segunda-feira, 25 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14658: Notas de leitura (717): O Império Português (1825-1890): Ideologia e Economia (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Junho de 2014:

Queridos amigos,
É costume nas incursões que fazemos sobre o século XIX guineense descurar o pano de fundo que foi a deslocação do império luso-brasileiro para terras africanas e para o Índico.
Houve planos imperiais, como o de Sá da Bandeira, que não tiveram êxito. Mas o fim do comércio negreiro e das reexportações brasileiras exigiram uma resposta que teve apoiantes e uma onda cética. Em torno desta evolução do império português o investigador Valentim Alexandre escreveu um ensaio que julgo dever ser objeto da nossa reflexão.
A Guiné, enquanto tudo isto se passa, não tem existência constitucional e há mesmo que aspire a que seja entregue a uma companhia majestática, não passava da Guiné de algumas praças e presídios.
Foram coisas que aconteceram.

Um abraço do
Mário


O Império Português (1825-1890): Ideologia e Economia

Beja Santos

Na altura em que estava a preparar com Francisco Henriques da Silva o livro “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro”, senti claramente que havia um vazio a preencher, uma cena a iluminar, um contexto a esclarecer: a transferência da ideia imperial finda a presença portuguesa no Brasil para as paragens africanas. A moldura achada para as explicações oitocentistas na Guiné socorreu-se da Convenção Luso-Francesa, de 1886, decorrente da Conferência de Berlim, de 1884-1885, é formalmente conveniente mas após ler um importante artigo do investigador Valentim Alexandre sobre o império português oitocentista, publicado na revista Análise Social no nº 169, 2004, considero que este trabalho é esclarecedor de como a Guiné e as outras parcelas africanas foram encaradas pelas elites portuguesas.
Por isso dou como vantajoso aqui resumir as linhas de força do artigo de Valentim Alexandre e cujo título encima esta recensão.

Chegado ao Brasil em 1807, D. João VI, então príncipe regente, decretou a abertura dos portos brasileiros aos navios das nações amigas, o que veio pôr fim ao regime de exclusivo comercial de que a metrópole até então beneficiara. Com este gesto, começou a desagregação do império luso-brasileiro que terá o seu clímax com a declaração de independência do reino americano. A economia portuguesa ficou severamente abalada devido à quebra da reexportação dos produtos coloniais brasileiros. Com o Brasil independente, Portugal perdia igualmente importância no contexto internacional. É nesta atmosfera que houve que repensar o destino dos vários territórios dispersos pelo mundo, restos dos antigos sistemas, até então as relações com estas possessões eram muito ténues. Acresce dizer que as colónias de África continuaram ligadas sobretudo ao Brasil pelo tráfico negreiro que irá manter números elevados, embora ilegalizado, até 1851. É sabido que não há uma referência explícita à Guiné na constituição liberal, fala-se exclusivamente em Cacheu e Bissau, usam-se termos avulsos para falar desta região como Senegâmbia, “rios da Guiné”, sabe-se perfeitamente que a soberania de Lisboa pouco mais era do que nominal.

À luz dos desenvolvimentos mais recentes da historiografia, sabe-se que logo no primeiro período liberal (1820-1823) surgiu a ideia de construir um novo império em África, cedo se conjeturou a necessidade de proteção de uma potência mais poderosa, indispensável para evitar a absorção pela Espanha. Incentivaram-se os negociantes da Praça de Lisboa a estabelecer laços mercantis diretos com as colónias africanas, mas nada aconteceu. A seguir à guerra civil, os liberais retomaram o plano imperial, tiveram em Sá da Bandeira o seu principal ideólogo. Os projetos de consolidação do domínio territorial não tiveram sequência, por carência de recursos. Só a partir de 1851 se criaram condições mais favoráveis para o desenvolvimento do projeto colonial, consolidou-se o domínio territorial pela ocupação, em Angola, de toda a linha de costa a norte da foz do Rio Congo e, em Moçambique, do litoral entre o Rio Rovuma, a norte, e a baía de Lourenço Marques, a sul. Era um plano muito caro a Sá da Bandeira, nas suas palavras as possessões garantiriam o acesso a mercados vantajosos, Portugal seria abastecido em géneros de que carecia e iriam aparecer empregos na navegação e correlativos.

A ideologia colonial tem pois duas componentes principais: a reformulação do mercado imperial e a visão de que o império é um testemunho das glórias do passado, esta missão histórica civilizadora era uma das matrizes da identidade nacional.

Forma-se a Companhia União Mercantil, teve desde o início uma existência precária. Como escreve Valentim Alexandre, o plano de consolidação e de modernização do sistema imperial encontrou oposição dos núcleos coloniais em África, que se mantinham diretamente interessados na escravatura e no tráfico de escravos, estes núcleos estavam fortemente apoiados pelo aparelho administrativo. Enfim, o plano imperial de Sá da Bandeira falhou quase por completo. Tudo começa a mudar devido a fatores exógenos devido à economia do café e à exportação de oleaginosas em Moçambique e a partir de 1870 começa a corrida para o continente africano, a saga dos exploradores; em 1875, funda-se em Portugal a Sociedade de Geografia de Lisboa. Andrade Corvo usa a ideia imperial com o objetivo supremo de quebrar o isolamento, de abrir Portugal à civilização e ao progresso. Corvo ambicionava uma política de concertação para a delimitação das fronteiras em África. Enceta-se a liberalização mercantil, concede-se grande parte da Zambézia a Paiva de Andrada, conclui-se com a Grã-Bretanha um tratado sobre Goa, Lisboa tinha todo o interesse em que o governo inglês construísse um caminho-de-ferro ligando o porto de Mormugão à rede ferroviária britânica.

Este projeto colonial é questionado pelos céticos, caso de Rodrigues de Freitas que não esconde as suas dúvidas de que o país está a agir erradamente em esperar de além-mar maiores riquezas, maior glória para Portugal e recursos para saldar todas as dívidas. O nacionalismo radical irá triunfar: a maior parte da África central pertencia a Portugal por direito histórico, estamos a ver o caminho que as coisas irão ter entre a Conferência de Berlim e o Ultimo Inglês de 1890. Se por um lado a Conferência de Berlim reforçou em Portugal a corrente dos que defendiam a necessidade de investir em África, o ultimato irá ser habilmente aproveitado pelos republicanos que chamarão a si o populismo imperial e as pulsões nacionalistas. As instituições monárquicas sentiram-se ameaçadas não só pela tentativa de revolta no Porto em 31 de janeiro de 1891 como pela crescente influência britânica na chamada área do mapa cor-de-rosa. Esta crise levou os partidos monárquicos a serrarem fileiras e a procurar uma rápida solução com o confronto com a Grã-Bretanha – solução a que se chegou pelo Tratado de 11 de junho 1891. Que acalmia trouxe este tratado? Ficava sob a soberania britânica a margem a oeste do lago Niassa bem como a região planáltica do interior da África Central. Objetivamente, os limites fixados representavam para Portugal uma forte expansão, concedendo-lhe vastos territórios onde não se detinha até então qualquer poder ou influência. Mas a perceção que no país se teve dos factos e da solução encontrada foi outra: na memória coletiva ficou a ideia de um vasto império perdido em finais do século XIX por imposição da Grã-Bretanha.

E a Guiné? A Guiné continuará à deriva, sonha-se com empresas majestáticas que lhe tragam desenvolvimento, escassos contingentes militares sustêm temporariamente as incursões e as rebeliões de várias etnias que conseguem confinar a presença portuguesa a um número restrito de praças e presídios. Era grande a indiferença pela Senegâmbia, mas Honório Pereira Barreto consegue firmar acordos na região do Casamansa e definir uma fronteira que se irá perder com a Convenção Luso-Francesa de 1886.

Para Valentim Alexandre é inútil tentar explicar uma realidade complexa com uma expansão colonial portuguesa pelo recurso a uma única chave interpretativa, é preciso saber cruzar os direitos históricos, o mercantilismo e o populismo imperial para perceber que o império africano teve fortíssimas razões idealismo e mercantilismo, o império africano do século XIX foi feito com alma e avidez de negócios, à sombra dos mesmíssimos princípios de desenvolvimento, modernidade e progresso com quem ainda hoje funcionamos.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14646: Notas de leitura (716): Guiné-Bissau. um País Adiado, por Manuel Vitorino, Orfeu (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 24 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14657: Filhos do vento (31): Festival Rotas e Rituais, 2015: 22 de maio > Conferência "Filhos da Guerra": vídeo com a intervenção de Rafael Vale e Reis, especialista em bioética e direito da família ("Filhos do Vento: direito ao conhecimento das origens genéticas ?")



[ Pode-se aumentar o volume de som, clicando na imagem, em baixo, à direita]


1. Lisboa,  Cinema São Jorge, Festival Rotas e Rituais, 2015 > 22 de maio: conferência "Filhos da Guerra". Intervenção de Rafael Vale e Reis ("Filhos do Vento; direito ao conhecimento das origens genéticas ?")

Na mesa, da esquerda para a direita:

(i) Catarina Gomes (jornalista do Público, organizadora e moderadora do painel);

(ii) Margarida Calafate Ribeiro (professora e  investigadora-coordenadora no Cen­tro de Estu­dos Soci­ais da Uni­ver­si­dade de Coim­bra, autora dos  livros "África no femi­nino: as mulhe­res por­tu­gue­sas e a Guerra Colo­nial" (2007); "Uma his­tó­ria de regres­sos: impé­rio, Guerra Colo­nial e pós-colonialismo" (2004);  e ainda, em con­junto com Roberto Vec­chi,  "Anto­lo­gia da memó­ria poé­tica da guerra colo­nial" (2011); entre 2007 e 2011, coor­de­nou o pro­jecto "Os filhos da guerra colo­nial: pós-memória e representações");

(iii) Luís Graça (na qualidade de editor do blogue Luís Graça &  Camaradas da Guiné);

(iv) e Rafael Vale e Reis (especialista em bioética e direito da família, Universidade de Coimbra).(*).

Rafael Vale e Reis é assis­tente con­vi­dado da Facul­dade de Direito da Uni­ver­si­dade de Coim­bra e inves­ti­ga­dor do Cen­tro de Direito Bio­mé­dico da Facul­dade de Direito, da Uni­ver­si­dade de Coim­bra. Inte­gra a equipa do Obser­va­tó­rio Per­ma­nente para a Adop­ção no âmbito do Cen­tro de Direito da Famí­lia da Facul­dade de Direito de Coim­bra. É autor de "O Direito ao Conhe­ci­mento das Ori­gens Gené­ti­cas", publi­cado em livro pela Coim­bra Edi­tora em 2008.)(**).

Dos camaradas e amigos da Tabanca Grande, estiveram presentes, além do nosso editor, a Maria Alice Carneiro (que fez este vídeo), o Jorge Cabral, o Hélder Sousa, o Mário Gaspar, e o José António Viegas, algarvio. O  Jorge Cabral e o Mário Gaspar fizeram ntervenções no fim,

2. Sobre este tema, está a decorrer uma sondagem, desde hoje. A pergunta é: 

OS "NOSSOS FILHOS DA GUERRA" DEVERIAM PODER TER ACESSO À NACIONALIDADE PORTUGUESA

A resposta é dada através de uma escala de Likert (Vd. coluna do lado esquerdo, ao alto):

1. Discordo totalmente

2. Discordo

3. Não discordo nem concordo /Não sei

4. Concorrdo

5. Concordo totalmente

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Guiné 63/74 - P14656: Convívios (685): A Magnifica Tabanca da Linha - Encontro de 21 de Maio de 2015 - Resumo das ocorrências (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), Amanuense da Magnífica Tabanca da Linha, em efectividade de serviço, com data de 21 de Maio de 2015:

Exmas Senhoras, Exmos Senhores, Magnifico Público,
Por indicação do Sobrenatural, em corroboração da instrução Prévia do Exmo Senhor Comandante Rosales, tenho a subida honra de vos apresentar um brevíssimo resumo das ocorrências deste dia no restaurante Caseiro, bastante dissimulado numa arquitectura de abrigo, com um reforçado buraco para os antigos combatentes, dotado com boa iluminação artificial sem o ruído do gerador, que geralmente não permitia ouvir as saídas das morteiradas, comprometendo a chegada em ordem dos atacados, em vez dos lançamentos cegos para a vala dos surpreendidos com a primeira explosão, um equipamento do tipo bunker, sem as graciosas vistas para o mar de outras paragens, e com dificuldades óbvias de arrumação em caso de reforço da tropa.

Não havia vegetação em redor, mas a amesendação era "à séria", com alvas toalhas de linho, cristais cintilantes e restantes alfaias em termos. Pelo meio-dia já a força se agrupava no exterior do recinto da batalha, num curioso convívio, onde cada um se oferecia voluntariamente (a esta hora já terei alguns atentos leitores a questionar: então, se eles se ofereciam, haviam de ser o quê? Voluntários, não é?) para dar inicio à refrega.


Cheguei e ouvi um conjunto de piropos, quando S. Exa. me entregou um precioso ramo de flores, com a intenção de fazer a entrega em cerimónia que treinámos durante a semana, a um jovem casal que, nesta data, comemora 48 aninhos de amor renovado. Aproveito, para sublinhar que S. Exa. o Senhor Comandante Rosales presta muita atenção a situações desta ordem que, segundo ele, são o sal da vida e o cimento da nossa ligação de camaradagem. Se ele o diz, quem sou eu para o contestar?!!!


 O jovem casal, Irene e Carlos, que no dia 21 de Maio perfizeram 48 anos de matrimónio

O dia apresentava-se soalheiro, como os cartazes turísticos são vezeiros a anunciar, mas o pessoal, ainda cedo, decidiu proteger-se no grande abrigo, e reservar-se para o combate eminente. Alguns mais confiantes trouxeram as mulheres, não fossem elas duvidar do heróico cônjuge em defesa de coisas cuja explicação não cabe aqui. Vieram e viram, sentiram o cheiro dos ingredientes... e deram uma ajudinha. Nada como a presença das senhoras no campo de batalha, onde deram uma conveniente nota de alegria.

Assim, garantidas a forma anímica e a forma física, limpámos o IN num fechar de olhos. Uns gostaram do arroz de peixe, outros elogiaram a carne das maminhas, e às sobremesas não se registaram discrepantes. A pinga da Ermelinda correspondeu às necessidades tácticas, No final, orgulhoso pelo rumo dos acontecimentos, S. Exa. abriu um sorriso quase "monaliso" e deixou escapar a conclusão: com esta estratégia e o pessoal bem disciplinado, não há bichos que nos façam frente. Só o gerente do abrigo, que no final se obstinou a receber uma contrapartida para o estrago constatado. O Manuel Joaquim aproveitou para impressionar a Sra Maria Luís, que não veio porque não a queremos connosco, e vai enviar-lhe uma factura de arromba. Ela que se cuide porque este pessoal é do género de, quanto mais teso, mais estragos provoca na circunstância, cabendo àquela funcionária estender a mão na estranja para equilíbrio das contas internas. Só o grande sábio, com a experiência de velho estroina e professor perseguido pela bufaria da época, é que se lembrou de marcar pontos em mais um terreiro de luta, e com antecipado sucesso, está bem de ver.
Os gajos da A.T. ainda vão colocar-se em sentido quando lhe virem a declaração do IRS.



 









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Notas finais:

Lembram-se de um antigo combatente cacimbado pelos efeitos maoístas ter sugerido deslocar-se a minha casa para fazer as suas inscrições em cada evento que desejasse participar? Lembram-se? Pois, nunca o fez. Não é que tenha tido o interesse de saber onde é a minha morada, ou que tenha feito qualquer outra diligência no mesmo sentido. que nunca teve. Então agora dei em bufo? Também não. O que sugiro, se S. Exa o Senhor Comandante der o seu beneplácito, é que o dito combatente de cultura sínica, para comprovar as futuras inscrições, passe a exibir a minha resposta de confirmação aos seus mails de inscrição.
Não é pedir muito, acho eu.​ S. Exa. ajuntou um comentário cheio de acuidade: "sobre o AGA, valeu a pena ter aparecido, porque é um espectáculo vê-lo saborear e comer" - magister dixit.​

Em breve, depois do entusiasmo suscitado por esta festa, proponho fazer um inquérito de cotejo entre o Caseiro e Oitavos, confrontado vantagens e desvantagens. Mas outros horizontes podem abrir-se para Julho.

Abraços fraternos
JD
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Notas do editor

Selecção e publicação das fotos da responsabilidade do editor

Último poste da série de 23 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14652: Convívios (684): Rescaldo do Encontro do pessoal do BCAÇ 2885, ocorrido no passado dia 16 de Maio, em Arganil (Jorge Picado)

Guiné 63/74 - P14655: Libertando-me (Tony Borié) (18): Os carapaus em molho de escabeche da Ti'Glória

Décimo oitavo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.




Os carapaus em molho de escabeche, da Ti’Glória!

Estavam lá num “mosqueiro”, que era um pequeno armário, com duas portas com rede na frente, para se manterem livres dos insectos, principalmente moscas, num canto da taberna, um pouco acima da “cartola de cinco almudes”, que era uma pipa pequena, a quem a Ti’Glória pedia muitas vezes ao nosso pai Tónio, dizendo: ...vê se arranjas um tempo para vir aqui “encanteirar a cartola.” - que era mudar a pequena pipa, o que a mãe Joana, “torcia o nariz”, e não gostava, pois na sua mente, pensava que o pai Tónio, não ia só lá “encanteirar a cartola".

Bem, vamos em frente, os carapaus que estavam no referido “mosqueiro”, às vezes dias, quanto mais tempo melhor, eram fritos em azeite verde, temperados com vinagre, sal e pimenta, umas folhas de árvore de louro, cebola, e às vezes até com pimentos verdes, tudo frutos da quinta do pai da Ti’Glória, a quem nós, entre outras coisas, tínhamos por tarefa verificar e ir avisá-la, quando o seu pai, que era o maior lavrador da aldeia, deixava a samarra, com pele de raposa na gola, pendurada em alguma árvore, ou no muro do poço, que por lá existia, porque nesse momento a Ti’Glória, lá ia muito sorrateiramente aliviar a grossa carteira de algumas notas do banco de Portugal.

Os carapaus deviam de vir da lota da cidade de Aveiro, ou talvez de Matosinhos, mas quem os lá vinha trazer era um peixeiro de Mourisca do Vouga, numa carroça puxada por um “macho”, que devia de ser um cavalo arraçado de burro, ou vice-versa.

A Ti”Glória era para nós uma segunda mãe Joana, nós andávamos por ali, limpávamos a frente da taverna de qualquer lixo, como cápsulas das garrafas de laranjada, latas vazias das sardinhas de conserva, até garrafas vazias de pirolitos, e claro, restos de “piriscas” de cigarros, não deixávamos encostar as bicicletas à porta da taverna, às vezes os clientes mais rudes ofereciam logo uma “lambada”, mas tudo passava, porque sabíamos que ao fim do dia a Ti’Glória nos dava um maravilhoso pitéu, que era um papo-seco com cinco ou seis figos secos dentro.

Bons tempos e, talvez esses figos, ou esses “carapaus fritos em molho de escabeche nos tivessem dado vitaminas para vivermos até aos dias de hoje, neste mundo moderno, onde não existem mais tavernas.

O que é isso tavernas?

Hoje são restaurantes típicos, tudo confeccionado de acordo com as novas leis de consumo, um prato de carapaus deve de ter lá tudo, menos carapaus.

Vamos a um desses mercados modernos, que chamam muito pomposamente “Shopping Center”, depois das pessoas andarem de loja em loja, a verem, a gastarem o que têm e que não têm, já um pouco cansados, deparam com uma área muito grande, para as pessoas comerem e, o que existe lá, a começar pelos equipamentos dos empregados, feitos com material reciclado, de cores berrantes, feitas à base chumbo, a comida é, Tacos e Enxiladas, do México; Pizza, da Italia; Hamburgueres, não sei de que país; Souvlaki ou Gyros, da Grécia; Kung Pao Chicken, que é uma espécie de galinha frita com mel, da China, e mais um sem número de comida, nada feito na altura, tudo vem da arca frigorífica, feita de acordo com as tais novas regras, com químicas e conservantes, onde as batatas fritas, se espera dois minutos, ficam rijas, parecendo pequenas peças de plástico.

Que saudades temos dos “carapaus fritos em molho de escabeche” da Ti’Glória, da “cartola de cinco almudes” de onde tirava o vinho, por meio de uma torneira de madeira, que por sinal “chiava”, ou seja, fazia um pequeno ruído ao abrir e fechar, servindo os clientes por uma “picheira” de barro vermelho, que nunca tinha sido lavada, era “enchaugalhada” ou seja balançada com uma pequena porção de vinho, que era única e simplesmente jogado no chão, num canto da taverna.

A nossa esposa e companheira, quer ir a Portugal, mais propriamente ao Santuário de Fátima, “cumprir uma promessa”, nós, não sabemos de que é a “promessa”, já a mãe Joana, cinquenta anos atrás, tinha feito também uma promessa de ir ao Santuário de Fátima agradecer a dádiva de o filho ter regressado vivo da guerra do Ultramar, é uma fé e, principalmente nós, os emigrantes, ainda vivemos um pouco da fé, talvez a vamos acompanhar, temos saudades entre outras coisas, dos “carapaus fritos em molho de escabeche”, iguais aos que a saudosa Ti’Glória fazia.

Tony Borie, Maio de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14624: Libertando-me (Tony Borié) (17): Fisherman’s Wharf, o Cais dos Pescadores de S. Francisco

Guiné 63/74 - P14654: Agenda culltural (404): Há 110 anos a Rainha D. Amélia inaugurava o museu mais visitado do país e que tem hoje uma coleção única no mundo, em grande parte devido ao facto de Lisboa não ter conhecido as duas terríveis grandes guerras do séc XX; dias 23 e 24 de maio, abre o novo museu dos coches... Entrada gratuita neste fim de semana...



Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > O teto do antigo picadeiro real, transformado há 110 anos em Museu Nacional dos Coches, por iniciativa da Rainha Dona Amélia, de origem francesa, casada com o D. Carlos I...


Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Um dos três coches que fizeram parte da embaixada de D. João V ao papa > O coche dos "Oceanos" > Pormenor da decoração (1)



Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Um dos três coches que fizeram parte da embaixada de D. João V ao papa >  O coche dos "Oceanos" > Pormenor da decoração (2)



Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Um dos três coches que fizeram parte da embaixada de D. João V ao papa >  Coche da Coroação  de Lisboa > Pormenor da decoração (1) >   O escravo africano



Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Um dos três coches que fizeram parte da embaixada de D. João V ao papa > Coche da Coroação  de Lisboa > Pormenor da decoração (2) > O  escravo africano e a sua infame grilheta...





Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 >


Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Uma "viatura de estado" > reinado de D. João V > Sabe-se, pelo "livrete", que fez diversas viagens a Viena... No total, terá 80 mil km.


Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Uma "viatura de estado" > Detalhe >  Roda de trás, decorada com os signos do Zodíaco.


Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > Uma "viatura de estado" > Detalhe >  Roda da frente, para "piso de chuva"...



Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 O coche mais antigo, uma autêntica preciosidade... Pertenceu ao rei Filipe II...



Lisboa > Museu dos Coches > 3 de maio de 2015 > O coche do Filipe II

Fotos (e legendas): © Luís Graça  (2015). Todos os direitos reservados


1. Do sítio do Expresso, "on line", com a devida vénia, reproduz-se um excerto > 12/5/2015 > Novo Museu dos Coches é inaugurado mesmo com obra inacabada, por Beatriz Cardoso Alves

 (...) A obra do novo Museu dos Coches está dada como concluída há cerca de dois anos e meio, mas o edifício está longe de ter todas as suas valências a funcionar. No espaço expositivo (...),  a museografia não existe e as infraestruturas complementares, como a cafetaria, o restaurante, a ponte pedonal e a biblioteca vão permanecer fechadas até estarem verdadeiramente terminadas daqui a uns meses.

Mesmo assim, as portas abrem ao público dia 23 de maio, data em que há 110 anos a Rainha D. Amélia inaugurou o museu mais visitado do país. “A estrutura precisa de ser utilizada, para que se perceba quais podem ser os seus defeitos e para que o possa ser acionado o seguro que todas as grandes obras mantêm durante cinco anos” avançou Jorge Barreto Xavier, secretário de Estado da Cultura, em conferência de imprensa.

O novo museu receberá a visita de 350 mil pessoas por ano, estima ainda Barreto Xavier. Mas para o chefe da pasta da Cultura este limite será ultrapassado dada a riqueza da coleção que “vários especialistas classificam como única no mundo”.

O museu que custou entre cerca de 40 milhões de euros, verba proveniente das contrapartidas do Casino de Lisboa através do Ministério da Economia e do Turismo de Portugal, tem um orçamento anual que ascende a 2,7 milhões de euros, dos quais 500 mil virão diretamente do Estado. Estima-se que o restante seja proveniente da receita de bilheteira e do apoio mecenático da Fundação Millennium BCP. (...)

Do núcleo de Vila Viçosa vieram para a capital 26 coches, que completam a coleção já exibida em Lisboa, tornando, tornando possível observar todo o acervo do século XIX num só espaço, e permitindo ainda fazer um percurso pela história dos transportes reais desde o século XVII até ao século XIX, atravessando seis mil metros quadrados de área expositiva.

O antigo museu vai permanecer aberto ao público no Picadeiro Real do Palácio de Belém, onde se mantêm em exposição todos os instrumentos utilizados naquele espaço. Lá dentro, seis coches e berlindas guardam a memória do primeiro museu. Também visitável, o Picadeiro Real será associado ao novo edifício num bilhete só ou em separado, ou seja, o visitante pode optar por visitar um ou os dois espaços. No fim de semana de abertura, dias 23 e 24 de maio, a entrada é gratuita.  (...)

2. No sítio do Museu dos Coches, pode ler-se:

(...) Situado próximo do rio Tejo, na zona ocidental de Lisboa, o Museu Nacional dos Coches ocupa uma área onde estavam localizadas as antigas Oficinas Gerais do Exército.

O Picadeiro Real, edifício que fazia parte do Palácio Real de Belém, hoje a residência oficial do Presidente da Republica, mantem-se visitável como núcleo expositivo do Museu. (...)


Foi discutível a aplicação destes 40 milhões de euros, do "jogo sujo" do casino, neste projeto. Mas já que está feito (, há mais de dois anos),  é pouco compreensível que não tenha sido inaugurado com todas as suas valências)... Acho que os portugueses (e os lisboetas em particular) se vão reconciliar com o novo edifício do museu dos coches (que tem a assinatura de um Pritzker) tal como se reconciliaram com o o edifício do CCB (o "bunker do Cavaco", como foi  injustamente apodado)... E já não vamos discutir porque é que a cultura (e o património cultural) não tem direito a a um ministério... E muito menos ainda por que é que  Portugal (e Lisboa em particular, que ganha cerca de 2 milhões de euros por dia com o turismo!) não tem um museu dos descobrimentos, um museu da da arte de construção naval (agora que foi reabilitado o Cais da Ribeira!), não tem um museu dos judeus, dos cristãos-novos e da inquisição, não tem um museu da escravatura...  

Não temos sequer sequer um museu condigno da guerra colonial e da descolonização!... Não falamos de núcleos museológicos locais e regionais acarinhados pelos ex-combatentes e pelas autarquias locais (por ex., o de Vila Nova de Famalicão). O do forte do Bom Sucesso (entregue  à Liga dos Combatentes) é uma caricatura, que nos envergonha!... Portugal lida mal com o seu passado, as suas glórias e os seus fantasmas!... É uma pena, camaradas e amigos!...

3. O projeto arquitetónico do novo museu é do brasileiro Paulo Mendes da Rocha em parceria com o português Ricardo Bak Gordon. Paulo Mendes da Rocha foi galardoado em 2006 com o Prémio Pritzker, o mais importante da arquitetura mundial, equivalente ao Prémio Nobel.

O Expresso diz que vai haver este fim de semana festa de arromba, com entradas gratuita e muita animação... As fotos que publico acima são de uma visita recente, de 3 de maio, ao velho espaço expositivo... Temos a maior coleção de coches do mundo, devido em grande parte ao facto de Lisboa não ter conhecido, no séc. XX, nenhum guerra... E também devido ao papel da Rainha D. Amélia, fundadora do mês.

Quis partilhar isto com os camaradas que nunca chegaram a visitar o velho museu (que faz parte do edifício do Palácio de Belém). O seu recheio está agora mais rico (com os 26  coches de Vila Viçosa), dividido entre dois edifícios vizinhos... O novo edifício vai ser visitado também pela sua arquitetura ímpar. Devemos amar, conhecer, proteger e divulgar aquilo que é nosso, incluindo o nosso património cultural,,, (LG)

PS - Horário e preçário: o museu abre às 10h e até às 18h (última entrada às 17h30).

Hoje há visitas de borla para o povo... Claro que é o pior dia para lá meter o bedelho...A bicha à volta do novo edifício deve dar dar várias voltas ao quarteirão (que, de resto, pertencia à tropa)... A partir de amanhã, os bilhetes custarão 6 euros para o novo edifício, 4 euros para o edifício do antigo Picadeiro Real... Espero que haja redução de 50% para os séniores... Os ex-combatentes da guerra colonial, esses, não tem quaisquer privilégios... De resto, por é que deveriam de ter qualquer pequena, que fosse, atenção ? O país há muito que os esqueceu, e para as suas elites dirigentes (nomeadamente a classe política) são um estorvo no caminho da história... 
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Guiné 63/74 - P14653: Parabéns a você (909): Rui Gonçalves Santos, ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ (Guiné, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14645: Parabéns a você (908): Luciano Jesus, ex-Fur Mil Art da CART 3494 (Guiné, 1971/74)

sábado, 23 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14652: Convívios (684): Rescaldo do Encontro do pessoal do BCAÇ 2885, ocorrido no passado dia 16 de Maio, em Arganil (Jorge Picado)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Picado (ex-Cap Mil na CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 19 de Maio de 2015:

Amigo Carlos
Aí vai um pouco de trabalho, pois segundo consta andas de mãos a abanar, com falta de assuntos.
Independente do que o César, que foi quem deu conhecimento deste Encontro do BCaç 2885, possa reproduzir, mando-te umas breves notas e algumas fotos do mesmo.

Abraços
JPicado


20.º Encontro do BCaç 2885

Realizou-se no passado sábado dia 16, o 20.º Encontro do pessoal do BCaç 2885 em Arganil, comemorativo do 44.º Aniversário do seu regresso ao Continente, tal como tinha sido anunciado no P14524.

Compareceram individualmente ou acompanhados de alguns dos seus familiares, alguns dos que ainda estão vivos e cujas possibilidades o permitiram, já que por motivos diversos alguns que costumam estar presentes não lhes foi possível comparecer, independentemente daqueles que por se encontrarem ausentes do País ou não estarem contactáveis, não o poderem fazer, a que se juntam os que por decisão própria nunca compareceram.

O ponto de encontro foi estabelecido pelo organizador – diga-se que até esta data tem sido sempre o mesmo, José Ventura que foi 1.º Cabo (Cripto?) da CCaç 2588 e natural de Arganil – na Sede do Núcleo dos Antigos Combatentes de Arganil, situada numa antiga Casa de Cantoneiro, por sinal muito bem cuidada e na qual já existe mesmo um pequeno Museu, com variadas recordações daquelas Guerras do Ultramar, com especial predominância de artefactos da Marinha de Guerra.

Fez as honras da Casa o camarada Ventura, de que saliento o poema de sua autoria que anexo, tendo igualmente proferido algumas palavras o Presidente do Núcleo, seguindo-se um pequeno lanche, bem recheado de “comes e bebes”, como pré-aperitivo do almoço que viria depois em lugar apropriado.


Depois dos abraços e recordações habituais entre os vários grupos que se reencontram e feitas as fotografias da praxe por subunidades, frente ao Núcleo e acompanhadas do porta-estandarte do mesmo, antigo Comando se bem percebi, que sempre nos acompanhou, seguimos para uma das rotundas da terra onde se encontra edificado um moderno Monumento erigido a todos os Combatentes de Arganil, no qual se homenagearam os que morreram, guardando-se o respectivo minuto de silêncio.

[Seguem duas fotos de autoria do César Dias em que estou com ele, numa e com o Victor Vieira que foi 1.º Cabo de Trms da CCaç 2589, acumulando durante um ano com a responsabilidade do PEM de Infandre].

Eu e o César Dias sentados na base do Monumento dos Combatentes de Arganil.
© César Dias
 
Eu e o Victor Vieira em pé no mesmo local. 
© César Dias

Só então seguimos para o local do almoço, numa antiga Fábrica Cerâmica remodelada, ampliada e transformada num grande local de eventos, que inclui as Piscinas Municipais.

Houve muita comida, boa disposição, animação e fotos para registar estes encontros que, chegando a hora das despedidas, nos deixam a incerteza da presença ou ausência de próximos encontros.

No que me diz respeito, isto é, quanto ao pessoal da CCaç 2589, fiquei muito satisfeito por voltar a ver, ao fim destes 44 anos, dois camaradas que ainda não tinha reencontrado.

Foram eles: José Vitorino do Carmo Filipe (ou simplesmente o Furriel Filipe, que pertencia ao GComb do Alf Mil Martinez), acompanhado de sua esposa, ambos algarvios e o Eugénio Pereira Gomes, Soldado At do mesmo GComb do Alf Mil Martinez, emigrante na Alemanha, que antecipou uma vinda de férias para estar presente neste encontro. Segundo depreendi - se algum dos meus camaradas ler estas breves notas e julgar que estou errado por favor corrijam - depois de ter sido ferido após o acionamento de uma mina A/C TMD (é o que consta da HU) no CRUZAMENTO DE CUSSANJA (sensivelmente a SE de MANSOA na ligação “interdita” para PORTO GOLE), que provocou dois mortos da CCaç 2589 (Sold António José Penhasco Costa e Joaquim Moreira Marques, 09NOV69, Op “FULCRO OBSCURO”, da HU), foi “reciclado” em Padeiro no INFANDRE.

Seguem-se as fotos:

Presentes da CCaç 2589, a seguir identificados: 1-Eugénio Gomes, 2-José Martins, 3-Victor Vieira, 4-Humberto Monteiro, 5-Jorge Cabrita, 6-Porta-estandarte do Núcleo, 7-Martins Aires, 8-José Brogegas, 9-Adelino Machado, 10-José Filipe, 11-António Moreira, 12-Jorge Picado, 13-Cunha, 14-Armando Alves, 15-??, 16-Dias Torres, 17-Carlos Costa

Eu e o meu fiel condutor do jeep Carlos Costa

Eugénio Gomes e o Victor Vieira

Eu, o Humberto Monteiro, o Martins Aires e o Eugénio Gomes

José Filipe, eu e o Victor Vieira

Aspecto geral da sala. 
© César Dias

A mesa onde segundo a mesma ordem identifico: o Eugénio Gomes, a esposa do Victor Vieira e o marido, José Filipe e esposa, e este escriba.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14615: Convívios (683): XXXVI Encontro do pessoal da CCAV 2639, a levar a efeito no próximo dia 20 de Junho, em Aguim-Anadia (Mário Lourenço)

Guiné 63/74 - P14651: Manuscrito(s) (Luís Graça) (57): Quando o Niassa apitou três vezes... Foi há 46 anos, a 24/5/1969, ias tu a caminho de Bissau, com mais 1734 camaradas, incluindo o soldado condutor auto da PM Jerónimo de Sousa...


T/T Niassa > 24 de maio de 1969 > Uma imagem repetida até à exaustão ao longo da guerra colonial; o transporte de tropas era feito em cargueiros, mistos, adaptados... As condições a bordo eram inumanas ... Neste caso foram transportadas 13 companhias independentes. num total de 1735 homens. As praças eram acomodadas em beliche, nos porões, como animais. Com capacidade para 3 centenas de passageiros, além de cerca de 130 tripulantes, o T/T Niassa. a caminho do TO da Guiné aumentava a "carga humana" cinco ou seis vezes mais...

Foto do livro "Histórias da CCAÇ 2533" [Edição e legendagem: LG]



N/M Niassa > Ficha técnica:

(i) navio misto (carga e passageiros), de 1 hélice; (ii) construído em 1955, na Bélgica; (iii) registado no porto de Lisboa (e abatido em 1979); (iv) com mais de 151 metros de comprimento; (v) arqueação bruta de c. 10.700 toneladas; (vi) uma potência de 6800 cavalos e uma velocidade normal de 16,2 nós; (vii) alojamentos: 22 em primeira classe, e 300 em classe turística, num total de 322 passageiros; (viii) número de tripulantes; 132; (ix) armador: Companhia Nacional de Navegação, Lisboa.

Foi neste navio, adaptado a transporte de tropas (T/T), que viajaram (!), de Lisboa para Bissau, diversas companhias independentes, com partida a 24 de maio de 1969, incluindo a CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), a CCAÇ 2591 (futura CCAÇ 13), a CCAÇ 2592 (futura CCAÇ 14), bem como a CCAÇ 2533 (dos nossos camaradas Luís Nascimento e Joaquim Lessa) ou ainda a CPM 2537 (a que pertenceu o atual secretário geral do PCP - Partido Comunista Português, Jerónimo de Sousa). Um "fait divers" para a história...

Crédito fotográfico: Navios Mercantes Portugueses (2004) (Foto aqui reproduzida com a devida vénia...)


apitou três vezes


por Luís Graça (**)



Uma estranha maneira de dizer adeus,
um estranho povo este
que vem ajoelhar-se,
no cais de partida,
não em oração para aplacar a ira dos deuses,
mas vergado,
vergado à toda poderosa razão de Estado.

A tentacular força centrífuga
que, de há séculos,
te leva os filhos teus, para fora,
paridos e expulsos do ventre da mátria,
para longe, bem para longe,
muito para lá do mar.

Uma despedida breve,
com lágrimas salgadas no rosto
e lenços brancos em fundo preto.
Todas as despedidas são breves e tristes:
o momento em que o Niassa apita três vezes
e levanta a âncora,
nunca se poderia eternizar,
diz o capitão de terra, ar, mar e guerra,
lencinho ao pescoço,
cheirando a Vat(e) 69, ontogenético, fotogénico,
cinéfilo, garboso, charmoso, glamoroso
pronto para a ação
... na mesa do king, do bridge ou da lerpa.

Passado o Bugio,
deixado para trás o velho do Restelo,
desvanecido o azul da serra de Sintra,
há um briefing às cinco da tarde,
já em velocidade de cruzeiro,
no mar alto que outrora foi português,
anuncia o capitão,
muito pouco ou nada miliciano,
que serve de mordomo, pequeno e burguês.
Vai na segunda comissão, o oficial provinciano,
que nunca ouviu falar da batalha de Dien Bien Phu
nem sabe onde fica a ilha do Como.

E o filme da noite é  uma comédia, 
do cinema mudo,
acrescenta o nosso primeiro,
que no T/T Niassa faz de porteiro
ao bar Meu Amor, Guiné.
Um gajo bacano, num país de bacanos,
fulanos e sicranos,
de soldados rasos, primeiros cabos, furriéis forcados
e segundos sargentos, mangas de alpaca.


Uma tragicomédia, escreverás tu no teu diário
a que mais tarde chamarás Diário de um Tuga.
Cadé os oficiais ?
Cadé a elite da nação ?
Onde estão os filhos-família,
a ínclita geração, 
os primeiros, a fina flor, os morgados,
os cavaleiros andantes, os primogénitos, os palmeirins,
os fidalgos, a casta, a raça apurada,
o sangue azul, pedigreeos Gamas e os Camões,
os melhores de todos nós ?
... Morreram todos
em Alcácer Quibir.

Lisboa revista,  revisitada,  revistada,
em filme de oito milímetros,
a preto e branco ou a preto e negro,
dizes tu, corrosivo,
uma só nação,
valente mas ferida mortalmente,
ironiza alguém.
O Niassa colonial
na azáfama do seu vai-e-vem
antes de ir parar à sucata,
inglória a sucata da história que tu perdeste
aos dezoitos anos,
quando deste o teu nome para as sortes.
Estranha palavra essa, das sortes, 
que rima com desnortes
e com mortes e com fortes, 
que dos fracos não reza a história.

despedida breve e triste do Niassa,
o teu primeiro e único cruzeiro da vida,
e ainda mais triste é o filme, sem som,
sem palavras desnecessárias, a preto e branco
que alguém terá feito
no cais das sete partidas,
talvez a noiva que ia vestida de branco
com xaile preto, a louca,
por cima dos ombros.

A ponte, ainda reluzente,
de Salazar, o velho,
o velho abutre que alisa as suas penas,
dirás tu, Sophia,  pitonisa de Delphos,
quase morto mas não enterrado.
Os últimos golfinhos do Tejo,
a última fragata de vela erguida,
a última caravela,
a última nau do cais da Ribeira,
o último império que ficou por haver,
o último marinheiro em terra,
sinal de tempestade,
o último uísque marado 
que ficou por beber de um trago
no Cais do Sodré, amargo,
o mudo do Cristo Rei em terra 
que outrora foi de infiéis,
o Terreiro que continua do Paço,  não do povo…
Lisboa e o seu casario, branco, sujo,
o filme a preto e branco, riscado,
um gato preto à janela,
sinal de mau agoiro.

Lisboa...  e lá longe a Guiné,
Lisboa, enfim,  com as suas ruínas,
pré-pombalinas,
o poço dos mouros, o poço dos negros,
o lundum, a umbigada
a procissão da Nossa Senhora da Saúde,
mais a Santa Inquisição,
zelando pela pureza da raça e do sangue,
zurzindo corpos e almas,
o Cemitério dos Prazeres ao alto,
com os seus altos ciprestes negros,
os mastros dos navios da carreira colonial,
o império por um fio, dental,
a vida, ainda curta, que se recapitula,
de fio a pavio,
no último comboio da noite
que veio do campo militar
de Santa Margarida.

Ah!, e os jacarandás  que, em maio, já choram,
de lágrimas lilases,
e as santas das nossas mães que ficaram em casa,
a acender a vela à santa das santas,
a tecer o lenço de enxugar lágrimas,
um fado que tu ouviste numa tasca do Bairro Alto
e que já não era batido nem dançado nem cantado,
um fado apenas gemido, sussurrado.

Ordeiros os soldados
como os cordeiros da matança da Páscoa.
anhos, dizem no norte, alinhados
no Cais da Rocha Conde de Óbidos,
como os elétricos amarelos
que vão para a Cruz Quebrada,
empilhados, aboletados, requisitados
às mães para servir a Pátria,
o pai-patrão que lhes cobra o dízimo
em sangue, suor e lágrimas.

Mudos, agrilhoados, os básicos,
uns refratários, outros desertores,
cozinheiros, magarefes, corneteiros,
apontadores de dilagrama,
municiadores de metralhadora,
desenfiados, traidores, atiradores,
sacristães, sapadores, pulhas,
coveiros, escriturários,  bazuqueiros,
safados, bufarinheiros, cavaleiros,
trolhas, cavadores de enxada,
infantes, artilheiros, maqueiros,
herois de torre e espada…

Coitadas das mães que tais filhos pariram,
diz a letra do ceguinho.
subindo o portaló, o cadafalso,
com um nó na garganta mal disfarçado,
os lenços brancos como em Fátima no 13 de maio.
Algumas bandeiras verdes-rubras,
poucas e loucas,
que os tempos não são
de exaltação patriótica.
O hino canta-se em voz de cana rachada,
em disco riscado
por senhoras, poucas e roucas,
do Movimento Nacional Feminino.

A mesma atitude, admirável,
de patética resignação
perante o arbítrio dos deuses
que tudo pedem e podem.
diz o capelão,
cheio de unto e de virtude,
que este é um povo religioso
porque tem o sentido do pathos,
leia-se: da tragédia inelutável,
acrescenta o bispo de Merda…suma.

Senhora Nossa, rogai por nós, pecadores,
protege-nos, das minas e armadilhas,
dos fornilhos e das bailarinas,
das canhoadas e roquetadas,
das morteiradas, dos estilhaços
e dos tiros de costureirinha,
protege-nos do IN, leia-se inimigo,
dos esquentamentos e das sezões,
dos ataques de abelhas e das formigas carnívoras.
mas também do cone de fogo
das nossas bazucas  e canhões sem recuo.
das piçadas  e dos louvores dos nossos comandantes.
e sobretudo de nós mesmos,
soldados malgré noussoldado à força,
arrebanhados,  arregimentados, requisitados, 
condenados, ameaçados,  camuflados. 
acondicionados como bestas
que vão para o matadouro.
Livra-nos, Senhora Nossa,
da fome, da peste e da guerra,
e do marechal da nossa terra
que nos manda para tão longe.

Lisboa e as suas sete colinas
perdem-se na linha de água.
Puseste o combate do possível
na tua agenda de expedicionário da Guiné.
Puseste o fio com a medalha de ouro
ao peito, que te deu a tua namorada, coitada.
Não, não usas a cruz, o crucifixo,
não vais para a guerra santa,
não, senhor capelão,
alguém há de rezar por ti, camarada,
para que  voltes são e salvo.
Do regulamento é apenas
a chapa de zinco
com o número mecanográfico 13151468
e o picotado ao meio.
para mais facilmente ser cortada
em duas partes
que seguirão caminhos distintos,
tudo isto face ao risco, bem real e concreto,
de tu morreres longe, bem longe
da tua casa, da tua pátria,
para lá do mar,
em terra que nunca te viu nascer.

Descansa, camarada,
alguém fará o teu espólio,
cerrará os teus dentes,
fechará os teus olhos,
engraxará as tuas botas.
e porá um moeda na boca
para pagares a viagem ao barqueiro de Caronte,
no caso de morreres pela Pátria,
ainda jovem e imberbe,
nas bolanhas, rias ou matos da Guiné

Levarás contigo a pedra-chave
que te liga ao além,
uma chapa de zinco, picotada ao meio,
que outrora era de xisto ou de grés,
entre o teu antepassado
calcolítico, castrejo, romanizado.


Respeitaremos a tua última vontade,
lavrada no cimento fresco do teu abrigo:
Camaradas
(que colegas é só nas putas!):
se eu aqui morrer, 
que me enterrem,
 
numa anta do meu país megalítico!


A bordo do T/T Niassa, 
a caminho da Guiné,
24-29 de maio de 1969. 
Visto e revisto.
v10 22mai2015

Guiné 63/74 - P14650: Agenda cultural (403): Uma iniciativa do INATEL: "É de Fones!"... 500 tocadores de instrumentos musicais tradicionais portugueses (gaitas, concertinas, cavaquinhos, violas campaniças, bombos, adufes, castanholas, chocalhos, canas rachadas...) fazem esta tarde a festa em Lisboa!... A não perder, povo que ainda cantas e tocas, contra a depressão coletiva!



1ª Edição | 23 Maio 2015 | Lisboa

Do sítio da INATEL, com a devida vénia:


500 tocadores de instrumentos musicais tradicionais, acompanhados pelos Gaiteiros de Lisboa, como grupo embaixador e Amélia Muge como guardiã de todos os fones, invadem a Baixa Pombalina para celebrar de forma original as sonoridades, técnicas e formas de execução das quatro famílias de instrumentos que fazem parte da nossa paisagem sonora:

Cordofones (instrumentos de corda), Aerofones (instrumentos de sopro), Membranofones (instrumentos de percussão), Idiofones (instrumentos de vibração), todos juntos como nunca os (ou) viu.

Partindo de quatro praças distintas |15h30 - Praça da Alegria e dos Cordofones, Praça do Comércio e dos Aerofones, Praça Luís de Camões e dos Membranofones, Praça do Martim Moniz e dos Idiofones - em desfile rumo ao Rossio de todos os fones, num espectáculo sonoro singular e revelador da nossa identidade e da riqueza do nosso Património Cultural Imaterial (PCI).

A Fundação INATEL, cumprindo a sua missão de entidade responsável pela salvaguarda do PCI, promove a 1ª edição do É DE FONES! consagrado à valorização do património musical coletivo, com a participação de músicos, profissionais e amadores, tocadores populares, professores e alunos de música, concretizando-se numa verdadeira invasão da cidade pelos instrumentos musicais tradicionais, enriquecida pela diversidade sonora do território português.

PROGRAMA

15h30
Concentração de tocadores na Praça da Alegria, na Praça do Martim Moniz, na Praça do Comércio e na Praça Luís de Camões
Início dos cortejos rumo ao Rossio de Todos os Fones

16h00
Praça da Alegria e dos Cordofones
Casa do Povo de Corroios
Grupo de Cavaquinhos do Louriçal
Pedro Mestre e Campaniças

16h15
Praça do Comércio e dos Aerofones
Associação Gaita-de-Foles
Concertinas do Vale do Tejo
Escola de Música Tradicional do Centro Cultural Alto do Moinho
Gaitas da Golegã da Associação Cultural Cantar Nosso
Xuventude de Galicia

16h35
Praça Luís de Camões e dos Membranofones
GigaBombos do Imaginário da Associação Cultural Teatro Imaginário
Grupo de Adufeiras da Casa do Povo de Paul
Orquestra de Percussão Eclodir Azul

16h50
Praça do Martim Moniz e dos Idiofones
APEM – Associação Portuguesa de Educação Musical
Castanholas de Freamunde – Pedaços de Nós
Chocalheiros de Vila Verde de Ficalho
Grupo das Pedrinhas de Arronches
Orquestra de Canas Rachadas de Aveiras de Cima
Trupe da Cana Rachada

17h20
Rossio de Todos os Fones
Concerto dos Gaiteiros de Lisboa (Embaixadores) e Amélia Muge (Guardiã)

18h00
Rossio de Todos os Fones
Concerto com todos os tocadores dirigidos pelos Gaiteiros de Lisboa (“Embaixadores”)

Percursos dos Desfiles
- Praça do Comércio | Arco da Rua Augusta | Rua Augusta | Rossio
- Praça do Martim Moniz | Rua Dom Duarte| Praça da Figueira| Rua do Amparo | Rossio
- Praça da Alegria | Avenida da Liberdade | Praça dos Restauradores | Rua 1.º de Dezembro, Praça Dom João da Câmara | Rossio
- Praça Luís de Camões | Largo do Chiado | Rua Garrett | Rua do Carmo | Rossio


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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de maio de  2015 > Guiné 63/74 - P14647: Agenda cultural (401): Apresentação do livro "Nós Enfermeiras Paraquedistas", coordenação de Rosa Serra, dia 29 de Maio de 2015, pelas 17 horas, no Clube Militar de Oficiais de Setúbal, Praça do Bocage - Setúbal