sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16924: Notas de leitura (917): A Libertação da Guiné, de Basil Davidson, Penguin Books, 1969 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Outubro de 2015:

Queridos amigos,
As pesquisas continuam e, surpreendentemente, verifico que naqueles primeiros anos da revolução pós 25 de Abril, Amílcar Cabral e o PAIGC mereceram elevada procura dos editores, é óbvio que havia mercado, queria-se saber o que estava por detrás daquela luta tenaz e quais os fundamentos ideológicos daquele líder revolucionário que, sobretudo nos anos 1971 e 1972, andava nas bocas dos mundo. Basil Davidson era um incondicional admirador de Cabral mas cometeu o erro crasso, a partir do momento em que não se sopesou os dados que lhe foram apresentados pelo PAIGC, toda a encenação de objetividade caiu por terra. Para o leigo, esta leitura tem alguns aspetos positivos dado que a apresenta sequencialmente a génese e evolução do PAIGC. Nunca se fala da unidade Guiné Cabo Verde, o que causa estranheza, Cabral tinha a preocupação junto dos seus epígonos de pôr ênfase nesta equação.

Um abraço do
Mário


A libertação da Guiné, por Basil Davidson

Beja Santos

A Libertação da Guiné teve a sua primeira edição na Grã-Bretanha, na conceituada Penguin Books, em 1969. Davidson era um jornalista com créditos firmados, acompanhara os movimentos de libertação da Jugoslávia no decurso da II Guerra Mundial, quando Amílcar Cabral chegou a Londres, em 1960, com o nome suposto de Abel Djassi, foi Davidson que lhe abriu as portas no mundo político e jornalístico. É desse período que data uma peça relevante de Cabral sobre os factos do colonialismo português. Davidson acompanhou Cabral em viagens ao interior da Guiné Portuguesa. A edição britânica, bem como a tradução portuguesa que surgiu na Sá da Costa Editora, em 1975, é prefaciada por Cabral. Este refere que Davidson era objetivo, infelizmente não é verdade, propala dados e situações que eram exclusivamente da responsabilidade da propaganda do PAIGC, usa a terminologia do PAIGC, do tipo campos fortificados, mas do que conheço da documentação de Cabral dessa época e até ao fim da sua vida, jamais vi uns parágrafos tão líricos que saíram do seu punho, como estes que prefaciam o trabalho de Davidson:
“Houve realidades objetivas que não chegou a ver. Por exemplo, as flores de Quitáfine. Porque também há flores, só não tivemos tempo de tas ir mostrar. Flores azuis-amarelas-lilases, flores cor de arco-íris, flores vermelhas como o Sol poente, e também brancas, brancas e puras como a pomba de Picasso. E Lebete Na N’Kanha – desta vez não a militante do Partido, mas a mulher, a jovem rebelde, fina como uma gazela, a mãe de família, a mulher cuja opinião é escutada pelo marido, a cultivadora de arroz. Mas, mais uma vez, não tivemos tempo para isso; não chegaste a falar com Lebete, a mulher. Mas apercebeste-te da cor dos seus olhos, da pureza do seu sorriso, da graça dos seus gestos? Poderá uma luta, mesmo a mais justa, como é a nossa, arrogar-se o direito de monopolizar o tempo a tal ponto que chega silenciar a voz de Lebete, a mulher? Querido hóspede, quantas mulheres tens tu? Só uma? Bem sei, e dizem-me que é bela inteligente. Por isso não olhes para os meus pés, tornados tão grosseiros pela água salgada dos nossos pântanos; nem para as minhas mãos, que estão cheias de cicatrizes da colheita do arroz. Mas olha só para os meus olhos, que neles verás o passado, o presente e o futuro das mulheres do meu país.
E as crianças também. Não só aquelas que viste, bem vestidas, bem perfiladas a cantar com vozes cheias de esperança. Mas crianças sem roupas, crianças deformadas pela subalimentação, crianças que não têm brinquedos mas têm estômagos entumecidos habitados por vermes, crianças-balões.
Viste também os nossos anciãos, simples militantes ou funcionários do Partido. Barbichas brancas na rocha negra dos seus rostos: faz lembrar a neve nos cumes das suas montanhas? Se assim foi, nada mau: porque é a neve da experiência que nenhum sol poderá derreter, e que nós respeitamos mesmo quando a dialética da lógica não está sempre do seu lado”.

Começa a viagem no interior da Guiné, serão longas caminhadas onde se irá falar de napalm, dos acampamentos do Quitáfine, da história da fundação do PAIGC como da história da Guiné Portuguesa a que o autor sequencia os aspetos mais dinâmicos da colonização africana depois da conferência de Berlim. É nessa introdução que Davidson fala dos princípios que nortearam o plano de ação para o PAIGC após os acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 e como, depois de receberem formação ideológica e militar, um corpo de exército de guerrilha entrou em movimento a partir de Janeiro de 1963. São ouvidos muitos depoimentos de combatentes do PAIGC, mas é o pensamento de Cabral que subjaz a toda esta escritura quando fala do campesinato e da necessidade de dispor de uma vanguarda revolucionária. A viagem prossegue para o Nordeste, vão para a região do Boé, fala-se de Beli e de Madina, constantemente flageladas, da recusa dos Fulas em aderirem ao movimento de libertação.

Outros interlocutores vão referindo a Davidson a implantação do terreno a partir de 1964. Deslizando para a propaganda do PAIGC, Davidson refere que em 1968 o contingente português rondaria os 35 mil homens mais 3 mil “mercenários africanos”. Depois de visitar Beli, o autor dispersa-se em considerações sobre a natureza de todos os movimentos de emancipação africanos, vai citando a preceito Cabral e detém-se sobre a evolução do partido-vanguarda e como é conduzida militarmente a guerra. Cita Cabral e esquece-se que há citações que exigem o contraditório, Cabral diz que em 1963 houve mil baixas nas tropas portuguesas e ele escreve como se fosse inteiramente verdade. Falando da batalha do Como, esta é tratada como uma pesada derrota, a pior derrota de sempre do colonialismo português com baixas em cerca de 650 militares. E põe na boca de um combatente: “Desertores portugueses, incluindo alguns que tomaram parte nesta batalha, viriam a dizer-nos que pelo menos 900 colegas seus tinham sido mortos nessa batalha ou teriam morrido depois em consequência de ferimentos ali recebidos". Como é evidente há factos expostos que coincidem com o que efetivamente aconteceu: ninguém contesta a importância do Congresso de Cassacá, da chegada das antiaéreas, de minas mais poderosas, e da melhoria do posicionamento na região Sul e uma melhor implantação na região Centro-Norte. De vez em quando surgem informações delirantes, suficientemente persuasivas para cair bem num livro totalmente favorável ao PAIGC: “Em Abril de 1965 houve uma tentativa de sublevação armada da Força Aérea e mais de uma centena de soldados foram presos, incluindo um oficial superior que foi condenado a 28 anos de prisão […] por motivos óbvios a deserção aqui permanece insignificante – durante os últimos seis meses apenas três soldados portugueses se passaram para o nosso lado”. Um dos interlocutores de Davidson refere mesmo que a partir de 1966 os portugueses resignaram-se a uma “guerra de posição”, as tropas portuguesas acantonaram-se em aproximadamente 60 campos fortificados e cidades. Davidson teve acesso a todos os dados propagandísticos, limita-se a escrevê-los, ano após ano, até 1968. Aqui e acolá fala-se em carência de quadros devidamente treinados, falta de médicos e de outros profissionais de saúde e dá-se como certo e seguro que no território nacional controlado fora abolido o sistema de exploração colonial. Por último, Davidson volta a espraiar-se sobre a situação africana e dá-nos uma curiosa versão entre a conexão da guerra da Guiné e o resto de África para dizer que os reformistas da descolonização tinham falhado da solução dos problemas básicos de desenvolvimento: “No estado em que as coisas se encontram, grande parte da África independente está num grande estado de confusão. Só novas atitudes, novas políticas, novas lideranças poderão, com algumas exceções ter esperança de encontrar a resposta de massas que se impõe”.

O tempo se encarregou de repor certas verdades, e confirma-se neste texto encomiástico que é a personalidade de Cabral a alma da revolução.
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16907: Notas de leitura (916): “Guiné, Crónicas de Guerra e Amor”, da autoria de Paulo Salgado, Lema d’Origem Editora, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P16923: Parabéns a você (1189): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 /Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16919: Parabéns a você (1188): João Meneses, ex-2.º Tenente FZE do DFE 21 (Guiné, 1972); Ricardo Figueiredo, ex-Fur Mil Art do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 489 (Guiné, 1963/65)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16922: O nosso blogue em números (39): Em 13 anos, de 23/4/2004 até ao final de 2016, publicámos 16890 postes, e a Tabanca Grande tem hoje 731 membros (51 dos quais falecidos)



Gráfico 2 - Evolução anual do nº de postes publicados até ao final de dezembro de 2016: começamos com 4 (em 2004), mas verdadeiramente arrancámos em 2005, com 385 postes, ultrapassámos os mil em 2006, atingimos o máximo em 2011 (1955 postes)...

A partir daí tem havido uma tendêncis para o decréscimo: acabamos o ano de 2016 com 1329 postes publicados... Considerando estes treze anos de vida do blogue (incluindo os dois de arranque, 2004 e 2005), a média anual de postes publicados é de 1299,2 (1300, para termos um nº redondo), ou sejam, uma média diária de 3 postes e meio...

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)


1. O número de postes publicados, em 2016, foi de 1329,
 o nº mais baixo desde 2009 (, vd gráfico nº 2, acima). 
O total de postes publicados nestes 13 anos foi de 16890.



Ainda durante o ano de 2016, o nº de poste por semana variou de 36 (máximo), no período de 17 a 24 de janeiro e 17 (mínimo) no início do perído das férias de verão (de 31 de julho a 7 de agosto), o que é perfeitamente aceitável e compreensível.

Estávamos a publicar, em média, 4 postes por dia, em 2015. Essa média baixa para 3,5 em 2016, mesmo assim, é um esforço grande o que está a ser pedido aos nossos editores e aos autores que nos alimentam, Um palavra de grande apreço, agradecimento, amizade e camaradagem é devida a uns e outros.

Em 2017, não fazemos promessas, mas vamos continuar, até quando a Tabanca Grande (e os seus editores) puder e quiser. O que importa é que o 2017 nos continue a trazer boa matéria-prima (textos, fotos, vídeos, comentários, etc.)...

E, claro, "caras novas"!... Precisamos de "periquitos", o que não é fácil, tendo em conta o fenómeno (inevitável) do envelhecimento dos camaradas da Guiné e a concorrência na Net (outros blogues e sobretudo o Facebook)...







Gráfico nº 1 - Evolução do nº de membros da Tabanca Grande desde 2010 (390. acumulados, desde 23/4/2004) até 31/12/2016 (731). O crescimenmto anual, desde 2010, tem sido de 48,7 (em 13 anios, a média é de 56,2, o significa que durante este longo período de tem,po - equivalente a mais de 6 comissões de serviço na Guiné! - tem entrado um elemento novo... todas as semanas... ).


Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)



2. O nº de membros da nossa Tabanca Grande 
continua a crescer, com regularidade, 
embora agora mais lentamente: 
a uma méda é de 4,4 por mês... 


Éramos 111, em junho de 2006, 390 em dezembro de 2009, somos já 731, no final de 2016...

Em 2015 entraram 34 novos camaradas e amigos para a nossa Tabanca Grande. Em 2016, apenas 21,


No conjunto dos 13 anos da nossa história, tem entrado em média 1 novo membro por semana (!),,,

Em contrapartida, tivemos este ano de 2016 "mais baixas" (por falecimento). Lembremos aqui, por ordem alfabtética, os nomes dos 6 camaradas e de 1 amiga, inscritos formalmente na Tabanca Grande, que "da lei da morte se foram libertando":

António da Silva Batista (1950-2016)

Clara Schwarz da Silva (1915-2016)

José António Almeida Rodrigues (1950-2016)

José Eduardo Alves (1950-2016)

José Manuel P. Quadrado (1947-2016)

José Moreira (1943-2016)

Vasco Pires (1948-2016)



Tal como referimos há um ano atrás, um facto que nos preocupa muito, e em particular o nosso coeditor Carlos Vinhal que gere a base de dados da Tabanca Grande, é a existência de camaradas e amigos que "não dão sinais de vida", nem quando fazem anos (!), E há sempre uns tantos endereção de email desatualizados.

O princípio de 2017 é uma boa altura para os nossos grã-tabanqueiros fazerem a indispensável "prova de vida", contactando-nos, escrevendo-nos, telefonando-nos...

(Continua)
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Nota do editor;

Últimos postes da série:


7 de janeiro de 2016 >Guiné 63/74 - P15590: O nosso blogue em números (38): O nº médio de comentários, por poste, foi de 4, em 2015, menos 2 do que em 2011 e 2012... Estamos a comentar menos, talvez o nosso filão se esteja a esgotar... mas por outro lado o sistema de filtragem do Blogger (para impedir o SPAM) é agora mais desmotivador para os nossos leitores: para se comentar tem que se dizer (e mostrar) que não se é nenhum robô!

4 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15575: O nosso blogue em números (37): No final de 2015, atingimos um total de 7,6 milhões de visualizações... Quem nos visita, vem sobretudo de Portugal (47,5%), EUA (17,1%), Brasil (8,2%), França (4,9%) e Alemanha (4,8%)

3 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15572: O nosso blogue em números (36): Em 12 anos publicámos um total de 15561 postes, uma média anual de 1516 por ano e de 4 por dia (de 2006 a 2015)

2 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15567: O nosso blogue em números (35): no final de 2015, o número de grã-tabanqueiros era de 710, um aumento de 182% em relação ao final de 2009... Tivemos 34 novas entradas no último ano.

3 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14111: O nosso blogue em números (34): no final de 2014: (i) 6,8 milhões de visualizações de páginas; (ii) 676 membros registados; (iii) 14 mil postes publicados; (iv) 55600 comentários; (v) 1638 amigos no Facebook da Tabanca Grande...

Guiné 61/74 - P16921: Agenda cultural (536): dia 6, sexta-feira, às 15h00, no ISCPS, polo universitário da Ajuda, Lisboa: conferência anual da CCIPGB/ISCSP sobre a Guné-Bissau: Guiné-Bissau. Governança e Mercado: Região da CEDEAO





O convite é da organização, uma iniciativa conjunta do:

(i) Centro de Estudos Africanos (CEAF)  do ISCSP (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa)



No sítio do do CEAF, pode ler-se:

(...) "Fundado em 1906 [, como Escola Colonial] , o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa, é uma das mais antigas e prestigiadas instituições académicas do mundo para o estudo de África. 

O Centro de Estudos Africanos (CEAF), recentemente reorganizado, é o polo interdisciplinar que suporta as atividades de investigação sobre África e as suas dinâmicas históricas e contemporâneas. Trabalha em estreita cooperação com várias unidades internas de ensino, incluindo os Estudos Africanos, Ciência Política, Antropologia, Relações Internacionais, Estratégia e Estudos do Desenvolvimento. E cultiva também a cooperação internacional na investigação e na educação, especialmente com as instituições científicas de Países de língua oficial portuguesa." (...) 

Guiné 61/74 - P16920: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XV Parte: Cap VII: Guerra 2: aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno, em Cabolol


Lisboa > 1970 > O cap comando graduado, cmdt da 1ª CCmds Africanos João Bacar Jaló como o nosso veteraníssimo João Sacôto (ex-alf mil,  CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), hoje comandante da TAP reformado, membro da nossa Tabanca Grande desde 20/12/2011.

Foto: © João Sacôto (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. [Foto  abaixo à esquerda, março de 2016, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais.]





Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XV Parte > Cap VII - Guerra 2 (pp. 48-51)

por Mário Vicente

Sinopse:

(i) Depois de Tavira (CISMI) e de Elvas (BC 8),

(ii) o "Vagabundo" faz o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");
(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandandante  militar, pelo "ronco" da Op Saturno.





Guiné >  Região de Tombali > Mapa de Bedanda (1956) > Escala 1/50 mil > Posição relativa da mata de Cobolol, a norted e Cufar e a oeste de Bedanda.  

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XV Parte > Cap VIII - Guerra 2: aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandasmte militar,. pelo "ronco" da Op Saturno.
(pp.48-51)


Continua-se a patrulhar Cufar Nalu e agora Boche Mende também. Faz-se nomadização e temos informações que o IN está a obrigar as populações a dirigirem-se para a região de Cabolol, mais a norte. Solicita-se uma equipa administrativa de Catió para proceder ao recenseamento das tabancas controla­das. Este recenseamento é útil pois, através dele, conseguimos a identificação de alguns cooperantes e guerrilheiros pertencentes ao ex-bando de Cufar Nalu. É imperioso não largarmos este controlo, já que sabemos haver gente infiltrada na população. Em Iusse, o chefe de tabanca desaparece, fuga ou rapto? Na mesma tabanca Suza na Mone, dado como desertor do PAIGC, é abatido ao fugir à aproximação de um grupo de combate que fazia a tentativa da sua recuperação. Num golpe de mão a Fantone, é feita prisioneira Dite na Baque, a mulher chefe do Partido. O PAIGC sabe que não facilitamos e isso é muito importante.

Nesta altura o moral é de tal ordem que nos deslocamos às tabancas controladas de jeep com apenas dois ou três ele­mentos e vamos a Catió sem descer das viaturas e sem seguran­ça. É necessário todavia, não entrar em euforia, a guerrilha não é para brincar e deve ter-se mais cuidado para não haver surpre­sas.

No princípio de Junho, consegue-se um guia que diz levar-nos ao acampamento de Cabolol. Vamos lá! A 10 de Junho, os Lassas a três grupos de combate com o João Bacar Djaló e a sua milícia, vão a Cabolol. Saímos direitos a Camaiu­pa e daí à estrada de Bedanda. Aqui divergimos e começamos a entrar na mata de Cabolol. A floresta em termos de natureza não difere das restantes matas, umas vezes um pouco aberta mas, na generalidade cerrada. Quem a cruzou é que lhe conhece a dife­rença. Não tem pontos de referência, apenas o cheiro a morte emanado em cada carreiro e os mosquitos tentando entrar por tudo quanto é buraco: boca, nariz, olhos, ouvidos. As formigas gigantes, cujo ferrão é tão doloroso como uma picada de vespa e que se agarram à carne e à roupa como carraças. A formiga cadáver exalando o seu horrível cheiro pestilento. Tudo isto faz da mata uma armadilha constante. Sente-se o companheiro de trás, o da frente e o dos lados, conforme a progressão se faz. Sente-se a angústia do pensamento que voa neste silêncio de morte. Sofre-se o stress de não se saber qual o momento em que as Kalashnikov ou as PPSH começam a crepitar. Sentimo-nos vigiados por olhos invisíveis que esprei­tam o melhor momento para nos tentarem abater e estudam como predadores, qual será a primeira vítima. Este indício obri­gou Vagabundo a largar a sua boina preta em operações, quando um dia, lhe caiu sobre o nariz um ramo da árvore depois de ouvir uma detonação. Verificação efectuada, dois palmos acima da sua cabeça estava o buraco de um projéctil. Nunca mais a boina galega saiu para a festa. Porra, porra!...

Mais tarde aqui, nesta mata e próximo dela, saldaremos todas as contas. Quando se fizer o encontro dessas contas, saberemos que a guerrilha nunca perdoou os nossos Roncos. O saldo será sempre a favor da CCAÇ. mas, daqui sairão sete Lassas de sobretudo de madeira e mais cinquenta e três sentirão o ferro em brasa queimar-lhe a carne. Centena e meia ficarão com este nome inscrito no subconsciente e só quando a esclerosada memória se apagar, eles se esquecerão desta mata de Cabolol.

Voltemos à operação, Saturno de seu nome. O guia foi de facto impecável. Levou-nos precisamente à sentinela avançada do acampamento IN. Dali para a frente o problema a resolver era por nossa conta. Como em Cufar Nalu, os Lassas entraram no zig-zag, indício que a progressão deveria ser extremamente cuidadosa e que o contacto estava eminente. O carreiro tomou-se estreito e escorregadio. O pessoal lá da frente caminhava com todos os cuidados. Vagabundo e o seu pessoal, desta vez no meio da coluna, não despreocupavam a progressão. A madrugada clareava, quando surgiu o cantar da primeira costureira. Cá estava a primeira sentinela e a sua PPSH a dar o alarme. Daqui ao acampamento seriam uns quatrocentos metros em linha recta. Carlos manda desfazer a "fila em pirilau" e põe a Companhia em linha ligeiramente em cunha para afrontar o acampa­mento. O 2º. grupo de combate fica junto à milícia do João Bacar e uns metros à frente do grupo de comando. Progride-se e começa o contacto intermitente. Passada uma hora tínhamos andado à volta de duzentos metros. Não é mau em contacto, e numa mata daquelas, o foguetório é agora mais intenso, mas a mata é tão densa que é só gastar munições de um lado e do outro. Há que ter cuidado com os atiradores de tocaia isolados no cimo das árvores. Um milícia do João faz uma rajada e um monte de carne cai duma árvore e fica desfeito no chão. Cuida­dos redobrados, pois não deve ser o único, mas aquele já não vai fazer mal a ninguém. Temos de lhe apanhar a arma. Continua­mos a progredir. É bastante difícil mas, passo a passo, poilão a poilão, baga-baga a baga-baga, vamos andando devagar.

Carlos ria perdidamente, sabendo o significado, quando Vagabundo dizia que, enquanto houvesse baga-bagas, era tudo nosso. O sol começa a ficar alto, e sufoca-se dentro da mata com o calor e uma humidade terrível. Respiramos apenas vapor de água, pois o oxigénio é pouco. Como já estamos muito próxi­mo do acampamento, alternamos agora: quando eles fazem fogo amochamos, e quando se calam, fazemos nós fogo. Entra-se em contacto com a própria voz. Uma fase nova da guerra, que é a provocação pelas palavras. Bem colocados e entrincheirados, os guerrilheiros oferecem uma resistência fortíssima, e os militares da 763 começam a ser massacrados, com provocações em perfeito português:
–- Salazaristas de merda, vão-se embora, isto não é vosso!

Vagabundo ouviu e não o afectou nada, podia até aplaudir, pois ele também não gostava do Salazar e ir embora era o que mais desejava. Mas a provocação continuava:
–- Filho da puta, vai para a tua terra!”

Vagabundo até gostava de estar na sua terra, mas essa do "filho da puta" não é bem assim, isso já é ofensivo. O tempo passa e estamos num impasse. Carlos chama João Bacar, Almeida, Cerqueira e António Pedro que comandavam os grupos de combate. Há que dar volta à situação. Não podemos ficar assim. Daqui a pouco temos o pessoal extenuado e sem munições. Al­meida regressa e fala com Chico Zé, Tambinha e Vagabundo:
–-Vamos tentar dar volta a isto, vamos correr o risco do assalto mesmo em pleno dia, vamos acompanhar o João Bacar e dar-lhe apoio. Conforme a situação do acampamento, assim se fará a rotação. Vagabundo, tu com a bazuca e a MG42, cola ao João com a tua gente e procura ângulos bons para a bazuca que vai ser a safa disto. Quem puder ou quiser acompanhar o João, deixem-nos ir! O.K.?
–-Entendido!

Entretanto, do outro lado, continuavam as provocações:
–- Filhos da puta; andam aqui a dar com os cornos e as vossas mulheres a foder lá com os outros. 

Era demais!. ..Vagabundo ficou com cara de leão enraivecido. Ele não era ca­sado, mas fazia mossa nos outros e a cabeça começou a ferver­-lhe. Sentiu como que urticária em todo o corpo. Gritou:
–-Nãããão!

Urro de leão na selva, na mata., ao lado João Bacar olhou para os seus homens e gritou:
–- Caralha! Parece a mim qui bó tem medo!?                                                   

Ó homens ou o diabo! Levantam-se todos instantaneamente. Vagabundo ficará com este quadro gravado eternamente. G3 na mão direita fazendo rajadas de quatro, cinco tiros, com a mão esquerda, sacavam do bolso ou do bornal granadas ofensivas que eram descavilhadas com os dentes e atiradas para a frente. De pé, sempre andando, máquinas de guerra autênticas a funcionar!... Vagabundo gritou para o cabo Cigarra e para o Ferreira:
–- Acompanhem o João com a MG42 e façam um quarto de fila de cada vez.

Chama Lindo e Sesimbra:
–- Vamos bazucar os pontos livres à frente que dêem para meter ameixas lá dentro. Pessoal que tem granadas de bazuca, todas já para aqui.
–-  Ninguém pára, vamos todos a eles!

Os  Lassas saltaram em cima da provocação, a adrena­lina atingiu o pico, toda gente gritava, até quem medo tinha. Ao entrarem no acampamento a resistência era nu­la. Organização imediata de autodefesa, não fosse haver contra ataque, e começa a vistoria ao acampamento, destruição não, porque estava tudo completamente arrasado. As bazucas tinham feito grandes estragos. No primeiro abrigo, completamente des­feito, estavam quatro corpos carbonizados. Mais à frente, num espaldar, dois corpos também desfeitos, tinham o bipé do mor­teiro 82 e uma pistola. Já à saída do acampamento, mais um corpo com uma pistola metralhadora ainda na mão, devia ter sido o desgraçado que ficou a fazer a cobertura enquanto os restantes fugiam.

Os Lassas tiveram quatro feridos sendo um grave, o que levou a fazer a sua evacuação o mais rápido possível, pelo que houve de procurar sair da mata e encontrar um local para o heli poder aterrar. Safou-se, mesmo assim, e não era brinca­deira, pois tinha uma bala alojada mesmo junto ao coração.

Cufar Nalu, agora Cabolol, e a cotação vai subindo mas o ódio que nos nutrem não deve ter classificação. Quando pode­rem e nós menos esperarmos, vão-nos fazer a vida negra. É as­sim que funciona a guerrilha.

O pessoal transfere-se, finalmente, para a parte nova do aquartelamento, praticamente pronta, ficando cada secção com o seu abrigo. Rescaldo da operação Saturno: estamos a voar alto, mas, é necessário precaver, quando não maior será o tombo.

Transcrição:


“Louvo a CCaç 763 porque, encontrando-se em sector há cerca de quatro meses, tem vindo a manifestar extraordinário espírito ofensivo nomeadamente nas operações Razia e Rolo e recentemente na operação Saturno em que obteve óptimos resultados.



De elevado moral e aguerrida, apesar da forte resistência oposta na operação Saturno, assaltou à viva força o acampamento IN com tal ímpeto que, na precipitação da fuga, o adversário abandonou os mortos, armas, munições peças de equipamento e diverso outro material.


O êxito alcançado ficou a dever-se a todos os que, intervenientes, cônscios dos seus deveres de cidadão não hesitaram, sequer, por momentos, no cego cumprimento das obrigações que assumiram perante a Nação, não apenas na qualidade de militares mas de Portugueses de boa fibra e da melhor ética.

O Brigadeiro Comandante Militar".

C
omeçaram a ser norma os louvores colectivos e individuais, as menções honrosas e as condecorações, algumas das quais, como veremos, serão a título póstumo.


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Guiné 61/74 - P16919: Parabéns a você (1188): João Meneses, ex-2.º Tenente FZE do DFE 21 (Guiné, 1972); Ricardo Figueiredo, ex-Fur Mil Art do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 489 (Guiné, 1963/65)



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Nota do editor

Último poste da série de 2 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16906: Parabéns a você (1187): Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil da CART 2339 (Guiné, 1968/69)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16918: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (25): Em 2017, um Mundo melhor para todos os camaradas e respectivas famílias (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BCAÇ 3872)



1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 3 de Janeiro de 2017:

Há 66 anos que assisto ao fim de um e ao nascimento do outro ano.
Nos primeiros anos da minha vida o assunto passava-me completamente ao lado. O Natal era sim o momento máximo, pois era altura de receber presentes, pese nada ter a haver com as carradas de brinquedos que recebem agora as nossas crianças.
Mas a partir dos 14/15 anos em que já começava a participar nos bailes de fim de ano, a festa ganhou outro encanto e, também, chegaram os votos acompanhando as passas e o espumante. Secretamente desejava que fulana ou sicrana gostasse de mim, e à mediada que avançavam os anos, passei a desejar muitas coisas mais sujeitas às circunstâncias, como as que todos passámos em África. Acredito que o desejo de regresso tenha sido o que mais calou no fundo do nosso peito. Regressámos e continuamos a desejar outras coisas.
Na altura não nos apercebíamos de quantos dos nossos desejos ficavam por cumprir. Com o avançar da idade, assistimos aos votos e palavras de intenção, quando não de ocasião, de dirigentes, políticos, instituições, em favor da Paz, das crianças e dos mais desfavorecidos.
Na maioria serão lágrimas de crocodilo, e o cortejo de horrores cresce perante a nossa impotência. Este ano acabei também a desejar estar vivo no próximo, tendo em conta que o Mundo está cada vez mais perigoso e as confrontações de interesses fazem perigar ainda mais a Paz Mundial.
Ao participarmos naquela guerra, não ganhámos o direito à Paz, infelizmente para nós e para os nossos.

Assim sendo um Bom Ano para todos camaradas e respectivas famílias.
JA

************

2017

Mundo sem suspeições
Sem exigentes determinações
Economia sem contracções
Com livres emigrações
Com sustentadas imigrações
Sem explorações
Sem convecções
Sem execuções
Notícias sem manipulações
Com livres opiniões
Sem espiões
Sem fleumáticos intrujões
Sem falsas justificações
Sem contradições
Com evoluções
Nas mentes revoluções
Um Mundo sem contracepções
Com aspirações
Com sustentadas exalações
Em que a verdade não sofra de omissões
Nem de exaustões
Com muitas excitações
Porque só assim, haverá reproduções
Entrei em 2017 e fazer suposições.

Um abraço
JA
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16901: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (24). um ano de saúde, 31 milhões e meio de segundos de felicidade (Mário Vitorino Gaspar)

Guiné 61/74 - P16917: Inquérito 'on line' (97): Nas primeiras 50 respostas, metade dos respondentes considera que "sim, poderá vir a ser amigo do inimigo de ontem"... O prazo termina na 2ª feira, dia 9, às 18h36...


Guiné-Bissau >Região do Oio > Mansoa > O nosso coeditor, o "ranger" Eduardo Magalhães Ribeiro com um comandante do bigrupo na região de Mansoa, de nome Antero Sá (a viver em Portugal desde 1975, segundo informação do nosso amigo Nelson Herbert; era filho de uma conhecida família de comerciantes mestiços, a família Sá, de Mansoa).

Trata-se de um indivíduo mestiço, natural de Mansoa, que pertenceu às NT, e que terá desertado para o PAIGC, na sequência de um alegado e grave conflito com um superior hierárquico. O Eduardo conviveu com ele "ainda umas semanas"... Tornaram-se amigos: ambos eram "rangers", um do lado, outro do outro...(*)

O Eduardo, quando substituiu temporariamente o furriel vaguemestre da CCS do BCAÇ 4612/7, chegou a arranjar alguma comida e cigarros para os homens do bigrupo do comandante Sá.

Foto do próprio, reproduzida no Correio da Manha, revista "Domingo", série "A minha guerra", edição de  25 de Janeiro de 2009... Eduardo José Magalhães Ribeiro, nessa edição do CM, teve direito a título de caixa alta... Fur Mil Op Esp, CCS, BCAÇ 4612/74, teve o seu "momento de glória" no dia 9 de Setembro de 1974, em Mansoa, onde arriou, com emoção e dignidade, a bandeira verde rubra, perante as autoridades portuguesas e os novos senhores do território, o PAIGC, culminando assim o processo de transferência dos nossos aquartelamentos para o inimigo de ontem... A recolha do depoimento foi da autoria do jornalista Carlos Ferreira.

O Eduardo tem mais umas dezenas de fotos deste período de convívio com o inimigo de ontem, em Mansoa.


I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:


"O MEU INIMIGO DE ONTEM

NUNCA PODERÁ VIR A SER MEU AMIGO" (**)


Resultados provisórios (50 respostas) até às 14h de hoje:


1. Não, nunca poderá vir a ser meu amigo  > 7 (14%)




2. Sim, poderá vir a ser meu amigo  > 25 (50%)





3. Talvez, depende das circunstâncias  > 15 (30%)


4. Não sei responder > 3 (6%)


Total de respondentes > 50 (100%)

Prazo de resposta termina dia 9, 2ª feira, às 18h36


II. Comentários (***):


(i) Torcato Mendonça

Vi o "inquérito" e respondi : - Talvez...  Hoje certamente penso de outro modo. Se estivesse em 74 lá cumprimentava os militares, exclusivamente com o cumprimento militar. Estaria sempre armado e, como fazia quando havia guerra, com a bala na câmara. Tal qual como o fazia, eu e os militares do meu Grupo.


(ii) Belarmino Sardinha

(...) Tal como alguns comentários que vi, desejo as melhores e maiores felicidades a toda a gente, onde incluo os antigos guerrilheiros do PAIGC, não beneficio nada com o mal dos outros, mas daí a chamar-lhes amigos existe uma grande diferença. Desejo a todo o povo da Guiné o melhor para o seu futuro, mas não confundo povo com os guerrilheiros que depois da independência assassinaram barbaramente muitos dos guineenses que lutaram ao nosso lado.
Este é um dos temas que merece, em meu entender, muita reflexão antes de uma tomada de decisão por uma ou outra opção. É o meu ponto de vista. Não participarei com nenhuma resposta ao inquérito. (...)


(iii)  António Rosinha

(...) Luís Cabral apertou-me a mão e popularmente em Bissau dizia-se que aquela mão era de um criminoso do próprio povo e de companheiros do PAIGC.

Nino Vieira apertou-me a mão  (mais que uma vez) e em Bissau sabia-se comprovadamente, que aquela mão era de um criminoso.

Manuel Saturnino apertou-me a mão e dizia-se que era um abusador de bajudas e que fazia desaparecer os namorados destas.

Muitos portugueses, com o 25 de Abril, e já neste blog, idolatramos esta gente horrível que o próprio povo apenas suporta porque não tem alternativa, e menosprezámos aqueles africanos, régulos e tropas que estiveram ao nosso lado, em Angola, Guiné e Moçambique, porque tinham consciência absoluta do que os esperava. (...)


(iv) Cândido Cunha (**)

(...) Como o Casimiro escreve "abraçá-los, sim, porque eles lutaram para defenderem o que por direito lhes pertencia, um chão deles, bravos soldados como nós." (...).

Eu por mim, sou e continuo a ser amigo de quem nos combateu, e não daqueles que em nome do "Império" nunca ouviram as suas justas pretensões. Nem sequer tinham quem os representasse na velha e bolorenta Assembleia Nacional. A esses bafientos salazaristas é que eu atribuo a perca de quase três mil nossos queridos camaradas na Guiné. (...).

(v) Carlos Vinhal (**)

(...) Houve apenas uma pequena minoria (o reforço é propositado) que teve oportunidade de contactar e abraçar o inimigo depois de terminada a guerra. O que cada um fez, se abraçou, ignorou ou evitou o ex-IN é com cada qual. Nós os mais velhos, que entramos e saímos em estado de guerra, só podemos falar de nós próprios e da nossa eventual reacção.

Como refere o Torcato Mendonça noutro local, provavelmente eu cumprimentava cordialmente o meu antagonista, se possível, ambos desarmados, e até com continência se essa pessoa tivesse no seu exército um posto superior ao meu. A isto chama-se respeito e não amizade. Abraçar o ex-IN, acho que: "nunca, jamais, em tempo algum". (...)

Guiné 61/74 - P16916: Os nossos seres, saberes e lazeres (193): Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 2 de Agosto de 2016:

Queridos amigos,
Aconteceu-me na vida enamorar-me por este local gracioso, disponho de vistas soberbas sobre uma vila que já foi sede de concelho e cuja importância também era devida a uma ponte filipina que ligava a Beira Litoral à Beira Interior.
Tem santuário, um centro social para desfavorecidos, uma sociedade filarmónica, a Aurora Pedroguense, e um rancho folclórico que atuam cheios de vitalidade.
A vila beija o famoso Cabril do Zêzere, que parece intimidar e noutros casos assombrar pela monumentalidade das fragas e penedias. Digo sem rebuço que disponho de uma casa onde me sinto muitíssimo bem num local que gostaria que todos conhecessem, ofereço-me para cicerone.

Um abraço do
Mário


Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (1)

Beja Santos

No passado, chamava-se bairro da EDP, aqui viviam técnicos, operadores e administrativos da barragem do Cabril, inaugurada em 1951. De acordo com o Atlas do Património Arquitetónico, este projeto de Jorge Segurado é obra notabilíssima, um bairro em rede, a capilaridade perfeita, todos podem comunicar. Hoje não é assim, a EDP vendeu esta preciosa infraestrutura, a barragem está praticamente automatizada. Os novos proprietários procuram entaipar-se, a simular que vivem em condomínio fechado. Passei por aqui um dia e enamorei-me do local, a vivenda estava num escombro, só se aproveitou a carcaça e as toneladas de granito adossadas. É um fascínio viver aqui, tenho um panorama de dezenas de quilómetros, espreito o Zêzere e todo o agreste do seu vale que enamorou artistas como Alfredo Keil e Luigi Manini, e com justa causa.



Temos a Freguesia de Pedrógão Pequeno propriamente dita, que pertenceu à Ordem do Templo e depois ao Priorado do Crato (antiga Ordem do Hospital), foi sede de concelho até 1836, hoje é freguesia do concelho da Sertã, do outro lado do vale do Zêzere está Pedrógão Grande. Possui locais de interesse turístico de que destaco a ponte filipina que foi a estrada principal de ligação entre a Beira Baixa e a Beira Litoral antes da construção da barragem do Cabril. Tem atrações para quem gosta de canoagem, passeios pedestres e comida típica. Assombrou artistas pela espetacularidade das suas fragas e penedos, mostramos a seguir um livro sobre Pedrógão Pequeno, um dos autores é o meu amigo Aires Henriques, a capa é o cenário da Ópera Irene, de Alfredo Keil, desenho e pintura de Luigi Manini. Keil concebeu uma obra baseada em histórias locais que versejou, sendo autor de desenhos excecionais que aqui se reproduzem, ambos têm como tema o vale do Zêzere e o segundo poderá ser o “Cabril do Granada”, por aí se ter inspirado e vivido o místico espanhol Frei Luís de Granada, Provincial da Ordem dos Dominicanos em Portugal (século XVI).




Endividei-me prudentemente para comprar e restaurar a vivenda, julguei até que com esta panorâmica, a majestade da situação, o badalar dos sinos de quatro igrejas entre Pedrógão Pequeno e Pedrógão Grande, não seria difícil um dia revender a preciosidade. Virá a acontecer, até lá quero usufruir do conforto e desfrute da paisagem envolvente. Vejo o Penedo do Granada, a foz da Ribeira de Pera no Zêzere, avisto uma boa parte de Pedrógão Grande e Pedrógão Pequeno. Dentro das regras da sustentabilidade, fui comprando tarecos, recebendo ofertas, dando identidade à morança. É uma casa fresca, o seu ponto fraco são os meses de invernia, é gelada, a habitabilidade só é possível com a lareira, os fogões e a botija na cama. Nesses dias, que alguns consideram desoladores, mesmo a tiritar de frio, venho para a varanda ver a neblina dos vales a subir lentamente, é uma autêntica paisagem chinesa. Nunca me arrependi deste investimento e da satisfação que ele traz a quem habita e visita esta casa.




Interrompo o discurso para falar dos arrabaldes. Em dias estivais tenho uma praia fluvial onde me sinto bem, chama-se Mosteiro e mostro-vos uma panorâmica das suas três pontes sobre a Ribeira de Pera. É verdadeiramente um local aprazível, a água fria é por vezes intimidante, então lembro-me dos duches da Guiné e acabaram-se as hesitações, a satisfação maior vem depois a enxugar-me para sentir as articulações melhor temperadas. A outra imagem, um tanto inócua, tem a ver com a minha incontrolável bisbilhotice por tudo quanto é feira de velharias e coisas que me podem ser úteis para ler, ouvir ou decorar. Trata-se do mercado dominical de Vila Facaia, já em Pedrógão Grande, de onde tantas vezes saio felizardo com cd’s, livros e certos trastes.



(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16890: Os nossos seres, saberes e lazeres (192): De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P16915: Agenda cultural (535): antestreia, em Portugal, do documentário “Portugueses em Macau – O outro lado da história”, Museu do Oriente, Lisboa, 7 de janeiro, sábado, 17h00... Entrada gratuita (mediante levantamento prévio de bilhete no próprio dia)




1. 
Convite do Observatório da China, com data de 27 de dezembro último:


Exmo.(a) Senhor(a)

É com enorme prazer que o Observatório da China se associa à divulgação da antestreia, em Portugal, do documentário “Portugueses em Macau – O outro lado da história” terá lugar no próximo dia 07 de Janeiro de 2017, pelas 17h00, no Auditório do Museu do Oriente.

Este é o 2.º filme da série intitulada “Macau, 20 anos depois” em produção para as comemorações, em 2019, dos 20 anos do Estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM). A iniciativa de índole gratuita (mediante levantamento prévio de bilhete no próprio dia) será seguida de um debate com Jorge Arrimar, Filipa Queiroz e Carlos Fraga, moderado por Carlos Piteira.

Muito obrigada pela sua atenção.

Cordialmente,

Raquel Carvalho
Assessora da Direção

Observatório da China
Rua de Xabregas Lote E 13, D
1900-440 Lisboa, Portugal
Phone: +351 218 171 617/ 218 172 944

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Nota do editor:

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16914: Estórias do Zé Teixeira (44): A “puta” passa o seu tempo à sombra do cajueiro, junto à porta do Comando (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné > Região de Quínara > Buba > Maio de 1969 > Entrada principal da povoação e do aquartelamento
Foto: © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviando-nos mais uma das suas estórias,  esta dedicada a uma "amiga muito especial".

Fiquem descansados que o nosso Zé Teixeira não se passou

Meus amigos. 
Depois de umas “entradas” em beleza, espero eu, há que continuar a dar luz ao nosso blogue. 

Junto um texto simples para recordar coisas boas das nossas guerras. 

Votos de continuação de um bom ano 

Abraços do 
Zé Teixeira


Estórias do Zé Teixeira

44 - A “puta”

Passa o seu tempo, debaixo da sombra do cajueiro, junto à porta do Comando. Cobiçada por todos, a todos serve com carinho e enlevo. Lembram-se dela, quando se ouve ao longe o rrrrrroooommmmm da avioneta que traz noticias frescas à sexta, por vezes à segunda-feira. Correm para ela. Deixa-se montar. Suporta com o mesmo carinho; um, dois. Dez de uma assentada. Outros correm atrás dela.

Seguem-na com a esperança estampada no rosto. Regressa ao seu posto, trazendo as notícias frescas que todos ambicionam e por ali fica, atenta e disponível: A chuva pode cair a cântaros, ou ser apenas uma suave penugem húmida, o sol pode queimar a sua pele, liberta da pigmentação acastanhada que a fazia confundir-se com a selva, por onde se passeava nos seus belos tempos. Dia e noite, não arreda pé.

Consta que o “Sistema” a foi buscar à Alemanha no fim da guerra e a enviou para a Guiné. Aqui se deixou montar por muita gente. Preferia os mais graduados, de preferência de galões dourados e largos ou com estrelas. Parece que na Alemanha já era escolhida por esse tipo de gente. Com o fim da guerra na Europa, corria o risco de se perder, mas foi resgatada a tempo e viajou para o novel continente, ainda antes de este entrar em convulsão. Passeou pacificamente pelas picadas da Guiné durante anos. Envelheceu com o tempo e com o uso, perdeu a garra. Agora vai com todos. Geme dolorida quando a montam. Geme dolorida quando desata a correr pela estrada de terra batida. Há muito que foi dispensada de pisar as picadas e ainda bem. As minas que o inimigo gosta de colocar no terreno atirá-la iam pelo ar. A guerra nem a meio vai e ela sabe-o bem. Fala a experiência.

Está irreconhecível, mas continua firme no posto, preocupada em estar sempre disponível. Só não gosta do furriel mecânico. Talvez seja porque este andar sempre à sua volta. Aperta aqui, apalpa acolá. Quando ela amua, o que acontece muitas vezes, dá-lhe marteladas, por vezes pontapés.

Não sabe porque a apelidaram de “puta”. Já foi "Mercedes", nome que gostava muito. Perdeu-o quando chegou a Buba, já muito cansada de devorar quilómetros e ficou ao serviço do Comandante, sem sair do perímetro da Tabanca, devido à sua velhice. Habitou-se a ser de todos, sobretudo quando se ouve o rrrrroooommmm da avioneta do correio, ou outra que apareça, sobretudo se vier buscar feridos. Por gentileza e missão de serviço pode ser que traga uma enfermeira, que lembre as mulheres da mãe pátria.

O velhinho “jeep” que corre para a pista e transporta todas as semanas os nossos sonhos, talvez mereça a ternura de ser a “puta” de serviço permanente.

Buba, Maio de 1969
José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16841: Estórias do Zé Teixeira (43): O meu Natal perdeu todo o encanto no dia em que o Menino deu lugar a um velho de barbas brancas que trazia um saco às costas, a quem chamavam o Pai Natal mas não era o pai do Menino

Guiné 61/74 - P16913: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (52): à semelhança da França (em relação aos seus "tirailleurs sénégalais"), quando é que Portugal reconhece aos seus antigos soldados guineenses a nacionalidade portuguesa?


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Imagem da progressão de um força da CCAÇ 12 (três mais grupos de combate, 1º, 2º e 3º), no subsetor do Xitole, na época das chuvas. As praças da CCAÇ 12 em meados de 1969 (uma centena) eram do recrutamento local. Só os graduados e especialistas (cerca de meia centena) é que eram de origem metropolitana (, pertencentes à CCAÇ 2590). A recruta, o juramento de bandeira, a instrução de especialidade e a IAO  (instrução de aperfeiçoamento operacional) foi foram feitos no Centro de Instrução Militar de Contuboel. Todos temos uma dívida de gratidão para com estes homens. alguns dos quais eram ainda adolescentes, com 16 anos...Portugal tem uma dívida de gratidão e reconhecimento a estes guineenses, 80 % dos quais já não estarão vivos. 
Esta é uma das muitas imagens de diapositivos digitalizados, do valioso e magnífico álbum fotográfico do ex-fur mil at inf Arlindo Roda, da CCAÇ 12 (1969/71), posto generosa e solidariamente à nossa disposição. Natural de Leiria, o Roda é professor do ensino secundário, reformado, é uma apaixonado jogador de damas e de xadrez, e vive em Setúbal.

Foto: © Arlindo Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Comentário ao poste P16908 (*), assinado por Cherno Baldé:

[ Foto à esquerda, Cherno Baldé,com a sua mãe em Cambaju, em maio de 1977; é  o nosso "agente" em Bissau (na realidade, este "menino" de Fajonquito, hoje homem grande, pai de 4 filhos, crente, bom muçulmano, casado com um bonita nalu, quadro superior com formação universitária na ex-URSS e em Portugal, representa todos os nossos amigos guineenses que não têm forma de comunicar connosco, e que mantêm, com os portugueses, antigos combatentes, fortes laços afetivos, baseados numa experiência e num respeito comuns); é além disso, o nosso assessor para as questões étnico-linguísticas e religiosas da Guiné-Bissau; é autor da série "Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé)"](**)

Caro amigo Carlos Vinhal,

Bem vistas as coisas, nada impede que antigos adversários, "inimigos", sejam depois amigos se as condições reais que tinham motivado a guerra mudarem.

Devo dizer que, ainda criança, assisti, atónito, à recepção que os metropolitanos reservaram aos guerrilheiros do PAIGC em 1974, na minha aldeia. Notem bem, eu disse "os metropolitanos", porque o caso dos soldados nativos era diferente, porque estes sabiam, de certeza, que aqueles, lobos com pele de ovelha,  não poderiam ser, em caso algum, seus amigos após uma guerra de mais de 12 anos em condições de ódio e de violência extrema. E, ao contrário dos metropolitanos, este era o seu país que, tudo indicava, não pretendiam deixar, ignorando as consequências que daí poderiam advir.

Um soldado é um soldado, um pequeno pião num complexo jogo de interesses e, na minha opinião, não é a este nível que interessa analisar a questão da guerra na Guiné e as suas consequências, pois as falhas na resolução final aconteceram ao nível superior das forças armadas portuguesas ou do que restava delas, militares de carreira que tinham frequentado academias e colégios militares para saber interpretar em todos os momentos a situação real do conflito, as possibilidades e impossibilidades a ter em conta e preparar o terreno para o avanço ou o recuo, conforme os casos.

Hoje só temos que constatar que houve um falhanço de repercussões negativas de extrema gravidade, com consequências no presente e futuro dos nossos países. Para mim é isto que é importante e quem não o percebeu, então ainda não percebeu nada.

Na semana passada a França reconheceu, finalmente, aos antigos combatentes africanos [, cuja origem remonta a 1857],  chamados “tirailleurs sénégalais”  [, atiradores senegaleses,] o direito a cidadania francesa. É tarde?!! Sim, mas como se costuma dizer, sempre vale mais tarde que nunca

E Portugal, para quando o reconhecimento dos seus antigos combatentes da guerra colonial no seu ex-império em África, muitos dos quais se encontram em território português???

Um abraço amigo,
Cherno Baldé
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16908: (In)citações (104): Inimigos de ontem, amigos de hoje? (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil da CART 2732)

(**) Último poste da série > 20 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16321: é que Os portugueses tiveram tendência para menosprezar o PAIGC, antes e depois da guerra... Recordando uma cilada dos "homens do mato" aos homens grandes de Sancorlã/Cambaju, ao tempo da CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65

Guiné 61/74 - P16912: Inquérito 'on line' (96): "O meu inimigo de ontem nunca poderá ser meu amigo"... Resposta até ao dia 9, segunda-feira, às 18h36...



Guiné > Região de Gabu < Paunca > CCAÇ 11 (1969/74) > c. junho / julho / agosto de 1974 > A paz, depois da guerra, ou a guerra e a paz, como duas faces da mesma moeda... > O fur mil op esp J. Casimiro Carvalho, "herói de Gadamael", no meio dos inimigos de ontem... Fotos do seu álbum fotográfico, sem legendas... (*)

Agradecemos-lhe a coragem e a frontalidade com que, dezenas de anos depois, ele nos deixou ver, digitalizar e publicar essas fotos de inegável interesse documental. Este nosso camarada que vemos aqui a abraçar os inimigos de ontem, foi o mesmo que tinha escrito à mãe, em 6 de junho de 1974 a seguinte missiva:

"(...) Ficou, nesse encontro, determinado que amanhã o inimigo vinha a um quartel nosso visitar-nos, conhecer-nos, nós que nos matavámos [uns aos outros] sem nos vermos. Enfim, agora como está previsto, conhecer-nos-emos, se não houver imprevistos, e eu, que tanto os odiei, com o ódio que ganhei com a guerra, devido ao sangue que vi derramar, irei... talvez - quem sabe ? - ABRAÇÁ-LOS. Sim, porque eles lutaram para defenderem o que por direito lhes pertencia, um chão deles, bravos soldados como nós." (...).

É o mesmo J. Casimiro Carvalho que na batalha de Gadamael pôs a vida em risco para salvar outros camaradas (e nomeadamente o seu capitão) e que chegou a ser ferido.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"O MEU INIMIGO DE ONTEM
NUNCA PODERÁ VIR A SER MEU AMIGO"


1. Não, nunca poderá vir a ser meu amigo


2. Sim, poderá vir a ser meu amigo


3. Talvez, depende das circunstâncias


4. Não sei responder


Este é o primeiro inquérito de opinião do ano de 2017... Vá lá, façam, o favor de responder... no canto superior esquerdo do blogue... 

Precisamos de 100 respostas, que é um número redondo... Até ao dia 9, próxima segunda-feira. O encerramento das "urnas" é às 18h36...(**)

O tema foi suscitado pelos postes do José Teixeira (P16905) (***) e do Carlos Vinhal (P16908) (****).


II. Comentário de Carlos Vinhal (****):
(...) E agora chegamos ao que aqui me traz, o inimigo de ontem, amigo de hoje.
Os movimentos de libertação foram criados e dirigidos por africanos portugueses que adquiriram formação académica universitária na capital do império, onde nas barbas do poder se organizaram. Apoiados por potências com ambições estratégicas em África, e acompanhando os ventos e marés que se faziam sentir, não foi difícil começarem a guerra que iria desgastar uns e outros quase até à exaustão. Portugal mobilizou metropolitanos e locais, e os grupos de libertação tentaram localmente arranjar simpatizantes para a sua causa. Os seus quadros tiveram formação de luta de guerrilha principalmente nos países do leste da Europa, acabando por terem no terreno a colaboração activa de especialistas cubanos e o apoio material desses mesmos países e outros.

Dizia Cabral que não lutava contra os portugueses mas contra o colonialismo, logo os quase 9000 mortos do nosso lado foram vítimas dos chamados efeitos colaterais. Alguns dos guineenses, amigos de portugueses e de Portugal, ao passarem-se legitimamente para o lado do PAIGC, movimento pelo qual lutaram, tornaram-se naturalmente nossos inimigos. Pergunto eu: e agora, acabada a guerra, voltaram a ser nossos amigos? Maneira muito romântica de ver a coisa.
Aquele guerrilheiro, que no calor da luta não me matou por caso, é agora meu amigo, também por acaso, digo eu. Se me tivesse acertado, lá se tinha ido a nossa amizade do pós-guerra. (...)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9826: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (9): Cartas de Paunca, SPM 5668, Parte II (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp., CCAÇ 11, mai-ago 1974)

(**) Último poste da série > 6 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16805: Inquérito 'on line' (95): Texto e contexto: batota, balda, ronha, cobardia, indisciplina, traição?... Ou às vezes, também bom senso, experiência, velhice, sensatez ? (Hélder Sousa, ex-fur mil trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72)

(***) Vd. poste de 1 de janeiro de  2017 > Guiné 61/74 - P16905: Fotos à procura de... uma legenda (80): Inimigos de ontem, amigos de hoje... (José Teixeira)
(...) O que estarão estes dois combatentes a planear?

Um, português, alferes miliciano, comandante em exercício da Companhia algures na Guiné. Outro, combatente do PAIGC. Reencontraram-se em 2013. Localizaram pontos comuns de convivência em barricadas opostas e toca a desenhar no terreno as suas posições estratégicas no passado ano de 1970 em que se enfrentaram em Jumbembem... Conversa amena que solidificou feridas e terminou num abraço.

Infelizmente o africano, funcionário da AD em Iemberém, já faleceu. Quem reconhece o nosso camarada, membro da nossa Tabanca Grande ? (...)


(****) Vd. poste de 2 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16908: (In)citações (104): Inimigos de ontem, amigos de hoje? (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil da CART 2732)

Guiné 61/74 - P16911: Agenda cultural (534): Um grande álbum do cante alentejano (agora, do mundo), "Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento" (2016), com a participação especial de António Zambujo, Luísa Sobral, Pedro Mestre e outros...


"Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento" 

CD Álbum 
Lançamento em  25 de novembro de 2016


Sinopse

Passados dois anos desde que o Alentejo e Portugal se ergueram de orgulho por o Cante ser considerado pela UNESCO Património Mundial e Imaterial da Humanidade (*), é editado o álbum de um dos mais tradicionais e antigos ranchos de cante alentejano: Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento, que conta com vários convidados especiais, nomeadamente Luísa Sobral, António Zambujo, Miguel Araújo, Jorge Benvinda e Pedro Mestre.

Ficha Artistica

Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de S. Bento
Ensaiador: Pedro Mestre

01 - A Moda Do Meu Chapéu
02 - Fui Ao Jardim Passear
Viola campaniça: Pedro Mestre
03 - Romaria De Santa Eufémia
Voz e guitarras: Miguel Araújo
04 - Eu Ia Pela Rua
05 – Oh Francisca Oh Francisca
Harpa: Ana Dias
06 - Ao Romper da Madrugada
07 - Vai De Centro Ao Centro
Percussão: Marcos Alves
08 - Quinta-Feira Da Ascensão
09 - Varejo
10 - Trago O Alentejo Na Voz
Voz e guitarra: António Zambujo
11 - Fui-te Ver Estavas Lavando
12 – Oh Que Linda Pomba Branca
13 - Cantar Até Cair
Voz: Jorge Benvinda
14 - Viva A Quem Vive Tão Longe
15 - A Rosa
Voz e guitarra: Luísa Sobral
16 - Vai Colher A Silva
17 – O Triste Do Mocho
18 - Manjerico Da Janela
19 - Aldeia Nova

Vd. aqui o magnífico e entusiástico trabalho radiofónico de Edgar Canelas, da Antena 1, fazendo a cobertura do lançamento deste belíssimo álbum, em novembro passado, em Vila Nova de São Bento, concelho de Serpa, onde tem a sede o Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento.

Já ouvi algumas faixas do disco, e recomendo vivamente. É uma boa prenda para oferecer mesta quadra festiva ( está à venda, por exemplo, nas lojas da  FNAC. por menos de 13 euros). É um álbum obrigatório para quem gosta do cante alentejano, o que não dispensa obviamente o prazer único de ver e escutar ao vivo este grupo, superiormente dirigido por Pedro Mestre. o homem que "salvou" a viola campaniça, em risco de desaparecer.

Sobre este grupo coral, lê-se na Antena 1 o seguinte (...com a devida vénia):

(...) "Criado há 30 anos, o Rancho dos Cantadores de Aldeia Nova de São Bento, é herdeiro de uma longa tradição da arte de bem cantar as belas modas do cancioneiro alentejano.

Orgulhosos por seguirem dois princípios orientadores, que apesar de opostos se complementam: o da tradição e o da inovação.  António Zambujo teve a ideia de gravar um disco ‘com estes homens’, cujas idades vão dos 19 aos 91 anos, e chamou Ricardo Cruz para produzir este trabalho.

Aliás, Zambujo tem convidado este Rancho, para concertos seus, reconhecendo suas raízes. Daí cantar aqui “Trago O Alentejo na Voz”. De um processo também natural vêm os outros convidados, todos eles amigos e visitantes fiéis da (agora) Vila Nova de São Bento: Jorge Benvinda, Miguel Araújo, Luísa Sobral e Pedro Mestre.

Editado a 25 de novembro, o disco do Rancho dos Cantadores de Aldeia Nova de São Bento é o documento vivo de uma tradição que se canta à volta de uma garrafa de vinho e celebra, com um arrepio na pele, as modas da nossa terra que, a partir de agora, já serão modas do Mundo e da Humanidade" (...).

Vd. também o sítio, na Net, do Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento e, obrigatoriamente, a Casa do Cante, com sede em Serpa. Porque o Cante Alentejano está vivo, mas é preciso saber fazer a sua gestão sustentada, incluindo a sua produção e divulgação... Este e outros grupos têm atuado generosamente no país e no estrangeiro, sem "cachet",  dando os seus elementos o melhor de si. do seu tempo e da sua "alma"...

Já agora acrescente-se que em 34 mortos na guerra do ultramar / guerra colonial, naturais do concelho de Serpa, 10 eram oriundos da freguesia de Vila Nova de São Bento (, na altura Aldeia Nova de São Bento, tendo passado a vila em 1988).... Refira-se ainda  que esta terra tem vindo a perder população como todas as terras do interior do país: 8842 habitantes em 1950; 7678 (em 1960); 5406 (em 1970); e... 3072 (em 2011) (Fonte: Wikipédia

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


27 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13948: Manuscrito(s) (Luís Graça) (52): O Mundo é Pequeno e o Alentejo... é Grande: pois que viva o Cante, Património Cultural Imaterial da Humanidade