breve estadia em Bissau e em Lisboa, voltei à paz da minha pequena ilha de Santa Maria e exerci ainda o sacerdócio por algum tempo. Tirei, entretanto, o curso de enfermagem, com a intenção de ser padre profissionalizado.
Acabei, porém, por requerer a redução ao estado laical e casar, em 1979, com Maria Leonor, também enfermeira.

Temos dois filhos, que estão a estudar em Lisboa.

Há mais de vinte anos vivemos na ilha de São Miguel, na localidade de Vila Franca do Campo, estando eu já aposentado, com o bonito rol de 71 anos de idade.

Daqui, quero expressar, neste momento, a minha homenagem respeitosa a todos os nossos companheiros do Batalhão que encontraram a morte tanto no exercício da sua comissão de serviço na Guiné, como já depois do regresso a Portugal.

Finalmente, para a nossa CCS um grande abraço, com amizade, com os melhores votos, com a minha gratidão! (****)

Arsénio Chaves Puim

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4412: Dando a mão à palmatória (20): O Arsénio Puim, capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), só foi expulso em Maio de 1971

(**) Vd. poste de 13 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1843: Convívios (16): O 1º encontro da CCS do BART 2917, em Setúbal, 9 de Junho de 2007 (Jorge Cabral)

(***) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3582: Cancioneiro de Bambadinca (2): Brito, que és militar... (Gabriel Gonçalves, ex-1º Cabo Cripto, CCAÇ 12, 1969/71)

(****) Vd. último poste da série > 20 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4387: Memória dos lugares (25): Bafatá (Fernando Gouveia)

Guiné 63/74 - P4415: (Ex)citações (29): A Guiné que todos temos um pouco na alma (João Lourenço)

1. Mensagem de João Lourenço (*), ex-Alf Mil do PINT 9288, Cufar, 1973/74, com data de 24 de Maio de 2009:

Assunto: P4393 (**)

Li o artigo enviado pelo nosso companheiro Eduardo Alves, sobre a visita que fez à Guiné-Bissau....

Ao contrário de alguns, nada me choca na mensagem que o nativo de Pirada fez passar, ao dizer: - "Sim é a Guiné Portuguesa"... Eles são seres pensantes, podem não ter instrução nos nossos moldes, mas a cor da pele não lhes retira a capacidade de pensar, temos caucasianos que se esquecem mais fácilmente do que é importante para as pessoas... são vulgarmente conhecidos por políticos profissionais... não se lhes conhece emprego... só o de político...

Mas ainda a propósito deste encontro, relato um pequeno episódio, tenho mais, acontecido na Guiné no pós 25/04/1974.

Fiquei de conserva até 5/10/1974, dia em que me virei para o Cap. Clemente e disse:

- Tou farto desta m... vou-me embora. Comprei um bilhete de ida na TAP com o meu dinheiro e dei de frosques com uma guia passada à pressa no BIG.

Assim e entre muitas deslocações que fiz, esta é a parte interessante, estive em Farim a fazer a liquidatária. A dada altura um soldado do PAIGC veio cumprimentar-me, vinha fardado com o que restava de um camuflado nosso, chamou-me pelo meu posto e nome, tinha desertado havia uns meses do BIG ou de Cufar, não me lembro ao certo, e apresentou-me seu Comandante e legitimo representante do Povo da Guiné-Bissau... tudo bem, estávamos em paz. Dirigiu-se a mim com pose militar e disse-me:

- Coment sa vá?... Bien?

Fiquei siderado..., falo algum francês, melhor do que escrevo, e daí em diante foi a língua possível entre nós, porque nem crioulo falava. Penso que este episódio se encaixa na verdade escondida do que era e ainda é hoje a pobre Guiné-Bissau, de que todos nós trouxemos um pouco na alma.

Até dia 20.
Um abraço e publica o que achares interessante deste meu contributo para o blogue.
João Lourenço
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4377: Tabanca Grande (145): João Lourenço, ex-Alf Mil do PINT 9288 (Cufar, 1973/74)

(**) Vd. poste de 21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4393: Tabanca Grande (146): Eduardo Alves, ex-Soldado Condutor Auto da CART 6250 (Mampatá, 1972/74)

Vd. último poste de 20 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4389: (Ex)citações (28): Ah! Grande Lourenço ou… confessando os nossos pecadilhos de Cufar 1973/74 (António Graça Abreu)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4414: Destas não reza a História (Manuel Maia) (2): Quem matou Inesa?

1. Mensagem de Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, (1972/74), com data de 23 de Maio de 2009:

Caro Vinhal,
Caro Vinhal, hoje remeto-te uma história (não gosto de estória...) diferente em prosa...


Passou-se nos idos anos cinquenta da centúria anterior, período obscurantista em que o nível de iliteracia era absolutamente confrangedor...

Hoje, graças à dona Lurdes e à socrática figura, sustentado nas novas oportunidades, o país está em vias de dar o salto qualitativo largando definitivamente a carruagem fundeira para se tornar ele próprio, a máquina propulsora, o motor cultural europeu, quiçá mesmo mundial...

A revolução cultural socratiana ultrapassará, de longe, a visão do camarada Mao Tsé Tung, primeira figura das que o mundo conheceu a esse nível...

A engenhosa engenharia socratiana para a obtenção domingueira do canudo reluzentemente enquadrado em moldura de talha dourada, qual pergaminho medieval, bem como o não menos custoso e valorizado diploma Varense, igualmente alvo de tratamento especial que as paredes do, por certo, pomposamente decorado (a letra dirá com a careta...) espaço bancário reservado às altas esferas saídas de um balcão de província, são a prova provada da revolução cultural, que se espalhará, qual maná, por esse mundo fora...

Perdoe-se-me esta pequena divagação e retomemos o fio à meada, que é como quem diz, voltemos à cousa que motivou estas linhas...

Pois nesse negro período, havia uma certa apetência, nos meios rurais, pela nobre Arte de Talma...

O caso que ora narro passou-se não em Alguidares de Baixo, como depreciativamente se recorre à expressão sempre que se pretende omitir o local da ocorrência, mas sim em Terras da Maia, dessa Maia de Gonçalo Mendes e, perdoe-se-me a imodéstia, deste vosso escriba de horas mortas...

Os actores, todos eles amadores (porque amavam a representação, na verdadeira acepção da palavra...) quer porque a indumentária era apelativa - as peças reportavam-se sempre a períodos epocais já muito distantes, e óbviamente as roupas tinham um visual manifestamente diferente - quer ainda para alimentar o ego que a subida a um palco sempre aporta, (a luz da ribalta entontece...)

Os próprios estrados das salas de aula tinham esse objectivo de projectar o professor para umpatamar mais elevado, fazendo-o alvo das atenções...

Os actores, dizia, juntavam-se nas noites de sábado, no estabelecimento de barbearia local do Francisco Silva, alcunhado de Rôla...) onde o homem da navalha,também ele actor (normalmente protagonista dada a sua faceta de ter sido o unico a decifrar a "Pedra de Roseta" da "Cartilha Maternal" do grande João de Deus, por forma a aceder à leitura de carreirinha sem quaisquer sobressaltos...) tinha função redobrada...

Assim, o barbeiro Xico era quem tinha o esfalfante trabalho de ler, até à exaustão, todas as falas, todas as deixas, de forma a conseguir que os colegas actores (iletrados) decorassem os seus papéis...

Quando a coisa ficava afinada, aí vinha então o dia da estreia, com pompa e circunstância, até mesmo publicidade em cartazes onde os nomes dos actores eram apostos em letra miuda, à excepção do de Francisco Silva, que surgia num corpo enorme... A sala era a dos Bombeiros Voluntários, que apenas devia a sua existência à necessidade imperiosa de obtenção de fundos para a construção do novo quartel uma vez que o existente era simplesmente exíguo...

A sala não reunia portanto um mínimo de requisitos mas era por uma boa causa...

O guarda-fatos e os cenários eram eles também resultante de trabalho gracioso das gentis meninas da Maia e do pintor maiato, homem dos sete ofícios...

A peça de estreia foi "Inês de Castro" que ilustrava os amores proibidos do Infante D. Pedro (futuro rei D. Pedro I "O Crú" ) e Inês de Castro, aia de D. Constança, esposa do infante...

D. Afonso IV, pressionado pelos validos que o instigavam a matar a amásia de Pedro, pois segundo eles, Inês oriunda de família malquista galega, poderia constituir perigo para a coroa portuguesa acabou por incumbir dessa tarefa, Pêro da Covilhã, Álvaro Gionçalves e Diogo Lopes Pacheco...

Jazia Inês prostrada, em mar de sangue, após os golpes desferidos por Pêro da Covilhã e seus cumplices, rodeada de pajens e cortesãs num carpir contínuo, arrepiante, quando D.Pedro, regressado da caça, irrompendo na sala do crime e perante a evidência do quadro, pergunta:

- Quem matou a INESA ?

Face ao silêncio sepulcral, voltando-se para um dos personagens menores atirou:

- Fala minha besta!

O figurante, de papel secundário, (pajem provavelmente...) esquecido do nome do assassino, ao invés de dizer que fôra Pêro da Covilhã quem desferira a primeira facada no estômago da vítima, balbuciando na sua gaguez, demora uma eternidade (o que leva Pedro a sair de cena...) para desabafar contra a fanfarronice do barbeiro/actor/ensaiador (que aqui fazia de Pedro e de Pêro...) acabaria por dizer:

- Foi, foi, foi o Xico da Róla (alcunha do actor/barbeiro que representava os papéis de Pedro de Pêro) com uma facadela no fole das migas...

Acto contínuo, o dito Pêro/Xico da Róla que deveria estar já a caminho de Castela para aí se refugiar a mando de D. Afonso IV, irrompe na sala dizendo:

- Um momento, um momentinho senhores espectadores que vou só f.... as ventas a um destes analfabetos sacanas f.... da p... que me chamou Xico da Róla... Estes piolhosos são uma autêntica ralé que não conhece a nobre Arte de Talma... Não passam de actores secundários que nem ler sabem... Ando aqui a dar pérolas a porcos dentro e fora do palco...

E foi o bom e o bonito...

O referido Xico começou a contenda mas acabou por ser o bombo da festa...

Ninguém o suportava pelo pedantismo que exibia enquanto barbeiro erudito e protagonista de vários papéis nas varíadíssimas peças de teatro já produzidas.

Apesar do papel importante junto dos homens da terra pois lia o jornal em voz alta, especialmente às segundas-feiras por causa dos relatos do futebol, acabou mesmo assim por ser o alvo da ira de todos, actores e público em geral que aproveitou para molhar a sôpa em tão pedante figura...

Subindo ao palco das suas frustrações, os pagantes não aceitaram ter de ir embora sem terem visto missa amén... mas fundamentalmente não aceitaram o enxovalho.

Alguém fez cair o pano e os gritos e algazarra continuaram até que a Guarda acabaria por fazer o gosto ao cacetete, malhando a torto e a direito...

Os bandos saídos do arame farpado da plateia atamancada não conseguiram digerir os insultos nem calar a ofensa... Pararam a representação e disseram basta ao Xico da Rôla...

Hoje tenho pena que não tenhamos parado nós também, actores forçados no palco do teatro da guerra da Guiné, (nome bonito que os senhores da guerra gostam de utilizar...) para acusarmos os Xicos da Rôla que ali nos colocavam aproveitando eles para serem os protagonistas...

Para os Xicos da Rôla éramos actores secundários, representávamos bandos, mas quem fez o espectáculo da guerra, fomos nós, os andrajosos, com barbas hirsutas e cabelos mal cuidados, cheirando a catinga, porque nos calhou o lado pior da cena, vivendo em tugúrios nojentos,em buracos escavados no chão, como ratos, sem água, sem condições de higiene (as miseráveis que existiam tivemos de ser nós a criá-las ...), sem comida digna desse nome despejada quantas vezes em marmitas sem limpeza eficaz, ENQUANTO os Xicos da Rôla cirandavam perfumados, de óculos Ray-Ban (não fosse o sol forte danificar-lhes as vistas...), de lenço dobrado e colocado com parcimónia, quais pavões ARMANIamente trajados, de penduricalho reluzente ao peito, arquitectando traições à Pátria e a nós próprios que lhes alimentávamos as promoções, longe do perigo e do arame farpado, enxovalando-nos outra vez, agora mais de trinta anos passados...

Pena não termos agido como os amadores da Arte de Talma...


Com a promessa de envio das sextilhas semanais despeço-me com um grande abraço extensivo a toda a tabanca.
Manuel Maia
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4408: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (22): O desvendar do segredo (Manuel Maia)

Vd. primeiro poste da série de 7 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4154: Destas não reza a História (Manuel Maia) (1): Estou na Guiné há treze meses e a minha mulher está grávida

Guiné 63/74 - P4413: Estórias avulsas (33): Buracos da vida, ou os dias mal vividos (Luís Faria)

1. Mensagem de Luís Faria (*), ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 23 de Maio de 2009:

Amigo Vinhal

Ao ler alguns postes passados, Bu…rakos…, Bandos…, arames… e outros, dei por mim a recordar como o espírito criativo conseguia valor acrescentado em dias que não eram senão isso mesmo: uma espécie de Bu…rakos.

Um abraço a todos
Luís Faria


Guerras confidenciais
(de Bando … já se vê !!)


Ao longo da estrada Bula – S. Vicente, a partir do quilómetro três (K3) considerávamos que a zona era já bastante perigosa aumentando essa periculosidade na razão directa do crescendo quilométrico.

As nossas emboscadas nas laterais dessa estrada, a partir de certa altura passaram a ser consideradas rotineiras (não esquecendo que a rotina era inimiga da segurança !) e proporcionavam por vezes situações diferentes, talvez pela originalidade, por certo subjectiva.

A noite

As, por norma, 24 horas que por lá passávamos, chegavam a ser fastidiosas especialmente a noite, dada a incomodidade da cama e a voragem dos borrachões dos mosquitos aos milhões que não se fartavam de beber litros do seu néctar preferido, que muitas vezes martelávamos com álcool, na esperança de que ficassem azoados e trombassem num qualquer embondeiro ou bagabaga, ficando fora de combate, de preferência em coma, quanto mais não fosse, etílico !!

Havia quem nos quilómetros mais baixos e menos perigosos (especialmente Km 2), optasse (à socapa já se vê) pelo uso do célebre e concêntrico lion-brandt de cor verde d(n)a esperança de os afastar e de não atrair uma outra espécie erecta, mais violenta e letal que também nos azucrinava a mioleira demasiadas vezes!

Houve até quem, nestes mesmos quilómetros, talvez por na altura ser mais esclarecido e já defensor acérrimo dos ecossistemas e da preservação em liberdade das faunas, não usasse nenhum dos métodos anteriores e antes - não sendo adepto do trabalho mais pesado – optasse e mandasse de forma amável e bonacheirona, que alisassem o chão e lhe armassem o mosquiteiro que lhe tinham transportado (já não recordo se com ou sem colchão, mas a almofada estava presente), pedindo à plebe que estivesse atenta e não facilitasse, acrescentando um ouçam o que eu digo, não olhem para o que eu faço !! Acordem-me se houver algum problema (!!!), seguido passados uns momentos, de uma ronca destinada a não deixar adormecer as sentinelas, digo eu !

Por vezes, para quem não era adepto das insuficiências nas alternativas anteriores e não sendo viável acrescentar o transporte da cama, se a mente lhe sussurrava melosamente pedido por maior comodidade para o corpo… passava a pasta e abalava com escolta para dossel quartelino ou morancino (?!), quiçá para o aconchego de uma botija natural (?!), regressando no dealbar seguinte, bem disposto e com ar feliz de gozador, pronto e retemperado para uma nova jorna!!

Não faltou quem, se calhar por estar convicto que todo o ser vivo (menos o turra belicoso) tinha direito à vida, liberdade, saúde e alimentação, oferecesse altruisticamente o seu peito desnudado para o pleno saciar das necessidades básicas daquela demoníaca turba voadora !

Por fim havia a maioria não silenciosa assassina que não fugindo, tampouco virava a cara ao perigo de um bom confronto continuado, ora se defendendo ora atacando com golpes de mão mortíferos, que ecoavam rasgando o silêncio da noite guardada pelo cintilar de miríades de luzes estelares.

Com é sabido, o corpo humano tem necessidade de dormir o que, pelo atrás descrito não era uma tarefa assim tão fácil! Atento ao problema, o ecossistema na tentativa de manutenção do seu equilíbrio, quase diariamente e como ajuda, oferecia-nos música Wagneriana executada em palcos aramados mais ou menos próximos que nos permitiam distinguir ou não outros instrumentos para além dos tímbalos que, com o seu rufar de diferentes intensidades, mas sempre audível, controlava o espectáculo de luzes psicadélicas visíveis na noite estrelada, o que proporcionava na verdade um outro espectáculo emotivo e quase surreal .

Elementos do 2.º GCOMB nestas emboscadas. Em primeiro plano o Gomes.
Na boina vêem-se os pionés referentes aos combates tidos, à altura

Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados


O dia

Durante o dia, as coisas passavam-se de modo diferente e havia que lutar contra o tédio, o calor abrasador e a sede, especialmente quando estávamos estacionados e a permanência era mais prolongada sem que contássemos. Algumas vezes o Esquadrão de Cavalaria foi obrigado a levar-nos água, nas suas Panhard. Eram uns bacanos aqueles homens! E tinham um bar… ?!?!

Qualquer minudência servia para gastarmos o tempo, mais ou menos entretidos.

Era o observar das formigas no seu labor contínuo e se preciso, praticar um pouco de sadismo interrompendo-lhe o carreiro de andamento com um risco no chão, o que lhes causava um desnorte tremendo durante minutos! Era interessante e gastava muito tempo, ver o esforço e técnica com que um grupo delas transportava um peso pesado!

Era o observar da macacada, quando por lá apareciam, nas suas brincadeiras, no alarido dos seus falares, nos atravessamentos da estrada de um modo que mais pareciam soldados, dada a maneira como o faziam - primeiro o chefe, que depois de inspeccionar, dava sinal para que o seguissem, de corrida e em fila!

Era ver as circunvoluções dos jagudis omnipresentes e horrorosos que de quando em vez mergulhavam em voo picado sobre qualquer presa finada ou até por vezes (assisti) em mergulho suicida sobre o campo de minas, falhando a refeição e provocando o rebentamento de uma qualquer encrier (mina) que o estraçalhava e ao mesmo tempo tirava o pessoal da modorra em que se encontrava, pondo-o eventualmente a jogar às escondidinhas !

Era apreciar a destreza do subidor de palmeiras no seu trabalho de apanhar o fruto e por vezes, a sua queda auto-executada mas desamparada, causada pelo avistamento de qualquer cobra fatal enrolada no fruto. Quando infelizmente acontecia, prendia a nossa atenção durante bastante tempo observando toda a movimentação humana de ajuda que se desenvolvia ou mesmo até a nossa intervenção.

Era a jogatina com cartas amarfanhadas e sebosas, seguida por norma de discussões em surdina acaloradas e comezinhas, sem nexo e sem consequências que não fossem o atirar com as ditas, de rompante para o chão eventualmente acompanhado de um erudito ide pró que faz filhos …, expressão não vernácula, mas mesmo assim não menos redutora!

Era o plantio de minas-lata para provocar o gáudio e hilaridade do pessoal que assistia de bancada aos esforços de um papalvo crédulo na tentativa de remoção da ameaça, ainda por cima vazia.

Eram as leituras de aerogramas e revistas do coração, raras e atrasadas, seguidas por vezes de falatório de mal dizer e gozatório, consoante os intervenientes. Qualquer parágrafo ou foto podia despoletar extensa retórica pontilhada aqui e ali com belas figuras de estilo que podiam fazer inveja a qualquer estudioso e fazer corar o meu amigo T. Malcriado nado e vivido no Porto!!

Claro que não faltavam as sestas retemperadoras, se possível à sombra, e muito especiais se aconteciam a seguir a uma lauta refeição de lata, aquecida à vela ou na mini fogueira de gravetos, controlada para não dar nas vistas (pois claro ?!) regada com reconfortador nico de água desfrescada !!

Enfim… algumas engenharias e outras, de Bando… (!!!) na comodidade dos ares ventilados!

Luís Faria
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4383: Homenagem ao Serviço de Saúde das nossas Forças Armadas (Luís Faria)

Vd. último poste da série de 10 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4316: Estórias avulsas (32): “A bazuca em rajada” (Helder Sousa)

Guiné 63/74 - P4412: Dando a mão à palmatória (20): O Arsénio Puim, capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), só foi expulso em Maio de 1971

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1970 > O Alf Mil Capelão Arsénio Puim, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), com o furriel Guimarães da CART 2716, nos quinze dias em que passou no aquartelamento do Xitole. Infelizmente é a única fotografia que temos dele no CTIG.E ele também já nos confessou que só tem mais duas... O resto ficou tudo em Bambadinca, em Maio de 1971, quando foi expulso do BART 2917 e do CTIG...

Foto: © David Guimarães (2005). Direitos reservado

1. Escreveu o nosso camarada Abílio Machado, ex-Alf Mil, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) (*)


(...) O Puim. Outro exemplo impressivo. Memória perene. Porque há actos que, por dolorosos, queremos rejeitar, mas pelo exemplo não podemos esquecer. E ficam-nos como um padrão, ou uma tatuagem, ou um ferrete. Recortados no horizonte ou cravados na carne a frio são uma referência ou uma lembrança.

A coragem de um padre que não abdicou de o ser lá onde era o seu sítio: o altar. Já corriam, porventura trazidos pela brisa que vinda de certa Casa ribeirinha [, possível referência a um comerciante português, que morava na tabanca de Bambadinca,] se espalhava às vezes serena, às vezes inquieta, pela parada do quartel, uns ditos de que o padre Puim se desmandava nas homilias.

Os textos, ditos ou escritos, não eram visados pelo lápis azul. O Puim saberia disto? Não vou revelar o que penso, não quero ser inconfidente… E choveram relatórios para Bissau, por certo. Alguém que era regular nas missas.

E chegou o dia 1 de Janeiro – Dia Mundial da Paz. Ainda é ? Era-o em 1971. Ao que me disseram (eu não ia à missa : as minhas missas com o Puim eram grandes conversas, edificantes, pela noite fora), o Puim falou sobre a Paz.



Viseu > 26 de Abril de 2008 > 2º Convívio do pessoal da CCS do BART 2917 e unidades adidas(Bambadinca, 1970/72) > O Jorge Cabral,o David Guimarães, o Dr. Marques Vilar (médico psiquiatra), e o Abílio Machado (**).

Foto: © Jorge Cabral (2008). Direitos reservados


Nessa semana, à socapa – houve um silêncio quase opressivo ou é efabulação minha? - aterrou uma DO. Alguém, discreto, fez-me chegar a nova de que algo se passava com o Puim. Fui ver. Encontro o Puim sentado na cama, nervoso mas determinado, olhando uns sujeitos que impiedosamente lhe desmantelavam o quarto descarnado, de asceta, à cata de … Abriam, fechavam gavetas, apressados … Acabei retirado do quarto.

E levaram-no com eles . Vi-o passar. Parecia mais sereno . Chegou-nos que teria sido mal tratado em Bissau até pela própria Igreja . E que teria sido exilado para a sua terra: haverá coisa pior? Um exílio no próprio chão que o viu nascer?

Ninguém é profeta na sua terra nem fazem milagres os santos que conhecemos. Mais tarde soubemos que estava de facto nos Açores. E que despira o hábito … Mas abraçara outro sacerdócio … A igreja será agora o Hospital de Ponta Delgada" (..
.)


2. Comentário de L.G.:

O nosso camarada Arsénio Pui, é já membro da nossa Tabanca Grande. Tem diversas histórias para nos contar. Com tempo e vagar. Que ele é, ou a continua a ser, a calma em pessoa.

Enquanto passava uns dias por Lisboa e não regressa à sua terra (em voo previsto para 3ª feira, dia 26), em visita aos filhos (um, estudante de Engenharia, no Instituto Superior Técnico; outro, a frequentar a prestigiada Faculdade de Economia da minha Universidade, a Universidade Nova de Lisboa), o Arsénio Puim (foto à esquerda) falou comigo ao telefone, pelo três vezes, e teve oportunidade de me esclarecer esta história, que de facto está mal contada no nosso blogue...

Ontem, domingo, tive o grato prazer e o privilégio de o abraçar, retomando um contacto de há 39 anos... (que, devo dizer, não era íntimo: eu não ia sequer à missa, tal como o Machado, mas o Machado às vezes ainda dar uma ajudinha ao Puim, tocando o órgão: foi o ex-capelão que mo recordou, ontem; ele, de resto, tem uma boa memória, naturalmente selectiva: lembra-se mais de algumas coisas do que outras...).

Na época, em 1970/71, altura em que convivemos em Bambadinca, ele tinha já dez anos a mais do que nós, e portanto, outra maturidade. Antes de vir para a Guiné, enquanto se formava o batalhão, esteve na Serra do Pilar, na RAP2 - Regimento de Artilharia Pesada 2, em Vila Nova de Gaia. E aí houve uma função de capelania que o marcou: empilhavam-se os caixões, vindos do ultramar, com os restos mortais de militares naturais do Norte.

Nessa altura, ele terá feito mais de 70 cerimónias religiosas, por todo o Norte, acompanhando os nossos camaradas mortos até à sua última morada. 70 cerimónias religiosas, acompanhando o padre local, as famílias, as comunidades locais... Ainda hoje - confessa - não consegue esquecer essas emoções fortíssimas de dor e de luto, o odor característico dos féretros que vinham, teoricamente, chumbados, hermeticamente fechados, mas alguns apresentavam fissuras, rupturas, e exalavam um cheiro enjoativo...

Como é que chegou a capelão ? Diz-me que foi contra a sua vontade, por ordem do seu bispo, como muito provavelmente acontecia em todas as dioceses... Dado o seu nome à Cúria Castrense, veio parar ao Continente. Na Academia Militar, ali à Gomes Freire, em Lisboa, vai frequentar um curso de um mês e picos para capelães... Se bem percebi, esse curso terá sido no 3º ou 4º trimestre de 1969, e contou com a presença do então Major Capelão Gamboa...

Tirado à sorte, coube-lhe o BART 2917 e a Guiné... Esse curso não foi, contudo, pacífico: pela primeira vez, ao que parece, terá havido contestação do sistema por parte de alguns capelães... E essa contestação era liderada pelos açorianos, entre eles o Arsénio Puim, um homem que de resto, enquanto cidadão e como cristão, nunca escondeu que lutava pela liberdade e pela justiça...

Na Guiné, ele vai recusar usar armas... De facto, não nunca teve G3 distribuída. Quando chegaram a Bissau, e houve distribuição do armamento - no quartel de Brá, ao que parece -, antes da partida em LDG para o Xime, ele estave na fila, como toda a gente, mas, chegada a sua vez, disse delicadamente, ao segundo comandante, que dispensava a arma... nem sequer saberia usá-la...

Perante o insólito desta cena, o major ter-lhe-á perguntado, directamente, se ele não era "testemunha de Jeová" (Recorde-se que eram, na época, perseguidos por serem objectores de consciência). Provocação deliberada ? Piada de caserna ? Brincadeira de mau gosto ?

- Não, meu comandante, sou um padre católico...

A presumível antipatia, pelo capelão, alimentada pelo do 2º comandante do BART 2917 - de resto, um professor da Academia Militar, com tiques prussianos, que nos obrigava a bater a pala, em plena parada de Bambadinca, como se fôssemos vulgares instruendos, a nós, operacionais da CCAÇ 12, já com mais de um ano de velhice, muito sangue, suor e lágrimas na Guiné! - já devia vir de longe, "talvez da primeira homilia, em Viana do Castelo, aquando da formação do batalhão"... (***)

Não, no dia 1 de Janeiro de 1971, não aconteceu nada. Isto é: não houve represálias... Mas haveria mais homilias da paz, e sobretudo a da Abril. Terá sido essa famosa homilia que entornou o copo...

Eu já não já estava na Guiné, tinha regressado a casa em meados de Março de 1971... A CCAÇ 12, agora com novos tugas, periquitos a enquadrar os soldados africanos, juntamente com a subunidade de quadrícula do Xime (CART 2715), tinha feito prisioneiros, no região do Xime, possivelmente na zona do Poindon / Ponta do Inglês, como diz explicitamente o Carlos Rebelo, nos seus versos sobre o Romance do Padre Puim (****). Era população civil, incluindo mulheres e crianças, que viviam sob controlo do PAIGC.

Uma das mulheres tinha acabado de dar à luz, três dias antes da operação. Eram balantas, possivelmente oriundos de Samba Silate, destruída e abandonada no início do guerra. Foram levadas para Bambadinca. 

O grupo ficou detido numa espécie de galinheiro que havia perto da escola, que continuava a ser dirigida pela Profª Violete que tinha, lá em casa, a viver consigo, um puto, o Alfredo, de 15 anos, que irá mais tarde ser mencionado na ficha da PIDE/DGS do capelão, por alegadamente ser do PAIGC ou possível informador do PAIGC...

Era nesse galinheiro, na ausência de uma verdadeira prisão, que ficavam os prisioneiros, em trânsito para Bafatá, ou para Bissau (tratando-se e guerrilheiros: quanto aos civis, nem sempre era fácil a solução da integração nas tabancas balantas da região - basicamente, Nhabijões, Mero, anta Helena- , havendo crianças já nascidas no mato, e que nos olhavam aterrorizadas, quando o roncar das nossas GMC...).

Bom, resumindo, parece que a CCS do BART 2917 não fornecia comida aos prisioneiros, maioritariamente mulheres e crianças. Ficaram à mercê da caridade da população local, de Bambadinca e Bambadincazinho, entre a qual havia simpatizantes do PAIGC...

O Puim, inteirado da situação, condoei-se daquela gente e começou a visitá-los. Levava leite às crianças. E protestou contra aquela situação de injustiça. Era, de resto, um homem que não se calava, como não se calou quando o ex-furriel ''cmd' Uloma, da 1ª Companhia de Comandos Africanos, se deixou fotografar, com um cabeça cortada de um prisioneiro, na parada de Bambadinca... 

Perguntou, já não sabe a quem (possivelmente, ao cap Barbosa Henriques, instrutor, ou ao major Leal de Almeida, supervisor) se aquilo era digno de um exército civilizado... Se bem me lembro, esta cena ter-se-á passado  em outubro de 1970, depois de uma operação a norte do Enxalé...

Através de um intérprete, um polícia administrativo, as mulheres diziam que o Puim era "manga de bom pessoal", mesmos sem saberem qual era a sua função ou o seu papel naquela guerra... Seria, de resto, difícil explicar-lhe o que era um capelão e para que servia... Para elas, era apenas um tuga bom...

Numa das suas homilias, num domingo de Abril, o Puim abordou este tema, doloroso, para ele... O tratamento dos prisioneiros nem sequer estava de acordo com a política, superiormente definida por Spínola, e consubstanciada no slogan Por uma Guiné Melhor...

Terá sido a partir daqui que ele foi denunciado, possivelmente não já pela primeira vez, e que em maio de 1971 surge uma famigerada "ordem de Bissau" (que ele nunca leu, por não lhe ter sido mostrada) para ele se apresentar no "Vaticano" (as instalações dos capelães militares em Bissau)...

O papel de Bissau (não se sabe por quem era assinado...), com a sua ordem de expulsão, estava nas mãos do 2º comandante do BART 2917, acompanhado para o efeito pelo major de informações e operações... A ordem foi lida pelo 2º comandante,  diz-me o Puim...

Nas conversas que tenho tido com ele, ao telefone, o Puim nunca refere a presença de nenhum agente da PIDE/DGS... Afirma categoricamemente que quem passou a revista ao seu quarto (de resto, partilhado pelo Dr. Vilar, o médico, também conhecido pela alcunha O Drácula), quem mexeu nos seus objectos pessoais, na sua mala... e quem confiscou o seu diário, foi o 2º comandante. 

De qualquer, a meticulosa e omnipresente PIDE/DGS averbou esta cena no ficha do Puim... O que sugere alguma promiscuidade (de resto, comnhecidaq)  entre a PIDE/DGS e a hierarquia militar ...

Admito que a PIDE/DGS (de Bafatá) estivesse por detrás de tudo isto, ou pelo menos acompanhasse o processo do polémico capelão de Bambadinca... Mas como o Puim era um oficial do exército  e ainda por cima capelão, graduado em alferes, é natural que Bissau tenha dado ordem para ser a hierarquia militar a encarregar-se do caso... e não armar escândalo. Afinal, os tempos já eram outros... Spínola tinha a PIDE/DGS ao seu serviço, ou pelo menos sobre a sua tutela e protecção.

O Arsénio diz-me que foi sozinho para a aeronave que o esperava, na pista... (Ele queOdetestava andar de Do-27|). Sem escolta. Sem alarido. Sem despedida. Sem lágrimas... Mas com a dor na alma, com revolta, com indignação. Os únicos que assistiram a esta cena, para além dos dois majores do comando do BART 2917, terão sido o Machadinho (o alf mil Abílio Machado) e o sacristão, o 1º cabo Teixeira...

O Puim tinha horror à DO 27... Um dia foi para Mansambo ou Xitole, de DO, com o major Barros e Basto, à frente. Atrás, sentados no chão, ia ele e o sacristão... Vomitou tanto, que ainda hoje se recorda desse horrível dia... Nunca mais quis ir "by air"... Preferia ir nas colunas logísticas, sem arma, protegido discretamente pelos soldados que iam na viatura com ele, como daquela vez em que também foi a Helena e o marido, o alf mil Carlão...

Era pressuposto a Helena fazer uma viagem turística até ao Saltinho (um sítio paradisíaco).. Ficou retida em Mansambo, por que houve uma mina que matou um picador e feriu outro gravemente, numa mina detectada junto à Ponte dos Fulas (e não da ponte de Jaragajá, garante o Puim). Foi uma das vezes em que ele ia passar duas semanas ao Xitole, como costumava fazer periodicamemte, dividindo o seu tempo pelas unidades de quadrícula (além do Xitole, o Xime e Mansambo)... (Prometeu confirmar a data no seu diário, que lhe foi devolvido, mais tarde, já depois do 25 de Abril, com uma única folha rasgada...).

O nosso caplão ainda teve uma semana em Bissau, a aguardar transporte, e outra semana em Lisboa, até ser "recambiado" para os Açores... Em Bissau, foi recebido por uma alta patente militar (que ele não consegue identificar, mas que até teve om ele um comportamento civilizado) bem como pelo seu superior hierárquico, o major capelão Gamboa (se não me engano)... Em contrapartida, os amigos e camaradas de Bambadinca que na altura estavam de passagem em Bissau, fizeram-lhe um jantar de despedida, onde também esteve o 1º sargento Brito, como faz questão de frisar...

Inicialmente, eu não sabia o que se passara depois... Ontem, na casa dos seus filhos, em Lisboa, ali perto da Praça do Chile, ele contou-me o resto... Não falou com o seu bispo, mas voltou a paroquiar na sua Ilha, Santa Maria... 

Mais tarde, quis fazer a experiência de padre operário, que estava na moda... Decidiu ir para São Miguel tirar o curso de enfermeiro na Escola de Enfermagem... Iria perceber, mais tarde, que as duas funções eram incompatíveis, ser enfermeiro e ser padre... Acabou por se enamorar de uma jovem enfermeira, mais nova, com quem viria a casar, e que é hoje a mãe dos seus dois filhos. O casal passou a viver definitivamente em Ponta Delgada, creio que já depois do 25 de Abril.

Hoje o Puim já está reformado, enquanto a esposa ainda trabalha. Na Iha de Santa Maria, tem a casinha dos pais mas já não tem família. Volta lá no verão, de férias.

Pareceu-me um homem sereno, de bem com a vida, orgulhoso dos seus fllhos, um pai extremoso e dedicado, e ainda hoje com sentido de missão e com os meus valores espirituais e éticos. (Disse que já tinha telefonado ao Leones, que está cego, e que iria encontrar-se com ele, ainda antes de voltar aos Açores; o Leones, cego por uma mina que também matou o Quaresma, era do Xitole, e camarada do Guimarães; está reformado da Caixa Geral de Depósitos ou da Segurança Social, no sei ao certo.)

O Puim quer, por fim, fazer as pazes com um certo passado, na Guiné, ou pelo menos partilhar connosco as memórias, boas e más, daquele tempo. Sê-bem vindo, Arsénio! E desculpa a trapalhada de datas em que te metemos... Estávamos a roubar-te cinco meses de vida... na Guiné! (****)

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1763: Quando a PIDE/DGS levou o Padre Puim, por causa da homília da paz (Bambadinca, 1 de Janeiro de 1971) (Abílio Machado)


(**) Vd. poste de 16 de Maio de 2009 >
Guiné 63/74 - P2847: Convívios (57): CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Viseu, 26 de Abril (Jorge Cabral)

(***) Vd. poste de 18 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4372: Convívios (131): CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), com o Arsénio Puim e os filhos do Carlos Rebelo (Benjamim Durães)

(****) Vd. poste de 25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4410: Cancioneiro de Bambadinca (4): Romance do Padre Puim (Carlos Rebelo † )

(...) Foi mais ou menos assim
que se passou com o Puim,
padre daquela fornada
do Vaticano Segundo,
e capelão militar:
criticou a hierarquia
por usar e abusar
dos prisioneiros de guerra,
velhos, mulheres e crianças,
que a tropa em suas andanças
trazia ao aquartelamento (...).

Todos os anos, pela época seca, se faziam incursões às zonas com população sob controlo do PAIGC no triângulo Bambadinca- Xitole - Xime... E era fácil fazer prisioneiros, sobretudo mulheres, crianças e velhos, que não podiam fugir à frente da tropa e que depois eram levados para Bambadinca... Vd. por exemplo, poste da I Série > 19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado


(*****) Vd. último poste desta série > 15 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3897: Dando a mão à palmatória (19): O meu amigo ex-Fur Mil Pil Ramos, de Vila Nova Famalicão (Humberto Reis)