quarta-feira, 20 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8142: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (11): Domingo de Ramos (Ernesto Duarte)

1. Em mensagem do dia 18 de Abril de 2011, o nosso camarada Ernesto Duarte* (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), enviou-nos estas fotos para o espólio das Memórias de Mansabá.

Um abraço muito grande para ti Carlos e para toda a tua família e igualmente para o Luís e para toda a sua família.


Domingo de Ramos

Nesta semana a que os católicos praticantes chamam de Semana Santa, neste Domingo de Ramos, tradição tão velhinha o trocar de ramos, e hoje há quem chame ramos da paz, eu desejo a todos os Homens Grandes, gigantes mesmo, da Tabanca Gigante, e a todos os homens de todas as tabancas, uma semana de paz, já que por vezes pelas situações mais diversas não se consegue viver as 55 semanas do ano em plena paz.

Esforcemo-nos, ao menos, pondo até os fantasmas no sótão, para que se possa viver esta, em paz na sua totalidade.

Eu desapareço muito, o tempo é pouco, nesta época da minha vida em que eu queria fazer um milhão de coisas, vejo o tempo voar-me e tenho que reconhecer que tem já muito a ver com isso o peso dos anos, pesam e começa a nascer uma saudade muito grande de um milhão de coisas, muitas delas não fazia a mínima ideia que estavam adormecidas no consciente.

A casa do meu pai, a seguir à sua morte,  causava-me arrepios, hoje é um lugar sagrado e passo lá muito tempo.

Eu digo por um lado com alguma indelicadeza, ainda não consegui ler os postes com a atenção que eles merecem a um militar, especialmente que esteve na Guiné e no Oio, mas por outro lado desculpo-me a mim próprio, servindo-me de aquela verdade incontestável, o tamanho que os mesmos atingiram são enormíssimos, tão grandes que os seus criadores já não tem ideia da sua grandeza.

Mas Portugal, isto não é me lamentar, não gosto muito de fazê-lo, teve uma malapata com os seus militares no tempo das campanhas [do Ultramar], há muita gente, muito português e até muitos com responsabilidade na máquina estatal que nunca leram de lá uma página, tudo bem, não gostam, mas não podem ignorar uma parte tão importante do Portugal contemporâneo e uma parte tão importante que já é história no Portugal de Hoje.

Se calhar é por muita gente querer ignorar a história, ou querer que ela seja cor-de-rosa, que há desencontros entre o País e o seu povo.

Eu sou um básico, mas nestas datas em que uma grande parte do mundo comemora algo, eu digo,  com alguma tristeza, como foi possível nestes 2000 anos o homem não ter conseguido acabar com as guerras, até nestes últimos 100 anos, até no dia de hoje. Quantas pessoas terão morrido hoje em guerras estúpidas, afinal como todas elas, de qual a qual a mais estúpida.

Não tenho lido, eu chamo-lhe assim os sites todos como eu gostava, mas sempre tenho lido algumas coisas, e há coisas que eu já descobri e que me encantam, acho lindas, e não resisto a escrevê-las aqui!

Tabanca Grande, as nossas regras de convívio:

4ª - Carinho e amizade pelos nossos dois povos, o povo Guineense e o povo português sem esquecer o povo cabo-verdiano.

5ª - Respeito pelo inimigo de ontem, o PAIGC, por um lado e as forças armadas portuguesas por outro.

Chamaram-me eu fui, como era meu dever, mas sempre fui consciente e gostei de pensar por mim e como tal, a partir de certa altura, já tinha as minhas opiniões, e determinadas coisas que eu fiz começaram a pesar e continuam a pesar.

Mas também é verdade que em mim e na maioria dos amadores que sustentaram a guerra não havia grandes ódios, a convicção de que não tinha sido feito para aquilo, a convicção que aquela guerra não tinha que existir era muito maior do que o ódio que poderia sentir, especialmente contra aquelas gentes com quem eu convivia todos os dias.

E ao ler a 4ª e a 5ª regras especialmente, não altera passados nem dá absolvições à responsabilidade de cada um, mas confirma dentro de certa medida o que muitos hoje sentimos, foi uma guerra, totalmente inútil, mas diferente em tudo, portanto facilmente evitável, porque havia muita e muita gente que não tinha ódio, não nos absolve mas não nos faz sentir tão sozinhos.

Serei básico, analfabruto mesmo, anarquista, louco, não me importando em nada com as crises dos sistemas, das instituições, reconhecendo que podem levar mais uma vez a sociedade ao zero, mas já há aí tanto homem livre espiritualmente e o de amanhã será ainda muito mais e sempre mais e mais livre e independente espiritualmente, logo blindado à manipulação.

Um grande Abraço
Ernesto Duarte
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7811: Memórias de Mansabá (10): Fotos da bolanha de Mansabá, a nossa praia (Ernesto Duarte)

Vd. último poste da série de 20 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8140: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (10): Obrigado, camaradas, pela chave-mestra do cofre das nossas memórias ! (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P8141: Notas de leitura (230): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Abril de 2011:

Queridos amigos,
O testemunho de Aristides Pereira é irrecusável.
Diferente do de Luís Cabral (este mais intimista e deslumbrado pelo talento inesgotável do irmão), Aristides procura nesta narrativa encontrar os dados irrefutáveis da principal consigna do PAIGC da época (uma luta, um partido, dois países).
Como o tempo veio ensinar a consigna assentava numa vontade indomável de um líder de elevado gabarito que sonhara com uma utopia irrealizável. A história é como a natureza, encarrega-se de pôr tudo no seu lugar, baralha-se e volta-se ao princípio. Pode perceber-se como essa consigna arrastou vagas de azedume e quezília, separando povos e deixando a Guiné sem projecto.

Um abraço do
Mário


O testemunho de Aristides Pereira (1)

Beja Santos

“O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países”, por Aristides Pereira, Editorial Notícias, 2003, é um dos documentos fundamentais para entender tudo quanto se passou na Guiné, desde a génese da luta armada até aos acontecimentos que conduziram à ruptura entre cabo-verdianos e guineenses, em 1980. Aristides Pereira não precisa de apresentações, ninguém ignora o papel capital que desempenhou desde a fundação do PAIGC até ao topo na hierarquia política. Trabalhou sempre ao lado de Amílcar Cabral, em Conacri, será ele o novo líder do PAIGC na Guiné-Bissau declarada independente, em Setembro de 1973. Foi eleito Presidente da República de Cabo Verde, em 1975, 1981 e1986, a par de ter sido secretário-geral do PAIGV.

Que importância pode ser atribuída a esta obra? Dirigente colocado em posição privilegiada, homem modesto, que não se reconhece nem como escritor nem sequer como escrevinhador, vem testemunhar, como ele escreve como uma forma de pagar a dívida com todos aqueles que se entregaram totalmente à luta. É um livro de cerca de 1000 páginas, o seu testemunho com bastantes adjuvantes de diferentes colaborações, chega às 280, o restante material é composto por entrevistas conduzidas por Leopoldo Amado, muitas delas de inegável importância, tal como o acervo documental com que finaliza o volume, com algumas peças históricas incontornáveis. Dada a natureza de tão farto material, compreensivelmente haverá que seccionar os diferentes conteúdos. Pois vamos começar pelo testemunho de Aristides Pereira e de alguns outros participantes seus convidados.

Primeiro, a apresentação do sistema colonial português. É uma apresentação com claro rigor histórico, ninguém desconhece que a presença dos portugueses na actual Guiné-Bissau, no período que antecede a conferência de Berlim, é tímida e circunscrita a algumas praças-fortes. O sistema administrativo só se irá estruturar na I República, a Guiné, nesse período passa a ser um importante fornecedor de óleos e oleaginosas. Em pinceladas grossas, chega-se ao Acto Colonial de 1930, à Carta Orgânica do Império Colonial Português e à Reforma Administrativa Ultramarina, ambas de 1933. Recorda-se o estatuto do indigenato e a concepção civilizadora do salazarismo, atribuindo-se à fundação da Liga Guineense (1910) uma importância significativa na reivindicação em se melhorarem as condições escolares na região. O que era escusado era o autor recorrer a uma expressão puramente demagógica quando diz “Mas o que importa sublinhar é a coesão e a tenacidade com que os guineenses resistiram a 4 séculos de presença portuguesa e a cerca de 60 anos de colonização efectiva. Esta resistência foi uma espécie de luta de libertação nacional avant la lettre, que demonstrou que o povo da Guiné não se submeteu à dominação estrangeira e que se mobilizou para a luta logo que se reuniram as condições favoráveis para a conquista da independência”. Coesão foi coisa que nunca existiu e qualquer semelhança entre a resistência étnica e a luta de libertação nacional é uma imagem de mau gosto, uma derrisão histórica.

Segundo, socorrendo-se de um contributo alheio (António Correia e Silva e Zelinda Cohen) Aristides Pereira e quem com ele colaborou neste livro nem entendem o que se escreve sobre “a génese do movimento dito protonacionalista em Cabo Verde”. Se alguma dúvida subsistisse quanto ao inconciliável da unidade Guiné e Cabo Verde este texto deixa tudo esclarecido. O Cabo Verde que aqui vem documentado só se aproxima da Guiné através de alguns negócios, caso da Companhia do Comércio de Cacheu e a Companhia Grão-Pará e Maranhão. Cabo Verde possui uma elite colonial, gente culta, jornais, instituições que funcionam, um bispo, uma rede de ensino público, um crioulo autónomo, um funcionalismo público autónomo. É inegável que o fenómeno histórico cabo-verdiano reivindicava a plena cidadania portuguesa, não se encontra um dado sequer de história comum entre a gente “das ilhas” e do continente africano. É facto que a Guiné dependeu até ao último quartel do século XIX de um governador sediado em Cabo Verde; é facto que veio muita população de Cabo Verde para a Guiné e desta para Cabo Verde, mas não se encontra qualquer plausibilidade para o argumento da história comum (nutriente fundamental para o slogan “uma luta, um partido, dois países”). E o documento destes dois colaboradores deixa devidamente esclarecido que a unidade reclamada por Amílcar Cabral e pelo PAIGC da luta (para consumo interno e internacional) não passou de um fantasma. Com as consequências que todos nós conhecemos.

Terceiro, segue-se o testemunho de Aristides Pereira que veio de Cabo Verde para Bissau em 1948, como operador dos CTT. Descreve a cidade da época e a sua vida em Bafatá em cuja estação dos correios foi colocado. De regresso a Bissau, em 1951, estabelece relações com a Dr.ª Sofia Pomba Guerra (uma comunista forçada a viver ali) e com Abílio Duarte, Fernando Fortes e outros pequenos funcionários. O nacionalismo na Guiné é despertado pelas independências das colónias vizinhas. Surgiram logo depois da II Guerra Mundial organizações e grupúsculos de curta vida, alguns estudantes africanos em Portugal criaram em 1951 o Centro de Estudos Africanos como uma alternativa à passividade política em que se vivia na Casa dos Estudantes do Império. Aristides Pereira relata depois a criação de movimentos de contestação e o aparecimento de Amílcar Cabral na Guiné, em 1952. São dados inquestionáveis, aparecem registados em muitas outras publicações, tal como a fundação PAI, o aparecimento do MLG (Movimento de Libertação da Guiné). Saltando para o despertar do nacionalismo em Cabo Verde, a narrativa também nada traz de novo, de há muito que está identificado o Grupo de 3º Ciclo do Liceu de São Vicente de onde sairão quadros para o PAIGC.

Quarto, o autor aborda a problemática da unidade Guiné e Cabo Verde, pede mesmo um texto “científico” a dois estudiosos (Manuel Duarte e Renato Cardoso, é uma prosa entediante onde, sempre numa atmosfera de voluntarismo se procura contestar as diferenças abissais das duas culturas, das duas histórias, dos preconceitos e ressentimentos que, em banho lustral, aparecem limados e transformados em laços especiais e indissolúveis. Aliás, a prosa dos dois colaboradores de Aristides Pereira a este respeito é tortuosa e cabalística, como se exemplifica: “A necessidade histórica da materialização da unidade é condicionada pelo facto, primordial, de que a opção da unidade (no sentido dinâmico de unidade e objectivos) põe-se, justamente, em relação a realidades individualizadas, não idênticas: realidades com semelhanças e também com diferenças. Daí que, se é manifestamente infundado contestar o princípio da unidade dos povos da Guiné e Cabo Verde, com argumentos extraídos de suas (reais ou imaginárias) diferenças, naturais ou culturais, a formação jurídica-política da unidade das duas nações deve ser antecedida do processo de materialização da unidade de existência de ambos os povos. Unidade vivida, em que se atinjam as convergências concretas e formas de superiores de cooperação e comunhão, através de novas relações de complementaridade intercâmbio, através de reestruturação e ajustamento finalístico de semelhanças e diferenças”.

Retira-se este parágrafo de um texto absolutamente esotérico, em como se dá como provado que a unidade era um facto histórico inescapável. Pior do que tudo, Aristides vem seguidamente sentenciar: “Quando ouvimos os detractores do princípio básico do PAIGC, a unidade da Guiné e Cabo Verde, afirmarem que este princípio era utópico e inatingível ficamos atónitos com essas posições, sempre fundadas no racismo e em certos complexos (de superioridade ou inferioridade) criados e fomentados pelo sistema colonial”.

A seguir, destacar-se-á a luta clandestina na Guiné, iremos até à batalha do Como e ao congresso de Cassacá, um percurso onde Aristides Pereira também irá discorrer sobre a luta político-diplomática do PAIGC.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8108: Notas de leitura (229): Visão - África, 30 anos depois, reportagem de Pedro Rosa Mendes (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8140: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (10): Obrigado, camaradas, pela chave-mestra do cofre das nossas memórias ! (Jorge Cabral)

1. Mensagem do nosso querido amigo, camarada  e colaborador Jorge Cabral [, foto à esquerda, em Fá Mandinga, na zona leste, Sector L1 (Bambadinca), em Novembro de 1969, noutra incarnação, muito antes de se tornar um temível penalista da nossa praça],  mensagem essa alusiva ao 7º aniversário do nosso blogue (e Tabanca Grande) (*)



ANIVERSÁRIO. SETE. QUARENTA ANOS



No mais fundo de nós, um Cofre.
Cerrado, guardava memórias.
Mas onde estava a chave?
Muitos a tinham perdido.
Alguns não a queriam encontrar.


Quarenta anos depois.
Amores e desamores,
sucessos e insucessos,
nascimentos e mortes,
alegrias e tristezas,
…a Vida.


Eis que surge o Blogue,
a Chave Mestra
que escancara o difuso
e o transmuta em real.


E porque o hoje é feito de muitos ontens,
celebramos.
Aqui,
tão Diferentes,
tão Iguais,
na Tabanca do Afecto.


Obrigado, Camaradas.


Jorge Cabral


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Nota do editor:
 
(*) Vd. poste anterior da série > 19 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8136: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (9): À volta do SETE - O Sétimo Ano do Blogue (José Martins)

Guiné 63/74 - P8139: Contraponto (Alberto Branquinho) (29): Teatro do Regresso - 4.º Acto - Missa de Corpos Presentes

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 17 de Abril de 2011:

Caro Camarigo Carlos Vinhal
Este Acto nº. 4 do Teatro do Regresso não é parte ficção e parte real. Aconteceu.

Durante os dias em que a minha Companhia esteve em Bissau esperando o embarque para regresso, o meu Pelotão foi escalado para esse "serviço". (Habituados a "muita coisa", mesmo assim, ao chegar lá, as urnas pequenas impressionavam-nos).
As palavras que o padre me dirigiu no final é que poderão não ter sido exactamente aquelas.
Tivemos que treinar a salva de tiros (sem bala na câmara) e a posição de "funeral arma" que já estava mais que esquecida.

Um abraço
Alberto Branquinho


Guiné-Bissau > Igreja de Santa Luzia
Foto Google


CONTRAPONTO (29)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

4º. Acto - Missa de Corpos Presentes

Cenário:

Abril de 1969.
Pequena igreja situada do lado direito da estrada Bissau – Santa Luzia/QG.
Pela porta aberta entrevêem-se três urnas grandes e duas pequenas, em frente ao altar; o padre, devidamente paramentado, celebra missa de corpo presente, por alma dos falecidos.
Um alferes assiste à celebração em pé.


Personagens principais:

O padre, paramentado, que celebra a missa.
O alferes miliciano, fardado, que assiste à celebração.


Acção:

A missa está a acabar.
O padre, entre o murmúrio de palavras em surdina, asperge água benta, com o hissope, repetidas vezes, sobre as urnas, fazendo o sinal da cruz.

Fora da igreja, uma viatura militar começa a movimentar-se, em marcha-atrás, no sentido da porta da igreja, mas os movimentos são bruscos e desastrados. O padre precipita-se para junto da porta e, com o hissope, faz-lhe sinais para curvar à esquerda, à direita, corrigindo-lhe os movimentos. Finalmente, a viatura encosta correctamente à porta da igreja.

O padre regressa ao altar para, de seguida, voltar para junto da porta.

As urnas começam a ser carregadas na viatura.
A pequena força no exterior, formada do lado direito da igreja, faz a salva militar, disparando sucessivos tiros para o ar.
Uns quantos garotos espreitam às esquinas e às portas das casas e barracas, entre curiosos e assustados.
O padre, ainda paramentado, assiste, dentro da igreja, ao carregamento das urnas, tendo a seu lado o alferes.
Ouve-se a ordem:

- Funeral – ARMA !!!

Pouco depois a viatura iria iniciar a marcha, acompanhada pela pequena escolta.

O alferes despedia-se do padre, quando este lhe prendeu a mão, sustendo a despedida e disse-lhe, olhando-o nos olhos:

- Estes rapazes regressam a casa como carga aérea e, às vezes, em… pedaços. Mas outros… nem sequer… regressam.

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8083: Contraponto (Alberto Branquinho) (28): Teatro do Regresso - 3.º Acto

Guiné 63/74 - P8138: Memória dos lugares (152): A cidade de Bissau em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)

1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro* (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2011:


Camarigo Carlos Vinhal
Aqui vai mais um texto para o nosso blogue se entenderes que o mesmo merece ser publicado.

Um abraço
Carlos Pinheiro


A Cidade de Bissau em 68/70

A esta distância no tempo, recordar a cidade de Bissau onde passei mais de 25 meses da minha vida, obrigatoriamente e sem alternativa de escolha, mesmo assim é bom recordar Bissau, para que a memória não esqueça e para que outros possam também recordar e testemunhar.

Bissau era uma cidade simpática onde havia um pouco de tudo e acima de tudo muita tropa, muitos militares em movimento, a chegar, a partir e a estar. Não era uma grande metrópole mas tinha infra-estruturas que uma cidade de província, na Metrópole de então, não tinha, não podia ter e nem tinha que ter. Tinha por exemplo um Aeroporto, na Bissalanca, que é certo se confundia de algum modo com a BA 12, já que as pistas eram as mesmas e, aliás, o Boeing da TAP só lá ia uma ou duas vezes por semana, levar de regresso combatentes que tinham vindo de férias, buscar outros em sentido contrário e acima de tudo levar e trazer correio tão indispensável para o apoio moral das tropas e especialmente dos seus familiares cá na santa terrinha. 

Na maior parte do tempo eram os FIAT G91, os T6 e os DO27, para além de outros meios aéreos, os únicos a utilizar as pistas quando eram lançadas Operações onde o apoio aéreo tinha uma preponderância mais que evidente. E, claro, também era dali que saíam os helicópteros, os Alouette III, para as Operações, mas acima de tudo para fazer as evacuações dos doentes e dos feridos.


Tinha também um porto de mar, que por acaso era no rio Geba onde, por vezes, os barcos maiores, o UIGE ou o NIASSA, não atracavam.

Mas barcos como o Rita Maria, o Ana Mafalda, o Alfredo da Silva, o Manuel Alfredo, todos da Sociedade Geral, da CUF, esses porque eram mais pequenos, atracavam. Também o Carvalho Araújo, penso que dos Carregadores Açorianos, nos seus últimos tempos de vida, também ali atracava. Mas era um porto com poucas condições. Este último barco, porque tinha pouca autonomia, tinha que ir, na viagem de ida, a S. Vicente, Cabo Verde, meter água e nafta e no regresso, era no Funchal que atestava.
Tinha ainda outro porto, este mais de pesca, o Pidjiguiti, tristemente célebre pelos massacres que precederam a guerra da independência.


Mas tinha o Palácio do Governador, tinha a Associação Comercial, tinha algumas casas apalaçadas de arquitectura tipicamente colonial, tinha um cinema, a UDIB (1), tinha dois campos de futebol, o campo da UDIB e o “estádio dos cajueiros” à Ajuda, tinha um comércio florescente, especialmente dominado pelos libaneses, onde tudo se vendia desde o alfinete ao camião, tudo importado, principalmente do Japão, mas também dos States, da Inglaterra, da Escócia, da Itália, da Holanda, da Checoslováquia, da França, etc., e naturalmente da Metrópole.

E Bissau tinha algumas casas que toda a malta conhecia pois era lá que convivia, que matava saudades e acima de tudo matava a fome e a sede. Logo à saída do QG havia o Santos, a que simplesmente, mas com muito carinho, chamávamos o “farta brutos”, onde se comia, talvez a maior febra de Bissau. Parecia que tinha as orelhas de fora do prato, tal era a sua dimensão. Mas as batatas fritas a acompanhar também mereciam respeito. Quanto à cerveja, ela era igual em todo o lado, desde que estivesse bem fresca e isso às vezes conseguia-se e muita até era da Manutenção Militar.

Mas lá em baixo, na cidade, tínhamos outras casas emblemáticas. Tínhamos a Solmar, que não tinha nada a ver com a outra de Lisboa, mas que já era um bom restaurante que também vendia muita cerveja para acompanhar as ostras e o camarão.  

Tínhamos o Solar do 10, casa mais pequena mas mais requintada, onde por vezes à noite se cantava o fado depois de uma jantarada ou ceia.

Tínhamos o Zé da Amura onde se comiam uns chispes que iam para lá enlatados não sei de onde, mas que, à falta de melhor, eram apreciados.

Tínhamos, na Praça Honório Barreto, o Internacional, o Portugal e o Chave de Ouro, tudo cafés/cervejarias mas também onde se comiam umas febras ou uns bifes, quando havia.
Mas na Avenida principal, do porto ao Palácio do Governo, também havia o “Bento”, café e esplanada característica da cidade a que vulgarmente nós, os militares, chamávamos de “5ª Rep.” já que o Quartel-general só tinha 4 Rep’s, 4 Repartições.


Para a malta, ali era portanto a 5ª repartição onde quem chegava do mato se encontrava com os residentes, onde se trocavam informações e onde, se dizia, que essas informações vadiavam ali dum lado para o outro do conflito. Ao lado do “Bento” mais para o interior, era a Bolola, onde esteve o Serviço de Material, depois transferido para Brá, e onde era o Cemitério que ainda guarda os restos mortais de muitos camaradas nossos.

Nessa avenida estavam talvez as maiores casas comerciais. Por exemplo a “Casa Gouveia”, da CUF, que vendia ali de tudo e que tudo comprava o que os naturais produziam, principalmente a mancarra (2), o Banco Nacional Ultramarino, o banco emissor da Província, o Cinema UDIB e ao lado uma boa gelataria, mais acima a Pastelaria, Padaria e Gelataria Império, assim baptizada por estar já na Praça do Império onde se situava o Palácio do Governo e Associação Comercial.

Também era nessa Avenida que estava a Sé Catedral, templo de linhas tão simples quanto austeras.



A caminho de Brá e da “SACOR”, havia um local chamado “Benfica” onde havia um café com o mesmo nome e onde se apanhavam os transportes para os vários quartéis daquela zona como eram o Hospital Militar 241, o Batalhão de Engenharia 447, os Comandos, os Adidos e mais à frente a BA 12 e o BCP 12.

Mas havia outros estabelecimentos dignos de recordação. A casa de fados “Nazareno”, mais tarde rebaptizada de “Chez Toi, a “Meta” com as suas pistas de automóveis eléctricos, e como novidade também apareceu naquela altura “O Pelicano”, café-restaurante construído pelo Governo e explorado por privados, com uma belíssima vista sobre o Geba e avenida marginal.


Na Avenida Arnaldo Shulz, que ligava a Estrada de Santa Luzia à tal SACOR, a caminho de Brá, sempre ao lado do Cupelão [ou Pilão], estava o Comando Chefe das Forças Armadas à esquerda de quem subia, um pouco mais abaixo, os Bombeiros Voluntários de Bissau num grande quartel nessa altura muito bem equipado, a Cruz Vermelha, estes do lado direito e até a Sede local da PIDE, que nessa altura já se chamava DGS, também do lado direito mas já junto ao Largo do Colégio Militar.

Era uma avenida nova, como se fosse uma circular urbana onde as boas vivendas também começaram a aparecer.

No princípio da Avenida que ia para Santa Luzia, antes de se chegar ao Hospital Civil, estava o Grande Hotel, nome pomposo do melhor estabelecimento hoteleiro da cidade. O resto era pensões, algumas de quinta escolha.

Mas o comércio de Bissau não era constituído só por cafés, restaurantes e tascas. Havia de tudo. E há nomes que não se esquecem. Para além da Casa Gouveia, o maior empório daquele então Província Ultramarina, como então se dizia, a Casa Pintosinho, a Taufik Saad, a Costa Pinheiro, e muitas outras vendiam de tudo, são nomes que ficaram para sempre na memória. 

Havia, claro, várias casas de fotografia, como por exemplo a AGFA perto da Amura, que ganhavam muito dinheiro na medida em que era raro o militar que não tivesse comprado a sua FUJICA, PENTAX, NICON, etc., a que davam muito uso. Muitas casas vendiam roupa barata, nessa altura já confeccionada em Macau, especialmente aquelas camisas de meia manga, calças de ganga e sapatos leves.
Era assim Bissau naquela época.


(1) UDIB - União Desportiva e Internacional de Bissau
(2) Mancarra - Amendoim

Carlos Pinheiro
16.04.11

Texto e fotos de Carlos Pinheiro
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8099: Convívios (226): Reencontro ao fim de 41 anos (Carlos Pinheiro)

Vd. último poste da série de 4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8045: Memória dos lugares (151): Bedanda 1972/73 - O Seis do Cantanhez (António Teixeira)

terça-feira, 19 de abril de 2011

Guiné 63/74 – P8137: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (13): Oficina danada



1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO), ex-Fur Mil da CCAÇ 675 - Binta -, 1964/66, com data de 19 de Abril.
OFICINA DANADA

Dois homens de cabelos brancos passeiam lentamente aproveitando o fresco da noite que se avizinha.

O mais velho fala, gesticula e de olhos brilhantes aponta para um edifício amarelo, degradado, com muitos anos de tempo. De memórias, de sons de martelos e do fogo de bigornas...
- Ali era a “Oficina danada”!
- Espera aí, José Coelho. Vamos falar desses nossos antepassados com mais calma.
E com a magia de que os mais velhos são capazes aproveita-se a esquina mais próxima para se entrar na” máquina do tempo” e viajar muitos anos para trás.
Na casa amarela, trabalhavam quatro irmãos (o Joaquim, o Zé “Preto”, o Júlio e o António “Russo”), hábeis serralheiros, com oficina na Rua Frei Estêvão Martins, a poucas centenas de metros do Mosteiro. Viveram intensamente os tempos conturbados do assalto ao Quartel em meados de Janeiro de 1919.
Num livro escrito alguns anos mais tarde é referido «… que em 11 de Janeiro de 1919, civis armados, auxiliados por oficiais revoltosos de Regimento de Artilharia 1, aquartelado em Alcobaça, tomaram posse do quartel, prenderam o Comandante e alguns oficiais e seguiram para Santarém, principal núcleo do movimento revoltoso.

"No dia 13 seguinte, encontrando-se Alcobaça desguarnecida, entrou nela tropa de Infantaria 7, fiel ao governo, tendo-se seguido a prisão de largas dezenas de pessoas... e até 24 do mesmo mês viveu-se um regime de terror, com violação de domicílios e atropelos vários.»

Os quatro irmãos da nossa história e a sua oficina estiveram na mira das forças da ordem de então por terem sido denunciados por inimigos políticos. Eram acusados do fabrico de bombas para a revolução.
Foi um elemento da GNR que no final da busca, certamente cansado, enfarruscado e desiludido por nada ter encontrado que proferiu a frase que veio a tornar conhecida a oficina dos 4 irmãos:
- Que oficina danada!


Quanto às bombas elas estavam lá perto, dentro de um cesto que, preso por um arame, estava mergulhado nas águas escuras do Rio Baça, que passava nas traseiras da oficina.
Se têm aberto a janela enferrujada das traseiras e puxado o arame os quatro irmãos teriam ido mesmo presos.

Parafraseando a histórica expressão do soldado da GNR,  tiveram uma sorte danada!  E em tempos passados ou nos de hoje… a sorte de um homem é escapar!  Digo eu… que não sou de intrigas.
FMI, digo, FIM.

JERO
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Guiné 63/74 - P8136: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (9): À volta do SETE - O Sétimo Ano do Blogue (José Martins)

1. Mensagem do José Martins, o nosso revisor oficial de contas...Começou na CCAÇ 5 (e não na SETE), em Canjadude, disfarçado de gato preto das transmissões, nos idos tempos de 1968/70... Acaba de atingir, na contabilidade analítica do nosso blogue, o número mágico das 101 referências... É especialista em fazer magia (e a enganar-nos) com números...  (LG)



Camarigos: Pequena contribuição, se tiver valor, para o aniversário do blogue.

Um abraço dos SETE costados

José Martins



À volta do SETE - O SÉTIMO ano do blogue

por José Martins

Como se deve dar o seu a seu dono e revelar, sempre que possível as fontes - mesmo que seja a Fonte das SETE Bicas – fui á Wikipédia à procura de “dicas” e eis o que deu [, em 23 linhas para bater certo com o dia do mês de Abril, em que o blogue faz anos]:

(i)  Há SETE artes (Música, Pintura, Escultura, Arquitectura, Literatura, Coreografia, Cinema), 



(ii) assim como na Arquitectura há as SETE maravilhas do mundo antigo (Pirâmides de Gizé, Jardins suspensos da Babilónia, Farol de Alexandria, Colosso de Rodes, Mausoléu de Halicarnasso, Estátua de Zeus em Olímpia, Templo de Ártemis em Éfeso) 


(iii) e as SETE maravilhas do mundo moderno (Machu Picchu, Taj Mahal, Chichén Itzá, Cristo Redentor, Grande Muralha da China, Ruínas de Petra, Coliseu de Roma).


(iv)  Na Filosofia temos os SETE sábios da Grécia (Thales de Mileto, Bias, Cleopulo, Mison, Quilon, Pitaco e Sólon), 


(v) e as SETE virtudes humanas (Esperança, Fortaleza, Prudência, Amor, Justiça, Temperança e Fé).

(vi) A cultura popular diz que há SETE pecados capitais (Vaidade, Avareza, Ira, Preguiça, Luxúria, Inveja e Gula) 



(vii) e SETE virtudes divinas (Castidade, Generosidade, Temperança, Diligência, Paciência, Caridade e Humildade). 


(viii) Há as SETE cores no Arco-íris (Vermelho, Laranja, Amarelo, Verde, Ciano, Azul e Violeta), 


(ix) a Branca de Neve era acompanhada por SETE anões (Atchim, Soneca, Zangado, Feliz, Dengoso, Mestre e Dunga) 


(x) e há SETE mares (Mediterrâneo, Adriático, Negro, Vermelho [incluiu o Mar Morto e da Galileia], Arábico e Golfo Pérsico).

(xi)  Há o castelo das SETE torres de Constantinopla, 



(xii) os SETE dias da semana, 


(xiii) e SETE semanas depois do carnaval é a Páscoa, 


(xiv) assim como há SETE notas musicais. 


(xv) Temos, também, a Hidra das SETE cabeças 


(xvi) e as SETE colinas de Lisboa


(xvii)  e as SETE colinas de Roma. 

(xviii)  São SETE as Igrejas da antiguidade (Tiatira, Éfeso, Esmirna, Laodicéia, Filadélfia, Pérgamo e Sardes)



(xix) e SETE os Sacramentos (Baptismo, Confirmação, Eucaristia, Sacerdócio, Penitência, Extrema-unção e Matrimónio).

(xx) Na área militar, em 1974, além-mar tínhamos SETE Regiões e/ou Comandos Militares (Angola, Guiné, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Macau e Timor) 
 e ficamos com SETE Regiões e/ou Comandos Militares no Continente (Norte, Centro, Sul, Algarve, Lisboa, Madeira e Açores) 

(xxi)  Servi, como militar, numa Companhia [, a CCAÇ 5,] que durou SETE anos (01ABR67 a 20AGO74) 



(xxii) que foi comandada por SETE capitães (Barros e Silva, Pacifico dos Reis, Ferreira de Oliveira, Gaspar Borges, Silveira Costeira, Figueiredo Barros e Silva de Mendonça), 


(xxiii) e tive a anteceder-me SETE familiares sargentos (Manuel Ferrinho [bisavô], José Marcelino [avô], Afonso Marcelino, Adolfo Ferrinho, António Ferrinho, Francisco Pereira [tios-avôs] e Júlio Martins [tio].

 Parabéns,  Luís e Equipa,  pelos SETE anos. Mas cuidado para não desatinarem e começarem a pintar o SETE, ou pior ainda, não façam birra e não se fechem a SETE chaves, porque todos aqueles que pertencem ao blogue, tendo SETE anos ou SETE dias de permanência no mesmo, não esquecendo os que têm SETE semanas ou SETE meses, somos parte daquele povo de andarilhos que “andarilhou” pelas SETE partidas do mundo.

Para todos um abraço dos SETE costados!

Assino com Martins, que também tem SETE letras!



PS  (do Luís Graça): Zé, acrescenta aí, as SETE obras de misericórdia espirituais e as SETE obras de misericórdia corporais...







Sete obras espirituais

Sete obras corporais
A primeira he ensinar os sinprezes    [ simples]
A primeira he remir captiuos e visitar os presos
A segunda he dar bom conselho a quem o pede
A segunda he curar os enfermos
A terceira he castigar cõ caridade os que erram
A terceira he cubrir os nus
A quarta he cõsolar os tristes descõsolados
A quarta he daar de comer aos famintos
A quinta he perdoar a quem nos errou
A quinta he daar de beber aos que ham sede
A sexta he sofrer as jnjurias cõ paciençia
A sexta he daar pousada aos peregrinos e pobres
A setima he Rogar a ds  [Deus] pellos viuos e pellos mortos
A setima he enterrar os finados

Fonte: Compromisso da Misericórdia de Lisboa (1516), segundo Goodolphim (1998. 435)

In: Graça, L.; Graça, J. (2002) - História das Misericórdias Portuguesas. Parte I [ History of the Portuguese Holy Houses of Charity. Part One]. [Em Linha].  Luís Graça, sociólogo: Página pessoal:  Saúde e Trabalho / Luis Graça, sociologist: Home page: Health and Work. (Textos sobre saúde e trabalho /Papers on health and work, 58)  [Consult 19 de Abril de 2011]. Disponível em: http://www.ensp.unl.pt/lgraca/textos58.html
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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de Abril de 2011> Guiné 63/74 - P8135: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (8): Um obrigado do fundo do coração a todos vós por me terdes aceite nesta grande família, fazendo avivar aquilo que há muito estava esquecido (José Barros, CCAV 1617, Cutia e Mansabá, 1966/68 )

Guiné 63/74 - P8135: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (8): Um obrigado do fundo do coração a todos vós por me terdes aceite nesta grande família, fazendo avivar aquilo que há muito estava esquecido (José Barros, CCAV 1617, Cutia e Mansabá, 1966/68 )



Guiné > Região do Oio > CCAV 1617 (Cutia  e Mansabá, 1966/68)  > Cutia > 1966 > José Barros à conversa com bajuda a lavar a roupa... A CCAV 1617 esteve aquartelada em Cutia até a construção da estrada Mansoa - Mansabá. Pertencia ao BCav 1897  (Nov 66 / Ago 68)




Guiné > Região do Oio > CCAC 1617 (Cutia  e Mansabá, 1966/68)  > Cutia > 1966 > José Barros no interior da tabanca com miúdos 


Guiné > Região do Oio > CCAC 1617 (Cutia  e Mansabá, 1966/68)  >  1866 > Binta é o nome da senhora... 

Fotos (e legendas): © José Barros (2011). Todos os direitos reservados


1. Mensagem de  José Barros (ex-Fur Mil At Cav, CCav 1617/BCav 1897, MansoaMansabá e Olossato, 1966/68), com data de ontem,  relativa ao nosso 7º aniversário do nosso blogue:

 Caros camaradas e amigos editores:


É com alegria e satisfação que aqui estou como um dos membros mais novos desta fabulosa Tabanca, a felicitar-vos pelo magnífico trabalho que tendes desenvolvido ao longo destes sete anos.

Um obrigado do fundo do coração a todos vós por me terdes aceite nesta grande família, fazendo avivar aquilo que há muito estava esquecido.

É fantástico verificar que somos quase 500 tabanqueiros que nos juntamos e partilhamos histórias, emoções e recordações, daquela terra que nos levou alguns anos da nossa vida, mas à qual ficamos ligados para sempre, não apenas à terra, mas também as suas populações, onde decerto fizemos amigos.

Que o Senhor Jesus vos dê a todos vós muita saúde e alegria para poderdes continuar a manter esta chama viva por muitos e longos anos.

Junto algumas fotografias de Cutia, entre elas de uma senhora com um menino ao colo,  de nome Binta, que recordo com saudade pela força que me deu. Nunca esquecerei que um dia me disse: 
- Furriel, bo não fica triste, tempo passa depressa e bo vai para casa. 

São pequenas coisas como estas que nos fazem amar a Guiné e as suas gentes.

Parabéns e um abraço para todos

José Barros
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Nota do editor:

18 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8127: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (7): Estimado Blogue, passados apenas 7 anos acolhes quase 500 ex-combatentes (Manuel Marinho)

Guiné 63/74 - P8134: Memórias de um ex-combatente (2): O desembarque, a viagem e a estadia no Cumeré (Manuel Sousa)

1. Segunda parte das Memórias de um ex-combatente, trabalho enviado pelo nosso camarada Manuel Sousa* (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), enviado em mensagem do dia 15 de Abril de 2011:


MEMÓRIAS DE UM EX-COMBATENTE (2)

O desembarque e a viagem até ao Cumeré

Atracou o navio ao porto de Bissau no dia seguinte de manhã cedo, onde desembarcaram os contingentes militares.

O meu Batalhão, o 4512, seguiu em coluna de viaturas em direcção ao Cumeré, a cerca de 40 quilómetros, atravessando primeiro a cidade, passando pelo Hospital Militar, pelo aeroporto de Bissalanca, Safim, Nhacra, por aí fora e, ao longo do percurso, fui registando sensações que ainda hoje tenho bem presentes na memória:

As populações indígenas e os seus trajes, - ora já a trabalhar nas bolanhas ao longo da estrada, ora agrupadas na berma a verem passar a coluna - os seus instrumentos agrícolas, especialmente a sua inseparável catana, a terra vermelha e os baga-bagas, o cheiro a terra seca e a capim queimado (era a época seca), as rectas intermináveis e onduladas da estrada, a neblina do calor intenso que se começava a sentir, à medida que o sol se levantava no oriente, não obstante de manhã ter estado um pouco frio, o aparecimento aqui e ali dos primatas, a plumagem e o canto das aves, etc.

Enfim, era o primeiro contacto com terras e culturas diferentes.

Chegados ao Cumeré, ali junto ao rio Geba, fomos instalados no campo de futebol em tendas, por não haver instalações disponíveis, por estarem ocupadas por militares em fim de comissão a aguardarem transporte para a metrópole.

Era um calor insuportável que se tentava atenuar pela frescura de uma cerveja, mas que tão difícil era obtê-la em intermináveis filas para o bar.


O meu achado

Um dia ou dois depois, fui incluído num grupo de militares recém-chegados para proceder ao arrumo e limpeza de uma das casernas que entretanto ficou de vago.

A desordem e o desarrumo era total, provocadas pela compreensível efusiva alegria dos“velhinhos” na última noite que ali passaram antes de embarcarem rumo à metrópole, precisamente no paquete Uíge que nos tinha levado.

Ao varrer sob uma das camas, entre papéis e poeira, vislumbrei algo minúsculo que me despertou a atenção.

Apanhei então uma pequena medalha em ouro, normalmente usada num fio ao pescoço, que ainda hoje guardo como relíquia, com a inscrição “Deus te Guarde”.

Uma medalha que teve comissão dobrada. Guardou alguém antes e continuou a proteger-me a mim depois.


O primeiro Natal na Guiné

Cerca de dez dias depois aproximou-se o Natal.

Na noite de consoada, já durante a instrução do IAO, o meu Pelotão pernoitou no mato, entre o Cumeré e Nhacra, onde, ali naquela zona, o nosso principal inimigo eram os mosquitos, as chamadas melgas, que nos deixavam o corpo numa autêntica chaga, por muito repelente que se aplicasse nas zonas descobertas, nos braços e no rosto.

Regressámos ao quartel no dia de Natal de manhã.

À hora do almoço, reparei que nas paredes do refeitório estavam afixados alguns motivos de natal.

Que Natal tão estranho! Não era só por estar longe dos meus familiares, mas porque para mim o Natal estava associado ao frio. A 40 graus de temperatura, pensava eu, não podia ser Natal.


Os turnos do camarada “porquinha”

Numa das muitas noites que ficámos no mato ali nas imediações de Nhacra, no decorrer do IAO, embora não houvesse grande risco de contacto com o IN, eram levadas a preceito todas as regras de segurança do Pelotão, preparando-nos assim, no âmbito do referido IAO, para a realidade futura que nos esperava no local de destino operacional.

Durante a noite, para uns descansarem, em cada equipa de um Cabo e quatro Soldados, um avançava para a frente uns passos, cerca de 5 a 10 metros, no meio do mato, e ficava de vigia em turnos de duas horas.

No silêncio duma dessa noites, ouvindo-se apenas em fundo o som dos batuques das tabancas ali próximas, ficámos sobressaltados quando o camarada “porquinha”, o vigia àquela hora, se lançou literalmente sobre nós, numa espécie de vala onde descansávamos, de tal modo em pânico que mal podia gritar:

- Ai que aí vêm eles…, aí vêm eles.

Perante este alerta de desespero, todo o pelotão se movimentou rapidamente e tomou uma posição de defesa para o que desse e viesse.

Entretanto apercebemo-nos, de facto, da presença de alguns “turras”já em debandada, mas deu para perceber que eles estavam disfarçados de esquilos.

Conhecida a fraqueza do “porquinha”, num dos dias imediatamente a seguir, no mesmo local, a sua coragem foi posta de novo à prova:

À hora do turno dele, o Cabo da equipa, o Martins, pegou numa garrafa de cerveja vazia, que tinha acabado de beber a acompanhar a ração de combate e, já com a intenção de o assustar, arremessou a mesma garrafa para longe, sobre o local onde se encontrava o “porquinha” em cujo trajecto o gargalo da garrafa em contacto com o ar provocou um silvo característico.

Qual corredor de meia maratona seria tão rápido como o “porquinha” que imediatamente correu e se precipitou em pânico sobre nós, completamente gago.

Os risos duraram até de manhã.

Gostaria imenso de reencontrar esse meu camarada, de seu nome verdadeiro, Salvador Rodrigues da Costa. À parte os seus receios, era um bom companheiro.


A viagem em ziguezague

Próximo do fim do IAO, nos primeiros dias de Janeiro de 1973, o Comando facultou-nos a passagem de um dia de folga em Bissau, disponibilizando-nos o respectivo transporte.

Boina, camisa n.º 1, calções, meias até ao joelho e sapato era o fardamento obrigatório.

A mesma indumentária punha em evidência a brancura das nossas pernas que denunciava o nosso escasso tempo de Guiné, que nos conferia o estatuto de “periquitos” de que os “velhinhos” tanto gostavam de nos lembrar.

Como transporte, coube-me em sorte um Unimog 411, o chamado “burrinho do mato”, conduzido pelo Soldado da minha Companhia, o Fernandes.

Saímos a porta de armas do Cumeré com destino a Bissau e entrámos na tal estrada, cujo traçado, como acima referi, é de longas rectas.

Só que o unimog era tão velho, com tanta folga no volante, e o condutor tinha tão pouca experiência, que não conseguimos fazer a viagem, quer de ida, quer do regresso, alinhados na estrada.

Ora guinava para a esquerda até à berma, ora guinava para a direita até à outra berma, a estrada era toda nossa e, com o consequente desequilíbrio provocado pelo peso dos seis ou oito militares que seguiam nos bancos laterais a trás, várias vezes estivemos prestes a despistar-nos para fora da via.

Conclusão: Um dia de canseira e preocupação. Num percurso de cerca de 80 quilómetros, ida e volta, devíamos ter percorrido quase o dobro com todas aquelas curvas, com muitas paragens forçadas pelo meio para evitar o despiste.


Desabafos do “Rio Mau”

Albino de Lima e Sá na foto, o primeiro da esquerda na fila de trás.

Albino de Lima e Sá de seu nome completo, natural de uma localidade chamada Rio Mau, algures em Vila Verde ou Viana do Castelo, no alto Minho, também conhecido por “santa mãe”, pelos motivos que adiante vereis, integrava também o meu Pelotão.

Um militar alto, bem constituído, de semblante carregado, de voz grave.

Quer no decorrer do IAO no Cumeré, quer mais tarde em Jumbembém na nossa zona operacional, quando o Pelotão se encontrava no mato, e principalmente de noite, era-nos exigido o máximo silêncio para a nossa própria segurança.

Por diversas vezes o “Rio Mau”, provavelmente em momentos de nostalgia, quiçá de desânimo, quebrava todas as regras de segurança e, com aquela voz grave, profunda, que no silêncio da noite parecia a voz de um fantasma, desabafava:

- Ai sannnnnta mãeeee, caraaaaalho...

Este camarada ex-combatente foi, ou continua a ser, motorista de transportes públicos em Cascais.

Num dos encontros de convívio dos ex-combatentes, a única vez que ele compareceu, já tive oportunidade de lhe relembrar estes seus sentidos desabafos.

A 12 de Janeiro de 1973, terminado o IAO, o Batalhão seguiu para o seu destino operacional, Farim, cuja viagem foi relatada por mim em O MISTÉRIO DO RIO CACHEU*.
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Notas de CV:

Vd. poste anterior de 18 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8129: Memórias de um ex-combatente (1): O desenrasca e a chegada a Bissau (Manuel Sousa)

(*) Vd. poste de 31 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8020: Tabanca Grande (273): Manuel Luís Rodrigues Sousa, ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 (Jumbembem, 1973/74)

Guiné 63/74 - P8133: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (5): A lepra (Rui Silva)

1. Mensagem de Rui Silva* (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 16 de Abril de 2011:

Caros amigos Luís e Vinhal.
Em anexo, envio mais um trabalho na sequência dos anteriores (“Doenças e outros problemas de saúde…”), desta vez sobre a Lepra (V).

Recebam um grande abraço mais votos da melhor saúde.
Rui Silva



2. Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

DOENÇAS E OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE (ou de integridade física) QUE A CCAÇ 816 TEVE DE ENFRENTAR DURANTE A SUA CAMPANHA NA GUINÉ PORTUGUESA (Bissorã – Olossato – Mansoa 1965/67)

(I) Paludismo (P7012)
(II) Matacanha (P7138)
(III) Formiga “baga-baga” (P7342)
(IV) Abelhas (P7674)
(V) Lepra
(VI) Doença do sono

Não é minha intenção ao “falar” aqui de doenças e outros problemas de saúde que afligiam os militares da 816 na ex-Guiné Portuguesa imiscuir-me em áreas para as quais não estou habilitado (áreas de Medicina Geral, Medicina Tropical, Biologia, etc.) mas, tão só, contar aquilo, como eu, e enquanto leigo em tais matérias, vi, ajuizei e senti.

Assim:
As 4 primeiras, a Companhia sentiu-as bem na pele (ou no corpo). As 2 últimas (Lepra e Doença do sono), embora as constatássemos - houve mesmo contactos directos de elementos da Companhia com leprosos (foram leprosos transportados às costas, do mato para Olossato nas tais operações de recolha de população acoitada no mato para as povoações com protecção de tropa) –, não houve qualquer caso com o pessoal da Companhia, ou porque estas doenças estavam em fase de erradicação (?), ou porque a higiene e a profilaxia praticadas pela Companhia eram o suficiente para as obstar.


LEPRA - V
Esta era a doença mais temível que sabíamos, ou pensávamos saber, existir na Guiné. Era a mais falada entre a malta quando ainda estávamos em Santa Margarida aonde a Companhia esteve algumas semanas antes de rumar ao cais de Alcântara para embarcar no Niassa para a Guiné. Ao falarmos das doenças que grassavam naquele território ultramarino, principalmente as contagiosas, e que teríamos de algum modo a estar expostos, a Lepra era aquela que mais temíamos, se bem que, camaradas antecessores, de nada falassem, ou até de que tivéssemos conhecimento de algum caso. Mas que ela existia sabíamos nós e, não menos, que era muito (?) contagiosa.

No entanto não conheci, nem conheço, embora leia ser uma doença de incubação muito longa, casos desta doença apanhada por militares que andaram pela Guiné, mas ela existia de facto e eu próprio vi muitos nativos, principalmente habitantes no interior do mato, que a tinham, principalmente nativos já com alguma idade avançada. Não tinham dedos nas mãos ou nos pés ou as duas coisas juntas como a foto seguinte ilustra. (Foto reproduzida com a devida vénia ao seu autor ou legítimo proprietário)

Os braços e as pernas acabavam em cotos, em alguns casos, embora não se vissem quaisquer feridas abertas ou úlceras.

Militares da 816 transportava-os às costas, quando trazíamos população encontrada isolada, nas chamadas operações de recolha de pessoal, algures no mato, para as povoações, (passava pelo trabalho da Companhia também esta tarefa de trazer gente do mato para as povoações, pois para além de ficarem sob a nossa jurisdição, portanto fora da alçada do inimigo, era ali que eles tinham meios de uma melhor sobrevivência e qualidade de vida, incluindo assistência médico-medicamentosa), no caso para Bissorã ou para o Olossato que foram, principalmente, as povoações aonde a Companhia esteve temporariamente aquartelada. Sabíamos também que estas povoações “clandestinas” colaboravam, obviamente, com o inimigo Ninguém era abandonado, quer fosse idoso, doente ou deficiente. Era ponto de honra para o Comandante da Companhia.

A miséria e a promiscuidade era muita, principalmente no interior e nas povoações, agora e para nós clandestinas, aonde a assistência sanitária era nula.

Embora nas povoações com tropa, aonde habitualmente havia uma enfermaria militar, os indígenas tinham medo ou relutância ou ainda por convicções religiosas de recorrer àquelas. Só à força ou à ordem do Chefe de Posto ou da Administração a isso os obrigava.

Lembro-me de ver um nativo à porta da enfermaria em Mansoa, que ali foi levado compulsivamente para ser tratado adequadamente, que tinha um buraco numa perna com o tamanho de uma bola de ténis.

O enfermeiro tirou daquele buraco toda a espécie de ervas e terra lamacenta.

Os nativos viam-se assim sujeitos a confiarem nas propriedades terapêuticas de ervas, mezinhas e outras coisas tais, que a natureza, pelo menos esta, lhes dava, embora não fosse bem para aquilo que o referido nativo necessitava para o seu caso.

Cozer um profundo golpe numa perna a um rapazinho nativo, em Bissorã, foi, para este e família, o fim do mundo, mas, passados uns dias, com uma leve cicatriz, ele já saltava com os outros ali mesmo na cara do enfermeiro milagreiro.

Afinal há pouco tempo é que soube, que a cerca de 10-12 quilómetros de Bissau existia uma Leprosaria, mais tarde assistida por abnegados missionários italianos, isto nos anos cinquenta e, depois, mais tarde, é então edificado um hospital, já nos anos 60.

Portanto a Lepra era uma doença na Guiné com assistência, no possível, para a época e no sítio que era, há mais de 50 anos.

Também sobre a Leprosaria de Bissau, o estimado camarigo Correia Nunes poderá acrescentar algo, pois colaborou lá na construção de uma Escola de Carpintaria para ensinar as crianças.

Posição geográfica de Cumura – entre Bissau e Prábis, a cerca de 12 quilómetros de Bissau.
Imagem do Google


Seguem dois interessantes artigos sobre a Leprosaria de Cumura. Um, o primeiro, reproduzido do site www.uniao-missionaria-franciscana.org e o outro, com data de 2009, também reproduzido, este da Gazeta de Notícias (www.gaznot.com).

Reproduções aqui feitas com a devida vénia para com tais entidades.

LEPROSARIA DE CUMURA

CUMURA: A Lepra não é maldição dos céus!

1. Local:

A 10 quilómetros de Bissau, na estrada de Prábis, situa-se a Missão Católica de Cumura, bem conhecida em toda a Guiné-Bissau, sobretudo pela sua leprosaria, que neste momento é referência única para o país de Amílcar Cabral e referência assinalada para alguns países vizinhos (Senegal, Guiné-Conakry, Gana), já que também de alguns deles acorrem doentes do Mal de Hansen a procurar tratamento conveniente.



2. Categoria da actividade:

Esta actividade enquadra-se na categoria de projectos de intervenção social na área da saúde, educação e formação.


3. Finalidades e objectivos:

A missão de Cumura tem uma actividade multi-facetada (leprosaria, hospital geral ambulatório, escolas primária e liceal, actividades paroquiais, etc.), mas é conhecida sobretudo pelo seu valioso trabalho com os leprosos. Este trabalho teve um salto qualitativo após a vinda dos Franciscanos italianos de Veneza (1955), que ampliaram em muito os inícios de assistência aos leprosos em Cumura, tentada pela administração colonial portuguesa.

Actualmente, a leprosaria de Cumura dispõe dum conveniente laboratório de análises, bem como dos serviços de fisioterapia, oftalmologia, lavandaria, sapataria, nutrição e dietética, sempre em ligação com as necessidades dos doentes hansenianos. Assiste uns 50 internados e trata em regime ambulatório muitas dezenas de doentes.

Por razões de caridade cristã, dada a insuficiência ou incapacidade dos serviços de Saúde pública, em Cumura começou também a dar-se assistência quer a doentes terminais de SIDA (cerca de 150 internados em 2006, uns 70 admitidos para antiretrovirais e cerca de 400 seguidos em ambulatório, no mesmo ano), quer a doentes de tuberculose (em 2006 houve internamento temporário de uns 45 doentes e tratamento ambulatório de 145 doentes).

De tal modo o trabalho assistencial de Cumura se impôs à população das redondezas, que à volta da missão-leprosaria se foi implantando uma nova povoação, já que as pessoas se sentiram protegidas pela presença missionária. Hoje Cumura tem duas aldeias, contíguas mas distintas: “Cumura Pepel e Cumura-Padres”! A fixação confiante da população à volta da missão é o melhor prémio para a acção missionária aí realizada e é também uma espécie de grito silencioso mas eloquente: “ A lepra tem cura, não é uma maldição dos céus contra ninguém”!


4. Responsável:

A Custódia de S.Francisco da Guiné com o seu Custódio Frei João Dias Vicente.


5. Donativos:

A União Missionária Franciscana abraçou esta projecto desde o início e são necessários apoios a nível monetário para suprir os investimentos que vão sendo feitos de forma a melhorar as condições de tratamento dos leprosos. Os contributos monetários a este projecto podem ser feitos em vale do correio/cheque ou por transferência bancária BPI : NIB 0010 0000 26140490002 14, indicando a que fim se destina (Leprosaria de Cumura). Todos os apoios cedidos gozam de dedução fiscal, ao abrigo da “lei do mecenato” (artigos 39.º e 40.º do código do IRC e do artigo 56.º do código do IRS).

Contacto:
União Missionária Franciscana (Leprosaria de Cumura)
Convento da Portela
Rua dos Mártires, 1
Apartado 1021
2401-801 Leiria

União Missionária Franciscana

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HOSPITAL DE CUMURA : CINQUENTA E CINCO ANOS AO SERVIÇO DO POVO

(20-7-2010) O Hospital de Cumura, na vanguarda da luta contra o mal de Hansen há mais de 55 anos, hoje na luta contra tuberculose e VIH-Sida, é das estruturas hospitalares mais conhecidas da Guiné-Bissau.

Situado a 12 quilómetros de Bissau, ao longo da sua existência tem acolhido doentes de todas as partes da Guiné-Bissau e além fronteiras. As suas actividades têm sido marcadas não só pela cura das pessoas afectadas pela lepra mas também em termos de assistência social prestada pelos missionários na sua recuperação e reintegração. O falecido Bispo D. Settimio Ferrazzetta foi dos missionários que trabalharam em Cumura logo após a sua chegada a Guiné nos anos 50.

“Os missionários chegaram em Cumura, na Guiné-Bissau em 1955, enviados pelo Papa PIO XII, para tomarem conta dos doentes de lepra que viviam isolados numa grande reserva chamada Cumura, mais ou menos abandonados a si mesmo”, começou por explicar a GN, a Irmã Valéria, administradora deste estabelecimento hospitalar muito procurado por doentes de todo o país.

Esta responsável explicou ainda que com a presença dos missionários e “muito devagar” foi se iniciando uma verdadeira cobertura ao serviço da lepra “e não muito tarde depois também ao serviço das famílias dos doentes de lepra. Logo sem grande demora, começamos a sentir a necessidade de servir e proteger os grupos mais vulneráveis da população entre as quais as crianças e as mulheres sobretudo em idade fértil ou durante o período da gestação, parto e pós-parto”.


Especialidades

Solicitada a falar sobre as especialidades que o hospital atende, a Irmã explicou que as suas intervenções são muito amplas.

“Como disse, tudo se iniciou em torno dos doentes de lepra que naquele tempo tinha uma incidência muito menor”, adiantando que devagar foi surgindo a necessidade da consulta geral aos adultos. Daí começaram a desenvolver a assistência pediátrica e assistência da maternidade, pré-natal e pós-parto.

Para responder a procura de que o hospital era alvo, foram criadas duas estruturas sanitárias, uma para atender a lepra e outra para a clínica geral “onde tínhamos a maternidade, a pediatria e algumas camas para adultos. Assim fomos adiante por algumas décadas.”

Na ultima década, 2000 para cá, quando foi avançando o VIH/Sida e a tuberculose, foram obrigados, de acordo com as necessidades das populações, a se abrirem para algumas emergências e uma melhor cobertura da maternidade.

A irmã Valéria assegurou no entanto que a assistência ao parto, pós-parto e pré-natal quadruplicou nos últimos anos, “ o que nos levou a organizar para dar assistência de guarda aos doentes de VIH/ Sida e da tuberculose.” Revelou que actualmente estão com um movimento “talvez seja o maior no país, que alberga doentes de sida seguidos regularmente em tratamento ambulatório e, igualmente, um grande número de doentes de tuberculose seguidos anualmente.”

Em primeiro plano, julgo tratar-se da irmã Valéria


No concernente ainda a matéria de HIV/sida, a Irmã explicou que vão se organizando na assistência as crianças com HIV/sida congénita e a tuberculose. Segundo esta responsável, “o serviço que está produzindo muito bons frutos é o PTNF (prevenção de transmissão vertical), na qual entram todos os gestantes diagnosticados como seropositivos que são colocados no programa de facilitação da defesa da criança de forma a não ser contaminada pelo HIV/sida. Esta intervenção vai de quatro meses da gestação até os dezoito meses depois do parto.”


Estrutura

Quando solicitada a falar da forma como se organizam para atender os pacientes e manter um funcionamento adequado às diferentes especialidades, a administradora do hospital de Cumura disse que “hoje o movimento é grande”, têm um grande volume “não só de doenças agudas como também de doenças crónicas” que exige uma verdadeira organização e seguimento bem conduzido. Por isso estruturaram o hospital da seguinte forma: direcção clínica, serviço da enfermagem e médica e o serviço de apoio e diagnóstico. Dentre eles figuram o laboratório de análise clínica, serviços da radiografia e da ecografia e a administração. Também contam com outros serviços de apoio como a lavandaria, serviços de refeições, limpeza e jardinagem.

“Todos são serviços correlatos a necessidade de uma organização de forma a oferecer as condições essenciais adequadas”, enfatizou.


Dificuldades

Instada a falar sobre os constrangimentos com que se deparam nas suas actividades, a Irmã foi peremptória: “é bom saber que há grandes dificuldades em se organizar, no controlo dos serviços sociais, mas à medida das necessidades, da saúde e a educação, por exemplo. É claro que não será possível levar adiante esta máquina com tantas dificuldades”.

Apontou que a primeira dificuldade é que não podem contar com o apoio das autoridades que não dão conta e não estão conseguindo enfrentar estas dificuldades nas estruturas hospitalares estatais muito menos nos privados.

Explicou que têm enormes dificuldades que vão desde os parcos recursos financeiros, materiais, até aos medicamentos. Adiantou que na Guiné-Bissau, as grandes dificuldades são de abastecimento a curto prazo. Para conseguir os materiais, têm que ter uma previsão de três, quatro a cinco meses. “É uma situação bastante difícil”, lamenta Irmã Valéria. “Procuramos nos organizar para podermos contar com os seguimentos necessários para garantir uma continuidade de assistência aos doentes” informa a Irmã para concluir que isso é lhes não permite ter uma “ruptura de stock”.

Quanto aos recursos financeiros, disse que contam bastante com os seus voluntários, com a Direcção-geral dos Padres Menores e também com Irmãs e alguns organismos.

Esta responsável sublinha que uma das organizações que tem “apoiado muito” o Hospital de Cumura é a Cooperação Portuguesa. No entanto aponta que “ao longo destes anos começa a se fazer presente com alguma ajuda, o Secretariado Nacional de Luta contra a Sida, com aquilo que se refere ao VIH/sida que hoje abrange a maior parte dos nossos serviços aqui em Cumura”.


Medicamentos

Actualmente o maior fornecedor de medicamentos a este hospital é a IDA Fundation da Holanda.


Evacuação

No tocante a evacuação dos doentes para o exterior do país, a Irmã Valéria conta que “nós não temos programas de evacuação dos pacientes. Particularmente, não trabalhamos com isso”.


Pessoal e camas

Falando dos recursos humanos, ela diz que “quanto ao número de pessoal, estamos com 110 elementos, contando com os profissionais dos serviços de apoio.”

Em termos de capacidade de internamento, a Irmã assegura que na primeira estrutura, que é o hospital do mal de Hansen (lepra), que hoje não é mais a leprosaria mas sim uma parte aberta aos doentes de lepra e que pode ser chamada também de estrutura ao serviço de doenças infecto-contagiosas, “estamos em torno de 90 camas”.

A segunda estrutura onde atendem o maior número de gestantes e crianças, tem 45 camas.

Nautaram Marcos Có
Gazeta de Notícias

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LEPRA - Explicação científica da doença
- extraído, com a devida vénia, de: www.manualmerck.net

A lepra (doença de Hansen) é uma infecção crónica, causada pela bactéria Micobacterium leprae, que lesa principalmente os nervos periféricos (aqueles nervos localizados fora do cérebro e da espinal medula), a pele, a menbrana mucosa do nariz, os testículos e os olhos.

A forma de transmissão da lepra não é conhecida. Quando um enfermo não tratado e gravemente doente espirra, as bactérias Mycobacterium leprae dispersam-se no ar. Cerca de metade das pessoas com lepra contraíram-na, provavelmente, através do contacto estreito com uma pessoa infectada. A infecção com Micobacterium leprae provavelmente também provirá da terra, do contacto com tatus e mesmo com mosquitos e percevejos.

Cerca de 95% dos indivíduos expostos ao Mycobacterium leprae não contraem a doença porque o seu sistema imunitário combate a infecção. Naqueles em que isso acontece, a infecção pode ser de carácter ligeiro (lepra tuberculóide) ou grave (lepra lepromatosa. A forma ligeira, ou seja a lepra tuberculóide, não é contagiosa.

Mais de 5 milhões de pessoas em todo o mundo estão infectadas pelo Mícrobacterium leprae. A lepra é mais frequente na Ásia, na África, na América Latina e nas ilhas do Pacífico. Muitos dos casos de lepra nos países desenvolvidos afectam pessoas que emigraram de países em vias de desenvolvimento. A infecção pode começar em qualquer idade, mais frequentemente entre os 20 e os 30 anos. A variedade de lepra grave, a chamada lepra lepromatosa, é duas vezes mais frequente entre os homens do que entre as mulheres, ao passo que a forma mais ligeira, denominada tuberculóide, é de igual frequência num e noutro sexo.


Sintomas

Devido ao facto de as bactérias causadoras da lepra se multiplicarem muito lentamente, os sintomas não começam habitualmente antes de um ano, pelo menos, após a pessoa se ter infectado; o usual é mesmo surgirem de 5 a 7 anos mais tarde e amiudadas vezes muitos anos depois. Os sinais e sintomas da lepra dependem da resposta imunológica do doente. O tipo de lepra determina o prognóstico a longo prazo, as possibilidades de complicações e a necessidade de um tratamento com antibióticos.

Na lepra tuberculóide, aparece uma erupção cutânea formada por uma ou várias zonas esbranquiçadas e achatadas. Estas áreas são insensíveis ao tacto porque as micobactérias lesaram os nervos.

Na lepra lepromatosa, aparecem sobre a pele pequenos nódulos ou erupções cutâneas salientes, de tamanho e forma variáveis. O revestimento piloso do corpo, incluindo as sobrancelhas e as pestanas, desaparece.

A lepra limítrofe (borderline) é uma situação instável que partilha características de ambas as formas. Nas pessoas com este tipo de lepra, a doença tanto pode melhorar, caso em que acaba por se parecer com a forma tuberculóide, como piorar, circunstância que resulta mais parecida com a forma lepromatosa.

Durante a evolução da lepra não tratada ou mesmo naquela que, pelo contrário, recebe tratamento, podem verificar-se certas reacções imunológicas que por vazes produzem febre e inflamação da pele, dos nervos periféricos e, com menor frequência, dos gânglios linfáticos, das articulações, dos testículos, dos rins e dos olhos. Dependendo do tipo de reacção e da sua intensidade, o tratamento com corticosteróides ou talidomida pode ser eficaz.

O Mycrobacterium leprae é a única bactéria que invade os nervos periféricos e quase todas as suas complicações são a consequência directa desta invasão. O cérebro e a espinal medula não são afectados. Devido ao facto de diminuir a capacidade de sentir o tacto, a dor, o frio e o calor, os doentes com lesão dos nervos periféricos podem queimar-se, cortar-se ou ferir-se sem se darem conta. Além disso, a lesão dos nervos periféricos pode causar debilidade muscular, o que por vezes faz com que os dedos adoptem a forma de garra e se verifique o fenómeno do “pé pendente”. Por tudo isso, os leprosos podem ficar desfigurados.

Os afectados por esta doença também podem ter úlceras nas plantas dos pés. A lesão que sofrem os canais nasais pode fazer com que o nariz esteja cronicamente congestionado. Em certos casos, as lesões oculares produzem cegueira. Os homens com lepra lepromatosa podem ficar impotentes e inférteis, porque a infecção reduz tanto a quantidade de testosterona como a de esperma produzido pelos testículos.


Diagnóstico

Certos sintomas, como as erupções cutâneas características que não desaparecem, a perda do sentido do tacto e as deformações particulares derivadas da debilidade muscular, constituem as chaves que permitem diagnosticar a lepra. O exame ao microscópio de uma amostra de tecido infectado confirma o diagnóstico. As análises de sangue e as culturas não se mostram úteis para estabelecer o diagnóstico.


Prevenção e tratamento

No passado, as deformações causadas pela lepra conduziam ao ostracismo e os doentes infectados costumavam ser isolados em instituições e colónias. Em alguns países esta prática continua a ser frequente. Apesar de o tratamento precoce poder evitar ou corrigir a maioria das deformações mais importantes, as pessoas com lepra estão propensas a sofrer de problemas psicológicos e sociais.

O isolamento, contudo, é desnecessário. A lepra só é contagiosa na forma lepromatosa quando não recebe tratamento, e mesmo nesses casos não se transmite facilmente. Além disso, a maioria das pessoas tem uma imunidade natural face à lepra e só aqueles que vivem próximo de um leproso durante muito tempo correm o risco de contrair a infecção. Os médicos e as enfermeiras que tratam dos doentes com lepra não parecem estar mais expostos do que as restantes pessoas.

Os antibióticos podem deter o avanço da lepra ou mesmo curá-la. Dado que algumas das micobactérias podem ser resistentes a determinados antibióticos, o médico pode prescrever mais do que um medicamento, em especial para os afectados pela lepra lepromatosa. A dapsona, o antibiótico mais frequentemente utilizado para tratar a lepra, tem um preço relativamente acessível e, em geral, não tem efeitos secundários; apenas em alguns casos produz erupções cutâneas de natureza alérgica e anemia. A rifampicina, que é mais cara, é inclusivamente mais forte que a dapsona; os seus efeitos colaterais mais graves são a lesão hepática e sintomas semelhantes aos da gripe. Outros antibióticos que podem ser administrados aos leprosos incluem a clofazimina, a etionamida, a minociclina, a claritromicina e a ofloxacina.

A antibioterapia deve ser continuada durante muito tempo, porque as bactérias são difíceis de erradicar. Dependendo da gravidade da infecção e da opinião do médico, o tratamento pode ser mantido por um período que oscila entre 6 meses e muitos anos. Muitas pessoas afectadas de lepra lepromatosa tomam dapsona o resto da sua vida.

Segue: Doença do Sono
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8073: Convívios (223): Pessoal da CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, e Mansoa, 1965/67) dia 7 de Maio de 2011 em Barcelos (Rui Silva)

Vd. último poste da série de 26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7674: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (4): As abelhas (Rui Silva)