segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16718: Notas de leitura (902): “Memórias boas da minha guerra”, de José Ferreira, Volume I, Chiado Editora, 2016 (Mário Beja Santos)



Capa do livro do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689 / BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69); editado pela Chiado Editora, Lisboa.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,

O que o confrade José Ferreira ilumina nos seus relatos é o vigor da amizade e da camaradagem, ele registou perfis de jovens de diferentes proveniências, usos e costumes, usa com comedimento, peso e medida, a galhofa, o desentendimento, a comédia de enganos, mas também desenha casos modelares de nobreza de caráter, é bom exemplo o que nos dá da Ilda e do Neco.

É o outro lado dos bastidores da guerra, em que as personagens se movem transportando a origem e o peso da identidade. O resultado é este monumento de candura, José Ferreira move-se perfeitamente nos labirintos da sua memória e traça muito contidamente recordações irónicas naqueles palcos onde a morte e o limite do sofrimento andam perto.

Ficamos à espera de mais.
Um abraço do Mário


Quando as memórias despertam candura e partilhas de ironia

por Beja Santos

José Ferreira
Dir-se-á que estas “Memórias boas da minha guerra”, de José Ferreira, Volume I, Chiado Editora, 2016, se distinguem por uma singeleza evocativa de gente que se encontrou nos preparativos e no teatro de guerra e que até vem a baila em reencontros de antigos combatentes, com o valioso acréscimo da candura de amizades feitas que o autor tão cativantemente sabe exaltar.

Chama-se José Ferreira, é presença contínua no blogue e fez parte da CART 1689, que deambulou por boa parte da Guiné. Agradece a Alberto Branquinho, um sério especialista no trato da galhofa e da ironia fina, também membro da nossa confraria, o empurrão dado para a confeção deste livro de memórias. Andou por Dunane que um outro escritor, Cristóvão de Aguiar, já fez crónica bem dolorosa de um soldado com braço tatuado que se matou por amores. Regista os desenrascanços na cozinha, os apetites sexuais, as risotas sobre o linguajar do Norte, pena é que um leitor impreparado no jargão não conheça o significado de morcão, isto é não sabe se estamos a falar num atrasado ou num javardo. José Ferreira faz desfilar jovens que percorrem quartéis e descobrem mundo. Cinzela rostos, desenha pessoas: “Era esquelético, alto e de cara afiada. Tinha uma boca pequena de onde se salientavam os tais dois dentes grandes. Tinha os cabelos aloirados e espetados em várias direções”. Há o retrato de uma certa Idalina que é inesquecível: “Teria mais de 65 anos, pernas muito arqueadas e escondidas com meias escuras e saia comprida. Esticava os cabelos lisos e grisalhos, arranjados em carrapito que segurava na nuca e que cobria com o lenço também escuro. Não cortava os pelos do bigode nem os da verruga. Não se lhe notavam seios nem curvas no corpo. Parecia uma tábua lisa. Usava sempre sapatos fechados, tipo homem. De altura teria, incluindo o carrapito do cabelo, cerca de um metro e meio. Sobrancelhas tipo Álvaro Cunhal”.

E assim chegamos à Guiné, estamos em Maio de 1967, em Fá Mandinga, a curta distância de Bambadinca. Em dia de folga, tira-se a roupa civil da bagagem e sobe-se ao monte de bagabaga. Há o soldado Celorico, dotado de uma memória portentosa, conhecia todos os dados dos 153 militares da CART 1689, é de uma grande ternura o apontamento que José Ferreira lhe dedica quando ele anda exuberante a ouvir no rádio o rancho folclórico da sua terra. Quando necessário, passa-se do presente ao passado e mesmo ao após, caso da história da Ilda e do Neca, um amor comovente, uma Ilda que aceitou o seu Neca tetraplégico, há paixões que superam o pior dos destroços.

Há as partidas para a guerra e muito imprevistos no termo do regresso, há pessoas que se encontram no IPO, há quem ali pratique um devotado voluntariado. Ficaram recordações muito fortes como a do Galã de Nhacra. Nos reencontros, para além dos abraços e dos minutos de silêncio por que já partiu, há a dor por certas notícias, alguém que esteja na miséria ou com graves problemas familiares, há alguém que teve em empresas prósperas e que agora conhece o revés. O Facebook ajuda a redescobrir camaradas e vem aí outras histórias. Ficam notas sobre uma homenagem póstuma a alguém que morreu num ataque em Cabedú, em 12 de Julho de 1968. O livro de memórias está profusamente ilustrado, e lá para o fim vem os relatos sobre o batismo de fogo, a CART 1689 depois de Fá Mandinga andou a treinar-se no Xime, em Ponta Varela e no Enxalé, foram depois para o Oio, aí houve tiroteio e mais adiante conta-se uma história passada na região de Cambaju em que foram obrigados a beber mijo, a sede faz-nos ultrapassar todos os limites.

Se é volume I e se a CART 1689 andou por Catió, Gandembel, Caquelifá e Bissau, se foi companhia de intervenção e se foi premiada com a Flâmula de Honra em Ouro do CTIG, é certo e seguro que vamos ter mais memórias boas da guerra de José Ferreira, em boa hora deitou mão a essa gama de imprevistos e peripécias que fazem da ironia o ingrediente contraditório de gargalhar em tempo de guerra.
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Nota do editor

Guiné 63/74 - P16717: Manuscrito(s) (Luís Graça) (101): Comer macacos... só os do nariz!... Ajudemos os guineenses a proteger o "sancu" (macaco) e o "dari" (chimpanzé)...Ficaremos todos mais pobres quando eles se extinguirem... e quando as areias do deserto do Sará chegarem às portas de Bissau!... Ficaremos todos mais pobres, os guineenses, os amigos da Guiné, todos nós, os últimos dos hominídeos..


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Madina > 10 de Dezembro de 2009 > 7h32 > Um "dari" (chimpanzé) descendo uma árvore ... Este grande símio (o mais aparentado, do ponto de vista genético, ao ser humano) é muito difícil de observar e fotografar... Contrariamente a outros primatas que existem no Parque, ainda com relativa abundância como o macaco fidalgo ("fatango", em crioulo).

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Hoje temos de encorajar os nossos amigos da Guiné e o povo guineense a proteger o "sancu"  e o "dari"


por Luís Graça


Eu já respondi ao inquérito 'on line' desta semana... Tinha de resto a obrigação de ser o primeiro ou um dos primeiros a fazê.lo. E a resposta foi: "1. Nunca comi [macaco]"... ( E se comi, juro que nunca soube...).

Sem ofensa para ninguém, comer babuíno é, para mim, como comer um parente nosso, mesmo que muito afastado... Zoologicamente falando, pertencemos à mesma ordem, a dos Primatas... Temos um antepassado comum, longínquo, que ainda vem do tempo dos dinossauros (, ou seja, de há cerca de 70 milhões de anos)... Claro que os babuínos não são hominídeos... São macacos, nem sequer são símios, nem muito menos hominídeos...

 Mas macaco, infelizmente, é produto "gourmet" em muitas partes do mundo (incluindo a Guiné-Bissau)...

Tanto quanto me lembro e sei, nós - as nossas tropas - não caçávamos babuínos (a não ser muito esporadica ou pontualmente: havia muiras armas naquele tempo, e nem todas estavam em boas mãos...  Eu também não, nunca cacei, não sou nem nunca fui caçador...

Os nossos  soldados fulas, da CCAÇ 12,  também não os caçavam, de resto as ocasiões não eram muitas: a atividade operacional era intensa e eles não tinham tempo para ir à caça. Por outro lado, eles eram crentes e tementes a Alá.

As milícias e os caçadores das tabancas em autodefesa poderiam eventualmente  fazê-lo,  um pouco às escondidas... Também os comiam, nas nossas costas - dizem que com algum sentimento de culpa, sendo muçulmanos. Além disso, os nossos amigos fulas  sabiam que, para os "tugas", carne de macaco era tabu alimentar (tal como o porco, para eles; tabu que procurávamos respeitar quando partilhávamos as nossas rações de combate com eles, embora também houvesse quem gostasse de pregar partidas de mau gosto com os derivados da carne de porco como o chouriço, mas os fulas não se deixavam enganar facilmente).

Nas tabancas fulas por onde passei ou onde estive em reforço ao sistema de autodefesa, vi crianças ou adolescentes com mausers (!) nos campos de cultivo: afugentavam os macacos-cães e às vezes matavam os mais atrevidos, quando eles tentavam invadir (e destruir) os campos de "mancarra" (amendoim)... Não acredito que os enterrassem ou os deixassem para os "jagudis" (abutres)... Em tempo de guerra, a carne era um luxo...

Amigos e camaradas, não façamos apressados juízos de valor, em função dos nossos próprios padrões civilizacionais,  princípios, valores ou pré-conceitos: no passado, os nossos caçadores também matavam, por exemplo, as aves de rapina, para poderem ter coelhos em abundância... E ainda hoje matam, o que é uma vergonha para todos nós, além de crime!

O consumo de carne de macaco era raro ou esporádico, entre os "tugas". Alguns faziam-no por "bravata", por "fanfarronice", por "desfastio", por "tédio" ou simples "provocação": um gajo na guerra tem de provar de tudo, desde que sobreviva;  noutros casos, terá sido  por mera "curiosidade" e ainda, também, por "necessidade" (que é uma coisa fisiológica, elementar,. animal)... Não ignoremos nem escamoteemos o facto de ter havido muito boa gente, do nosso lado,  que passou fominha, fome  mesmo, na Guiné, durante o longo período da  guerra em que estivemos envolvidos, para mal dos nossos pecados...

Enfim, nalgumas situações haveria também o "gosto do petisco" que leva os "tugas" a comerem coisas "esquisitas" (e até "nojentas", para outros)  como os "túbaros de carneiro"  (no Alentejo) ou as "tripas" (à moda do Porto), os "pézinhos de coentrada",  o ensopado de enguias, os passarinhos fritos,  as perninhas de rãs,  os caracóis e as caracoletas, a moreia frita, a sopa de navalheiras,,,, e eu sei lá que mais!

No meu tempo, vi uma vez um macaense, de origem chinesa, nosso camarada (já não posso precisar a subunidade, creio que era já no tempo da CCS / BART 2917,  Bambadinca, 1970/72), preparar e assar na brasa um pequeno babuíno (macaco-cão)... No final, a pequena carcaça (completamente preta) fez-me lembrar os nossos bebés (humanos)... Reconheço que me chocou, apesar do meu "relativismo cultural" e da tolerância que julgo ter em relação a "usos e costumes" que não são  os da "minha tribo"...

Nas diversas tabancas fulas, em autodefesa, por onde andei (em geral, por períodos de duas semanas), nunca me apercebi do consumo de carne de babuíno... Mas havia tantas coisas de que a gente não se apercebia naquela terra e naquela guerra (por exemplo, a mutilação genital feminina, o infantícídio, a feitiçaria, entre os fulas; as negociatas e a corrupção, entre os chefes "tugas")...

A única (e pouca) carne de caça que eu relutantemente comprava (ou que me ofereciam) era de gazela... O estado sanitário da caça era sempre suspeito... A carne, o peixe e os demais produtos frescos deterioravam-se rapidamente com o calor (e as moscas)... "Peixe da bolanha", julgo que comi pouco: sabia a lodo... No destacamento rio Udunduma, apanhávamos peixe, em abundância, com granadas de mão... Já dos lagostins ou camarões gigantes do Rio Geba Estreito eu era fá...

A caça era uma actividade de risco nas tabancas por onde passei, de diferentes regulados: Joladu, a norte do Geba, Corubal, Xime... Implicava sair do relativo "conforto" da  tabanca e internarmo-nos no mato, que era "terra de ninguém"...Por outro lado, a caça já era escassa no meu tempo, devido à guerra: para além de lebres, galinhas e porcos de mato, só me lembro de ver uma gazela a atravessar, como uma bala a bolanha de Ponat Coli no Xime...

Para o Zé Turra, o pobre do macaco-cão era o substituto da vaca... Quem tinha vacas eram sobretudo os fulas. E só as matavam na morte do dono... Nas chamadas "zonas libertadas" era arriscado ter vacas... Entre os apoiantes do PAIGC havia muçulmanos, cristãos e animistas...  Nas tabancas da margem direita do Rio Corubal, de biafadas e balantas,  em tabancas onde só podíamos ir no tempo seco ou em operaçõe com tropas helitransportadas (por ex., mata do Fiofioli),  havia vacas, porcos e galinhas... Contra as mais elementares regras de segurança, diga-se de passagem...

Mas hoje sabemos que os guerrilheiros do PAIGC,  animistas  e não-animistas,  caçavam em larga escala o macaco-cão... Ninguém pode fazer a guerra com a  barriga a dar horas...Por muito frugais que eles fossem (e tinham fama de só comer arroz um avez por dia!), de vez em quando era preciso "macaco-kom" para fazer o "mafé"...

Pobre do "sancu" que foi também uma das vítimas daquela maldita guerra!

Quanto à fauna e flora da Guiné que se tem vindo a  degradar nos últimos 30/40 anos, ou seja, desde que o PAIGC é poder... Nas floresta-galerias do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole e nas matas do Cuor, era relativamente frequente depararmo-nos, no decurso de operações, com bandos de cem e mais babuínos, ruidosos e agressivos perante a invasão do seu território... Eram zonas sem população ou que a guerra tinha despovoado... "Terras de ninguém", ou terras onde a guerrilha do PAIGC se movimentava muito melhor do que nós..

Quem esteve no sector L1 (Bambadinca), connosco, " tropa macaca" - como eu, o Humberto Reis, o Jorge Cabral, o Beja Santos, o Joaquim Mexia Alves, só para citar  alguns "senadores" da Tabanca  Grande ... - nunca mais esquecerá o maldito Mato-Cão onde se fazia segurança às embarcações (civis) que passavam pelo Geba Estreito, entre Xime, Bambadinca e Bafatá... Enfim, mais tarde, por volta do último trimestre de 1971 foi lá construído um destacamento, inaugurado pelo Pel Caç Nat 63...

De um modo geral, pode dizer-se que as populações da Guiné-Bissau, não muçulmanas,  tradicionalmente caçavam e comiam o "sancu". E «as que estavam no "mato" (ou seja, do lado ou sob controlo do PAIGC) deviam recorrer mais vezes à carne de macaco...

Depois de 1980, a caça (ilegal) ao macaco-cão terá aumentado significativamente. E as populações de algumas espécies começam a figurar na lista vermelhas das espécies criticamente em perigo...

Já em relação ao "dari", o chimpanzé das matas do Cantanhez e do Boé (Pan troglodytes verus  cuja população estimada, em 2015, é de 35 mil indivíduos, em toda a África Ocidental, tendo sofrido um brutal decréscimo de c. 6,5% ao ano, entre 1994 e 2014!), parecia todavia haver, tradicionalmente, um maior respeito, por parte da população local, devido  às suas "semelhanças" com o ser humano. Pelo menos, no meu tempo!...

No entanto, o seu habitat , na África Ocidental,  está cada vez mais ameaçado pelas actividades humanas (destruição da floresta, fragmenmtação da mancha florestal, expansão das áreas de cultivo, captura ilegal para o mercado negro, doenças e epidemias, industrialziação, instabilidade política, corrupção, falhanço das políticas de conservação...). Em toda a África ocidental, esta  espécie (uma das três espécies de chimpanzés) vai mesmo desaparecer se falharem as políticas de conservação, se falharmos todos nós... Em boa verdade, não sei se ainda vamos a tempo....MAS TEMOS QUE IR A TEMPO!

Voltando ao babuíno, e às recordações do meu tempo: era difícil precisar o números  de machos adultos, talvez dois ou três, que integravam um bando de 100... Talvez mais (posso estar a ser influenciado pelas minhas leituras posteriores na área da etologia, pela qual me interesso...).

Nunca vi, felizmente, ninguém, à minha frente, matar um babuíno... Em contrapartida, havia crias de babuíno que serviam de mascote nos nossos quartéis... Um triste hábito que era tolerado por todos nós... Naquela época não havia "consciência ecológica", nem se falava de "direitos dos animais"...

Também nunca dei conta da utilização da pele do babuíno para efeitos medicinais, por parte das populações com quem lidei (fulas, mandingas, balantas), quer em Contuboel (junho/julho  de 1969), quer em Bambadinca (julho de 69 / março de 71)...

Passado meio século, e face às dramáticas mudanças  que se estão a operar na Guiné, ao nível  da fauna e da flora, nós, antigos combatentes, temos a obrigação de alertar e encorajarar  a Guiné e o seu povo para a necessidade de proteger o seu património natural, e mais concretamente proteger o "sancu" e o "dari".

Não é admissível que haja restaurantes em Bissau que tenham nas suas ementas a carne do "sancu"...Igualmente inadmissível, é o crime (irreparável) da destruição das sagradas florestas-galeria da Guiné...

Em suma, passemos a mensagem: "Comer macacos... só os do nariz!"...

Ficaremos todos mais pobres quando eles se extinguirem e quando as areias do deserto do Sará chegarem às portas de Bissau!  Ficaremos todos mais pobres, os guineenses, os amigos da Guiné, a humanidade, nós todos, afinal, os  últimos hominídeos, o Homo Sapiens Sapiens... (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

29 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13667: In Memoriam (196): Claúdia Sousa (1975-2014), estudiosa do dari (chimpanzé) do Cantanhez, morre aos 39 anos, de doença. O funeral é amanhã, na Figueira da Foz

11 de janeiro de 2009 > Guiné 63774 - P3720: Fauna & flora (2): Os macacos-cães do nosso tempo (Luís Graça / J. Mexia Alves)

8 de março de  2007 > Guiné 63/74 - P1575: A TSF no Cantanhez, com uma equipa de cientistas portugueses, em busca do Dari, o chimpanzé (Luís Graça / José Martins)

(...) 1. Reportagem TSF > Dari, Primata como Nós > 2 de Março de 2007 .

No sul da Guiné-Bissau, o chimpanzé tem nome de gente. Na pista de Dari, uma equipa de cientistas portugueses estuda, há cinco anos, os chimpanzés das matas de Cantanhez com o objectivo de ajudar a salvar uma espécie ameaçada, sobretudo pela redução do seu habitat e pela dificil coexistência com as populações humanas do sul da Guiné-Bissau (e do norte da Guiné-Conacri).

A par do chimpanzé (em tempos, um homem, ferreiro, que Deus transformou, por castigo, em alimária, segundo as lendas locais), há outros primatas e outros mamíferos como o búfalo e até o elefante na mata do Cantanhez. (...)

(**) Último poste da série >  3 de novembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16678: Manuscrito(s) (Luís Graça) (100): O desertor

Guiné 63/74 - P16716: Parabéns a você (1161): César Dias, ex-Fur Mil Sapador de Infantaria do BCAÇ 2885 (Guiné, 1969/71); Jacinto Cristina, ex- Soldado Atirador Inf da CCAÇ 3546 (Guiné, 1972/74) e Maria Arminda Santos, ex-Tenente Paraquedista da FAP (1961/70)



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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16712: Parabéns a você (1160): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Art da CART 6250 (Guiné, 1972/74)

domingo, 13 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16715: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (16): Os nossos dois soldados, cadastrados, que tentaram fugir para o Senegal... Para sorte deles e tranqulidade minha, foram apanhados logo, uma hora depois, pelas milícias que lhes mandei no seu encalce...

1. Mensagem, com data de 11 do corrente,  de Domingos Gonçalves [ex-alf mil inf da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68), autor de O Céu de Guidage (edição de autor, 2004]

Braga/11/11/2016

Antes de mais, boa noite de S. Martinho, para todos os que navegam pelas ruas largas da Tabanca Grande, com muitas castanhas, e bom vinho.

Depois, envio mais um texto que poderá´ser publicado.

Com um abraço amigo,
Domingos Gonçalves


2. CCAÇ 1546  > Destacamento de Guidaje, dia 18/07/1967

De tarde dois soldados tentaram fugir para o Senegal. Eram duas da tarde quando iniciaram a fuga. Eu estava sentado junto do abrigo da 1ª secção quando olhei para os lados da fronteira e vi dois indivíduos brancos, em tronco nu, atravessar a bolanha para o outro lado. Achei estranho. De imediato dirigi-me à porta de armas e perguntei ao sentinela o que se passava, e quem eram os fugitivos.

Tratava-se de dois cadastrados que vieram de outras companhias, já com diversos castigos, e que o comandante de companhia enviou para este paraíso. Deu-lhes um lindo prémio! Mas, apesar deste meu reino ser um verdadeiro paraíso, eles quiseram fugir. São da raça de satanás, que tinha o gozo do paraíso e preferiu as profundezas do Inferno!. Mas eles tiveram mais sorte do que o diabo. Acabaram por não perder o céu donde quiseram sair. Afinal eu mandei buscá-los às portas do Inferno...

São dois loucos. Saíram do destacamento em tronco nu, armados de G3, e de granadas de mão, atravessaram a fronteira na bolanha e seguiram pelo Senegal dentro.

Quando me apercebi do que se passava mandei chamar as milícias nativas e mandei-as em perseguição dos fugitivos, em território do Senegal.

A decisão que tomei teve de ser muito rápida. Bastariam alguns minutos de hesitação e eles já estariam do outro lado, muito dentro do Senegal, onde não teríamos nenhuma hipótese de os prender.

Cerca de uma hora depois, as milícias conseguiram prendê-los, a mais de dois quilómetros de Guidage, já bastante longe da fronteira.

De imediato informei o comando da companhia sobre o sucedido e pedi que os viessem buscar.

Guidage não pode transformar-se num manicómio, e muito menos numa prisão de qualquer tipo de cadastrados. Pelo menos vou tentar que isso não aconteça.

Só não consigo é adivinhar o que terá passado pela cabeça destes dois rapazes, que nem são ingénuos, para que tenham planeado, de forma tão irracional, a fuga para o outro lado. Não consigo mesmo entender para onde pretendiam fugir, ou a quem se queriam entregar.

Desertar da tropa, a partir desta terra, dada a vizinhança da fronteira, nem é difícil... Eles é que tiveram azar quanto ao momento em que pretenderam concretizar uma fuga mal pensada... Mesmo para eles, penso que este deve ter sido o melhor desfecho para toda esta história triste.

Se tivessem sido apanhados pelas autoridades senegalesas, não se livrariam de trabalhos. Se por acaso fossem os turras a prendê-los, iriam passar, por certo, bastantes mais problemas. Assim, resta-lhes apenas cumprir o castigo que a tropa entender aplicar-lhes.

Como não participei, por escrito a ocorrência, ficando tudo pela mensagem em que pedi para os retirarem de cá, pode muito bem acontecer que não venham a ser molestados.


Destacamento de Guidaje, dia 19/07/1967

Veio de Binta [, sede da companhia,]  uma coluna de viaturas. Para facilitar o trabalho aos que vinham a escoltar a coluna, mandei picar a estrada até Ujeque.

Trouxeram só três viaturas e passaram bem...

Das coisas que fazem falta no destacamento não trouxeram nenhuma. Vieram apenas buscar os dois indivíduos que ontem tentaram fugir. É um problema a menos que deixo de ter aqui.

De tarde dei uma volta pelos arredores de Guidage, para me certificar do andamento dos trabalhos agrícolas.

Está tudo muito adiantado. Esta gente tem trabalhado bastante. O calor e a chuva não têm prejudicado o andamento dos trabalhos.

Estes campos verdes de milho que cresce à volta de Guidage fazem-me lembrar os da metrópole. Eles têm um pouco da verdura do Minho... E fazem-me olhar para muito longe. É a saudade!...
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Nota do editor:

Último poste da série 28 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16534: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (15): 1 de Abril de 1967, o dia em que se verificou a morte, em combate, do Alferes Linhares de Almeida

Guiné 63/74 - P16714: Blogpoesia (480): "Cada dia tem sua farda..."; "Gosto das cegonhas..." e "Espanejo as minhas asas...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. O nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) vai-nos enviando ao longo da semana belíssimos poemas da sua autoria, dos quais publicamos estes, ao acaso, com prazer:


Cada dia tem sua farda...

Cada dia a sua farda.
Umas vezes negra,
Outras fulgurante.

Varia o fardo.
Umas leve outras pesado.

É do sol a culpa
Que os fabrica.
Segundo um critério
Que não tem regra.
Parece ao calhas.

Que importa à gente
Fazer as contas,
Se quem as soma,
Tudo baralha
E não dá conta.

Foi sempre assim.
Ele não engana.
Tantas vezes, triste,
As mais, contente.
É o que vale...

Berlim, 11 de Novembro de 2016
8h34m
JLMG

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Gosto das cegonhas...

Quem não gosta delas?
Como são belas, graciosas,
de asas largas,
a navegar no ar como se fossem caravelas.

Na hora certa, se vão e voltam
das suas paragens.
Como são valentes, corajosas,
estas obreiras.
Independentes.
Não sobranceiras.

Juntam-se à gente,
pelas estradas,
sem estorvar.

Sorriem dos postes.
Com suas crias.
São bem pacíficas.
Ganham a vida
pelas lezírias.
Não se guerreiam,
Vivem em paz.

Berlim, 7 de Novembro de 2016
8h49m
JLMG

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Espanejo as minhas asas...

Na candura deste sol nascente,
espanejo minhas asas
e revejo ao fundo as fragas e as campinas verdes
onde corre um rio.

Banho minha alma em chama
na imensidão deste mar azul.

Saboreio as ondas que meu corpo banham
E entoo loas ao meu Criador.

Como é suave a vida sem as tempestades.
Como seria bela a terra
se nela houvesse paz...

Berlim, 13 de Novembro de 2016
8h8m
JLMG
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16689: Blogpoesia (479): "Quero lá saber..."; "Minhas trouxas..." e "Melodia dum piano e duma orquestra...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 63/74 - P16713: Inquérito 'on line' (83): Pelo menos mais de metade dos respondentes, até agora, dizem que "nunca comeram macaco-cão"... A proporção é mais elevada aqui, no blogue (63%), do que na página do Facebook (55%)... No blogue é que importa responder.... Até 5ª feira, às 7h32, faltam 26 para chegar às 100 respostas...



 Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Viagem Porto-Bissau > Na foto nº 1 um chimanpanzé (que não é macaco, é símio, "dari", em crioulo),  em cativeiro, o que é ilegal; na foto, aparece também a Inés,  filha do Xico Allen... Na foto nº2, um babuíno, macaco-cão (sancu, em crioulo), segura a mão de outro elemento da comitiva [, talvez o Hugo Costa]... O dari, o sancu e a Inês pertencem à ordem dos Primatas... O dari é um símio e a Inês um(a)hominídeo(a), ambos têm 99%  do mesmo ADN... O dari é um Pan (género) Troglodytes (espécie). A Inês,  um exemplar da espécie Homo Sapiens Sapiens. Por sua vez, o macaco-cão (babuíno) é um antropóide cercopitecídeo do género Papio... Os três têm eomum um antepassado longínquo,  que remonta há 70 milhões, antes da extinção dos dinossauros... O  sanctu e o dari são espécies ameaçdas, o  dari é seguramente o que vai desaparecer primeiro...

De um modo geral, as populações da Guiné-Bissau, não muçulmanas, caçam e comem o sancu. Sobretudo depois de 1980, a caça (ilegal) ao macaco-cão aumentou. Quanto ao dari, o chimpanzé da matas do Cantanhez e do Boé , há em princípio um maior respeito pelas suas semelhanças com o ser humano.  Mas os juvenis são objeto de tráfico...  O habitat do dari está condicionado pelas atividades humanas (além da caça, o risco de epidemias, a expansão das áreas de cultivo, e nomeadamente do caju, e a desmatação ilegal para extração de madeiras exóticas,  como  o pau de sangue, exportado para a China).

Fotos (e legendas) : © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Todos direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



I. INQUÉRITO 'ON LINE':

"NUNCA COMI MACACO-CÃO (BABUÍNO) NA GUINÉ"  




Resposta no nosso blogue (até às 23h00 ontem, sábado, 12/11/2016) (n=74)
1. Nunca comi  > 47 (63,5%)

2. Comi e não gostei  > 6 (8,1%)

3. Comi e gostei  > 13 (17,6%)

4. Não tenho a certeza se comi  > 8 (10,8%)


Total > 74 (100,0%)

Respostas na nossa página do Fabebook (até ontem) (n=98)

1. Nunca comi >  54 (55,1%) 

2. Comi e não gostei >  9 (9,2%)

3. Comi e gostei = 30 (30,6%) 

4. Não a certeza se comi = 5 (5,1%) 

Total > 98 (100,0%)

II. Alguns comentários selecionados (10) da nossa página no Facebook e do blogue:


(i) António Branco

Numa companhia africana como a CCAÇ 16 onde estive, não era dificil passar por experiências de gastronomia diferenciadas. Recordo-me de ter comido macaco pelo menos por duas vezes.
A primeira na companhia, embora com alguma relutância , acedi à experiência, confeccionada por furriéis africanos. Depois.  e numa das idas a Bissau, numa tasquinha da qual não me recordo o nome que fornecia bitoque de macaco com batata frita por um preço bastante acessível. [resposta 3] (...)


(ii) Mário Gualter Pinto

Não tenho a certeza se comi [ resposta 4]. Em Bissau falava-se na altura que vários restaurantes serviam bifes de macaco cão por vaca nos bitoques. Agora uma coisa é certa, por diversas vezes vi no mato, macacos esquartejados dos traseiros! Porquê? Não sei! (...)

(iii) Manuel Amaro

Eu penso que não, mas a D. Carlota de Nhacra dizia que alguns de nós já tinham comido.... Nunca me preocupei com isso [resposta 4].

(iv) Joaquim Pinto Ferreira

A maior parte da minha tropa foi passada em Aldeia Formosa. Passei aquele tempo onde os abastecimentos eram raros e os fumadores tiveram muita dificuldade em comprar tabaco. Comi gazela, comi porco bravo (javali), comi muitas galinhas roubadas na população. Mas macaco, nunca! [resposta 1].

(v) Manuel Mendes-Ponte

Vi matar muitos mas nunca comi [resposta 1]. em Farim,  na tasca do Pedro Turra,  diziam que comiam pensando que era gazela.

(vi) Candido Cunha

[Resposta 1] Quem, sabendo comeu, mesmo passados quarenta e cinco anos, não era, nem é boa rolha. Isso se se passou, envergonha-nos !

(vii) Luís Mourato Oliveira


Segundo a opinião do Cândido Cunha.  não sou boa rolha! Comi e gostei [resposta 3].

(viii) Ernesto Marques

Vi comer muitos e gatos também, eu nunca consegui, nem queria ver matá-los. [resposta 1].

(ix) Valdemar Queiroz

(...) Na nossa CART 11,  'Os Lacraus',  os nossos soldados eram todos fulas e nunca ouvi, que me lembre, alguém dizer ter comido carne de macaco [resposta 1]. A sua alimentação era,
essencialmente,  uma papa de farinha de milho painço, depois como eram desarranchados passaram a comer arroz que compravam na cantina, acompanhado com um preparado de umas 'ervas', ou com um 'guisado' de carne de 3ª. (muita tripa e pouca carne) de galinha ou vaca. (...)

(x) Cherno Baldé:

(...) Para vossa informação, os muçulmanos em geral estão interditos pela tradiço e sobretudo pela religão de comer macacos e pelo facto de um ou outro o fazer não invalida esta proibição que, como deverão saber, vem dos tempos hebraicos (Tora de Moisés) onde consta a listagem dos animais que seriam lícitos e ilícitos aos filhos de Israel e que por herança passa também para os seguidores do Profeta Mohamed. (...).

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Guiné 63/74 - P16712: Parabéns a você (1160): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Art da CART 6250 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16705: Parabéns a você (1159): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp da CART 3494 (Guiné, 1971/74)

sábado, 12 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16711: Estórias do Juvenal Amado (54): Aida, lembras-te de quando eu quis ir a Huelva?



1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 10 de Novembro de 2016, com mais uma estória para a sua série:


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO

54 - Aida, lembras-te de quando eu quis ir a Huelva?

Conheço-a desde sempre

Vivemos por períodos juntos ora em casa da nossa avó em Alcobaça, onde se juntavam os primos todos, ou em casa dela na rua da Saudade ali mesmo junto ao castelo de S. Jorge, quando éramos crianças e já adolescentes.

Mais tarde em saborosos fins-de-semana em que o meu tio nos visitava em Alcobaça e nas férias em Monte Gordo, onde eu tinha lugar de irmão mais velho, que tinha por missão afugentar a rapaziada mais afoita.

Está claro uma coisa era a missão, outra a comissão e assim eu não a chateava e ela apresentava-me as amigas, os dois namoriscávamos um para cada lado. Naquele tempo era coisa de responsabilidade, nós conhecíamos os limites dos dias passados na praia e as noites no Firmo, no Bowling, no cinema ao ar livre e de vez em quando, no Casino de Monte Gordo, que funcionava como discoteca com musica ao vivo.

Está claro que o meu tio de vez em quando trocava-nos as voltas e não a deixa ir. Eu acabava por solidariedade ficar com ela e amigos/as no bar do próprio parque de campismo.

Um dia o meu tio perguntou-me se eu não gostava de ir a Huelva. Era para mim uma novidade, pois nunca tinha saído de Portugal e aquela travessia de barco, passear noutro país, outra língua, outra forma de viver tão perto, mas que se provou ser muito longe para a época, era apetecível.

Eu estava na idade militar e a coisa era bicuda. O meu tio,  oposicionista ferrenho ao Estado Novo, já tinha urdido um plano pois sabia que o chefe da PIDE era o dono das bombas de gasolina e com cartão de um major,  seu cliente, que mais tarde conheci quando estava para embarcar para a Guiné, apresentou-se lá para que ele desse autorização para eu ir até ao outro lado da fronteira, talvez comprar caramelos e voltar.

Quem é que ia a Espanha e não trazia os afamados caramelos com pinhões ou simples?

No dia aprazado lá foi o grupo todo com idades que variavam entre os 16 e os 18 anos até Vila Real de Santo António e,  enquanto o meu tio, vencendo alguns escrúpulos, se apresentou ao sujeito, nós ficamos na esplanada das próprias bombas, esperando o resultado das negociações, que foram infrutíferas, como era bem de ver.


Eu, de óculos escuros, no dia em que quis ir a Huelva mas que não passei da esplanada das bombas de gasolina

Com muito cuidado com o que dizia, pois como se sabe, não é de bom tom falar em cordas em casa de enforcado, meu tio ofereceu-se para deixar o carro, mais um depósito em dinheiro, mais fotocópias dos cartões de identidade, etc, etc, mas nada demoveu o famigerado zelador da inviolabilidade do território nacional.

A decepção não foi grande por já ser esperada. Lá voltamos para a praia e para as noites encaroladas, que ficaram sempre na minha memória.




Em 18 de Dezembro de 1971

Não querendo jurar falso, deviam-me faltar três anos para ser incorporado e já tinham medo que eu fosse e não voltasse. Vivíamos num país de muros altos e a nossa participação naquela guerra não foi a escolha de muitos, mas que por diversas razões para o bem e para o mal resolveram nela participar.

Assim só fui a Espanha em Agosto de 1974, estive em Madrid 15 dias,  ali perto do estádio do Santiago Bernabéu, mas naquele dia não pude ir a Huelva.

Um abraço para todos
JA
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14462: Estórias do Juvenal Amado (53): O 25 de Abril faz 41 anos e eu continuo um incorrígel sonhador

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16710: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-al mil, CCAÇ 4740, Cufar, dez 72 / jul 73; e Pel Caç Nat 52, Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (1) - Bolama, Centro de Instrução Militar (parte I)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4 


Foyp nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7

Guiné > Bolama > Centro de Instrução Militar (CIM) > c. jun/jul 1973 >  Estágio do Luís Oliveira,  de preparação para o comando de subunidades africanas. (*)


Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Antes de ir tomar posse do lugar de comandante do Pel Caç Nat 52 onde vai terminar a sua comissão (Mato Cão e Missirá, julho de 1973/agosto de 1974), o alf mil Luis Mourato Oliveira passa cerca de duas semanas em Bolama e uma em Bissau, recebendo formação sobre usos e costumes dos povos da Guiné bem como sobre ação psicossocial (fotos nºs 5, 6  e 7) e dando  ainda intrução militar a "mancebos" do recrutamento local (fotos nº 1 e 4).

Foi nesta ocasião que ele (foto nº 3) se encontra com outros graduados, que também estavam a fazer o estágio,  como o alf mil Miguel Champallimaud, sobrinho do conhecido empresário António Champallimaud  (foto nº 2),  e um furriel  (, talvez Hèlder de seu nome ?), promovido a alferes por ter feito um grande "ronco" ao apanhar ao PAIGC, no sul, um equipamento completo do "jato do povo" (foguetão 122 mm e respetiva rampa de lançamento). Eram dois dos seus parceiros de cartas e de amena cavaqueira à noite, acompanhada de um bom uísque.

Diga-se, de passagem, que essa formação, mais de natureza socioantropológica, não existia ao tempo da formação das primeiras companhias da "nova força africana", criadas logo em 1969, no primeiro ano do consulado de Spínola (por ex., CCAÇ 11, 12, 13, 14)...

De  regresso a Cufar, e depois a caminho do setor L1 (Bambadinca), o Luís perdeu o rasto a estes e outros camaradas do tempo do CIM de Bolama. Ele tinha chegado à Guiné no princípio de 1973, vinha em rendição individual, e fora  colocado na CCAÇ 4740, em Cufar. Fará férias, na metrópole,  em novembro/dezembro desse ano. Regressa a tempo de passar o Natal com os seus homens, do Pel Caç Nat 52, no Mato Cão. E traz com ele um "pão de ló de Miragaia", feito pela mãezinha.

Dessa passsagem pelo CIM de Bolama, publicam-se algumas fotos do seu álbum. Legendas complementares:

Fotos nºs 5, 6 e 7< "*Psico-compras",  em tabancas bijagós de Bolama

Foto nº 4 > "Visita aos instruendos" em formação,  no CIM.

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Nota do editor:

(*) Vd. postes de

9 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16702: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (1) - Experiências gastronómicas (Parte I): maionese de peixe do Cacine e açorda de bacalhau com coentros...

10 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16706: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (2) - Experiências gastronómicas (Parte II): Restaurante do Mato Cão: sugestões de canibalismo ("iscas de fígado de 'bandido' com elas"), "pãezinhos crocantes com chouriço" e... "macaco cão [babuíno] no forno com batatas a murro"!...

Guiné 63/74 - P16709: Agenda cultural (514): Lançamento do livro "25 de Novembro, Reflexões", coordenação do Coronel Manuel Barão da Cunha, no próximo dia 15 de Novembro de 2016, pelas 15h00, na Livraria/Galeria Municipal Verney, Rua Cândido dos Reis, 92, em Oeiras

 C O N V I T E 
 



Mensagem do nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, com data de 4 de Novembro de 2016:

Caríssimos,
Recordamos o lançamento do livro "25 de Novembro, Reflexões" no próximo dia 15, pelas 15h00, em Oeiras, na Livraria Municipal (ver anexo), compreendendo 30 autores, incluindo os Generais António Barrento, Vasco Rocha Vieira; Monteiro Pereira, Ramalho Eanes, Dr. José Manel Barroso.
Fiquem bem, quem puder ir será bem-vindo e também agradecemos divulgação,

Manuel Barão da Cunha
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16694: Agenda cultural (507): Apresentação do livro "Quatro Rios e um Destino", da autoria de Fernando de Jesus Sousa (DFA), ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, dia 10 de Novembro de 2016, pelas 15 horas, na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha

Guiné 63/74 - P16708: Notas de leitura (901): “Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’”, por Patrick Chabal e Toby Green, Hurst & Company, London, 2016 (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,
Se dúvidas subsistissem sobre a importância desta obra antológica elaborada por investigadores do mais alto nível e onde participaram estudiosos de mérito, essa dúvidas dissipam-se com as análises efetuadas na última parte do livro: o significado da diáspora; os fundamentos da etnicidade na turbulência política das últimas décadas; onde e como se impôs o Narco-Estado a partir do momento em que a militarização do regime subalternizou as instituições democráticas e como, em 2014, havia todos os ingredientes para encostar à parede a clique militar, após a vigilância norte-americana. A instabilidade não passou mas as qualidades do povo, o elevado nível de convivência e a solidez das sociedades rurais indicam que a esperança se mantém de pé.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau: de Micro-Estado a Narco-Estado (4)

Beja Santos

Concluímos hoje as recensões sobre a obra “Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’”, por Patrick Chabal e Toby Green, Hurst & Company, London, 2016, constituída por um acervo de estudos dedicados à memória de Patrick Chabal, falecido em Janeiro de 2014, e que idealizou até ao fim dos seus dias a organização desta análise coletiva com Toby Green. Obra constituída por três partes (fragilidades históricas; manifestações da crise e consequências políticas da crise) convocou nomes importantes da historiografia da Guiné-Bissau no plano internacional como Toby Green, Joshua B. Forrest, Philip J. Havik, entre outros. Doravante, não se poderá ter um grande ecrã das investigações deste tempo sem consultar análises tão pertinentes, algumas delas completamente ausentes nos estudos sobre a história contemporânea da Guiné-Bissau. Veja-se logo o primeiro estudo sobre a diáspora guineense depois do conflito político-militar, recordando as rotas clássicas da diáspora, a presença de guineenses em Portugal e um pouco por toda a Europa, lembrando que na diáspora ganharam relevo certos blogues como Didinho, Doka Internacional e Intelectuais Balantas na Diáspora. Aspeto que o autor considera é a dispersão de estudantes em muitas universidades como Marrocos, Argélia, Nigéria, Rússia, China, Senegal e Brasil. É também referido como vivem os migrantes nos subúrbios de Lisboa, como se processam as relações entre a diáspora e a pátria e dá-se a sugestão para a criação de um fórum entre guineenses em diáspora para promover o desenvolvimento e construir a paz, um lóbi que suporte iniciativas para o desenvolvimento da Guiné-Bissau.

Um outro autor debruça-se sobre a questão étnica e interétnica, a questão étnica não esteve ausente das eleições de 2014, e o exemplo mais claro foi dado pelo PRS – Partido da Renovação Social, que fez campanha sobre a aura da etnia Balanta, mas que não conseguiu sugestionar o eleitorado que preferiu José Mário Vaz. As grandes fraturas hoje existentes no PAIGC não assentam na etnicidade mas sim na concertação de grupos que querem chegar ao poder e manobrar negócios. O autor faz um breve historial da questão étnica do lado da luta armada e da sua exploração do lado colonial, as grandes tensões e confrontos dividirão guineenses e cabo-verdianos, assistir-se-á depois ao vexame dos Balantas, será a interetnicidade a ganhar força durante o conflito político-militar, Kumba Ialá exacerbará a questão étnica e tentará misturá-la com a questão religiosa, sem sucesso pois a convivência religiosa entre guineenses está de pedra e cal. A coligação entre os militares ligados à droga para destituir Raimundo Pereira e Carlos Gomes Júnior e afastar a influência angolana foi uma coligação de interesses devido à traficância de droga, explorando o sentimento de que a CEDEAO não aceitava Angola dentro deste quadro político e geoestratégico.

Num outro ensaio apreciam-se as questões de segurança na Guiné-Bissau no quadro da geopolítica global, são referidos os diferentes atores, as missões de paz das Nações Unidas, o histórico da política externa guineense desde a sua postura não-alinhada, depois da independência, a deslocação para a esfera francesa e a aceitação de pertencer à CEDEAO e a ascensão da instabilidade quando alguns políticos e militares aderiram ao tráfico da cocaína. Têm vindo a falhar as diferentes tentativas da reforma do Estado e das Forças Armadas, Angola fez propostas e pôs dinheiro em cima da mesa, os militares da droga perceberam que ficariam algemados, desencadearam um golpe de Estado. O investigador dá conta das tentativas desenvolvidas a partir da eleição de José Mário Vaz para se chegar a um plano de arranque para o desenvolvimento, foi assim que se criou o plano “Terra Ranka”, que chegou a ter previsto um financiamento superior a um bilião de dólares, a seguir veio a barafunda institucional, os doadores continuam à espera que as entidades guineenses deem sinais de maturidade.

O impacto do Narco-Estado é matéria de outro estudo onde se parte da consideração que a militarização do regime, logo em 1980, por etapas sucessivas levou à anomia do quadro político por sujeição a uma clique militar que beneficia do trânsito da cocaína e da cumplicidade com o cartel colombiano. O aspeto curioso é que a chegada ao poder de José Mário Vaz era contemporâneo do enfraquecimento dessa clique graças à vigilância norte-americana coroada de êxito com a prisão de Bubo Na Tchuto e a neutralização de António Indjai. Esta instabilidade é acrescida com os acontecimentos do Casamansa, um conflito que precisa de instituições sólidas na Guiné-Bissau para pôr termo ao livre-trânsito de vendedores de águas, traficantes de crianças e mercenários na região.

A conclusão de todo este estudo cabe a Toby Green que resume admiravelmente a passagem da colónia da república independente e a multiplicidade dos conflitos que surgiram e refere os contextos adversos a partir de 1974: crise petrolífera, ascensão e consagração das teses neoliberais, crescentes desigualdades entre o Norte e o Sul à esfera global, passagem de um coletivismo demencial para um liberalismo que favoreceu uma certa clique do regime, a emergência de monocultura do caju, um sistema económico à deriva. Daí a resistência posta pelas sociedades rurais para sobreviverem a um sistema político autodevorador, em que em todas as instituições se cobiçam benefícios da ajuda externa e do financiamento de projetos. Os indicadores de desenvolvimento humano são dos mais baixos do mundo, mas o povo mantém-se admirável, pela sua convivência, pela sua esperança, pela sua energia cultural. Daí poder dizer-se que a construção da nação está em marcha enquanto o Estado faz parte do imaginário coletivo. Talvez a retoma ao princípio da justiça e da igualdade entre todos os povos da Guiné, que fez parte do sonho de Cabral, possa ser a mola de arranque para solidificar as estruturas da colaboração interétnica e estabelecer as novas bases da confiança mútua, dentro de um princípio consciente de aprender com os erros do passado e saber perdoar.
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Notas do editor

Postes anteriores de:

31 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16660: Notas de leitura (897): “Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’”, por Patrick Chabal e Toby Green, Hurst & Company, London, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

4 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16681: Notas de leitura (898): “Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’”, por Patrick Chabal e Toby Green, Hurst & Company, London, 2016 (2) (Mário Beja Santos)
e
7 de Novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16692: Notas de leitura (899): “Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’”, por Patrick Chabal e Toby Green, Hurst & Company, London, 2016 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 7 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16697: Notas de leitura (900): a História do BEng 447, que todos conhecemos. Um publicação que merece ser conhecida e lida (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

Guiné 63/74 - P16707: Inquérito 'on line' (82): Quem nunca comeu macaco-cão ? Em 35 respostas (provisórias), mais de metade (60%) diz que nunca comeu ... Só 4 dizem que comeram e gostaram... Outros tantos comeram e não gostaram... O prazo para responder termina em 17/11/2016, às 7h32. Cem respostas, no mínimo, precisa-se!


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional de Cantanhez > Iemberém > 9 de dezembro de 2009 > 15h50 > Macaco fidalgo vermelho (ou fatango, em crioulo).  Espécie, nome científico: Procolobus badius. Em inglês, western red colobus. É uma espécie ameaçada, fundamentalmemte devido à caça e à desflorestação. (*)

Por esta altura, havia uma jovem bióloga portuguesa, a fazer o seu doutoramento em Inglaterra, com um estudo sobre os babuínos da Guiné-Bissau.Verificamos com muita satisfação, passados quase 8 anos (!),  que a Maria Joana Ferreira da Silva doutorou-se em 2012 e trabalha agora em Portugal, na CIBIO-InBIO, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos,  Universidade do Porto. Demos lhe em 2009 uma ajudinha para contactos e entrevistas (**),  a par  dos nossos amigos da AD - Acção para o Desenvolvimento, ONG à frente da qual estava o nosso saudoso amigo Pepito (1949-2014)... O nosso blogue cumpre, também  assim, a sua missão como "fonte de informação e conhecimento"...mas também de tomada de consciência dos problemas ecológicos, globais, regionais e locais,,,

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 (1972/73) > O "Pifas", mascote da companhia...

Foto: © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Em muitos aquartelamentos das NT, durante a guerra colonial, havia animais destes, em cativeiro... Macaco-cão, macaco-kom, uma espécie que nos era familiar...Nome científico: Papio hamadryas papio.

No mato, era,  para as populações e para os guerrilheiros do PAIGC,  uma das principais fontes de proteína animal. As populações sob o nosso controlo, ou que viviam perto dos nossos aquartelamentos e destacamentos, também os caçavam, mais ou menos furtivamente.  Mas era frequente, quando em operações,  avistarmos bandos de 100 ou mais babuínos em estado selvagem nas matas e florestas do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, em finais  dos anos 60 / princípios dos anos 70...

A sua caça chegou a ser proibida pelas autoridades da Guiné-Bissau logo a seguir à independência... Mas foi sol de pouca dura... Nos últimos 30/40, a população guineense de babuínos tem vindo a decrescer dramaticamente, devido à combinação de diversos factores:

(i) mudanças no território devidas às plantações extensivas de caju,  que ocupavam já no início do séc. XXI mais de 2/3 de toda a terra arável da Guiné-Bissau; (ii) a desflorestação ilegal, devido à procura externa de madeira exótiocas (por ex., pau sangue); (iiii) caça intensiva praticada por grupos de militares como forma de compensação extra-salarial; (iv)  crescente procura da carne de macaco-cão e de outros primatas (macaco-fidalgo, etc.), como produto "gourmet",  pelos restaurantes de Bissau e periferia; (v) o uso da pele do babuíno pelos praticantes da medicina popular tradicional; e., por fim , (vi) o tráfico de juvenis para alimentar o mercado interno de animais de estimação.

Fonte: Adapt. de Maria J. Ferreira da Silva,  Catarina Casanova  & Raquel Godinho - On the western fringe of baboon distribution: mitochondrial D-loop diversity of Guinea Baboons (Papio papio Desmarest, 1820) (Primates: Cercopithecidae) in Coastal Guinea-Bissau, western Africa. "Journal of Threatened Taxa" | www.threatenedtaxa.org | 26 June 2013 | 5(10): 4441–4450

 [Consult em 10 de novembro de 2016]. Disponível em:  http://threatenedtaxa.org/ZooPrintJournal/2013/June/o321626vi134441-4450.pdf



I. INQUÉRITO 'ON LINE': 

"NUNCA COMI MACACO-CÃO (BABUÍNO) NA GUINÉ" (***)

Respostas (preliminares) (n=35), às 23h30 de ontem


1. Nunca comi >  21 (60,0%)

2. Comi e não gostei  > 4 (11,4%)

3. Comi e gostei  > 4 (11,4%)

4. Não tenho a certeza se comi  > 6 (17,2%)

Total  > 35 (100,0%) 


O prazo para resposta ao inquérito termina no dia 17/11/2016, 5ª feira, às 7h32.  Esperamos até lá obter 100 ou mais respostas.



II. Seleção de comentários dos nossos leitores:


(i) Henrique Cerqueira (****)

Eu nunca comi macaco-cão, mas experimentei comer macaco doutra espécie (o mais avermelhado) que pelos vistos era vegetariano [ fatango, em crioulo, macaco fidalgo vermelho, vd. foto acima].

A sua carne depois de cozinhada tinha o aspecto da carne de gazela e sabor idêntico a carne de mato. Não era mau de todo e como a fome de carne era muita até se safava. O pior era quando se via o animal após ter sido chamuscado para queimar o pêlo como se faz ao porco.É que parecia uma criança autêntica.

Mas a minha experiência gastronómica também passou por comer calau ou urubu que os civis chamavam de pato da bolanha. Quando chegavam ao nosso poder já vinham devidamente esfolados e sem alguns apêndices que os identificavam . E assim sendo a fomeca apertava, o paladar não era mau e as cervejas (basucas) empurravam muito bem o repasto.

Outro dos petiscos muito apreciados  eram o porco espinho do mato e o papa formigas.Que em Bissorã apreciam com alguma frequência à venda pelos civis.
Só não experimentei comer cobra e rato do mato porque para mim eram mesmo repugnantes, mas para os meus soldados africanos [, da CCAÇ 13,] era um petisco de tal ordem que,.  mesmo que estivéssemos em missões,  eles quebravam todo o silêncio e entravam numa euforia tal que toda a segurança que tivéssemos montada ficava desde logo comprometida.

Foram experiências interessantes e às vezes até de recurso.

(ii) José Nascimento (****)


Mesmo tendo passado alguma fomimha, nunca comi carne de macaco, mas houve alguns elementos do meu pelotão [, CART 2520, Xime e Quinhamel, 1969/70, ] que comeram, não sei em que condições. 

Pelo Mato de Cão passei por lá uma vez, fiz o percurso entre Bambadinca (atravessei o Geba) e o Enxalé. Deve ter sido em Abril-Maio de 1970. Não vimos vivalma, só tabancas abandonadas.

(iii) José Nunes (****) 


Aquando da montagem eléctrica da Carpintaria Escola de Cumura, comia na Missão de Padres Italianos.

Um dia ao almoço veio para a mesa umas travessas com aves,pois muita alimentação era feita à base de caça, patos,  galinhas do mato... Como não sou amante de aves esperei que viesse algo mais, então surgiu uma travessa com carne,  uns "bifinhos" jeitosos, e o rapaz aviou-se... Ao dar a primeira dentada, pensei, estes "italianos" são mesmo malucos,  temperar a carne com açúcar....

Lá fui mordiscando, quando do topo da mesa o Padre Settimio me diz: "desculpa,  não sei se gosta de macaco ?!"... Já não consegui comer mais...

Depois da independência,  D. Settimio Ferrazzeta veio a ser o 1º  bispo da Guiné. Passei momentos inesquecíveis nesta Missão que na altura abrigava todos os leprosos da Guiné, as "pastas" eram feitas na Missão e como eram deliciosas!


 (iv) Artur Conceição (*****)


(...) Comi macaco em Bissau num restaurante que tinha essa especialidade, e que ficava localizado numa rua em frente aos Correios, para o lado do Forte da Amura, uma ligeira subida do lado esquerdo. 

O nome 'cabrito pé da rocha'  para mim é novidade (...).

(...) Eu comi porque me garantiram que era macaco fidalgo, porque. sem tal garantia, o macaco cão penso que não seria capaz de comer, sendo que uma das razões era exactamente o contacto que tinha com eles, o macaco cão.

Para além de macaco fidalgo confeccionado em restaurante, e que já não posso dizer se gostei ou não, comi também gazela, uma ou duas vezes, javali, várias vezes, águia e raposa uma vez. Cobra... embora digam que é um petisco, penso que era mais fácil comer capim. (...) 

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Notas do editor:


(**) 13 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3734: Fauna & flora (8): O estudo do Papio hamadryas papio (Maria Joana Ferreira Silva)

(...) O meu projecto de doutoramento tem três principais objectivos: (i) Determinar o estatuto de conservação dos babuínos da Guiné na Guiné-Bissau. (...); (ii) Investigação de aspectos socio-ecológicos (...); (iii) Investigação da história demográfica passada (...)

(***) Último poste da série > 4 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16684: Inquérito 'on line' (81): a avaliar pelo total de respostas (n=91), só uma minoria (15%) refere a existência de casos de deserção (n=15) na sua unidade (companhia ou equivalente)... Menos de metade do que terá ocorrido na metróple (=34)... Impossível saber se há casos repetidos... A nossa estimativa, grosseira, é de 500 casos de deserção em toda a guerra: 2/3 na metrópole, 1/3 no TO da Guiné

(****) Vd. poste de 10 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16706: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (2) - Experiências gastronómicas (Parte II): Restaurante do Mato Cão: sugestões de canibalismo, bom pão e melhor... macaco cão no forno com batatas!


quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16706: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (2) - Experiências gastronómicas (Parte II): Restaurante do Mato Cão: sugestões de canibalismo ("iscas de fígado de 'bandido' com elas"), "pãezinhos crocantes com chouriço" e... "macaco cão [babuíno] no forno com batatas a murro"!...



 Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973 /74) > Mato Cão  > Vista do Rio Geba e bolanha de Nhabijoes.


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973 /74) > Preparando peixe do rio


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973 /74) > O furriel João Santos, já em fim de comissão.


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 52 (1973 /74) >  A mascote, o "Pixas"...


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973 /74) >   "Pequenas diversões"...

Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Fotos do álbum de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil inf CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/73), e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74), subunidade que ele desmobilizou e onde terminou a sua comissão já depois do 25 de Abril... É  membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 730. Nascido em Lisboa, tem raízes na Marteleira e Miragaia, concelho da Lourinhã, pelo lado materno.




1. De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (1) > Experiências gastronómicas (Parte II)

Segunda parte do texto enviado em 7 do correntes com 4 histórias, duas passadas em Cufar, região de Tombali, no sul da Guiné (*),  e as restantes no Mato Cão, na zona leste, na região de Bafatá, setor L1 (Bambadinca). 


III – O Padeiro de Mato de Cão 


O pão é um alimento extraordinário que caso não tivesse sido criado há mais de 6.000 anos na Mesoptâmia, provavelmente a existência humana tivesse sido comprometida. Não conheço ninguém que não goste de pão nas suas múltiplas formas de fabrico e, em particular, nós,  portugueses, não o dispensamos para acompanhamento ou mesmo como elemento principal de uma refeição.

Em Mato-de-Cão [ou Mato Cão]  embora o efectivo dos europeus se limitasse a dez elementos, um deles tinha a “especialidade” de cozinheiro que também abrangia a de “padeiro”. Infelizmente tratava-se de uma pessoa com enormes limitações cognitivas, recordo-me que entre outras confusões achava que “valor declarado” e “louvor declarado” eram a mesma coisa e, não fora as grandes dificuldades de recrutamento da época , o nosso jovem “cozinheiro” seria certamente adstrito ao contingente de básicos.

Na cozinha,  dada a simplicidade e a repetição dos menus,  as coisas iam correndo, mas no que dizia respeito ao pão, o homem não se safava e a nossa dentição só resistia devido aos vinte e poucos anos de uso que tinha na altura e o produto do nosso padeiro só era tragável numas sopas de café.

Propus-me a alterar esta situação, para mim desastrosa,  e com calma e paciência arranjei umas medidas para que ele respeitasse as quantidades de farinha e fermento, indiquei-lhe o tempo da levedar da massa, mas continuavam a sair pedras,  ao invés de pães do nosso forno. A paciência perdida e um exemplar da padaria na cabeça do “cozinheiro/padeiro” que ia originando um traumatismo craniano no funcionário,  levou-me a desistir de o transformar num padeiro capaz.

Ma,  como o homem é criativo e sabe aproveitar as oportunidades, um soldado do pelotão [de caçadores nativos] 52, o Jobo Baldé, abordou-me com oportunidade e a sua habitual irreverência: 
– Alfero, Jobo passa a fazer o pão para o pessoal! 
– Não sabes fazer pão, Jobo, não te metas nisto que arranjas problemas.
–  Jobo sabe fazer pão, alfero, deixa experimentar e vais ver.

Perante sua insistência e convicção e no desespero de não haver outra alternativa,  resolvi experimentar as aptidões do Jobo para novo responsável da padaria. Expliquei-lhe as medidas para a farinha e para o fermento, o tempo para levedar,  e ele atacou de imediato a nova função. 

Não sei se por milagre ou se pelas aptidões inatas do Jobo, no dia seguinte quando este me chamou para ver o pão acabado de cozer,  tive das grandes alegrias gastronómicas da minha vida. O pão estava quente, tinha crescido por obra do fermento e da forma carinhosa com a massa tinha sido tratada, o som da batida no “lar” parecia um tambor a acusar uma boa cozedura e o abrir a crosta estaladiça evidenciava um miolo macio, fumegante e com um cheiro delicioso. Regalámo-nos de imediato com pão quente e manteiga e o Jobo ganhou o lugar!

O Jobo estava feliz com a nova função e cumpria-a com pontualidade, brio e grande competência. Posteriormente ensinei-o a fazer merendeiras com chouriço e ele começou a produzi-las sem grande esforço de explicação. Quando as tinha cozido trazia-me de imediato uma e eu recordava as que a minha avó fazia na Marteleira, [, Lourinhã,]  quando era dia de cozedura. 

No que dizia respeito ao pão, tínhamos atingido, graças ao Jobo Baldé, a felicidade. O Jobo também estava feliz, era casado com uma mulher,  bem mais velha,  que ele herdara do irmão entretanto falecido. Embora esta mulher fosse divertida e senhora de um grande sentido de humor,  já tinha perdido o fulgor e a beleza da juventude e o nosso amigo e saudoso Jobo Baldé, quando acabava de fazer o pão, tinha sempre visitas de exuberantes bajudas a quem ofertava uns pães a troco de inconfessáveis favores. 

Luís Mourato Oliveira: foto atual
A felicidade conquista-se com pequenos acordos e cedências. Estávamos todos satisfeitos…até as bajudas.

IV – Macaco em Mato de Cão

Sempre na pesquisa de petiscos e novos sabores para variar a nossa rotineira cozinha, um dia o soldado Tomango Baldé, o maior “pintoso” do pelotão, depois de alguns convites para comer o fígado de “bandido” quando apanhássemos um, veio sugerir que petiscássemos macaco cão.

A primeira ideia foi imediatamente recusada, embora ele defendesse que iríamos reforçar a nossa força com a do inimigo abatido e cozinhado, este prato estava longe de poder ser bem acolhido por nós, a não ser que o “bandido” fosse uma gazela tenrinha ou um javali bem gordinho, contudo a ideia do macaco cão não era totalmente de deitar fora. 

Os guineenses comiam macaco cão com regularidade, esta iguaria era até muito apreciada e havia quem achasse a carne do macaco semelhante à do cabrito, por isso aceitámos comer um quando a caça o permitisse. [vd. postes sobre macaco cão, também conhecido por "cabrito pé de rocha". ]

Um dia o Tomango apareceu com um macaco cão acabadinho de ser caçado e, como não podíamos voltar com a palavra atrás, o animal foi para a cozinha para ser preparado. O aspecto do bicho era devastador depois de esfolado,  pois tinha mais semelhanças com um humano recém-nascido do que com um cabrito, foi colocado a marinar em vinha de alhos e, depois para o forno, para aquecer os nossos estômagos no jantar do dia.

Havia poucos candidatos para a degustação, mas depois de cortado e arranjado no forno com as batatinhas assadas,  apresentava um aspecto comestível, até atractivo e a abrir o apetite. Os menos receptivos ao manjar foram alterando as suas posições, alguns após provar até repetiram e o tabuleiro ia ficando vazio. 

O grande companheiro e amigo Santos, o furriel mais antigo do 52, era dos menos entusiasmados com o manjar, mas perante o exemplo dos outros camaradas que já tinham esquecido o que estávamos a comer, lá pegou num bracinho do bicho que parecia estar bem passado, atirou-se a ele e ainda deu umas dentadas. De repente e quando já ninguém esperava, desata a correr para a parada e, pelos sons que chegavam à cobertura de chapa ondulada a que chamávamos refeitório, estaria a libertar o seu estômago sofredor não só do petisco acabado de deglutir, mas também de todas as refeições ingeridas nos últimos dias.

Passado algum tempo, já recuperado do esforço libertador daquela comida que o estômago se recusou a receber, perguntei-lhe:
 – Então, Santos, não gostaste do cozinhado? 

Ele ainda amarelo e enjoado respondeu que não foi pelo paladar, que nem estava mau, o que o enjoou foi a pilosidade do sovaco do bichinho que não tinha sido convenientemente depilado.

Luís Mourato Oliveira



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Destacamento de Mato Cão, na margem direita do Rio Geba Estreito > 1973 > Pel Caç Nat 52 > O Alf mil op esp Joaquim Mexia Alves, com o Tomango Baldé, um dos mais antigos soldados do Pelotão, segurando um macaco-cão [ou macaco-fidalgo ? (LG)].

Foto (e legenda) : © Joaquim Mexia Alves (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Sugestão de leitura complementar (LG):

Poste de 11 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias deBissau (1): "Cabrito pé de rocha, manga di sabe"  (Vitor Junqueira)

(...) Naquela zona portuária, que se poderia chamar marginal da Amura, existiam umas tabernas semelhantes às que poderíamos encontrar em qualquer lugar do Portugal de então: um garrafão de cinco litros ou um ramo de louro pendurado na frontaria, e uma tabuleta com os dizeres, casa de pasto, vinhos e petiscos.

Seriam para aí umas quatro da tarde quando entrei numa delas. Pela primeira vez na vida dirigi-me a alguém de outra ... etnia. A situação era nova para mim e um pouco estranha. Meio tonhó, perguntei num português escorreito e pausado a uma negra, com estatura de bisonte, que se encontrava sentada num mocho do lado de dentro do balcão:
– Boa tarde,  minha senhora, tem alguma coisa de que possa fazer uma sandes?
– Tem. Tem sim. Olha, tem cabrito pé de rocha, tem ...
– Cabrito? 
– Sim, cabrito, é muito bom. Ainda está quente.

Virou-me as costas e dirigiu-se para um canto da baiúca de onde regressou com um pequeno tacho de barro na mão,  contendo uns pedacitos de carne guisada, com bom aspecto e um cheiro capaz de fazer um morto babar-se. Perguntou-me o que queria beber e falou-me em coisas estranhas, Fanta, Coca-qualquer-coisa ... Pedi uma laranjada. (...)
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Nota do editor: