quarta-feira, 28 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6265: Convívios (223): Encontro da CCAÇ 3477 “Os Gringos de Guileje”, em Águeda, dia 8 de Maio de 2010 (Amaro Munhoz Samúdio)


1. O nosso Camarada Amaro Munhoz Samúdio, ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 3477, "Gringos de Guileje” - Guileje - 1971/73, enviou-nos o programa da festa da sua Companhia:


ENCONTRO DA CCAÇ 3477 "GRINGOS DE GUILEJE"
Camaradas,
Os Antigos Combatentes na Guiné intitulados os "GRINGOS DE GUILÉGE", vão-se encontrar no próximo dia 08 de Maio, em Águeda.
O local de encontro nas Caves Aliança, em Sangalhos – Anadia -, às 11h00, com a programação organizada pelo meu camarada Abrantes Costa.

Programa

Visita às Caves pelas 11h00 c/explicações de um Enólogo (BOM... digo eu!);

Almoço na Sala Nobre, para saborear Leitão à Bairrada e uma inevitável degustação dos excelentes vinhos e espumantes Aliança;

Visionamento de novos e interessantes slides da Guiné/Guileje.

Guileje > Nov.1971/Dez.1972 > Para quem já esqueceu
Um Abraço,
Amaro Samúdio
1º Cabo Enf da CCAÇ 3477
Miniguão de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

28 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6264: Convívios (136): Encontro Nacional de Pára-quedistas, em Cantanhede, dia 3 de Julho de 2010

Guiné 63/74 - P6264: Convívios (222): Encontro Nacional de Pára-quedistas, em Cantanhede, dia 3 de Julho de 2010


Encontro Nacional de Pára-quedistas
3 de Julho de 2010


Caro/a Camarada
No próximo dia 3 de Julho de 2010, vai-se realizar em Cantanhede um Encontro Nacional de Pára-quedistas.
Estão convidados todos os Pára-quedistas, respectivos familiares e amigos, para este encontro de confraternização e amizade entre a comunidade pára-quedista.


Sejam todos bem-vindos!


O programa é o seguinte:


09.00 horas – Ponto de Encontro junto ao Monumento dos Veteranos de Guerra do Centro (Junto ao Tribunal Judicial de Cantanhede)
Coordenadas: 40º20’49.53’’N / 8º35’22.04’’W


09.30 horas – Missa na Capela de S. Mateus (junto ao Monumento dos Veteranos), seguida de deposição de Coroa de Flores


13.00 horas – Almoço na Quinta do Brijal (Braganção, Cadima)
Coordenadas: 40º21’07.06’’N / 8º40’46.59’’W


15.30 horas – Passagem dos Caças F16 da Força Aérea Portuguesa


16.00 horas – Saltos de Pára-quedistas na Academia Municipal de Golfe de Cantanhede (Complexo Desportivo de Cantanhede, Zona Industrial de Cantanhede)
Coordenadas GPS: 40º 21' 46"N / 8º 36' 14"W

Para o almoço teremos entradas variadas, Sopa Gandareza, Bacalhau no Forno à Amigo, Leitão à Bairrada, Doces, Sobremesas, Bebidas, cafés e digestivos.


Informações adicionais:


* Para que tudo corra conforme previsto é essencial o cumprimento do horário, que será seguido impreterivelmente, pelo que se solicita pontualidade a todos os participantes. Para os camaradas que venham de mais longe e que cheguem mais tarde, sigam directamente para a Quinta do Brijal, caso cheguem depois das 11h30.


* Todos os pára-quedistas devem trazer a sua Boina Verde.

* Podem trazer os familiares, acompanhantes e amigos que pretenderem, desde que façam referência a eles, e os identifiquem quando fizerem a transferência bancária.
As inscrições só serão consideradas após pré-pagamento por transferência bancária:
Nº Conta: 40235487024 da CCAMCM
Nome Cliente: Licínio Espírito Santo dos Santos
Banco: Crédito Agrícola Mútuo de Cantanhede e Mira
NIB: 004530204023548702446
Valor a transferir: €27,00 para adultos e €13,50 para crianças dos 6 aos 10 anos. Até aos 6 será grátis.
Após terem efectuado o pagamento devem confirmar através do mail paraquedistascantanhede@hotmail.com que efectuaram o pagamento.
Só assim poderemos contabilizar dados e participantes.
É importante referirem o nome do titular da conta de onde é feita a transferência, para que se possa facilmente identificar a proveniência.
Data limite para inscrições/pagamento: 20 Junho de 2010

INSCRIÇÕES para:
paraquedistascantanhede@hotmail.com

Carlos Neto – 918823991
Joaquim Encarnação – 933604460
Licínio Santos – 965842566
Carlos Grosso – 933616525
Tino Reis – 919165533

Comissão Organizadora
Pára-quedistas de Cantanhede
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P6263: Ser solidário (65): Solidariedade não é caridadezinha (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 19 de Abril de 2010:

Caros Luis, Vinhal, Magalhães. Briote e restante Tabanca Grande
Este texto é dedicado a todos camaradas, que na amizade recolhem algum conforto para as suas dificuldades.

Um abraço para todos
JA


SOLIDARIEDADE

Não nos vemos há 38 anos e mais uns pozinhos. Voltámo-nos a encontrar aqui no blogue no inicio de 2008, quando pela primeira vez reparei num poste, em que ele dizia ter pertencido ao meu Batalhão.

Trocámos e-mails e recordações, enfim tornámo-nos amigos embora à distância, uma vez que em Galomaro só nos conhecemos de vista.

No último almoço no Cartaxo esperava encontrá-lo, mas tal não aconteceu, quando o questionei sobre isso, ele disse-me que a vida não estava fácil e nunca mais tocámos no assunto.

Há largos meses atrás, comunicou-me que estava doente e possivelmente deixaria de responder por algum tempo aos e-mails, que trocava com um grupo de amigos ex-combatentes.

A nenhum avisou da gravidade do seu estado de saúde.

Ofereci-me para falar com alguém e ajudá-lo no que pudesse, mas o nosso camarada, nunca mais respondeu às minhas mensagens.

Fiquei a pensar no orgulho, que todos precisamos de ter e na confusão que por vezes se faz entre solidariedade e caridade.

O meu camarada pensará, que quem aceita a caridade dificilmente se revolta.

A caridade pratica-se com os vencidos, ela afoga-nos, torna-nos seres perto do abismo e presa fácil do que sempre rejeitamos.

Lá dizia o poeta Aleixo sobre;

A ESMOLA NÃO CURA A CHAGA;
MAS QUEM A DÁ NÃO PERCEBE
QUE ALVITA, QUE ELA ESMAGA
O INFELIZ QUE A RECEBE

Brincar à caridadezinha é profissão de certas classes que assim mostram aos outros “ olha que bonzinhos que nós somos” “que seria destes pobrezinhos se não fôssemos nós?”

A caridade só existe, porque uns cada vez têm de mais e outros cada vez têm de menos.

É pois, se assim se poderá chamar, uma distribuição injusta pois eles não dão os que lhes faz falta, mas sim um pouco das suas sobras e dão a conta gotas porque assim mantêm a necessidade.

É isso que eles entendem por caridade pois solidariedade eles não sabem o que é.

Solidariedade é repartir o último cigarro, o último pedaço de pão, a última água do cantil. Dar o que nos faz falta a nós e não o que nos sobra.

Nós ex-combatentes sabemos do que falamos.

Depois de tentar saber dele por diversas vezes, finalmente sobe que estava relativamente bem após a primeira fase dos tratamentos de quimioterapia e que entretanto recomeçaria nova dose dos mesmos.

Penso no meu camarada, que no seu sofrimento e apesar dele, mantêm uma atitude de desprezo perante a adversidade.

Serão assim os que embora possam ser derrotados, nunca serão vencidos.

Nunca estenderão a mão suplicante, para que lhes dêem migalhas.

Quando a tempestade passar, voltaremos a trocar e-mails, fotos, recordações e quem sabe bebermos uma bem fresquinha, em memória daqueles tempos.

Um abraço solidário do teu camarada
Juvenal Amado


2. Comentário de CV

Sei quem é o camarada em causa, mas acho que ele tem direito à sua privacidade, logo não divulgo a sua identidade.

Ele disse-me que ia deixar de nos contactar por estar muito doente e precisar de tratamento agressivo que o ia afastar durante uns tempos. Enviei uma mensagem desejando-lhe as melhoras e coragem para vencer a adversidade, mas já não obtive resposta.

Caro camarada, se nos leres, fica a saber que estamos todos a torcer para que venças a doença e voltes a enviar-nos a tua música por muitos já esquecida.

Sei que o Juvenal é teu amigo e quer ajudar-te. Responde-lhe. Entre camaradas não há que ter orgulho.

Um abraço solidário para ti e um bem haja para o Juvenal, sempre atento.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6166: Tabanca Grande (212): Manuel Carvalho Passos, Pel Rec Inf/CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/73 (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6216: Ser solidário (64): Teixeira Pinto (actual Canchungo). Manjaco Francês (Fabien Gomis)

terça-feira, 27 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6262: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (26): Diário da ida à Guiné - 06/03/2010 - Dia três

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 19 de Abril de 2010:

Caro Carlos:
Junto mais um relato (do 3.º dia), da minha ida à Guiné, para a série A Guerra Vista de Bafata. (cheguei finalmente à conclusão que Bafata se escreve assim mas que se lê Báfata)

Muito brevemente vou mandar o 1.º capítulo da série NA KONTRA KA KONTRA.

Um abraço
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BÁFATA - 26

Diário da ida à Guiné – Dia três (06-03-2010)


Nesta manhã, o Chico Allen disse que tinha que ir a Bissau tratar de uns assuntos. Bafata pareceu-me mais uma vez fora de questão. Achei portanto que era a oportunidade de ter a primeira experiência de caça. Engoli qualquer coisa e, como era a primeira vez e não conhecia a região, fui na companhia do balanta José. (Nos dias seguintes fui sempre sozinho).

Partimos em direcção a Sul, por carreiro bem marcado. Numa encruzilhada virámos à direita para Poente por onde o carreiro mal se via. Em determinada altura encontrámos um homem que se dedicava à recolha de vinho de palma o qual me explicou todos os procedimentos e mostrou os apetrechos da recolha. Achei interessantíssimo o funil para conduzir a seiva para a cabaça de recolha, lá no cimo das palmeiras, feito com pedaços de folha de palmeira.

Foto 1 > O recolector de vinho de palma com o “cinturão” usado para subir às palmeiras.

Foto 2 > Em cima da cabaça de recolha podem ver-se uns doze funis de folha de palmeira encaixados uns nos outros. São usados no número necessário para cada caso.

Passámos por uma plantação de mandioca, tendo o José aproveitado para arrancar uma raiz e roê-la, quiçá o seu pequeno almoço. Inflectindo novamente para Sul, fomos ter a uma grande clareira com um charco no meio. Daí debandaram algumas garças brancas e uns pássaros que ao voar pareciam prateados. Noutro dia, já sozinho, escondido na vegetação pude verificar que se tratava de simples pica-peixes matizados de branco e preto que ao esvoaçar pareciam de prata. Ambos os passarocos não valiam um tiro, pelo que não disparei.

Foto 3 > O balanta José, que me acompanhou na primeira saída para o mato, com outro homem que encontrámos.

Ainda fomos mais para Sul e Nascente, mas como eu ia mais como observador, levava a máquina fotográfica enquanto ele levava a caçadeira. Regressámos ao empreendimento.

O resto do grupo almoçou em Bissau e eu cozinhei qualquer coisa para mim. Foi bom pois descansei pela primeira vez. A meio da tarde já com o grupo reunido, soubemos que na tabanca de Bofo tinha morrido uma mulher grande, pelo que ia haver festa (choro). Logo para lá nos dirigimos para não perdermos aquele autêntico espectáculo. O ritmo da batucada balanta (não com tambores mas com troncos de interior escavado) era de tal forma contagiante que não demorou muito a que todos nós andássemos aos saltos no meio de toda aquela gente africana. Era alegria, também pó, muita cor, movimento, mas sobretudo ritmo. Tenho muita pena de não pôr aqui os filmes que fiz para ver todo o pessoal do nosso grupo aos saltos.

Foto 4 > O tronco escavado que os balantas usam nos batuques.

Foto 5 > A alegria contagiante estampada na cara do Mesquita.

Foto 6 > Muito pó à mistua.

Foto 7 > Muita cor.

Foto 8 > O Pimentel ensaiando um passe.

Foto 9 > As rusgas sucediam-se.

Foto 10 > Outra rusga.

Foto 11 > A alegria era constante. Iam-se formando grupos que entoavam “cantares”, ininteligíveis para nós, não balantas.

Foto 12 > Toda a gente vestiu a melhor roupa para o choro (festa).

Porém, como de vez em quando alguns africanos disparavam caçadeiras para o ar, uma moça do nosso grupo assustou-se e tivemos que a levar embora dali. Foi uma pena pois perdi a cena que estava a começar, a da largada de seis ou sete vacas, para serem abatidas e comidas durante os festejos.

Foto 13 > Um dos disparos de caçadeira que motivou o medo da moça e consequentemente a nossa retirada.

Tornando ao Anura deparámos com um macaquinho abandonado, quase acabado de nascer que um dos guardas tinha recolhido. A mãe fugira perseguida pelos cães. Diariamente passei a alimentá-lo com um biberão improvisado.

Foto 14 > O macaquinho a que passei a dar leite diariamente.

Jantámos uma autêntica “bianda” feita pelo namorado da filha do Allen. Noticiário, conversa e cama.

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2010). Direitos reservados.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6185: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (25): Diário da ida à Guiné - 05/03/2010 - Dia dois

Guiné 63/74 - P6261: Controvérsias (70): Os peões das Nicas (Mário G. R. Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem, em 22 de Abril de 2010:

Camaradas,

Houveram factos no seio das Forças Armadas, no período da Guerra do Ultramar, que por mais polémicos que sejam, ou susceptíveis de ferir sensibilidades, devem ser discutidos e analisados por todos nós, para melhor se compreender como “funcionou” a guerra a que todos nós estivemos sujeitos.

"OS PEÕES DAS NICAS"
Ao ler as considerações do Sr. Coronel Carlos Morais da Silva, sobre os Capitães Milicianos que participaram na guerra do Ultramar, não podia ficar indiferente ao que o mesmo expõe e ao estudo profundo que fez sobre o melindroso tema.

Segundo as conclusões a que chegou, escreve o Sr. Coronel Carlos Morais da Silva, citando a tese do Sr. Dr. Manuel Rebocho (1.º Sargento-Mor Pára-quedista), na Universidade de Évora, o seguinte:

"(…) Também se provou que a partir 1966, os Capitães de carreira se foram afastando do comando das Companhias retirando-se para locais longe da guerra e para actividades ditas da retaguarda.

(…) Os Oficiais dos anos 60 fugiam da guerra.

(…) A Academia Militar falhou na selecção e na formação psicológica das futuras elites militares.

(…) O Exército cometeu mais um erro ao colocar nas funções de Estado Maior, oficiais sem capacidade de adaptação e sem experiência, quer da tropa, quer da guerra, pois nunca lá tinham estado ou pretendiam vir a estar.

(…) Deu-se a "fuga" de oficiais combatentes para os serviços de apoio.”

Cada um dos autores tira conclusões antagónicas.
O Dr. Manuel Rebocho recorreu a uma série de gráficos percentuais, para demonstrar a sua razão da realidade.

No entanto ao confrontar a sua exposição contestatária à tese, verifica-se nos seus gráficos demonstrativos algumas lacunas a meu ver contraditórias.

Se não vejamos:

Nos gráficos percentuais que apresenta nos últimos anos da Guerra, referentes a 1972 a 1974, é notório um acréscimo elevado de Capitães Milicianos no Comando das Companhias Operacionais, sem explicar um motivo plausível para o facto.

O estudo, ao englobar capitães desde 1958, e só por via disso, provavelmente, consegue apresentar um número superior de capitães no comando de companhias em combate.
Porém, naquela data não havia combates, nem no Estado Português da Índia se pode referir isso, porque ali, as tropas não combateram.
O que é importante, é acentuar que com a evolução da guerra, os comandos das companhias de combate passaram a ser atribuidos, cada vez mais, conforme as estastisticas da Tese, como do Estudo, a capitães milicianos.
A meu ver o problema não se resume a uma mera estatística de números, porque fica por explicar como a partir de 1972 os Comandos Operacionais das Companhias passaram a ser maioritariamente exercidos por Milicianos, e o mais grave índice, a meu ver, é evidente nos anos em que a guerra, nomeadamente na Guiné, teve um maior incremento.

Ao confrontar os gráficos do Sr. Coronel Carlos Morais da Silva, com outros estudos e considerações de camaradas, que como nós que combateram noutros locais do Ultramar, encontrei no Blogue: mitoseritos.blogs.pot.sapo.pt (Setembro de 1969), um gráfico idêntico ou parecido e com considerações e conclusões diferentes.
Também ao ler o livro "OS PEÕES DAS NICAS" de Rui Neves da Silva, conclui, convicta e inabalavelmente, quanto fomos os “peões das nicas” nas contendas africanas acima referidas.


Capa do livro de Rui Neves da Silva
Mais recentemente ao ler um artigo de Orlando Pereira, no jornal “Cinco Quinas - Vida Arraiana”, sobre os oficiais do 25 Abril, tirei algumas ilações do “tabu”, que ainda hoje persiste sobre o tema.

Para todos os camaradas que colaboraram comigo na redacção final deste texto, aqui ficam registados os meus humildes e sinceros agradecimentos.
Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6071: Controvérsias (69): Hélder Valério e os comentários a Beja Santos (José Brás)

Guiné 63/74 - P6260: A Guiné aos olhos das actuais gerações (3): Estou feliz e estou grata por esta oportunidade (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

1. Mensagem de Hélder Sousa* (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 29 de Março de 2010:

Caros amigos Editor e Co-Editores
Em anexo envio o terceiro documento da série que me propus colocar com a experiência da Marta Ceitil em terras guineenses.

Depois de Bissau, agora foram duas semanas de formação em Mansoa.

Acho interessante o relato com os locais e a 'população-alvo' das acções de formação.
É igualmente comovente a forma como conseguiram criar-lhe um ambiente envolvente para o seu primeiro aniversário passado afastado da família.

É curiosa a forma como a aprendizagem e o progressivo (re)conhecimento da Guiné e dos guineenses vai moldando o sentir desta jovem.

Calculo que muitos dos nossos camaradas 'atabancados' tenham igualmente passado por um processo semelhante, em termos de aproximação à terra e às suas gentes, e se revejam agora nestes relatos, com 'histórias em tempos de paz' (relativa, é certo!).

Um abraço
Hélder Sousa


A GUINÉ AOS OLHOS DAS ACTUAIS GERAÇÕES (III)

Estou feliz e estou grata por esta oportunidade


Hélder Sousa / Marta Ceitil

No seu anterior mail, datado de 9 de Agosto, a Marta já tinha tido oportunidade de revelar os avanços da sua aprendizagem, de como eles funcionaram em género de ‘terapia de choque’ e como isso a estava a ajudar a crescer.

Agora vamos tomar conhecimento como correu a acção seguinte, em Mansoa. Chamo a atenção para o tipo de acções de formação, para os temas e para o ineditismo de envolver militares, com sessões no quartel-general e na discoteca. Imaginem isso cá!

Acresce ainda o facto do aniversário da nossa narradora ter ocorrido durante esse período, o que também a marcou de forma indelével, como poderemos constactar.

Esse mail, datado de 25 de Agosto, foi o que se segue:

Subject: Já lá vai quase 1 mês: saudades!!!

Date: Tue, 25 Aug 2009 19:49:07 +0000

Olá :)

Kuma ki bo mansi?? Esta é a minha preferida, significa: como é que amanheceste?

Chegámos hoje a Bissau, estivemos estas duas semanas em Mansoa, que fica no interior a 1 hora de caminho. Mansoa é conhecida também pelo seu quartel militar que é o segundo maior do País. Sempre que acontece alguma coisa na Guiné foi arquitectado em Mansoa.

Políticas e guerras à parte, amei Mansoa. Foi quase uma colónia de férias "à lá Guiné". Estivemos na Escola Nacional de Voluntariado, com 250 jovens de todo o país. Ficámos a dormir com eles em camaratas.

A adaptação aqui custou um bocadinho mais, andávamos a queixar da nossa residencial em Bissau, aqui... bem passámos de um Hotel de 5 estrelas para a tabanka. Não há casas de banho com sanita, é um buraco. Para tomarmos banho, tínhamos de ir buscar água ao poço todos os dias e tomar banho à caneca. A minha adaptação demorou um dia, assim que entrei no ritmo adorei. Gostava do ritual de ir buscar a água com as mulheres e colocar o balde na cabeça (esta parte não me correu bem, não me consigo equilibrar com aquilo), tomar banho ao ar livre é brutal, principalmente à noite sem electricidade. Lavamos a nossa roupa com a água do poço, no primeiro dia em decidimos lavar, foi um acontecimento social: 4 brancas a lavarem a sua roupa, até tiraram-nos fotos e tudo!

Outra parte interessante, é ver a minha evolução em relação aos bichos: todas as noites era eu que inspeccionava o nosso colchão, e rede mosquiteira. Qual baratas voadoras, sapos, ratos, minhocas, qual quê, nada disto me faz impressão. Também ainda não tive nenhum encontro com uma iguana, a ver vamos se mantenho a mesma postura.

Entretanto apanhei outro ‘estaladão’ invisível. Eu tinha um preconceito enorme em relação aos militares, andava na rua e cada vez que via um mudava para o outro lado da estrada e nem sequer olhava ou cumprimentava (na Guiné toda a gente se fala, diz bom dia e kuma?). Pois bem, uma das áreas de actuação da RENAJ (a entidade parceira com a qual o ISU trabalha), é precisamente ‘desconstruir’ esta ideia à volta dos jovens militares e aproximá-los da juventude civil. Neste campo de férias, estiveram presentes 5 mulheres e 10 homens militares. 5 deles foram meus formandos (3 mulheres e 2 homens) e foi brutal ver a minha reacção inicial, desconfiada de tudo, e depois ver como me deixei ir. São pessoas como eu, e como qualquer outro Guineense, pelo menos ali naquele contexto. São mais inteligentes do que alguma vez eu pensei que fossem, e esta nova geração está mesmo empenhada nesta aproximação entre militares e civis, o que para mim faz todo o sentido, e querem ter uma participação activa na sociedade através do movimento associativo.

Em relação à formação, correu bem. Foi dada pelo Evaldo que é um animador em Saúde Sexual Reprodutiva dos Médicos do Mundo. O meu papel aqui foi orientá-lo ao nível pedagógico, trabalhar e preparar as sessões com ele, pensar nos métodos que ele iria utilizar para que os formandos assimilassem bem os conteúdos da formação. No entanto, dado o tema da formação e visto eu ser mulher, acabei por intervir mais do que ao que devia na formação, pois todos queriam que eu falasse da minha experiencia e trouxesse exemplos e comparasse a realidade da Guiné com a de Portugal. Adorei falar sobre este tema, não me senti nada incomodada, no fim de cada sessão ficavam todos à conversa comigo para tirar dúvidas ou simplesmente falar sem tabus. Tivemos uma componente prática: os formandos tiveram de fazer uma campanha de sensibilização para as doenças sexualmente transmissíveis, com especial enfoque no HIV/SIDA, na discoteca de Mansoa junto dos jovens e no Quartel-General junto dos militares. Ambas correram muito bem e mais uma vez ficou o sentimento de: "Missão Cumprida"

Quanto ao meu dia de anos, não quero ferir susceptibilidades, mas este foi sem sombra de dúvida o melhor aniversário de sempre. Os meus formandos e não só, os restantes jovens das outras turmas passaram o dia inteiro a preparar-me uma festa, pois queriam que eu me sentisse em casa, e não ficasse triste por não ter a minha família e amigos ali. Só para contextualizar, nós estávamos numa escola, não há cozinha, a comida era-nos chegada pela Missão católica, pelo que preparar o que quer que seja envolve ir à tabanka e arranjar lá tudo o que for necessário. A minha formanda Emília, passou a tarde toda a fazer bolos para os 250 jovens. À noite preparam-me uma festa que tinha um apresentador, e eu era a convidada de honra. Fizeram-me uma peça de teatro que representa o meu percurso de vida até chegar ali, escreveram-me cartas, dançaram para mim, fizeram um discurso brutal... Claro está que não consegui reter as lágrimas chorei baba e ranho.

Em anexo seguem algumas fotos, estou quase uma preta da Guiné;)

Hoje foi o último dia e foi uma choradeira pegada. Nem quero imaginar como vai ser o dia em que me for embora para Portugal. Mas... uma coisa de cada vez, agora estou aqui.

Bem por agora, é tudo. Até sexta-feira vou estar em Bissau, depois vou para Bubaque, e segunda Catió. Estou sem telemóvel agora, não conseguimos carregá-lo, mas como dizem os guineenses: "Parece que vamos conseguir arranjar uma solução"

Beijinhos grandes com muitas saudades.

P.S - Caso o meu mail não tenho sido claro nesse sentido, deixo aqui o meu testemunho: Estou feliz, nunca, mas nunca tinha experimentado este tipo de realização e estou grata por ter esta oportunidade.

Marta Ceitil



2. Volto a perguntar, o que se pode dizer quanto a isto?

Acompanhando estes relatos podemos lembrar as nossas próprias experiências: o contacto com a fauna (mosquitos, baratas voadoras, sapos, ratos, minhocas, etc.), a aprendizagem do ‘banho à fula’, os sanitários ‘arejados’, enfim, ainda se lembram?

Depois não tenho palavras pare exprimir o que penso que ela deve ter sentido com a situação de passar o seu aniversário longe da família, pela primeira vez, e do que as colegas e alunos fizeram para suprir essa falta, contribuindo com o carinho e o envolvimento de todo o grupo de tal modo que afinal esse aniversário foi tornado inesquecível.

No texto a Marta faz referência ao ISU, entidade de que darei mais indicações proximamente.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil TRMS TSF

Mansoa > Escola Nacional de Voluntariado

Mansoa

Mansoa > Aniversário

Mansoa > Aniversário

Mansoa > Aniversário

Mansoa > ENV > Cantando o hino da Guiné

Mansoa > ENV > Turma de saúde sexual reprodutiva

Mansoa > Escola Nacional de Voluntariado

Mansoa > lavando a roupa

Mansoa > Escola Nacional Voluntariado
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6219: O 6º aniversário do nosso blogue (15): Seis anos de vida! É Obra! Vamos reflectir (Hélder Sousa)

Vd. último poste da série de 3 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6099: A Guiné aos olhos das actuais gerações (2): Sinto que estou a aprender e a crescer na Guiné-Bissau (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

Guiné 63/74 - P6259: Notas de leitura (98): Em Chão de Papel na Terra da Guiné, de Amândio César (Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Abril de 2010:

Queridos amigos,
Aqui vai a recensão do segundo e último livro do Amândio César sobre a Guiné.
Ele vai aparecer fugazmente no arranque do meu livro “A Viagem do Tangomau”. Com efeito, na noite de 10 de Abril de 1967, na véspera de eu ir para Mafra, fui jantar com o Ruy Cinatti ao restaurante Avis, ao lado do Pirata Bar, junto do Cinema Éden.

A primeira surpresa foi à porta do restaurante, um homem que eu já visto na televisão aproximou-se do Cinatti e perguntou-lhe: “Ouve lá, o Salazar já morreu?”. Intrigado, pedi mais tarde ao Cinatti explicações do que ouvira. Replicou-me: “Não ligue, é um dos maiores escritores portugueses, é o Tomaz de Figueiredo, é um homem das direitas que odeia o Salazar”.

Subimos, já estávamos à mesa, ribombou ali perto um vozeirão: “Ó Cinatti não me ofereces um copinho de vinho verde?” O Cinatti apresenta-me o Amândio César, além do vozeirão, um corpo entroncado, uma conversação com compulsiva. Enquanto comíamos o meio bife do Avis, deitou abaixo quatro garrafas de vinho Gatão. Fomos depois para casa do Cinatti onde derrubou uísque, em doses incontroladas. Despontava o dia quando fomos deixá-lo à Avenida Infante Santo, na sua casa. Obrigou-me a subir para ir buscar “Kaputt”, de Curzio Malaparte, deu-me a seguinte explicação: “Já que vais para a guerra, tens de conhecer as descrições geniais e inigualáveis do horror. Lê e medita”. É que meditei mesmo. Kaputt continua a ser para mim o melhor livro de guerra que alguma vez se escreveu.

Procurei homenageá-lo, pu-lo como primeira leitura em Missirá. Não estou arrependido. Em 11 de Abril, levá-lo-ei debaixo do braço, começava a nossa a amizade. Tenho pena de nunca mais ter visto o Amândio César. Quando se fala em neo-realismo, não vejo uma só referência ao seu livro de contos “Subsolo”, creio que ainda há preconceitos ideológicos aberrantes. César escrevia muito bem, impõe-se fazer-lhe justiça.

Um abraço do
Mário


Amândio César novamente na terra de Honório Barreto

Beja Santos

Poeta, contista, ensaísta, Amândio César foi igualmente repórter e os seus livros sobre Angola e Guiné tiveram no seu tempo larga divulgação, nomeadamente “Angola 1961”. De “Guiné 1965: Contra-ataque”, editado nesse ano, já fizemos a devida recensão. Faltava a referência Em “Chão Papel” na Terra da Guiné, publicado pela Agência-Geral do Ultramar (1967).

Amândio César cobre um conjunto de acontecimentos nomeadamente na península de Bissau (por isso fala em “Chão Papel”). Apoiante indefectível do Império, não esconde os seus ideários nem escamoteia os objectivos propagandísticos, faz um balanço do que ocorreu entre 1965 e 1967, desfaz-se em elogios a Arnaldo Schulz, desanca no PAIGC e profere epítetos pouco lisonjeiros acerca de Amílcar Cabral. Nada de surpresas. Relata acontecimentos como a Feira do Livro de Bissau de 1966, visita o liceu de Honório Barreto e as suas actividades culturais, faz o panegírico de militares falecidos em combate (caso do capitão Tinoco de Faria, pára-quedista), alude às actividades de benemerência do Movimento Nacional Feminino da Guiné, admirador de Hélio Felgas menciona como notável o seu livro “Os Movimentos Terroristas de Angola, Guiné e Moçambique” (Felgas refere as lutas entre o PAIGC e a FLING, inexistentes a partir de 1965, altura em que a FLING se tornou um grupo sem qualquer tipo de apoios internacionais, assiste a cerimoniais muçulmanos demonstrativos da tolerância religiosa, dissecou os empreendimentos da era Schulz, de fio a pavio. Continuando na laude ao espírito visionário de Schulz refere a próxima ressurreição de Bolama que, como é sabido de todos, não chegou a ocorrer. Mas o que escreve tem muito significado.

“A impressão desoladora que me causou Bolama, já não voltará, por certo a acontecer”. A antiga capital que Amândio César considera uma das cidades mais belas que vira nos trópicos, onde tudo ali lembra história e tudo recorda um passado, já estava em fase de desmantelamento. A aposta seria o turismo, a renovação de equipamentos, investimentos no campo agrícola, apoio às cooperativas agrícolas, mais estabelecimentos de ensino, etc. Bolama nunca mais voltou a reerguer-se, tudo leva a crer que nada a retirará da agonia que eu pude confirmar em 1991, passei-me, em total estupefacção, por ruas onde constavam, em placas esmaltadas, os nomes de Teófilo Braga e Manuel Arriaga, uma tipografia como não deve haver outra em toda a África, a praia de Ofir reduzida a um escombro.

Comprovou que a Mocidade Portuguesa tinha mais dinâmica lá do que cá. E, dado importante, refere as grandes vitórias sobre a doença que na hora actual deviam ser relidas para reflexão do desastre de saúde pública em que vive a Guiné-Bissau: o trabalho da missão do sono era considerado pela OMS como verdadeiramente exemplar; o número de doentes de lepra conhecia uma redução assinalável; o Hospital Central de Bissau estava bem apetrechado, a medicina tropical na vanguarda do conhecimento científico. A agricultura, segundo Amândio César, dava passos gigantescos, surgiam indústrias, melhoramentos nos equipamentos portuários, a rede de comunicações progredia a olhos vistos.

É um livro que dá que pensar, naturalmente. Quando vemos agora escrito que António Spínola dizia abertamente que Schulz lhe legara o terreno militar em decomposição, nalguns casos em estado crítico, que não cuidara do reordenamento das populações e não soubera impulsionar o desenvolvimento socioeconómico da Província, há que pôr ao espelho elogios como os de Amândio César e perceber que a propaganda não passa de um cuidado paliativo.

Amândio César foi um repórter que escreveu com exaltação e investimento total das suas convicções. Este registo de crónicas é indispensável para o repertório da literatura do período da guerra colonial.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6196: Notas de leitura (96): Aquelas Longas Horas, de Manuel Barão da Cunha (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 25 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6248: Notas de leitura (97): Livro do Cor. Costa Campos – Guiné – 2. Actividades de Permuta e Comércio Externo (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P6258: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (1): A viagem

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 16 de Abril de 2010:

Meus caros camarigos Luís, Carlos, Virgínio e Eduardo
Recomposto agora das dores de “crescimento” por força de ter feito 61 anos, venho colocar à vossa douta consideração uma “ideia” que me “relampejou” precisamente e por causa do meu agradecimento aos “inúmeros comentários/parabéns”, (é só para fazer inveja ao Eduardo e ao Carlos), e que é o seguinte.

Os versos que então enviei fazem parte de uma etapa da minha vida, que de maneira muito concreta se prendem com a minha “estadia” na Guiné.

Com efeito, passados 20 anos da minha ida para a Guiné, deparei-me, ou melhor tive de me confrontar com a vida que tinha vivido e vivia, e que não era de modo nenhum uma vida que tivesse sentido.

A ida e permanência na Guiné, desorganizaram-me por completo e não tendo conseguido uma reintegração normal na sociedade de Lisboa ao tempo do meu regresso, rumei a Luanda, julgando que voltando a África, conseguiria encontrar o equilíbrio que me faltava.

Se por um lado não me meti em “sarilhos de maior”, o ter levado com o 25 de Abril em África, e a vivência nessa terra cheia de excessos, em vez de me ajudarem a encontrar caminho, pelo contrário mantiveram-me num estado latente de nervosismo e insensatez que se vai revelar nos anos seguintes já em Portugal, até pelo menos por volta de fins de 1991, precisamente 20 anos depois do meu embarque para a Guiné.

Nessa altura, algo começa a mudar em mim e eu começo a questionar-me sobre a minha vida e o sentido da mesma.

Hoje quando olho para trás, acredito que terá sido um prenúncio do meu encontro com a Fé Cristã e Católica que vai mudar radicalmente a minha vida.

Tudo isto para dizer, que nesse período de fins de 1991 e inicio 1992, coloco em causa a minha própria vida, passada, presente e futura, e faço-o algumas vezes por escrito, de que é exemplo os versos que já foram publicados na Tabanca Grande.

Pois o que leva a todo este “arrazoado” de palavras que vos escrevo, é colocar à vossa consideração a publicação de alguns escritos desse tempo, como por exemplo uma série com um título do tipo:
“20 Anos depois da Guiné, à procura de mim!”

Agora, com toda a amizade e frontalidade que nos une, quero pedir-vos que sejam perfeitamente directos na vossa apreciação e me digam “preto no branco” se tem sentido e cabe na orientação “editorial” da Tabanca Grande a publicação de tais escritos.

Com a mesma amizade e alegria aceitarei a vossa decisão.

Anexo um primeiro texto, em prosa, que podereis publicar ou atirar para a “cesta secção”, conforme melhor entenderdes.

Um grande e camarigo abraço para todos do
Joaquim Mexia Alves



DEPOIS DA GUINÉ À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (1)

A Viagem

Estou sentado na areia da praia com as mãos apoiando o queixo e o olhar fixo no longe.

Na minha cabeça passam as imagens, (imaginadas), das caravelas a partir rumo ao desconhecido.

Uma ponta de inveja começa a crescer dentro de mim e em pouco tempo transforma-se numa exaltação que me enche por completo.

Partir para sítio nenhum, onde nada existe e onde tudo talvez nada se encontre!

Que aventura, que excitação, que desafio!

Vejo-me já a cruzar as águas dos oceanos, a minha imagem a rir de exaltação, reflectida no espelho prateado das ondas, as gaivotas a acompanharem-me no seu vôo perfeito, a incitarem-me com o seu grasnar ensurdecedor e aquela permanente sensação de estar quase a chegar a lado nenhum.

E se não há mais Terra? E se tudo acaba no espaço? E se não chego ao fim só porque não há fim nenhum?

É quase brutal a alegria de querer conhecer o desconhecido. Traz-me cânticos aos lábios, o meu cérebro trabalha a velocidades já mais atingidas, o meu corpo está dorido de tanta excitação inacabada.

Já lá vai tanto tempo e eu continuo a viagem com a mesma vontade com que a comecei.

De repente surge um ponto no horizonte que rapidamente ganha tamanho e importância.

É uma explosão de vida! Cheguei, consegui, descobri!!!

E é um paraíso, nada falta, tudo é bom, tudo é calmo. A sensação vai crescendo à medida da descoberta, cada vez é mais forte, mais completa.

Desta vez acertei!

Depois de tudo conhecido e explorado, passada a euforia da conquista, começo a reparar que afinal sempre deve haver melhor, sempre deve haver mais coisas, sempre deve haver mais calma, sempre deve haver mais ... tudo.

E recomeça a inquietação, o não poder estar parado, a falta de qualquer coisa para a qual devo estar fadado.

Aquela sensação dorida de que se tudo já está satisfeito, eu ainda tenho muita vida para descobrir, para viver, para criar.

Alguém precisa de mim, em algum sítio, em algum tempo, em algum espaço.

Nem que esse alguém, seja eu!

Preparo-me para a nova viagem, que no fundo é a mesma. E rio-me. Rio-me, porque os meus preparativos para a viagem, são partir!

Mais uma vez as sensações fortes e amigas tomam conta de mim: a boca ri, os olhos brilham, o corpo incha de excitação, a cabeça fervilha de ideias perfiladas, que nunca acabam, onde as outras não começam.

E parto mais uma vez com o coração ao alto, tendo como companheiro de viagem o meu próprio sentir.

E o que mais me espanta é que nada disto me cansa, porque nesta viagem tão longa, todos os dias há coisa nova, não há ondas que sejam iguais, nuvens que sejam parecidas, nem caminhos que se sobreponham.

Há um renovar constante, um renascer permanente. Até o caminho percorrido tem coisas para descobrir.

Mas o que é mais interessante, é saber que nunca vai acabar, que a viagem vai continuar e que se alguém me quiser acompanhar tem de ter a mais linda qualidade: é o nunca querer ficar!!!

Chegarei ao fim um dia?

Se chegar, meu Deus, não me faças acabar, enche-me todo de sentir e então faz-me ... explodir!!!

Escrito em 26.11.91
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Nota de CV:

(*) Vd. postes de:

23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6223: O 6º aniversário do nosso blogue (18): Ensinamento de vida (Joaquim Mexia Alves)
e
6 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6112: Parabéns a você (99): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil OP Esp (Os editores)

Guiné 63/74 - P6257: O segredo de... (12): O meu sobrinho Malan Djaló, aliás, Malan Nanque, o rapazito de 8 ou 9 anos anos, apanhado pelo Grupo Fantasmas, do Alf Mil Comando Saraiva, em 11 de Novembro de 1964, em Gundagué Beafada, Xime... (Amadú Djaló)


Revolta do Gueto de Varsóvia - Foto do Relatório Stroop por Jurgen Stroop para Heinrich Himmler, de Maio de 1943. A legenda em alemão diz: "Retirados à força dos covis". Pessoas reconhecidas nesta foto: (i) O rapaz da frente não foi reconhecido, algumas identidades possíveis: Artur Dab Siemiatek, Levi Zelinwarger (junto à sua mãe Chana Zelinwarger) e Tsvi Nussbaum; (ii) Matylda Lamet Goldfinger; (iii) Leo Kartuziński - recuado com um saco branco no ombro; (iv) Golda Stavarowski - também recuado, primeira mulher da direita, com uma mão levantada; (v) Josef Blösche - Soldado das SS com uma submetralhadora


 Fonte:  Foto e legenda:  Wikimedia Commons (com a devida vénia...) (*)


1. Uma das primeiras operações (a segunda, depois de uma ida ao Óio) que o Amadú fez, integrado no Grupo Fantasmas, do Alf Saraiva, foi no meu conhecido Buruntoni, no Xime, em 11 de Novembro de 1964.

Na véspera, o grupo deslocara-se de barco, de Bissau até ao Xime. A 11, andaram toda a noite, a corta-mato, com um guia local. Como era quase inevitável, nas matas do Xime, o guia perdeu-se. O objectivo era um acampamento da guerrilha. Chegaram ao Buruntoni por volta das 7h00, quando o sol já ia alto… Deparam-se, entretanto, com um “rapazito de 8 ou 9 anos” (p. 91).

“Interrogado, disse que ia para o campo de lavra dos pais. Sobre o acampamento da guerrilha que procurávamos [, em Darsalame Baio, not do V.B.], disse que ficava na outra margem do rio Buruntoni”…

O grupo seguiu até à margem, com o Alf Saraiva continuando a fazer perguntas ao miúdo que, aterrorizado (como é fácil de imaginar), não teria outro remédio senão colaborar...

E é aqui que eu leio uma das belas e sublimes páginas do livro, reveladoras da grandeza humana do Amadú, futa-fula, muçulmano, bom crente. Vale a pena transcrever (coma devida vénia ao autor e ao editor):.

(…)  Sobre o local onde costumava ficara a sentinela, o rapazito disse que ficava atrás de nós. Então, o alferes deu instruções para voltarmos atrás, para ver se conseguíamos apanhar a sentinela.

O Alferes Saraiva passou para a frente e fomo-nos aproximando do local, onde julgávamos que ela estava. Vimo-la numa árvore. O alferes abriu fogo e ele caiu imediatamente. Corremos para ele, e quando lá chegámos já estava moribundo. Com a arma do sentinela nas nossas mãos, continuámos a marcha para o Xime, até que demos com uma tabanca abandonada que se chamava Gundagué Beafada. Perto deste local encontrámos a tropa de Bambadinca que estava com a missão de nos recolher. Encontrei alguns companheiros da minha incorporação e, quando estava a abraçá-los, vi o alferes, de arma ao ombro, e o menino com a mão na nuca, de olhar fixo no alferes. Cheguei-me para junto do alferes e ele disse-me:
- Amadú, que vamos fazer ao puto ?
- Levá-lo, meu alferes ?!
- Ele é turra, Amadú!
- O meu alferes tem mais formação e conhecimento que eu, mas parece-me que com esta idade, o menino não é inimigo nem amigo.
- Então, por que vivia no mato, Amadú ?
- Porque que os pais vivem no mato, meu Alferes!
- E tu, o que queres fazer com ele, Amadú ?
- Deixamo-lo no quartel de Bambadinca.

O capitão da companhia de recolha estava junto de nós. O alferes perguntou se eles queriam ficar com o miúdo. Negativo, respondeu o capitão. O alferes ficou a olhar para mim e eu disse:
- Levamo-lo connosco para o quartel. Se o meu alferes não quiser que ele fique no quartel, eu fico com ele na minha casa.
- Não tens mulher, como é que vais tomar conta dele ?
- A minha irmã toma conta!
- Tens a certeza, Amadú ? Fica à tua responsabilidade.
- Inteiramente, meu alferes.

Agarrei no menino e começámos a andar até ao Xime e depois para Bambadinca. (…) (pp. 91/93)…

Enquanto regressam, ainda nesse dia, a Bissau, tomando um barco que estava prestes a partir, por volta das 18h, e chegando a Brá já depois da meia-noite, o Amadú escreve:

(…) Eu estava muito satisfeito comigo próprio e com o alferes. Assim que ele aceitou o meu pedido de ficar com o miúdo, que se chamava Malan Nanque, um companheiro europeu do meu grupo, o Mendes, que tinha apanhado uma maleta com cortes de fazenda, ofereceu-ma para fazer roupa para o rapazito. Quando chegámos a Bissau, levei-a ao alfaiate, e os cortes de tecido deram para 3 calções e 2 camisas. Ainda lhe comprei um par de sapatos e uns chinelos.

Agora que estou a escrever e a a recordar este episódio, tenho os olhos húmidos. Estou a ver o miúdo à frente da arma com a mão na nuca, a tremer todo, a olhar para o matador. Ele, o menino, tinha acabado de ver o alferes matar a sentinela e devia pensar que agora era a vez dele (pp. 93/94).

Em nota de pé de página, é contado o desfecho, mais ou menos feliz, desta história de compaixão humana, que merece figurar numa antologia de histórias de guerra:

O rapazito, Malan Nanque, beafada, mudou de apelido para poder frequentar a escola. Passou a ser meu sobrinho e viveu com a minha família em Bafatá. Durante muitos anos ninguém, da nossa família soube que o Malan Djaló tinha sido capturado pelos Fantasmas, numa manhã de Novembro de 1964. (**)

Anos depois, em 1973, levei-o a ver a mãe, em Bissau. Mas Malan continuou a viver na nossa casa. Uns anos mais tarde, já com, a Guiné independente, deu aulas de português em quartéis do PAIGC. Casou, teve um filho, adoeceu e morreu pouco tempos depois no hospital de Batafá. O único filho que teve, uma menina, também sobreviveu pouco tenpo. Morreu, ainda não tinha dois anos. (Nota 59, pp. 93/94).

Extractos de: Amadu Bailo Djaló - Guineense, comando, português. Lisboa: Associação de Comandos. 2010. (***)

________________

Notas de L.G.:

(*) A foto da ignomínia... Uma das fotos mais tristemente famosas da II Guerra Mundial... de todas as guerras. Lembrei-me de imediato desta foto, ao ler a história (comovedora) de que o Amadú foi protagonista num sítio que eu conheci muito bem (eu, o 1º Cabo Galvão, e outra malta da CCAÇ 12, da CART 2520 e do Pel Caç Nat 63),  Gundagué Beafada:

Vd. poste, da I Série, 10 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXVIII: Violenta emboscada em L (Op Boga Destemida, CCAÇ 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63, em Gundagué Beafada, Fevereiro de 1970)

(**) Vd. último poste da série >18 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5670: O segredo de... (11): Um ataque a Bissau, uma bravata do Hoss e do Django (Sílvio Fagundes Abrantes, BCP 12, 1970/71)

(***) Sobre o Mauricio Saraiva (1939-2003) e o seu Grupo Fantasmas, vd. o poste do Luis Rainha, de 31 de Marco de 2010, no blogue Comandos Guine 1964 a 1966

(…) Não querendo menosprezar ninguém, até porque sou Comando CENTURIÃO, quero aqui afirmar que o GRUPO FANTASMAS foi de todos os Grupos formados e existentes na Guiné que mais louvores e condecorações teve. Teve um Chefe excepcional, que foi um belissimo condutor de HOMENS, um guerrilheiro fantástico e um exímio estratega.

Foi ele, Capitão Maurício Leonel Sousa Saraiva, dos militares Portugueses mais condecorados de todos os tempos e quiçá dos tempos vindouros. Este Homem, de H grande, grande Português e grande Patriota, ainda estava para sofrer os horrores da guerra não convencional. (…)  [Era] um homem tremendamente marcado pela guerra em Angola, onde assistiu à morte de Familiares seus. (…)


Sobre o seu comandante, com quem esteve nove meses  (até  Maio de 1965),  e por quem nutria respeito, admiração e afecto, o Amadú Djaló é parco em pormenores, nomeadamente sobre aspectos, eventualmente mais controversos, do seu comportamento como homem e militar.  Aliás, ele é, quase sempre, de uma grande discrição e até deferência em relação aos seus "companheiros europeus" (sic). Só é crítico quando vê "europeu" a tratar, com menos respeito, bajuda e mulher grande... Perante umn capitão manifestamente racista, que ele conheceu no CICA/BAC, em Bissau, em 1962 ("Preto é como tartaruga, só quando lhe chegamos fogo ao cu, é que tira cabeça!", p. 41), Amadú é condescendente, compreensivo e caridoso: "Pela minha parte, ele era um diabo, não era um ser humano. Um homem com tanta cultura, oficial do Exército Português, não deveria trata deste modo os subordinados", p. 41).

Vd. poste de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6210: Os gloriosos malucos das máquinas voadoras (21): Meu tenente, eu e o Tomás Camará não vamos com o Honório! (Amadu Djaló)

Guiné 63/74 - P6256: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (7): Em Empada, peripécias de um 1.º Cabo a substituir um Furriel Miliciano

1. Continuação da narrativa referente à estadia de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70) em Empada:

A CCAÇ 2381 em Empada

Parte II

Por Arménio Estorninho


Duas situações com ameaças disciplinares, quando o Fur Mil, Bertino Cardoso, fora de férias à Metrópole ficando eu fiquei a responder pela Secção Auto


- Certo dia é chegada uma DO-27, que nos trazia a correspondência, frescos, legumes, frutas e outros, era necessário uma viatura para ir à pista com pessoal para segurança e trazer o que for deixado. Não havendo um condutor na Secção (estavam em outras funções e/ou desenfiados) para o serviço, de imediato aprestei-me para o fazer embarcando militares e civis na carroçaria. Dando início à marcha da viatura, eis que um taipal mal trancado se abre, tendo um militar caído para o pavimento e sofrido uma luxação num pulso. Caso a Enfermagem não o recuperasse, teria de ser feito um auto de ocorrência e o militar evacuado para os Serviços do Hospital Militar 241, em Bissau.

Devido à situação clínica do militar, sou chamado à Secretaria perante o 2.º Sargento João Gouveia, tendo-lhe sinteticamente exposto o acontecido. Por sua vez, o sargento retorquiu que eu não podia conduzir a viatura porque estava distribuída a um condutor. Dando-lhe a resposta que não havia no momento um condutor disponível e a viatura não estar distribuída, sendo eu possuidor de carta de condução militar, e estando como responsável pela Secção, sendo urgente a segurança à Pista e outro pessoal, resolvi fazer o serviço.

O Sargento “armado em pudico”, com ameaças impróprias (avancemos, ele não chegara ao fim da comissão), continuando o diálogo disse-lhe: se tenho carta e sou o responsável, porque não posso conduzir viaturas da Companhia em situações prementes e o senhor que não tem Carta Militar, pega na chave leva o jipe quando quer e lhe apetece e vai com ele passear pela povoação. (sic)

Moral da “estória,” com resposta pronta do Sargento Gouveia: sabes que eu tenho boné com pala só posso olhar para baixo, não posso olhar para cima e assim como tu também não.

Contudo ainda me disse que não podia olhar para o nosso Alferes que estava presente e do qual não me vem à memória o nome.
Da situação fiquei grato e reconhecido aos meus Companheiros Enfermeiros, pelos esforços postos e não sendo necessária a eventual evacuação.

- Quando foi de férias à Metrópole o responsável pela Secção Auto, o ex-Fur Mil Bertino Cardoso, deu-me instruções de que não era necessário requisitar combustíveis, embora eu lhe observasse que a quantidade existente poderia vir a ser insuficiente.
Com o avançar do tempo a reserva de gasóleo para o gerador eléctrico ia baixando (mas também me pareceu que houve rato) e pela média de gastos verifico que até à reposição ia faltar para uma semana. Do facto dou conta ao Capitão Aidos.
Apanhei logo ameaças de um processo disciplinar, que ele nada tinha a ver de quem era a culpa e eu é que respondia caso não houvesse gasóleo para o gerador. Contudo a sorte esteve comigo, tendo em conta na data de estar em fase de Lua Cheia. Propus ao Capitão que o gerador funcionasse somente enquanto a luminosidade do luar fosse insuficiente. Concordara após verificar não haver qualquer inconveniente e foi amigo, contudo em caso de ataque In seria imediatamente ligado, eu comprometia-me a ir accioná-lo, não dormindo nas horas suspeitas.

Rezei a todos os Santinhos da minha Paróquia e de mais algumas, felizmente nada acontecera que ficasse prejudicado pela situação deparada.

Com a chegada do Furriel Mec Auto foi um descarregar da bateria e focando a inadmissível situação deixada.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6246: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (6): Em Empada, primeiras impressões e morte de um camarada por electrocussão

Guiné 63/74 - P6255: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (12): Os três G e a proclamação da Independência

1. Daniel Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74) fala-nos hoje do que foi a acção do PAIGC nas frentes de Guidaje, Guileje e Gadamael, os célebres três Gs, e da proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau por aquele movimento em 24 de Setembro de 1973.


Os Marados de Gadamael

e os dias da Batalha de Guidaje


Parte XII

Daniel de Matos


Os “três G” e o desfecho das três frentes de guerra em África

Continuam a curiosidade e a estupefacção gerais sobre o andamento da guerra no mato, mais acentuadamente nas zonas fronteiriças. Bissau é uma cidade vestida de “piolhos verdes”, ainda que muitos deles trajando à civil. A capital do Vietname não será diferente, com movimento idêntico e constante de viaturas militares atafulhando o trânsito e de tropas invadindo comércio, bares, restaurantes e zonas de putedo. Para além dos inúmeros quartéis que a circundam, a cidade é um autêntico depósito de adidos, por onde passam os que vêm ao hospital tratar-se disto e daquilo, os que vêm para cá de férias ou estão em trânsito de e para as mesmas, os que são mandados para estagiar numa treta qualquer, – todos os pretextos são bons para quem está no interior dar uma fugidinha, desenfiar-se para Bissau por uma temporada, para respirar fundo. Juntam-se a estes os muitos quadros militares dos gabinetes, os tais que fazem a guerra no ar condicionado basofiando, pois em geral não são parcos a disparar em todas as direcções, quando abrem a boca…


“G” de Guileje, “G” de Gadamael…

Se encontramos alguém conhecido e nos pergunta por onde temos andado e dizemos Guidaje, só falta benzerem-se, ficarem atónitos e quererem logo saber tudo tim-por-tim-tim. Tal batalha, no entanto, já está a perder a actualidade. Em todas as esplanadas não se fala de outra coisa: a nossa conhecida Gadamael está mesmo em grande risco, vivem-se por lá dias horríveis. Lembro-me que, caso estivesse sob um ataque continuado de artilharia como aquele que sofremos no norte, as suas fragilidades seriam idênticas ou maiores que as de Guidaje. Ali não há refúgios subterrâneos nem tectos reforçados com grossas placas de cimento a que possamos chamar abrigo. Bem, é certo que em Guileje existiam e o resultado foi o que se viu… Há outras semelhanças entre Guidaje e Guileje: ficam ambas junto às fronteiras (do Senegal e da Guiné Conacry), estavam as duas dependentes do abastecimento aéreo, eram ligadas ao exterior por um único acesso (a primeira, a Bigene e Binta, e a segunda, a Gadamael), sendo fáceis de isolar se estes caminhos fossem (como foram) cortados. Todavia, tinham uma diferença de vulto, que se revelou definitiva quanto à capacidade de resistência: Guidaje possuía água própria (não sei se estou a divagar, mas lembro-me de ouvir falar da existência dum furo de extracção dentro do quartel); Guileje não tinha água! Aqui, o pessoal ia buscá-la a quatro quilómetros de distância, na direcção do Mejo e por caminhos propícios às emboscadas… Quanto a Gadamael, a situação é intermédia, isto é, a água potável não está dentro do quartel, mas o local de abastecimento é muito próximo e essa dificuldade só existirá caso se verifique um cerco muitíssimo próximo do arame (o que sempre me pareceu improvável de acontecer, até pelas características do terreno circundante, mas estamos sempre a aprender)…

Um soldado nosso recebera um aerograma dum amigo, membro do Pelotão de Reconhecimento Fox n.º 2260 – ou seja, de camaradas que ficaram em Gadamael após a nossa rendição, – e o cenário descrito era dantesco e com tendência a agravar-se. O número de mortos e feridos começa a equivaler-se ao de Guidaje, também estão a construir um cemitério local e o cerco está consumado. Além dos contingentes locais próprios agora está ali o pessoal que chegou de Guileje (o mesmo se dirá em relação aos civis) e o único contacto possível de toda esta gente com o exterior é o braço do rio Sapo (afluente do Cacine). Por outras vias vamos sabendo que já tudo começa a escassear e, à medida que os dias passam, o fogo é cada vez mais violento e amplia-se de dia para dia a destruição dos edifícios (que virá a ser total). Vendo-se incapacitados de se oporem aos intensos bombardeamentos e de darem a volta aos acontecimentos, há militares (a esmagadora maioria) que resolvem abandonar o aquartelamento pela mata do lado do Cantanhez, contornando o tarrafe e a costa de mangal e fugindo em direcção às margens mais palmilháveis do rio Cacine, em busca de refúgio. De notar que, de quase três companhias só cerca de trinta homens permaneceriam no quartel defendendo a posição com morteiros 81. Quer o 15.º Pelotão de Artilharia quer o Grupo de Artilharia de Campanha n.º 10 (Obus 11,4) tinham ficado inoperacionais após um ataque IN de morteiros 120, que destruiu material importante e lhes provocou três mortos (primeiro-cabo David Sousa Cunha, soldado Bassiro Demba e soldado Domena Indi) e ainda onze feridos.

No dia 1 de Junho, começou de manhãzinha o mais crítico de todos os dias da batalha de Gadamael. Houve períodos em que a chuva de granadas de morteiros 120 (às 18 de cada vez) caía de três em três minutos. Logo pelas dez horas ficou inoperacional e praticamente destruído o pelotão de artilharia, que sofreu três mortos e onze feridos. Gadamael ficou reduzida ao morteiro 81 que tinha alcance insuficiente para dar resposta aos bombardeamentos do IN. Conta-se que momentos antes tinha aterrado na pista do quartel um helicóptero que transportava o general Spínola, mas que este teve de ser empurrado para dentro do aparelho a fim de levantar voo de imediato. O silvo das granadas a sair foi ouvido no quartel e os rebentamentos ocorreriam no ponto de aterragem do helicóptero, a cinquenta metros do edifício da secretaria, das messes e das transmissões. Num quartel sem abrigos e com um elevado número de militares concentrados lá dentro, as baixas foram aumentando sem surpresa. Na contabilidade feita ao final do dia eram registados 8 mortos e 27 feridos. Aos poucos, foram tentando fazer evacuações de feridos por barco mas o fogo intenso de cada vez que se dirigiam ao cais dificultava muito a acção. Ao princípio da tarde uma granada destruiu o posto de rádio e feriu os dois comandantes de companhia. "Após a evacuação dos capitães fiquei sem elementos de ligação pois não conhecia ninguém em virtude de ter chegado na véspera", afirma Ferreira da Silva, o oficial enviado em substituição o Major Coutinho e Lima. Num cenário de desespero e os soldados começaram a andar junto às valas a circular apenas dentro da aldeia civil (colada ao quartel, mas poupada ao fogo inimigo). O Capitão Ferreira da Silva, atarefado com as evacuações, só quando o Furriel Carvalho (do morteiro 81) lhe foi dizer que já não tinha granadas e que só se encontravam três ou quatro militares na zona crítica é que se apercebeu que a defesa do quartel estava reduzida a um grupo diminuto de homens. Cerca de 80% das nossas tropas decidiu abandonar o aquartelamento pelos seus próprios pés, independentemente do apoio de duas companhias de pára-quedistas que se deslocaram para a região a aí ficariam estacionadas.

Os pára-quedistas da CCP 121, que tinham estado connosco em Guidaje, não tiveram a mesma sorte que nós quanto a dias de descanso: no dia 12 saíram de Bissalanca em direcção a sul, tendo Gadamael como destino. Não foram os únicos, já havia pessoal das CCP 122 e 123 na missão de “salvamento”, pois uma retirada idêntica à de Guileje estava “em cima da mesa”. A nossa “irmã gémea” CCaç 3520 de Cacine, que já tivera efectivos deslocados em Guileje, esteve igualmente mobilizada para apoiar a defesa do nosso antigo quartel e, com ela, o DFE-21 transportado em zebros.

O “general do monóculo”, que entretanto se tinha deslocado a Cacine, deixou ordens para que ninguém socorresse os fugitivos, que considerava “cobardes”. Só que no navio Orion*, cujo Comandante é Pedro Lauret e que na véspera tinha levado uma companhia de páras até Cacine, impera o bom-senso. A tripulação revolta-se e, como se impõe, marimba-se na opinião de Spínola e recupera entre 300 a 400 “cobardes” que se encontram espalhados pelas margens, em estado verdadeiramente lastimoso, desesperado. Entre eles, há um sem número de feridos a quem o Enfermeiro Abrantes (auxiliado pelo Grumete Ulisses Faria Pereira) presta os primeiros socorros e/ou orienta uma série de ajudantes voluntários a fazê-lo. O então Comandante do Orion refere que “à noite, a coberta das praças estava completamente repleta de feridos”, não restando espaço para que ninguém pudesse deitar-se. Mas alguns necessitam de evacuação aérea.


Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 > Pedro Lauret, oficial imediato do NRP Orion (1971/73), na ponta do navio, a navegar no Cacine, tendo a seu lado o comandante Rita, com quem fez a primeira metade da sua comissão na Guiné. "Um grande homem, um grande comandante" (PL).



A LFG Orion no Cacheu. Foto do Lema Santos, com a vénia devida


“G” de Guidaje

Só em Maio de 1973, o PAIGC contabilizou duzentas e vinte acções militares no território. Em Guidaje, desde o dia 8, sofremos um total de 43 ataques, com artilharia pesada, morteiros e foguetões, e mais uma vintena delas na vizinha Bigene. Causaram 7 mortes, 30 feridos militares e 15 civis, a somar às baixas sofridas nas colunas (mortos 22, feridos 70) e na operação Ametista Real (10 mortos, 22 feridos e 3 desaparecidos). Em números oficiais, registou-se um total de 39 mortos militares, 122 feridos e 3 desaparecidos.

Quem sou eu para ousar pôr estes números em causa? Entendo, porém, que quem lá esteve fica com a sensação de que poderão não corresponder inteiramente à realidade, que haverá falhas por insuficiência de registos ou quaisquer outras razões. Nos relatos, surgem frequentes contradições em relação aos número de soldados mortos e desaparecidos (por exemplo, na picada Binta/Guidaje, em relação aos corpos que lá ficaram sem sepultura). As coisas baterão certas no tocante aos militares de origem europeia (continente e ilhas adjacentes), só que o mesmo se afigura com menos rigor quanto a soldados (e milícias) de naturalidade africana. Lembro-me de ter notícia (e de, nalguns casos, presenciar) da existência de civis que foram feridos e/ou morreram nas flagelações, emboscadas e minas, e que não terão sido contabilizados. Houve muitos feridos ligeiros que receberam tratamentos diversos sem se deslocarem às enfermarias. Em artigos e entrevistas publicados muito mais tarde sobre esta matéria (e onde, entre outros testemunhos chega a participar, por exemplo, o Tenente-Coronel Coreia de Campos), é referido que no mês de Maio se contaram 167 bombardeamentos a Guidaje (mais 50 em Abril), e houve a lamentar 100 mortos… É também mencionado que durante o mesmo mês terão participado de alguma forma na batalha de Guidaje cerca de mil e trezentos militares portugueses, a maior concentração alguma vez efectuada nos teatros da guerra colonial em todo o continente africano.


(Em jeito de conclusão)

Tombaram em Guidaje quatro Marados de Gadamael (três ficaram lá sepultados) e outros deixaram sangue e muitos suores frios a ensopar aquela terra. Doravante, pelo menos aqueles que lerem estas linhas já nos podem incluir nos registos, foi assim que lá fomos parar… Provavelmente nenhuma outra Companhia do Exército/Infantaria teve o infortúnio de correr os três destinos mais fatídicos deste penúltimo ano da guerra. Dizem os entendidos que o PAIGC quis capturar Guidaje, Guileje e Gadamael, promovendo uma operação “em pinça”, ou “tenaz”, para certificar o seu poderio além-fronteiras. Dirigentes da guerrilha sempre desmentiram que a ocupação de Guidaje estivesse nos seus planos, o que tem lógica, pois era uma aldeia sem qualquer interesse estratégico, valeria mais como posto fronteiriço que, existindo ou não, teria um valor relativo. O mesmo não se dirá dos aquartelamentos a sul. Com Guileje ocupada, se o mesmo acontecesse a Gadamael, equivaleria a uma vasta área de território em que Portugal deixaria de ter qualquer posto avançado, só restaria Cacine, sem quaisquer outras povoações em redor. Apesar da resistência portuguesa em Gadamael, (o ataque final só foi sustido depois da nossa aviação ter bombardeado a base de Kandiafara, para lá da fronteira com a Guiné-Conakry), o PAIGC demonstrou em Setembro de 1973 quem controlava efectivamente a Guiné, quando no dia 24 proclamou unilateralmente a independência em Madina do Boé e viu rapidamente reconhecido na arena internacional o novo Estado da Guiné-Bissau.

Passei o 24 de Setembro de serviço, a montar segurança numa das entradas de Bafatá, mais concretamente num posto que existia sobre a nova ponte do Geba, que era suspensa e uma espécie de miniatura da ponte sobre o Tejo (havia carteiras de fósforos com a sua fotografia e, se bem me lembro, também se chamava Salazar). Tínhamos aí uma pequena telefonia, através da qual ouvi a cerimónia da independência transmitida em directo pela Rádio Libertação. Medindo bem, se algum acesso estivesse a funcionar, a distância em linha recta entre Bafatá a Madina do Boé seria coisa pouca, pelo que a situação provocou-me um sentimento, no mínimo, estranho. Na manhã seguinte, quando a minha equipa foi rendida (o serviço era de 24 horas) e me dirigi à messe para tomar o pequeno-almoço, perguntei aos presentes se mais alguém tinha escutado o mesmo que eu e a resposta foi negativa. Narrei o que se passara, com a convicção absoluta de estarmos numa data que ficaria na História e, meio a brincar meio a sério, acrescentei que já me sentia um “estrangeiro” a pisar o chão da Guiné, provocando um sorriso generalizado, porém, amarelo.

Ao cerco, o PAIGC chamou Operação Amílcar Cabral (recorde-se que o dirigente histórico da guerrilha havia sido assassinado a 20 de Janeiro de 1973). E houve também a Operação Nô Pintcha. Os êxitos alcançados fizeram propalar a derrota militar do colonialismo português na Guiné, dando razão aos que defendiam que só uma solução política, – e, logo, negociada, – poderia resolver o conflito. Na arena internacional, os acontecimentos nos chamados “três G” abriram portas à inevitabilidade da independência e ao alastramento da mesma resolução às restantes colónias africanas, fosse, por tabela, em Cabo Verde, fosse em Angola e Moçambique (cada uma com as suas especificidades quando ao estado das respectivas guerrilhas, mas com o denominador comum de terem a razão política do seu lado), ou fosse ainda em S. Tomé e Príncipe. Dir-se-á que a motivação das forças armadas portuguesas era cada vez menos elevada. Realmente, o contacto com as injustiças sociais e descriminações de todo o tipo em nome de valores cada vez mais desacreditados fez abrir os olhos a muitos de nós. Havia neste tempo pouco mais de cem Companhias em exercício na Guiné e só onze delas eram comandadas por capitães do quadro permanente na frente de combate. Todos os outros eram milicianos, quer dizer, pessoal muito menos vocacionado para alimentar uma guerra injusta, que em geral já tinha lido o que era proibido ler-se na Academia Militar, que já participara (ou, no mínimo, assistira) a lutas estudantis que punham em causa o regime e reconheciam os direitos dos povos das colónias à independência…

A verdade é que o PAIGC, com a evidência dos estragos causados às nossas forças armadas a norte e sul, e da proclamação da independência efectuada bem dentro do território (com a presença testemunhal de delegações estrangeiras e de jornalistas internacionais) alterou aos olhos do mundo a situação, quer política quer militar da Guiné: em vez de ser uma colónia com territórios libertados pela guerrilha, passou a ser um Estado com territórios ocupados por estrangeiros (nós)! E isso passou a fazer TODA a diferença…
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6217: Estórias de Guileje (8): O papel da fragata Orion na batalha de Gadamael (Manuel Reis, ex-Alf Mil At Inf da CCAV 8350)

Vd. último poste da série de 24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6235: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (11): Os dias da batalha de Guidaje, 31 de Maio e 1 a 12 de Junho de 1973