Estação dos combóios da Caldas da Rainha
1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 1 de Maio de 2014:
Caro Vinhal,
Junto envio três fotografias e um texto sobre a minha passagem nas Caldas da Rainha.
Abraço de amizade
António Tavares
Foz do Douro – Caldas da Rainha
Ao ler o Post 12597 recordei a minha primeira viagem de comboio, na qualidade de soldado, com partida da estação de Porto - Campanhã.
A viagem foi atribulada com mudanças de comboio e excesso de mancebos nas carruagens mas tive de aguentar porque tinha sido alistado em 8 de Junho de 1968.
Chegados ao princípio da noite à estação da CP das Caldas da Rainha tínhamos entre outros um senhor, cego de nascença, à nossa espera. Oferecia alojamento.
O dito senhor depois de ter acertado o preço da dormida, naquela friíssima noite de 7 de Janeiro de 1969, conduziu-nos à sua habitação. Na distribuição dos quartos de casal fiquei com um conterrâneo. Ele conseguiu dormir, eu não.
Na manhã de quarta-feira 8 de Janeiro apresentei-me no Regimento de Infantaria nº 5 para a frequência do 1º Ciclo do Curso de Sargentos Milicianos. Deram-me alojamento na 4ª Companhia e o Posto de Soldado Recruta com o número 615/69. O meu primeiro número na tropa.
Desde logo apreendi que um militar da classe Praças era um número. O nome ficava à Porta de Armas. As roupas foram distribuídas ao acaso, isto é, o soldado instruendo em fila recebia dois pares de botas, um par de sapatilhas, uma farda de trabalho, etc… sem olharem às medidas de cada um. As trocas eram feitas entre os soldados mas era difícil acertarmos nas medidas.
A primeira noite passada no quartel foi aterradora para a maioria dos instruendos. Muitos choros se ouviram. Eu cansado consegui dormir menos mal. O ano de 1969 teve um Inverno rigoroso. Foi o ano do terramoto em Fevereiro.
Na manhã seguinte dada a alvorada às 6 horas e feita a higiene pessoal havia a formatura geral da Companhia junto à porta da caserna. Era tão escuro, frio e chuva, na maioria dos dias, que somente os instruendos que estavam na fila da frente tinham de ficar em boa ordem. Os restantes encostavam-se uns aos outros para protegerem-se do frio e da chuva. Esta entrava pelo pescoço, escorria pelo corpo e depositava-se dentro das botas. Os instrutores davam as ordens abrigados e assim não conseguiam ver todos os elementos do pelotão e pouco ou nada se molhavam.
Certa manhã andava o pelotão a apreender a acertar o passo sob uma chuva intensa quando um Major passou num veículo Volkswagen preto, parou, repreendeu o instrutor e mandou abrigar os instruendos. Um determinado dia na instrução aleijei-me. Levado para a enfermaria aí repousei 7 dias ao fim dos quais fui transportado numa ambulância Volkswagen para Lisboa. Fui acompanhado com outros instruendos por motivos idênticos. Do Hospital Militar Principal, à Estrela, fui parar ao Anexo, em Campolide - “Texas” - onde estive internado 6 dias. Nesta viagem os camaradas eram outros, entre os quais um militar da GNR. No dia da alta ao chegar a Santa Apolónia o último comboio com destino às Caldas da Rainha tinha acabado de partir. Telefonei para o quartel a dar conta da ocorrência. Na manhã do dia seguinte apanhei o comboio para as Caldas da Rainha. Ao apresentar-me ao Oficial de Dia, este de imediato deu-me ordem de prisão porque tinha de estar no quartel no dia anterior.
- Eu, preso? Porquê?
Tinha cometido um crime! Não compreendi porque há dias era bem comportado e colocado na 2ª classe de comportamento e naquele dia era um criminoso. Pelo quartel andei, de seca para Meca, até que os senhores me passaram uma licença. Eu disse adeus ao RI 5, que marcou a minha presença, sem qualquer punição. Recebi 2$50 - dois escudos e cinquenta centavos - de pré referente ao período em que fui hóspede do RI 5.
Os oficiais que conheci no RI 5:
- Capitão de Infantaria José Máximo Moncada Oliveira e Silva que era o Cmdt. da Companhia.
- Tenente de Infantaria Hermínio Couto Maçãs era o Chefe da Contabilidade.
- Major de Infantaria Manuel José Morgado era o Director de Instrução.
- Coronel de Infantaria Giacomino Mendes Ferrari era o Comandante do RI 5.
Como a Igreja e a Tropa eram inseparáveis tínhamos o Padre Tomás Marques Afonso com a patente de Tenente Capelão.
Assim começou a minha vida de militar que se prolongou por 38 meses, incluída uma permanência de 23 meses, nas matas do leste do Comando Territorial Independente da Guiné, em Galomaro. Passados uns meses no CISMI, em Tavira, comecei da estaca zero nova instrução e com outras aventuras e histórias.
António Tavares
Foz do Douro, 1 de Maio de 2014
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Nota do editor
Último poste da série de 29 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13068: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (27): Guardo Elvas e as suas gentes no meu coração (Henrique Cerqueira)