sábado, 4 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6934: Memória dos lugares (96): Tavira, Quartel da Atalaia, CISMI (Carlos Cordeiro / Manuel Maia / Pereira da Costa)



Tavira > Quartel da Atalaia onde funcionou durante meio século, de 1939 a 1989.  o CISMI... 

Foto: Cortesia de Wikipédia

"O Quartel da Atalaia, situado na freguesia de Santiago, em Tavira, foi mandado construír no ano de 1795, pelo Governador General do Algarve, o Conde de Vale dos Reis, Nuno José Fulgêncio de Mendonça Moura Barreto. Para este quartel veio o denominado Regimento de Infantaria nº 14 (R.I.14), da cidade de Faro.

"Por volta de 1837, e pela extinção do R.I.14, devido ao apoio dado a Miguel I de Portugal durante as Guerras Liberais, é colocado neste quartel o Batalhão de Caçadores nº 5, substituído dez anos depois pelo Batalhão de Caçadores nº 4 (B.C.4). Este último batalhão é transformado, anos depois, no Regimento de Infantaria nº 4 (R.I.4), que regressa a Faro em 1915.

"Em 1917, durante a 1ª Grande Guerra, parte de Tavira, para combater em França, um Batalhão do R.I. 4. E em 1926, como resultado de diversos pedidos ao Governo, o R.I.4 regressa a Tavira, ficando nesta cidade até 1939, voltando neste ano a Lagos.

"No ano de 1939, o Quartel da Atalaia recebe o Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria (CISMI), para formação de sargentos, que se mantém até final da Guerra Colonial. O CISMI é extinto em 1989, e integrado no Regimento de Infantaria de Faro".  
(Fonte: Wikipédia)



Comentários seleccionados ao poste P6919 (*)

1. Caro Carlos Carlos Cordeiro:

Três anos depois [de ti], calhou-nos a dose "reforçada" de queda na salaina...

Curiosamente o alferes do meu pelotão , Diogo, foi mais tarde meu colega de trabalho (, vendedor na mesma firma onde exerci essa actyividade...).
Praticamente só de um dos que lá estiveram comigo, recordo o nome: Manuel Rita Francisco, que creio era da Luz de Tavira, e do Cabo Mil Eusébio.

Abraço.
Manuel Maia, 2 de Setembro de 2010.



2.  Caro Carlos Cordeiro, também estive no 1.º turno de 1968 no CISMI mas a tirar a especialidade de Reconhecimento e Informação. Também andei nas salinas e só este ano quando fui ao Algarve tive coragem de ir ao CISMI, que está igual , mas agora com militares femininas de sentinela e falando com elas, recordando que tinha lá estado há 42 anos, um sorriso de indiferença foi o que ganhei. São outros tempos, sem ver o Ten Robles a saltar do 1.º andar depois de gritarem : 
- Robles,  vem atender o telefone.

Tenho uma fotografia com alguns camaradas fazeendo de Policia da Unidade. Também me interrogo do que foi feito deles!?. Depois daqui fomos para Lamego para o CIOE e ainda encontrei um ou outro. Que lhes aconteceu ?

 Estive na Guiné no Leste e não foi nada bom. Os amigos Helder e Luis Borrega foram-me render. Já nos juntamos e comemoramos. A vida é assim de surpresas. Um grande abraço de amizade e solidariedade. 

Pereira da Costa, 3 de  Setembro de 2010.

3. Antes da passagem do poste para a 2.ª página, um abraço aos amigos que fizeram o favor de comentar. Infelizmente, não apareceu ninguém daquele pelotão. Mas como o poste fica arquivado, pode ser que um dia... 

O Manuel Maia foi "visitante" como eu e muitos milhares de jovens das salinas, assim como o Pereira da Costa. Nunca mais voltei ao CISMI. Não por qualquer ressentimento, mas por não se ter proporcionado a ocasião. E tu, Manuel, voltaste lá?

Lembro-me bem do Robles (acho que o chamávamos de Tenente Trotil, não é verdade?) e depois, julgo que já na especialidade, do capitão Robles. Ambos fui depois encontrar no CIC.
O que era pior no CISMI era o rancho e os cheiros do refeitório, bem como a falta de água. E também o frio de manhã e à noite.

Na instrução nocturna de orientação, de tão solidários que éramos, todos a quererem ajudar... a minha secção regressou ao quartel já de madrugada, quando o aspirante (ou o oficial de dia, não me lembro) já estava à rasca sem saber o que tinha acontecido. 

Lembro-me também de ter ido, com camaradas açorianos, aos bailes de Carnaval no Clube de Tavira, julgo que era assim que se designava. Até à meia-noite podia estar-se de máscara; a partir daí ou se tirava a máscara ou se saía. Perdi o meu par... 
Bailes bem à moda tradicional, com as mães e avós sentadas (de vigia) à volta da sala e os pais, certamente, no bar.

Um abraço amigo,
Carlos Cordeiro, 3 de Setembro de 2010


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Nota de L.G.:


Guiné 63/74 – P6933: Estórias avulsas (40): Uma história da minha guerra (António Barbosa)

1. O nosso Camarada António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523, Cabuca, 1973/74, enviou-nos em 4 de Setembro uma mensagem, marrando-nos um episódio hilariante:
Camaradas,
Os meus dotes de escritor não são os melhores, mas vou tentar passar a palavras um dos muitos episódios passados em Cabuca - Gabu 1973/74.
No longínquo dia 24/01/74 (se não me falha a memória), estava eu a tomar um belo e tranquilizante duche e, de repente, ouviram-se várias explosões e vi toda a gente a correr, e a refugiar-se nas valas circundantes do aquartelamento.
Estupefacto saí do duche e quando dei por mim, também enfiado na vala junto do restante pessoal, só com a toalha enrolada na cintura e o capacete de aço da ordem enfiado na cabeça.
Findos os rebentamentos vi o pessoal a olhar para mim e a desatar aos risos.
Acabamos por verificar que, o que aconteceu, foi termos acabado de ser flagelados com foguetões de 122 mm (os tais Katyuska made in URSS), que felizmente caíram na periferia do quartel.
Como o nosso Capitão Franklin fazia anos, ainda pensei que tivesse encomendado algum fogo-de-artifício.
Mas não, ao que parece foi mesmo um ataque falhado do PAIGC, ou por falta de pontaria, ou propositadamente, como forma de aviso futuro.
Ao fim e ao cabo este simples facto, acabou por ser mais uma hilariante história da minha guerra. Junto algumas fotos de Cabuca.


O jardim do quartel
O meu grupo de combate
O chuveiro do pessoal
Pormenor do choveiro e seu harmonioso depósito
Um abrigo
Pedaços de foguetões 122 mm disparados sobre nós
Para a foto junto dos estilhaços
O fim de uma caçada, garantindo carne boa e fresca


O aquartelamento e a tabanca
Um abraço, António Barbosa
Alf Mil Op Esp/RANGER da 2.ª CART do BART 6523

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.

Fotos: © António Barbosa (2010). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

21 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 – P6877: Estórias avulsas (92): Episódio insólito (António Inverno)

Guiné 63/74 - P6932: Convívios (268): 5.º Encontro da Tabanca do Centro, dia 29 de Setembro de 2010 em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

5.º ENCONTRO DA TABANCA DO CENTRO


Há as "reentrés politicas", mas também há as "reentrés camarigo-gastronómicas", por isso mesmo fica aqui, e desde já, marcado o 5.º Encontro da Tabanca do Centro.

Então, no dia 29 de Setembro, deste ano de 2010, lá nos ajuntaremos outra vez, para dar cabo de mais umas travessas de Cozido à Portuguesa, em franca e sã camaradagem ou se preferirem, camarigagem!

A data limite para inscrições será o dia 27 de Setembro, pedindo a todos que a respeitem, para boa organização do Cozido.

O ponto de encontro será no Café Central às 13.00 horas, com almoço às 13.30 horas, repito, 13.30 horas, para facilitarmos a vida à Preciosa e estarmos mais à vontade.

As inscrições serão feitas na caixa de comentários da Tabanca do Centro ou em tabanca.centro@gmail.com, como sempre.

Peço aos camarigos que entretanto me façam chegar por mail ou comentário aqui, ideias ou casos concretos para podermos dar destino à verba já recolhida, (referida no post anterior), no Apoio aos Combatentes, a que nos propusemos.

Fico à espera de textos para colocar neste espaço da Tabanca do Centro, que podem enviar para o mesmo mail.

(Joaquim Mexia Alves*)
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Notas de CV:

(*) Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73

Vd. último poste da série de 24 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6897: Convívios (184): 1º Encontro da Tertúlia “Linha da Frente”, 4 de Setembro de 2010, na Base das Cortes em Leiria (Victor Barata)

Guiné 63/74 - P6931: Estórias do Juvenal Amado (30): Quando o passado vem ao nosso encontro



1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 24 de Agosto de 2010:

Caros Luis, Carlos, Virgínio, Magalhães e restante Tabanca grande
Uma pequena estória que traz à luz a verdade sobre o sr. Regala, que aquí já foi falado por diversas.

Um abraço
Juvanal Amado



Estórias do Juvenal Amado (30)

Quando o passado vem ao nosso encontro em forma de abraço é uma experiência única

Assim aconteceu há dias quando me encontrei com o meu camarada do 3972, que foi meu comandante de pelotão.
O ex-Alferes Amadeu foi evacuado com hepatite aos vinte e um meses de comissão.

Alf Mil Luís Amadeu

Lembrei-me dele logo. Recordei o momento da sua evacuação e contei-lhe que tinha corrido o boato da sua morte felizmente mentira.
Falamos de Galomaro, dos nossos camaradas, dos lugares e acontecimentos que nos marcaram com é natural.
Veio à conversa o sr. Regala e sobre isso ele enviou-me posteriormente a estória, que segue em anexo tal como a mandou.

Um abraço a todos os tabanqueiros.
Juvenal Amado


O sr. Regala I

Juvenal:
Como sei que gostas de contar estórias, certamente também gostas de as ler. Aqui vai uma que se passou comigo. Começa em Galomaro e termina em Lisboa alguns anos depois em meados da década de 80.

Da esquerda para a direita: Fur Mil Claudino, 2.º Srgt Silva e Alf Mil Amadeu

Poucas vezes estive na esplanada do Sr. Regala. Talvez duas ou três. Mas lembro-me que uma vez, penso que a convite dele, estive com outros camaradas a comer um frango a cafreal e a beber umas Super Bocks.

O Sr. Regala estava sentado ao meu lado. Enquanto saboreava uma tíbia do frango, vejo passar à minha frente um rapaz talvez com 14 ou 15 anos impecavelmente vestido com umas calças pretas e uma engomada camisa branca. Acompanhei com o olhar a sua deslocação até ao balcão e a sua saída por uma porta que ficava por trás. A minha observação não passou despercebida ao Sr. Regala, que me disse de seguida:

- É o meu sobrinho. Está cá a passar as férias. Vive em Bissau com a minha… (já não me lembro)

Pensei em que altura do ano estávamos e não creio que fossem férias escolares. Mas decididamente não quis saturar mais os meus neurónios e resolvi atacar outra tíbia do animal.

Passados cerca de 15 anos, estava eu a trabalhar na EDP em Lisboa quando fui informado que vinha estagiar para o meu departamento alguém dos PALOP durante uma semana.

Como tinha uma secretária livre no meu gabinete disse que podia ficar directamente comigo que eu o apoiaria no que ele necessitasse.

Apareceu-me então o indivíduo novo de raça negra que era guineense.

Conversamos sobre o seu curso de engenharia tirado na Bulgária. Procurei saber pormenores do curso, matérias, programas e sinceramente pareceu-me bastante fraco o curso de engenharia, mas certamente suficiente para a Guiné. Como até conhecia aquele ambiente, sabia o que lhe poderia fazer alguma falta e prontifiquei-me a mandar tirar umas cópias de alguns projectos-tipo e outra documentação que o pudesse ajudar. Qualquer dos casos iria ficar uma semana comigo.

Resolvi então dizer-lhe que já tinha estado na Guiné durante a tropa. Ao que ele me perguntou.

- Onde?
- Em Galomaro.
- Então conheceu o Sr. Regala.
- Sim.
- Era o meu tio.

Ainda não refeito do que estava a ouvir. Como o mundo é pequeno. Indaguei mais.

- Houve uma vez que eu vi lá um jovem com umas calças pretas e uma camisa branca e o Sr. Regala disse-me que era o seu sobrinho.

Resposta pronta do rapaz.

- Era eu.

Então já refeito do acontecimento, devo ter olhado para ele com uma cara de inquiridor e sem mais, disse-me:

- É que o meu tio era um alto quadro do PAIGC, e depois da independência arranjou maneira de eu ir estudar para o estrangeiro.

No dia seguinte tinha um monte de fotocópias para lhe entregar conforme estava combinado. Mas ele não apareceu naquele dia nem apareceu mais.

Caro Juvenal, gostava de te ver a escrever outras histórias que não fossem sobre a Guiné. Acredita, acho que tens muito talento.

Um Abraço,
Luís Amadeu


O sr. Regala II

O sr Regala era homem de certa idade, baixinho e de origem cabo-verdiana.

Tinha se não estou em erro duas camionetas, com elas para além fazer transportes e comércio entre várias povoações na Zona Leste, era frequentemente contratado para fazer colunas de abastecimentos integrado nas colunas de Galomaro.

Dizia-se que nas colunas em que ele participava podíamos estar descansados, tal era as boas relações que entre ele e a guerrilha existiam. Facto que não me custa acreditar.

Assim falei muitas boas horas com ele onde era fácil adivinhar, que comércio era uma coisa, ideais quanto ao futuro da Guiné era outra.

Também tinha um posto de venda em que vendia umas “bazucas” bem fresquinhas, servia uns bifes com batatas fritas e ovo a cavalo, bem ao jeito de “bitoque” que era uma delícia.

Bem quero isto dizer que este pequeno posto fazia parte do imensa cantina, que era formada à volta dos soldados por toda a Guiné.

Uma terra com agricultura de subsistência, sem industria, sem bens minerais, era pois à volta dos soldados que a economia fervilhava.
Lavadeiras, vendedoras de mancarra, de caju e frutas várias, todas se juntavam perto do arame.

Nas aldeias também comprávamos umas galinhas e a carne para o quartel, também era adquirida por nós a fornecedores junto dos Homens Grandes.

Ao vinho de palma e aguardente de cana, juntavam-se vendedoras de prazer nas ruelas das tabancas, que também dividiam embora por breves momentos o leito os favores e o patacão, que custava essa também transacção.

Em Bafatá lá estavam os restaurantes portugueses e libaneses, a escola de condução, que o artesanato, que bonito era o de filigrana de prata, que os nossos furriéis e alferes mais endinheirados mandavam fazer de encomenda. Não esquecer os vendedores ambulantes que normalmente nada sabiam de português.

Éramos por assim dizer o motivo e fonte de subsistência em todas áreas daquela terra.

Quero eu dizer com isto tudo que o que para lá levamos, trouxemos mais a saudade que tende a crescer.

Comecei por falar no Regala.
Se calhar se comesse hoje o tal bife, diria que não era nada de especial e naquele tempo longe de casa, qualquer coisa nos satisfazia desde que saíssemos da ração de combate ou do rancho, que era servido no Restaurante da Morte Lenta e outros locais com “gerência” parecida.

Mas o que eu não daria por voltar lá, sentar-me e comer para ver se era verdade ou não.

Um abraço
Juvenal Amado
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6798: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (25): Fátima Amado, filha do nosso camarada João Amado, encontra no nosso Blogue notícias sobre a morte de seu pai (Juvenal Amado / Carlos Vinhal)

Vd. último poste da série de 11 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6716: Estórias do Juvenal Amado (29): Depois do meu regresso, ou o homem que num certo dia teve três mães

Guiné 63/74 - P6930: Notas de leitura (142): Amílcar Cabral, textos políticos (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Quem fez esta antologia, publicada logo em Julho de 1974, conhecia na perfeição o teórico e o líder político que moldou o PAIGC.
Talvez seja uma raridade bibliográfica mas permite saber, antes de mais, que o pensamento de Cabral era seguido e estudado entre nós, na perfeição.

Um abraço do
Mário


Uma antologia de Amílcar Cabral, logo a seguir ao 25 de Abril

Beja Santos

Em Julho de 1974 aparecia nas livrarias portuguesas “Amílcar Cabral, textos políticos”. A edição era de Henrique A. Carneiro e a distribuição da CEC (seria o acrónimo de Centros de Estudos Coloniais?). O editor sabia o que estava a fazer e conhecia em profundidade o pensamento de Cabral, em escassas 60 páginas deu-nos um reportório significativo do seu conteúdo, e de acordo com um critério adequado dos temas fundamentais. Assim, numa primeira parte, procede-se a uma selecção de textos sobre a situação de Guiné e Cabo Verde. Na segunda parte integram-se as análises predominantemente teóricas, que singularizaram o pensamento político de Cabral. Na terceira parte, denominada política anti-colonial abrem-se as perspectivas das relações internacionais logo que a política colonial portuguesa tivesse entrado em colapso. Igualmente se transcrevem longas passagens daquilo que foi considerado o testamento político de Amílcar Cabral – o seu último discurso, a sua mensagem de Ano Novo, em 1 de Janeiro de 1973.

A comunicação de Cabral era altamente pedagógica, usava uma sólida construção em língua portuguesa, era uma escrita fluente de quem podia transferir a escrita para a palavra. Sabia expor com uma simplicidade luminosa, contar a história da resistência dos guineenses sem lamechice, com de igual modo falava da história do PAIGC apagando naturalmente o seu pensamento e acção. A antologia ilustra com alguns dos trechos que marcaram a presença de Cabral em artigos, intervenções, entrevistas, conferências, documentos, mensagens e discursos em grandes plateias, como a ONU ou a organização da unidade africana. Logo em 1962 ele escreve na revista Partisans: “O Governo português está doravante consciente de uma realidade: nenhuma força poderá impedir a liquidação total do colonialismo português. A dialéctica da repressão colonial provou que, nos nossos dias, nenhum agressor colonialista pode ser vencedor dos povos decididos a conquistar a sua liberdade”.

Em 1964, no Centro Frantz Fanon, de Milão, depois de passar em revista as dificuldades do início da luta armada e das questões postas pela mobilização das massas numa base em que não era possível lutar contra o imperialismo num território em que os colonos não se apropriaram das terras, explica como subverteu e surpreendeu os exércitos portugueses que esperavam os guerrilheiros na fronteira, isto quando o PAIGC atacou no centro e rapidamente desarticulou a economia do sul da Guiné.

Cabral surpreendeu o auditório da primeira conferência de solidariedade dos povos da África, Ásia e América Latina, que se realizou em Havana, em 1966 justificando os fundamentos da libertação nacional em estrita concordância com a estrutura social dos povos em luta. Cabral não tinha nenhuma classe operária ao seu lado, antevia os perigos no neocolonialismo e considerava que o movimento de libertação era inteiramente responsável por engendrar uma cultura em que o antigo colonizado vencesse a sua superstição, o fatalismo e a ideia da submissão na mulher.

No auge das suas faculdades políticas e credor de amplo reconhecimento internacional, no final dos anos 60 e princípio dos anos 70, Cabral deixa peças de rara qualidade para a compreensão do que ele esperava do futuro do relacionamento entre a Guiné-Bissau e Portugal. Intervindo numa comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1972 ele declara: “Se não afirmamos que Portugal se arrisca a uma derrota militar entre nós, é simplesmente porque ele nunca teve nenhuma oportunidade de sair vitorioso. É só podem sofrer derrotas aqueles que têm pelo menos uma oportunidade de ganhar. Apela a negociações sinceras para se chegar à independência do país, não deixando advertir que a missão de acabar com as guerras coloniais será levada a cabo pelo povo português.

A antologia acolhe extractos de um documento secreto distribuído em Março de 1972 aos quadros do PAIGC sobre um eventual plano português para destruir o partido, e onde se admite expressamente a liquidação do principal dirigente, Amílcar Cabral. O chamado último discurso aborda as diligências para a declaração da independência unilateral e, obtida esta, entrar-se numa nova fase da luta, direccionada para a independência de Cabo Verde.

É certamente um documento histórico, talvez uma raridade bibliográfica, tem todo o cabimento aqui lhe fazer referência para futuro levantamento de todas as edições sobre a obra de Amílcar Cabral.

O livro foi-me gentilmente emprestado pelo nosso confrade António José Pereira da Costa, sensível à minha permanente lamúria, a pedinchar ajuda com vista a que o blogue esteja ao serviço dos estudiosos e investigadores.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6923: Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (9): Ébano Febre Africana, de Ryszard Kapuscinski (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6818: Notas de leitura (141): Corte Geral, de Carlos Lopes (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6929: Parabéns a você (147): Torcato Mendonça, 66 anos, uma referência do nosso blogue, um português pré-esforçado, um orgulhoso ex-combatente (Luís Graça)




Fotos falantes II > Sem título, 35 > O Alf Mil Art Torcato Mendonça, o terceiro a contar da direita, a  caminho da Guiné



Fotos falantes I I > Foto 12 > Mansambo, "poda"...


Fotos Falantes II > Foto 12 > No Geba...



Fotos Falantes II > Foto 14 > Mansambo > Com o Sargento de Milícias Baldé...




Fotos Falantes II > Sem título > Mansambo > Junto do obus 10,5

Fotos Falantes II > Sem título > Foto > Mansambo > O pelotão de artilharia...




Fotos Falantes II > Sem título > Foto 12 > Mansambo >  O jovem José...



Fotos Falantes II > Sem título >  Mansambo > Outra pose do jovem José...




Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservado

O Torcato Mendonça (TM) não precisa de apresentação, nem de salamaleques,  nem de elogios, nem de louvores, nem de condecorações: tem apenas cerca de 150 referências no nosso blogue, na I Série... (Não estamos a contar com a sua participação na I Série, numa altura em que não havia etiquetas ou marcadores)... Mas também não é fácil arrumá-lo, classificá-lo, resumi-lo, descrev~e-lo, em meia dúiza de linhas (Mas tenho a incumbência de fazê-lo, já que o Carlos Vinhal e o Miguel Pessoa não chegam para todas as encomendas desta série;  e faço-o com toda a naturalidade e vontade porque, além de camarada, e bom camarada, o TM é também, um amigo, um grande amigo).

Se a memória não me falha,  o TM está formalmente connosco desde Abril de 2006... É, portanto, um membro sénior do nosso blogue, um activissímo autor, leitor e comentador... Não temos estatísticas individualizadas sobre os comentários aos nossos postes... O nosso TM é capaz de ser responsável por algumas centenas (Publicam-se, em média, uns mil comentários por mês).

É o segundo ano que aqui celebramos o seu aniversário... Em 2009 fez 65 anos (*), a idade em que um português passa a ter desconto no cinema, na CP, nos museus... Este ano, em 2010, pelas minhas contas, fará uma bela capícua, 66... Julgo que em termos de saúde e da sua vida familar, o ano 2010 foi melhor do que o 2009. De certo que o nosso José terá este ano mais alegria na celebração do seu dia de festa, reunido com a a sua Ana, os seus filhos, o seu neto...

Este ano não tive a alegria de o abraçar por ocasião do nosso V Encontro Nacional, em Monte Real.  Esteve inscrito, mas não pôde vir, à última hora...  Também não tenho ido ao Fundão onde reside este apaixonadíssimo e grande português que tem muitas costelas, mas duas delas são muito especiais, algarvia e alentejana... Temos falado ao telefone, o que não é a mesma coisa...

Hoje, sábado, só espero que haja grande ronco lá no Fundão... Todos os amigos e camaradas da Guiné, reunidos sob o frondoso e generoso poilão da Tabanca Grande, vão-lhe cantar os parabéns, desejando boa saúde e muita vida, muita qualidade de vida, que ele bem merece... Como prenda, fui repescar (e editar) algumas das suas Fotos Falantes, ainda não divulgadas ou pouco conhecidas dos nossos periquitos...

Quero dizer ao TM quanto tenho apreciado as suas manifestações, off record, de preocupação, desvelo, cuidado, carinho... em relação aos nossos editores e ao nosso blogue (e ao rumo, às vezes, desconfortável que as coisas tomam, na sequência das nossas cavaqueiras bloguísticas).

O TM é daqueles camaradas que pode estar uns tempos sem aparecer mas nem por isso deixa de estar atento, muito tempo,  ao que se passa, ao que se diz, ao que se comenta, e até ao que não se diz com a frontalidade, a assertividade e a lealdade que ele cultiva e que ele gostaria que fosse partilhada por todos... Está atento, é crítico, mas também é um bom conselheiro... A sua palavra é ouvida com muito respeito e apreço por mim e pelos demais editores... 

O TM não esconde os seus valores e aquilo em que se acredita: é um feroz patriota, um patriota de têmpera rija (, de material pré-esforçado) e tem orgulho na sua condição de antigo combatente.  Às vezes até chego a pensar que ele (ou o fantasma do José) ainda paira lá pelas bandas de Mansambo... Mas também é determinado nas suas convicções  como homem e cidadão. É um exemplo de tolerância e de firmeza.

Por tudo isto (e muito mais: as suas histórias, os seus pensamentos em voz alta, o seu fabuloso ábum fotográfico...),  o TM é um dos camaradas de que temos orgulho no nosso blogue,  com quem podemos contar nas nossas difíceis e que está sempre ao alcance de um clique... (Felizmente, há muitos outros mais).

Parabéns, camarada e amigo: é já tarde e eu tive uma viagem em cheio, por comboio (do Marco de Canaveses até ao Pocinnho) e barco até à Foz do Rio Coa (através da Dourototal Lda, com o Mário Costa ao leme), fiz 2,5 GB de fotografias e vídeos e conheci gente fantástica, incluindo mais um camarada da  Guiné, de 1972/73, 1º cabo enfermeiro (que ainda tem na pinha a lista das doenças tropicais!...) e que é um dos grandes pastores (500 ovelhas)  da região do Coa... O João António Sousa Cassote, de seu nome, passou pelo Cumeré e por Guidaje,  era de rendição individual...  (Pertenceu à CCS de um Batalhão, cujo número não me soube dizer; se alguém se lembrar, que me diga, é uma figura que eu gostaria de retratar na galeria dos meus heróis).

E a propósito da minha galeria dos meus heróis, prometo, ao TM, para o ano fazer-lhe o retrato a corpo inteiro, com a ajudinha do Miguéis ou do Pessoa, os nossos dois geniais e voluntariosos cartoonistas... (**)







Rio Douro > Cachão da Valeira > 3 de Setembro de 2010 > Um dos muitos troços deslumbrantes do Curso Superior do Rio Douro... Fotos tiradas de comboio ao meio dia... Dedicadas ao nosso aniversariante de hoje (e pensando no nosso também querido Zé Manuel Lopes, que está a pedir à malta para votar no seu/nosso Douro, no Vale do Douro, no concurso das 7 Maravilhas Naturais de Portugal).

Fotos: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados
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Notas de L. G.:

(*) Vd. poste de 4 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4894: Parabéns a você (23): Torcato Mendonça, ex-Alf Mil da CART 2339 (Os Editores)

(**)  Último poste da série > 4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6928: Parabéns a você (146 ): José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73) (Editores)

Guiné 63/74 - P6928: Parabéns a você (146 ): José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73) (Editores)

Postal ilustrado: Miguel Pessoa (2010)


1. Conforme atesta o postal de aniversário de autoria do nosso compositor gráfico privativo, Miguel Pessoa, neste dia 4 de Setembro de 2010, completa 61 anos de idade o nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), que como a maioria dos açorianos se fez ao mar e se instalou nos States.

Longe da sua encantadora Ilha do Faial, embora tendo junto de si a família que constituiu na diáspora, o nosso amigo José da Câmara merece o nosso especial carinho. Vamos assim, neste dia, desejar com fervor, um dia bem passado e uma vida que lhe proporcione desfrutar do amor de sua esposa, filhos e netos, por muitos e bons anos.


Ilha do Faial > Porto e cidade da Horta que viu crescer José da Câmara

José da Câmara, que faz parte da nossa tertúlia desde Janeiro de 2009*, muito recentemente viveu momentos inesquecíveis ao comparecer no convívio da sua CCAÇ 3327, em Coimbra, e rever os seus camaradas.
Vindo dos Estados Unidos ao Faial para ver a família, deslocou-se com a esposa ao Continente propositadamente para o efeito.
Aqui fica um instantâneo:


Muitos anos de espera para o primeiro reencontro. Da esquerda para a direita: Câmara, Cruz, Caetano, Cap. Alves, Pinto, Garrido e Graciano

Caro José, neste dia de aniversário, recebe um abraço da tertúlia e votos de muitas felicidades na terra do Tio Sam.

(Os editores)

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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

22 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3777: O Nosso Livro de Visitas (54): Um camarada da diáspora, José Câmara, da açoriana CCAÇ 3327 (1971/73)
e
15 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4350: Tabanca Grande (141): José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73)

Vd. último poste da série de 28 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6905: Parabéns a você (145 ): Um rodada de ternura para o nosso Gato Preto José Corceiro, em férias na Madeira

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6927: Da Suécia com saudade (27): O ponto de vista... de António Rosinha (José Belo)


Excerro do poema de Álvaro de Campos, Tabacaria (1928)


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.  (...)

Foto: © Luís Graça (Candoz, Setembro de 2010)


1. Texto de José Belo, com data de 30 de Agosto p.p. (*)


Assunto: Pontos de vista.

 Caros Camaradas e Amigos.

Aqui seguem alguns pensamentos surgidos da leitura de António Rosinha.

Muitos julgam ter uma perspectiva abrangente das realidades nas ex-colónias portuguesas pelo facto de terem cumprido uma Comissão de Servico, algures no Império, olhando em redor com olhos de vinte anos de experiências de vida feitos,e sendo essas experiências adquiridas em meios muito distintos do africano.

Os que tiveram convivências próximas, diárias, com africanos (civis e militares), vivendo em isoladas tabancas na mata,ficaram com uma percepção de, a seu modo, terem entreaberto uma pequena janela para com um...outro mundo. Mas, mesmo assim, uma janela menos genuína por condicionada pelas realidades da guerra envolvente.

Para outros,integrados em Unidades de militares metropolitanos como eles, com uma vida diária em conjunto, as possibilidades dessa "pequena janela aberta para com um outro mundo" seriam ainda menores.

Soma-se o facto de as nossas passagens por África, apesar de aparentemente infindáveis, foram bem curtas para nos permitir, nas circunstâncias vividas, a tal visão abrangente. Muitos militares profissionais houve, com várias passagens por África. Mas não seriam muitos os que procuravam "olhar em volta",  fora do campo estritamente profissional, pois, obviamente, não seria positivo para futuras carreiras.

Alguns de nós que, com orgulho, respeito,e muita ingenuidade, diariamente hasteávamos a Bandeira Nacional em Destacamentos perdidos na mata, sentem a forte necessidade de aprofundar conhecimentos (factuais) quanto às realidades coloniais, ainda para muitos to desconhecidas nos seus verdadeiros detalhes sócio-administrativos.

É por isso que os documentos, e memórias vividas, sobre os períodos antecedentes, e posteriores à Guerra,se tornam tão importantes. Os "escritos e memórias" de António Rosinha,e de tantos outros com estas vivências locais, nao se devem "perder".

Um abraço amigo do J. Belo
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Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 14 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6738: Da Suécia com saudade (24): A difícil procura da unidade dos antigos combatentes (José Belo)

Guiné 63/74 - P6926: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (2): Alferes do QP Henrique Ferreira de Almeida da CART 1689 / BART 1913

1. Mensagem José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 24 de Agosto de 2010:

Caros Camaradas
Em seguimento às histórias anteriores, apresento esta para a série "Outras memórias da minha guerra".
Junto uma foto para publicar se julgar oportuno.

Um abraço do
Silva da Cart 1689


Outras memórias da minha guerra (2)

Alferes do Q.P. Ferreira de Almeida (CART 1689)
Notas sobre a homenagem póstuma


Outubro.2009

Nunca pensei que, 40 anos depois da guerra da Guiné, me visse a participar numa acção de cariz fundamentalmente militar. Fui a Sátão, perto de Viseu, para assistir à homenagem póstuma ao Alferes do Q.P. Henrique Ferreira de Almeida.

Após alguma insistência do Fernando Cepa (camarada ex-combatente), com quem tenho mantido um óptimo relacionamento, senti alguma curiosidade em saber o desfecho daquela morte incrível, ocorrida na noite de 13 para 14 de Julho de 1968, durante um violento ataque das forças do PAIGC ao aquartelamento de Cabedu.

O Capitão Comandante da Companhia, que havia sido evacuado por ferimento em Gandembel, em Abril, durante a implantação de um aquartelamento no corredor do Guilege, veio despedir-se e partira nesse dia 13, para Bissau, tendo como destino final Lisboa, para frequentar os Altos Estudos Militares no Estado Maior.

Por outro lado, o Furriel Matos também chegou nesse mesmo dia, para substituir o Furriel Belmiro, falecido em Gandembel, aquando do ferimento do Capitão.

Lembro-me de estarmos reunidos naquele degrau alargado, junto ao pequeno Bar, depois do jantar, em ambiente divertido, desta vez bastante enriquecido pela simpatia que o periquito Matos trazia. A dada altura e umas cervejolas depois, numa tentativa de amedrontar este recém-chegado, segredávamos uns para os outros a informação de que se esperava um ataque durante essa noite, o que era invenção nossa, claro. Certo é que ele não acreditou, sorriu e ficou, ali mesmo, adormecido e bastante “pesado”, a justificar a sua descontracção e o evidente cansaço da viagem, seguramente agravado pelo excesso de bebida.

Deveria ser cerca da meia-noite quando sofremos, efectivamente, um ataque. Foi bastante intenso e muito próximo, pois parecia-nos que o inimigo estava junto à vedação do lado da mata e dos coqueiros. Justamente ali, existiam uns fornilhos (bidões cheios de explosivos) enterrados e ligados por fio eléctrico aos abrigos do meu pelotão. Enquanto a Companhia reagia ao ataque, dirigi-me para o abrigo a fim de ligar as pontas dos fios aos pernos da bateria. Invadido pela excitação daqueles momentos, tremia com os fios agarrados, um em cada mão, imaginando a resolução imediata do ataque e os avultados estragos que iria provocar. Inclusivamente, até receei que o efeito das explosões nos atingisse. Cheguei a hesitar, mas a intensidade do ataque era tal que não tinha outra alternativa. E liguei-os. Porém, nada aconteceu. Insisti, mas em vão. (No dia seguinte verificámos que os fios haviam sido cortados junto do arame farpado).

Corri para o morteiro 81. Lancei as primeiras granadas, mas, apesar de o inimigo parecer estar ali, a cerca de 100 metros, foram parar longe. Fui encurtando a distância, até sentir que seria muito perigoso continuar a alterar a posição de fogo. Penso que foram disparadas 27 ou 28 granadas. (tenho uma foto que mostra alguma cedência do chão sob o prato do morteiro).

Após sofrermos qualquer ataque, e ainda sob o efeito da adrenalina, era normal o contacto imediato entre nós, especialmente entre os mais próximos, para sabermos das possíveis consequências e também para cada um exteriorizar o filme desta sua nova e indesejada experiência militar.

Logo que terminou o tiroteio, dirigimo-nos para junto do Bar. Ali estava o Matos que tendo estado exuberantemente exposto naquele mesmo lugar, nada sofreu. Disse que acordou bastante atordoado e como nunca tinha estado debaixo de fogo, confessou:

- Fooooda-se! Vocês fazem um barulho a experimentar as armas!...

E foi nesta altura que soubemos que o Alferes Ferreira de Almeida havia sido atingido no abrigo das Transmissões – o local mais seguro do aquartelamento. Era subterrâneo e localizava-se sensivelmente no meio do aquartelamento. Tinha uma seteira que se situava ao nível do chão exterior. Uma granada deflagrou ali perto e um dos estilhaços atravessou essa seteira e penetrou no pescoço do Alferes que se encontrava de pé.

Cabedú, 14JUL68 > 7 horas depois do ataque de 13 para 14 de Julho de 1968


A homenagem, em Sátão, foi promovida pelos seus camaradas da Academia Militar, conforme se pode verificar na placa colocada na casa onde nasceu. Naquela rua, agora baptizada com o nome do homenageado, estava um Grupo (Pelotão?), composto por militares de ambos os sexos que, em formatura, prestou as devidas honras militares.

Creio que estiveram lá 3 Generais e 2 Coronéis, além de vários outros oficiais do Q.P.. Um Coronel, que mostrou conhecer bem o homenageado, era o anfitrião e fez a sua intervenção, enaltecendo as qualidades do Henrique Ferreira de Almeida. Além do Presidente da Câmara Municipal de Sátão, também discursou o Chefe de Estado Maior do Exército, ficando sem intervir o nosso Comandante da CART 1689.

As cerimónias terminaram com uma romagem ao cemitério, presididas pelo pároco local, junto do Jazigo de mármore, onde é possível ler uma lápide, cuja identificação termina com as palavras “morto ao serviço da Pátria”. Um fim previsto(?) por um homem que, orgulhosamente, se identificava como oriundo dos Montes Hermínios e Terras de Viriato e que várias vezes deixava transparecer o seu principio militar: Morte ou Glória.

(Silva da Cart 1689)
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 19 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6871: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (1): O Chico do Palácio

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6925: Tabanca Grande (241): Ricardo Pereira de Sousa, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger (3ª CART/BART 6522, Sedengal, 1972/74)

1. Mais um Camarada se apresenta nesta Tabanca Grande, o Ricardo Pereira de Sousa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 3ª CART do BART 6522, Sedengal, 1972/74, que na sua primeira mensagem de 31 de Agosto, enviou as fotografias da praxe, deixando-nos na expectativa de que, brevemente, voltará com mais literatura da evolução operacional da sua companhia e da sua comissão:





Camaradas,

Faço a minha apresentação formal com as fotografias da ordem e um pequeno historial da minha passagem por terras da Guiné.

Ora,  se bem me lembro,  fiz o Curso de Operações Especiais no CIOE, no 2º turno de 1972 e parti para Bissau, por via aérea, em Dezembro de 1972,  integrado na 3ª CART do BART 6522.

Segui depois para Bolama para fazer o IAO, já com o conjunto do Batalhão e terminada esta instrução operacional segui para Sedengal, via Ingoré. Após algumas peripécias, bons e maus momentos, que talvez conte um dia se para isso tiver pachorra, memória (infelizmente e ao contrário de outros camaradas não registei esses momentos) e engenho.

Regressei em Setembro de 1974 também por via aérea.

Tinha como Comandante de Companhia o ex. Cap. Mil. Sérgio Faria, de quem prezo ser amigo, e que teve um papel extraordinário na organização do aquartelamento, criando as condições de habitabilidade e de segurança tão necessárias, através da mobilização, em condições muito difíceis e até penosas, dos soldados e graduados.

Conto aqui esclarecer também aquela questão da emboscada com seis mortos, em Julho de 1973, referida no P6004. É que uma acção militar (a história já foi publicada no Expresso) de que resultaram 2 cruzes de guerra e um prémio Governador da Guiné, não deve ser simplesmente referida como “… pessoal que, ao que parece, descontraída e irresponsavelmente ia de viatura para Bissau... desarmado ou sem escolta”.
Com os melhores cumprimentos,

Ricardo Pereira de Sousa
Alf Mil OpEsp/RANGER
3ª CART do BART 6522

2. Começamos por transmitir ao Ricardo de Sousa, que após algumas voltas pelo blogue, descobrimos que temos entre a Tertúlia Bloguista mais 2 Camaradas do seu batalhão:

- o nosso Camarada António Inverno, que também foi Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª e 2.ª CARTs do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 – S. Domingos -, 1972/74. Esteve no CIOE também no 2º turno de 1972;

- No poste P6004 encontra-se informação sobre o Cap Mil Inf Sérgio Matos Marinho de Faria, de quem, do mesmo modo, o António Inverno é amigo pessoal e que foi o comandante da 3.ª Companhia do BART 6522/72, mobilizada pelo RAL 5 (partiu para a Guiné em 7/12/1972 e regressou à Metrópole em 3/9/1974 - Ingoré e Sedengal, na região do Cacheu, a leste de Farim).

3. Amigo e Camarada Ricardo de Sousa, é da praxe (bem mais suave que a do C.I.O.E.), que em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e demais tertulianos deste blogue, te diga aqui que é sempre com alegria que recebemos notícias de mais um Camarada-de-armas, especialmente, se o mesmo andou fardado por terras da Guiné, entre 1962 e 1974, tenha ele estado no malfadado “ar condicionado” de Bissau, ou no mais recôndito e “confortável” bura… ko de uma bolanha.

Tal como o Luís Graça já referiu inúmeras vezes, em anteriores textos colocados ao longo de perto de sete mil postes no blogue, que todos aqueles que constituíram a geração dos “Últimos Guerreiros do Império”, têm alguma coisa a contar da sua passagem da Guerra do Ultramar, que permaneça para memória futura e colectiva, deste violento e sangrento período da História de Portugal, de que nós fomos protagonistas no terreno, em alguns casos só Deus sabe em que condições o fomos.

Foram 12 anos de manutenção de um legado histórico que muitos ignoram e, ou, ostracizam por motivos diversos (cerca de 500 anos de permanência), à custa de muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sangue, sofrimento, morte… que envolveu a movimentação de mais de meio milhão de portugueses em armas.

Como se não tivesse bastado, muitos de nós continuam a sofrer, pelo menos psicologicamente, nos últimos 36 anos com o modo ostracista e laxista como os políticos portugueses nos tratam.

Nós que, nos nossos 21/22/23 anos, demos o nosso melhor, como podíamos e sabíamos, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e enfiados em autênticos buracos, construídos no lodo, embebidos em pó, lama, suor, mosquitos, etc., completamente hostis e perigosíssimos, sob vários aspectos, onde, além dos combates com o IN, enfrentávamos as traiçoeiras minas e armadilhas, as doenças a apoquentar-nos (paludismos, disenterias, micoses, etc.) e as nossas naturais angústias e temores, próprios das nossas tenras idades.

Nós até nem temos pedido muito, além de respeito e dignidade, que todos nós merecemos pelo que demos a esta Pátria, queríamos, e continuamos a querer, no mínimo, que os nossos doentes, física e psicologicamente, sejam tratados condigna e adequadamente, e o tratamento e acompanhamento dos mais carenciados e abandonados pela desgraçada “sorte” da vida.

Oferecendo-te então aqui as nossas melhores boas-vindas e ficamos a aguardar que nos contes episódios da tua estadia na Guiné, que ainda recordes (dos locais, das pessoas, seus hábitos e costumes, dos combates, dos convívios, etc.) e, se tiveres mais fotografias daquele tempo, que nos as envies, para as publicarmos.

Recebe pois, para já, o nosso virtual abraço colectivo de boas vindas.
O coeditor, Eduardo Magalhães Ribeiro.

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.

Fotos: © Ricardo Pereira de Sousa (2010). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6924: Tabanca Grande (240): António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER (1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523 – Cabuca -, 1973/74)

Guiné 63/74 - P6924: Tabanca Grande (240): António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER (1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523 – Cabuca -, 1973/74)

1. Mais um Camarada se apresenta nesta Tabanca Grande, o António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523, Cabuca, 1973/74, natural de Santarém, que nesta sua primeira mensagem enviou várias fotografias do seu álbum de memórias, obtidas em Bafatá e Cabuca, deixando-nos na expectativa de que, brevemente, voltará com mais literatura da evolução operacional do seu pelotão e da sua comissão:
Camaradas,
Sou o António Barbosa, natural de Santarém e cumpri a minha comissão de serviço na Guiné, entre 1973/74.
A minha especialidade era Operações Especiais / RANGER, tendo completado o curso no 4º turno de 1972, em Penude – Lamego. Estive em Cabuca no 1º Pelotão da 2ª CART do BART6523.
Peço desculpa pela qualidade das fotos que vos envio, porque foram obtidas a partir de slides já algo degradados.
Cumprimentos,
António Barbosa
Alf Mil Op Esp/RANGER da 2.ª CART do BART 6523
######################################
Neste poste publicamos as fotos que nos foram enviadas pelo António Barbosa de Bafatá:

2. Começamos por transmitir ao António Barbosa, que após algumas voltas pelo blogue, descobrimos que temos entre a Tertúlia Bloguista o Américo Marques da 3ª CART do mesmo batalhão (Cansissé – Nova Lamego).

Também o nosso Camarada Alfredo Dinis, foi 1.º Cabo Enf da CCS - Nova Lamego -, 1973/74, vivendo actualmente na cidade do Porto.
Numa busca pelo Google, descobrimos uma página dedicada ao BART 6523, da autoria de António de Jesus Santos, que foi 1º Cabo Escriturário da CCS.

3. Amigo e Camarada António Barbosa, é da praxe (bem mais suave que a do C.I.O.E.), que em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e demais tertulianos deste blogue, te diga aqui que é sempre com alegria que recebemos notícias de mais um Camarada-de-armas, especialmente, se o mesmo andou fardado por terras da Guiné, entre 1962 e 1974, tenha ele estado no malfadado “ar condicionado” de Bissau, ou no mais recôndito e “confortável” bura… ko de uma bolanha.

Tal como o Luís Graça já referiu inúmeras vezes, em anteriores textos colocados ao longo de perto de sete mil postes no blogue, que todos aqueles que constituíram a geração dos “Últimos Guerreiros do Império”, têm alguma coisa a contar da sua passagem da Guerra do Ultramar, que permaneça para memória futura e colectiva, deste violento e sangrento período da História de Portugal, de que nós fomos protagonistas no terreno, em alguns casos só Deus sabe em que condições o fomos.

Foram 12 anos de manutenção de um legado histórico que muitos ignoram e, ou, ostracizam por motivos diversos (cerca de 500 anos de permanência), à custa de muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sangue, sofrimento, morte… que envolveu a movimentação de mais de meio milhão de portugueses em armas.

Como se não tivesse bastado, muitos de nós continuam a sofrer, pelo menos psicologicamente, nos últimos 36 anos com o modo ostracista e laxista como os políticos portugueses nos tratam.
Nós que, nos nossos 21/22/23 anos, demos o nosso melhor, como podíamos e sabíamos, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e enfiados em autênticos buracos, construídos no lodo, embebidos em pó, lama, suor, mosquitos, etc., completamente hostis e perigosíssimos, sob vários aspectos, onde, além dos combates com o IN, enfrentávamos as traiçoeiras minas e armadilhas, as doenças a apoquentar-nos (paludismos, disenterias, micoses, etc.) e as nossas naturais angústias e temores, próprios das nossas tenras idades.

Nós até nem temos pedido muito, além de respeito e dignidade, que todos nós merecemos pelo que demos a esta Pátria, queríamos, e continuamos a querer, no mínimo, que os nossos doentes, física e psicologicamente, sejam tratados condigna e adequadamente, e o tratamento e acompanhamento dos mais carenciados e abandonados pela desgraçada “sorte” da vida.

Oferecendo-te então aqui as nossas melhores boas-vindas e ficamos a aguardar que nos contes episódios da tua estadia na Guiné, que ainda recordes (dos locais, das pessoas, seus hábitos e costumes, dos combates, dos convívios, etc.) e, se tiveres mais fotografias daquele tempo, que nos as envies, para as publicarmos.

Recebe pois, para já, o nosso virtual abraço colectivo de boas vindas.

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
Fotos: © António Barbosa (2010). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

27 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6903: Tabanca Grande (239): Abílio Duarte, ex-Fur Mil Art, CART 11 (Contuboel e Lamego, 1969/70)