segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19104: Notas de leitura (1110): Os oficiais milicianos paraquedistas da FAP, volume I: os que combateram em África (1955-1974)- Um trabalho sério, rigoroso e honesto de mais de 2 anos, de José da Fonseca Barbosa, em homenagem a uma geração de portugueses que ajudaram a escrever algumas das mais belas páginas de sacrifício e abnegação da nossa história contemporânea (Jaime Silva, ex-alf mil pqdt, BCP 21, Angola, 1970/72)


Capa do livro de José da Fonseca Barbosa, "Oficiais milicianos pára-quedistas da Força Aérea Portuguesa: volume I: Os que combateram em África, 1955 a 1974. Porto: Fronteira do Caos, 2018, 343 pp.


Jaine Silva: leste de Angola (c. 1970/72)
1. Nota de leitura do nosso camarada Jaime Bonifácio Marques da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, natural de (residente em)  Lourinhã, preofessor de educação física, docente reformado do ensino superior politécnico, ex-alf mil pqdt, BCP 21, Angola, 1970/72 [, foto à direita]


 Introdução

José da Fonseca Barbosa  fundamenta e aborda com grande seriedade e objetividade o papel dos oficiais milicianos paraquedistas que participaram na Guerra em África.

 “Dos milicianos, no geral, diz-se que ... 'não se sabe quase nada'...". Enfim, "a sua história ainda está por fazer.” (...) "Na História, são praticamente ignorados e o seu sacrifício a Pátria ignora”.  talvez porque “ quando se faz a história, são os QG que a escrevem, logo ...”

Eles, escreve ainda o autor, “estão  entre os que contribuíram para que as Tropas Paraquedistas portuguesas deixassem escritas. a letras de ouro, páginas duma história que já leva 60 anos de existência, é justo e inteiramente merecido que se refira o conjunto de oficiais Milicianos Paraquedistas”.

Alicerça o seu trabalho na pesquisa que efetuou nos arquivos das Tropas Paraquedistas, nos testemunhos de um grande número de Oficiais Milicianos que fizeram a guerra e na bibliografia disponível,  alusiva ao tema.

Na minha modesta opinião, considero a obra de José da Fonseca Barbosa  de inegável valor histórico e pedagógico, não só pela seriedade com que fundamenta e organiza a pesquisa , mas também   pelo importante contributo que dá para o estudo e compreensão do papel dos Oficiais Milicianos Paraquedistas durante a guerra colonial.  

O seu trabalho alerta ainda, por analogia, para que  o país não  esqueça  o  contributo de todos os outros oficias milicianos que serviram nos restantes Ramos das Forças Armadas Portuguesas nas três frentes da  Guerra em África. Sem o contributo dos Oficiais Milicianos, seguramente que o decisores políticos e militares não conseguiriam aguentar por tantos anos essa guerra, reconhecidamente travada “fora do  tempo histórico” em que se realizou.


Sobre o autor:

José da Fonseca Barbosa viveu em Angola  até 1975. Depois de concluir o COM na EPI (Mafra), ingressou nas tropas Paraquedistas em 7 de junho de 1976. Pertenceu ao 92.º curso de Para- quedismo,  tem o Brevet n.º 13436 e serviu nas Tropas Paraquedistas até março de 1983.

Nas Paraquedistas desempenhou várias funções nomeadamente a de instrutor militar, chefe do Centro de Treino Físico, 2.º comandante e comandante de subunidades de Apoio de Serviços, designadamente de destacamento de Apoio e Serviços de missão portuguesa na IFOR/SFOR na Bósnia Herzegovina, durante o ano de 1996.

 Do seu currículo consta, ainda: “ A sua formação militar inicial foi marcada pela influência da geração que combateu em África, pela história que construiram, pela forma como o fizeram. Do legado dos combatentes retirou luzeiros que orientaram toda a sua carreira militar.
Passou à situação de reserva em 31 de dezembro de 2002".


Sobre a obra:

O autor apresenta o seu trabalho ao longo de 343 páginas e, depois da “Dedicatória”,  “Agradecimentos” , “Introdução – Razões e Retrospetiva” e “Notas do  Autor”, desenvolve o objeto do seu estudo em seis capítulos.

Dedica o seu trabalho a todos os oficiais Milicianos Paraquedistas de ontem, de hoje e a todos os que fizeram dele soldado, paraquedista, boina verde e o acompanharam como oficial e militar e agradece a todos os paraquedistas ou não que o ajudaram a levar por diante este empreendimento.

Refere, ainda, as dificuldades  que encontrou na recolha da informação e as opções que teve de  tomar para organizar a obra e esclarece a razão por que decidiu dividir o trabalho em dois volumes:

O Volume I, referente ao período de 1955 -1974, é dedicado aos que combateram em África, perfazendo um total de 197 brevetados;   e o Volume II,  referente ao período 1975 – 1993, corresponderá  à geração pós Império, com 97 brevetados. 


Notas do autor (pp.. 11 – 14)

"A organização da informação pesquisada e recolha ao longo de 25 meses, bem como a redação do texto, são da minha responsabilidade", escreve o autor.

Alerta o leitor para não esperar encontrar na sua obra histórias, análises profundas e/ou reflexões demasiado elaboradas e muito menos juízos de valor sobre atos e atores, mas outrossim, cópias, transcrições, relatos e testemunhos feitos por quem viveu um determinado período de História das Tropas Paraquedistas com o estatuto de oficial miliciano..

A fundamentação do seu trabalho, escreve, está comprovada em todas as Ordens de Serviço (BCP/RCP/BET e BCP 21/ BCP 31/BCP 32/ BCP 12) que foram passadas página a   página  de 1956 a 1978, bem como testemunhos que recolheu e na bibliografa existente da especialidade.

Alerta o leitor, ainda, para as dificuldades que encontrou na numeração de Brevet que não coincide com o números do diploma,  as divergências que encontrou, também,  na numeração sequencial dos cursos de paraquedismo e as imprecisões quanto à data do início das Comissões de Serviço no Ultramar.


Capitulo 1 - COMO FOI (pp. 15 - 86)

No capitulo 1 o autor enumera, primeiro, por ordem cronológica, o número de cursos de paraquedismo e de oficiais milicianos participantes  desde   o primeiro curso terminado em
Alcantarilha a 15 de abril de 1955 até ao último curso em 1974.

 Na segunda parte deste capítulo o autor aborda com grande oportunidade todos as fases da formação pelas quais tiveram de percorrer  e ultrapassar os  oficiais  Miliciano paraquedista, desde as “as  razões pelas quais quiseram servir nos Paraquedistas”  até à enumeração de todos os fatores que prevaleceram até hoje e são únicos na identificação de um Paraquedista como: “Tradições ... Princípios e valores ... identidade”.


Capítulo 2 - QUEM FORAM E QUEM SÃO (pp. 87 - 181)

Para a concretização do seu trabalho José da Fonseca Barbosa, com os condicionalismos que encontrou e  mencionou na sua “Introdução”, apresenta os testemunhos recolhidos entre alguns dos milicianos, concretamente: “o que nos dizem alguns dos que deram o seu testemunho escrito
individualizando (...), o que fizeram/ fazem depois de cumprido o serviço militar como oficiais milicianos.”

Para além de um quadro síntese, analisa individualmente o percurso de vida de cada um por curso, terminando com as fotografias (rostos com nome) e a lista nominal.


Capítulo 3 - O QUE FIZEERAM E COMO FIZERAM ( pp. 183 - 234)

O autor introduz o capítulo com um subtítulo bem a propósito - Uma História por fazer? - e afirma: “Dos milicianos, no geral, diz-se que ... não se sabe quase nada...”

Ao longo do capítulo descreve as “funções desempenhadas” pelos milicianos (para além de comandantes de pelotão), enumera em cada ano, a partir de 1961, “Quem e Quando Foram” prestar serviço em cada uma das Unidades no Ultramar e “O papel que tiveram na guerra” e termina com a lista de “Aqueles, que pelos ilustres feitos foram condecorados”


Capítulo 4 - IMAGENS DE UM TEMPO PASSADO (pp. 235 - 315)

Neste capítulo o autor dá a palavra às imagens. Durante 80 páginas documenta, numa primeira parte, com uma sequência fotográfica as várias etapas da formação de um paraquedista, evocando nas restantes, figuras e nomes de muitos dos milicianos que contribuíram para a história dos paraquedistas.


Capítulo 5 – O BALANÇO FEITO (pp. 317 - 331)

O autor, através do testemunho de alguns milicianos,  faz o balanço do que foram aqueles anos vividos há meio século para alguns e dezenas de anos para outros.

Termina o seu trabalho com um voto.

“Voto a fechar: Que os atuais e vindouros Oficiais Milicianos Para-quedistas saibam aproveitar o melhor que lhes foi legado e que sejam dignos descendentes e continuadores da obra dessa plêiade de homens que ajudaram a escrever das mais belas histórias de sacrifício e abnegação da nossa História Contemporânea.”


Jaime Silva
CAPÍTULO 6 - AQUELES QUE PELO “LAJEDO DO SACRIFÍCIO”, POR LÁ SEQUEDARAM.

Em África tombaram seis: Três na Guiné, dois em Angola e um em Moçambique.


Jaime Silva

[Cumpriu o Serviço Militar Obrigatório nas Tropas Paraquedistas como Oficial Miliciano, sendo mobilizado para uma comissão de serviço em Angola no BCP 21 (1970/1972); tem cerca de meia centena de referências no nosso blogue, foto atual à esquerda]

Guiné 61/74 - P19103: Notas de leitura (1109): “Livro Negro da Descolonização”, por Luiz Aguiar; Editorial Intervenção, 1977 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
O autor e seguramente a equipa que com ele colaborou em "Livro Negro da Descolonização" procuraram legitimar o princípio da autodeterminação do Ultramar português como a coisa mais lógica do mundo, a despeito do pusilânime Marcello Caetano ter recusado a consulta popular que teria levado à derrota dos movimentos de libertação.
Na Guiné, tudo seria simples, far-se-ia um referendo, até havia a FLING, o Movimento Democrático da Guiné e a Liga Popular dos Guinéus, e havia a temível força africana, muitíssimo superior ao PAIGC, eram favas contadas. E é com este raciocínio simplório em que as unidades militares portuguesas queriam retirar prontamente, em que a pressão internacional para reconhecer a República da Guiné-Bissau na ONU no princípio do Outono era enorme, não merecem uma só palavra, assim se faz História confundindo desejos com realidades. E já não falo nos disparates avançados sobre a situação militar.

Um abraço do
Mário


Livro Negro da Descolonização, por Luiz Aguiar (2)

Beja Santos

Poder-se-á questionar qual o grau de utilidade de aqui se referir um livro intitulado “Livro Negro da Descolonização”, tendo por autor Luiz Aguiar, Editorial Intervenção, 1977, em que se propunha uma tese hoje varrida do esquecimento: em 1974, já não tínhamos colónias, tínhamos territórios autodeterminados que aguardavam uma consulta popular que relegaria para o caixote do lixo da História os movimentos de libertação.

Se se tiver em conta que nesse mesmo ano de 1977 se escreveu um livro intitulado “África - Vitória Traída” em que um conjunto de oficiais-generais dava como demonstrado que tudo estava a correr de feição nas frentes militares até à chegada do MFA, e que no nosso tempo anda um tenente-coronel aviador a procurar legitimar que o Estado Novo se via forçado a combater em parcelas africanas a que tinha direito e que a guerra que desenvolvíamos era indiscutivelmente sustentável, não se podem iludir os diferentes matizes ideológicos dos ramos ultranacionalistas.

Na tese maior de o “Livro Negro da Descolonização”, como praticamente em todos aqueles oriundos da cepa ultranacionalista, nunca cabe uma reflexão sobre o nacionalismo africano e a luta anticolonial, há um completo silêncio sobre o pano de fundo da busca de identidade dos povos coloniais. Mas, reconheça-se, este livro de Luiz Aguiar e seus parceiros de escrita trazia uma modificação da lógica quanto aos deméritos da descolonização: não se escamoteavam os erros do passado, introduzindo uma varinha mágica: a vontade de autodeterminação irmanava nativos e radicados nos territórios chamados “províncias ultramarinas”. É uma tese que reconhece o princípio da autodeterminação que consta da Carta das Nações Unidas o que, veladamente, contraria a tese do Portugal de Minho a Timor. O que se seguiu ao 25 de Abril, diz Luiz Aguiar, foi uma política incapaz que contrariou e impediu que o processo de descolonização, iniciado em 1961, entra-se numa sequência racional, na sua fase derradeira – a autodeterminação de facto, abalando os alicerces a cupidez dos movimentos de libertação.

Mas não se deixa de pôr pessoas no banco dos réus, de Mário Soares a Melo Antunes, movem-se críticas acerbas a Spínola e a Galvão de Melo. Tecem-se considerações simplificadoras do tipo a Guiné foi entregue ao PAIGC através do Acordo de Argel, devia-se ter feito consulta popular, embora não se explicando como depois do reconhecimento da República da Guiné-Bissau e de como se alterara radicalmente o quadro político da Guiné face ao Direito Internacional.

Luiz Aguiar e quem o acompanha nega a existência de áreas libertadas na Guiné, e explana uma reflexão curiosa sobre refugiados:  
“A maior parte dos que buscaram refúgio nos territórios vizinhos não o fez por qualquer solidariedade com o PAIGC, mas, sim, solicitados por laços tribais que não tinham sido afectados de maneira sensível pelas fronteiras convencionais. Verificou-se, após a entrega da Guiné ao PAIGC, que os refugiados, na sua quase totalidade, não quiseram regressar à Guiné. A estes acresceram, porém, muitos outros. Segundo o jornal senegalês Le Soleil, dos 60 mil refugiados que deviam existir no Senegal antes da independência passou-se para 120 mil, de onde se conclui que o êxodo continuou”.
E o autor continua:  
“Com este êxodo de guinéus para os territórios vizinhos – 60 mil para o Senegal e 20 mil para a Guiné Conacri – a população da Guiné portuguesa ficou reduzida a 480 mil habitantes. Quando da chegada do General Spínola, admitia-se que cerca de 10% tivesse aderido ao PAIGC. Pode-se dizer que o PAIGC era um partido sem representatividade significativa na província – e com pouca possibilidade de a vir a adquirir”.
Dá-se como testemunho o doutor Baticã Ferreira que depois do 25 de Abril liderou o Movimento Democrático da Guiné, ele teria pedido às autoridades portuguesas que supervisionassem uma espécie de eleições primárias para saber de que lado se encontrava o povo e o PAIGC teria conseguido apenas cerca de 2% dos votos. E o autor procura uma explicação, a de que a população temia o colonialismo cabo-verdiano:  
“Percorrendo a lista dos dirigentes da actual Guiné, constata-se que o ministro da Economia, Vasco Cabral, é cabo-verdiano, o ministro da Justiça, Fidélis Cabral, é filho de cabo-verdianos, o ministro da Educação, Mário Cabral, é cabo-verdiano, o Procurador-Geral da República, João Cruz Pinto, é cabo-verdiano, o primeiro-ministro, Francisco Mendes, é cabo-verdiano, o ministro da Defesa, é cabo-verdiano. Este domínio pelos cabo-verdianos foi reforçado pelo acesso a posições importantes dos antigos chefes de posto e funcionários ultramarinos naturais de Cabo Verde e que estavam colocados na Guiné, como aconteceu com Fernando Fortes, Alfredo Fortes, Miranda de Lima, Waldemar, Filinto Barros, Coutinho, Telmo, Eduardo Fernandes”.
O leitor pode avaliar o chorrilho de disparates desta lista.

Para Luiz Aguiar, o PAIGC fazia incursões e dispunha de permanência temporária na Guiné. As flagelações eram contra tropas em movimento, o que é de risota, as temíveis flagelações eram ao cair da tarde e durante a noite e em destacamentos fixos. Vem depois a tese mirífica que o PAIGC nunca conseguiu desalojar os soldados portugueses dos seus campos fortificados nas regiões fronteiriças. Quem informou Luiz Aguiar informou mal, foram abandonadas posições por insustentabilidade, recorde-se Mejo, Sangonhá, Cacoca e Gandembel, ali perto do Corredor de Guileje.

Segue-se uma referência à força africana, 20 mil guinéus que constituíam unidades de Comandos, Fuzileiros, Marinheiros, Milícias e Guardas Rurais (?), formando um conjunto aguerrido. Nem uma só referência às companhias de caçadores africanos. O autor questiona se o PAIGC teria prosseguido na sua atividade se não tivesse havido uma transigência por parte dos representantes do Estado português ao subscrever o Acordo de Argel. E responde dizendo que teriam morrido muito menos guinéus de que os milhares que foram fuzilados pelo PAIGC. Os guineenses, diz o autor, sentiam-se bem com a obra de desenvolvimento impulsionado por Spínola: as vias de comunicação, os aeroportos, a assistência médica à população, a infraestrutura do ensino, a preparação técnica.

Porventura para mostrar como a Guiné estava madura para consultas populares e se autodeterminar de vez, o autor dás-nos o rol das associações políticas existentes depois do 25 de Abril: o Movimento Democrático da Guiné, com o Dr. Baticã Ferreira à frente, a FLING (bastante representatividade junto dos guinéus emigrados no Senegal), a Liga Popular dos Guinéus que na apregoada fase de passagem do colonialismo à autodeterminação aceitara colaborar com a Acção Nacional Popular. Diz o autor que tudo implodiu com o Acordo de Argel.

Urgindo pôr termo a esta leitura sobre a descolonização, recorda-se que os autores também falam de Cabo Verde, de S. Tomé e Príncipe, de Timor (é curiosamente o capítulo mais desenvolvido), e de Moçambique. As considerações finais de Luiz Aguiar e parceiros prendem-se com a violação do princípio da autodeterminação violado pelos acordos de descolonização homologados por um vasto número de personalidades, são todos eles os que colaboraram no processo que devem ser responsabilizados. Desta forma vaga e genérica se deixa o leitor ultranacionalista mais do que desorientado. Falamos, é certo, de 1977, hoje tais teses não apoquentam ninguém, como se sabe.
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Notas do editor

Poste anterior de 8 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19082: Notas de leitura (1107): “Livro Negro da Descolonização”, por Luiz Aguiar; Editorial Intervenção, 1977 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 12 de Outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19094: Notas de leitura (1108): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (55) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19102: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLVII: Armamento: Morteiro 81 e morteiro 60, São Domingos, 1968



Foto nº 1A  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Espaldão  do morteiro 81.



Foto nº 1  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Espaldão  do morteiro 81.


Foto nº 2  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Espaldão  do morteiro 10.7 (tubo com estrias; o morteiro 81 tem a alma lisa...).



Foto nº 2A > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Pormenor do tubo do morteiro 10.7 (ampliando a imagem, vê-se que o tubo tem estrias, não é de alma lisa).


Foto nº 3  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 >Abrigo  morteiro 81. > Aqui dormima 3 homens e 1 cão rafeiro.


Foto nº 4  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Apontador do morteiro 81. >


Foto nº 5  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Sinulação de lançamento de uma granada de morteiro 81. > O Virgílio Teixeira mais o Pinto Rebolo (e não Rebelo...), "o Gordo"-
l

Foto nº 6  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > O morteiro 81


Foto nº 16  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Espaldão do morteiro 60 > O Virgílio Teixeira


Foto nº 17  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Esp+aldão do morteiro 60 > O Virgílio Teixeira


Foto nº 18  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 >  O Virgílio Teixeira sentado no abrigo do morteiro 81-


Guiné > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69 > Abrigos de morteiro

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 90 referências no nosso blogue.

Guiné 1967/69 - Álbum de Temas > T901 – AS NOSSAS ARMAS DE DEFESA > ARMAMENTO FIXO E MÓVEL > SÃO DOMINGOS E NOVA LAMEGO - Parte I


Caros companheiros e camaradas:

É com grato prazer que venho levar até vós, mais alguns temas, fotos, estórias e histórias de trabalho, lazer, convívios e copos de grande camaradagem com o pessoal, civil e militar, enfim passagens pelo nosso ex-CTIG, Comando Territorial e independe da Guiné.

O meu novo formato passa a ter um tema de base e a seguir juntando mais alguns outros que se possam encaixar no principal, sem deixar de cuidar este, e assim ‘vou-me libertando de tantas dezenas de fotografias’ que de uma só vez, seria difícil obter um bom resultado.

Em cada caso, faz-se um pequeno introito sobre o Tema, sobre a Unidade operacional à qual o autor pertenceu, o seu percurso, os meios disponíveis, o que foi feito e deixado por fazer, tendo sempre a consciência do dever cumprido, dentro do possível.

I - Anotações e Introdução ao tema:

O tema de hoje, tem a ver com o material de guerra, as nossas armas de defesa fixas e algumas transportáveis. Este é um assunto que apenas apresento como informação, nada tendo a ver com a minha actividade e função militar.

Fiz as fotografias possíveis, muito mais ficou por fazer, mas o que apresento é apenas uma ideia, quase completa do que era o nosso armamento.

Não faço aqui alusão às nossas armas pessoais, a Espingarda automática G3 ou a Pistola pessoal Walter, pois já todos conhecem.

Também não se apresentam os carros blindados, as Daimler, Panhard, Chaimites ou Fox, pois já foi objecto de um tema separado e só dedicado a essas armas terrestres.

Nas minhas passagens e do BCAÇ 1933, por Terras de Nova Lamego – Gabu, durante os 5 primeiros meses, pouco ou nada tenho, pois não estava ainda na minha mente andar à procura do armamento, e depois já era uma cidade maior com outros motivos para as ocupações de lazer.

Passou um mês em Bissau, aquartelados no Depósito de Adidos, e também não foi ideia procurar e fotografar os armamentos disponíveis.

Ficaram os meses restantes, cerca de 18 meses, num local isolado, pequeno, com quase nenhuns motivos de interesse e com muito tempo livre para fazer ‘nada’.

Então é aí que vou percorrendo alguns pontos de interesse, mas longe de passar por todos os locais com armas fixas e respectivos abrigos ou ninhos.

Seleccionei algumas fotos, para não sobrecarregar os Temas, para não se tornarem pesados, retirei as fotos pesadas em formato TIF, guardando para outros fins.

Este é um percurso pelos vários postos de abrigos e ninhos de metralhadoras, de poços ou espaldões dos Morteiros e outro armamento.

Algumas fotos não são nada boas, mas os espaços disponíveis eram assim, escuros, pequenos, feios, mas sempre com boa disposição.

Para os veteranos, e para aqueles que nunca foram nada, nem sequer militares, ficam estas imagens, singelas, mas para se perceber as condições muito difíceis em que muitos dos nossos sacrificados soldados, viviam ou apenas sobreviviam, em buracos.

Espero que gostem, pois para mim já ficava por satisfeito.

II – Introdução às Legendas:

Nota:

O primeiro parágrafo da legendagem explica o que significa a foto. Já nos seguintes, são notas e observações que faço em relação à história e contexto de cada foto no seu tempo.

As fotos são numeradas e seguidas por ordem, por vezes saltando alguns números para deixar folgas para novas fotos, e estão legendadas, seguindo uma ordem mais ou menos cronológica, quando possível, a ter em atenção alguns pontos:

Assim:

A descrição é sintética, lembra Quando, Como, Onde, O quê.

- Algumas têm apenas o ano, quando não é possível identificar a data certa;

- Outras podem conter o mês e ano, quando não é possível determinar o dia;

- Algumas dizem o dia certo, pois isso está escrito na foto ou em qualquer lugar.

Os locais dos eventos, normalmente são:

- Nova Lamego, NLamego – Abreviatura de Nova Lamego, NL – Sigla mais pequena de NL

- São Domingos, SDomingos – Abreviatura de São Domingos, SD – Sigla de São Domingos

III - Legendas das fotos:

F01 – O poço, ou espaldão como também se designam, e o abrigo de um Morteiro 81.

Junto ao poço, aberto em frente à messe de oficiais, ao lado do armazém de medicamentos, em frente aos armazéns de víveres, estava tudo muito concentrado.

Tinha como protecção, uma fileira abaixo do piso, com bidons vazios de gasolina, depois cheios com cascas de ostras, terra, algum cimento e está uma fortaleza. Outra barreira dos mesmos bidons, a proteger as traseiras do abrigo, não faltando como é claro, o insubstituível garrafão de vinho, empalhado, mas de certeza já vazio.

O poço é um buraco aberto no terreno, com a altura de um homem, e um diâmetro que posso calcular em dois metros. O morteiro é colocado no centro do buraco, com possibilidades de rodar e fazer fogo a longa distância em direcção ao IN.

Utiliza como projéctil, uma granada de morteiro, de diâmetro 81 com carga explosiva.

O mais trágico e doloroso, é que as munições – as granadas – estão também elas no mesmo buraco, pois a seguir ao poço aberto, fazem-se galerias debaixo do solo, de comprimento grande, onde são armazenadas as granadas.

E para além disso, estão as instalações dos municiadores e operadores do Morteiro, por ali vão vivendo o seu tempo debaixo de terra. Acho que são 3 os operadores, mas não tenho a certeza. Fui lá abaixo ver com os meus olhos aquelas condições desumanas onde viviam alguns militares, homens como eu e como os outros.

Para acabar, caso o IN nas suas flagelações acertasse com uma granada dos seus morteiros 82, ou de bazookas ou de canhão sem recuo, dentro do poço, é óbvio que aquilo ia tudo pelos ares, abrigo, munições e todo o pessoal que lá se encontrava. Não soube se aconteceu.

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F02 – Aspecto de um Morteiro 81, no respectivo poço ou espaldão, e abrigo. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F03 – Aspecto de uma vivenda de luxo para 3 pessoas, plantada no meio de nada. Poço de morteiro 81. Visualização de longe, os contornos e a miragem!

A pequena elevação que se vê está suportada em troncos de palmeira, depois cheios de cascas de ostras ou outros materiais, terra vermelha e massa, e talvez algum cimento. Aquele espaço está ocupado com as camas de ferro onde dormem ou descansam os 3 homens.

Curiosamente têm a companhia ou a guarda de um cão rafeiro que por ali se passeia sem trela, ainda não eram como hoje tratados quase como seres humanos!

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F04 – O Morteiro 81 vai mandar uma ‘ameixa’ para o IN.

Trata-se de uma cena para uma fotografia apenas, o IN não está à vista.

Este Soldado ou Cabo, tantas vezes lá fui, e não sei o Estatuto dele, pois nunca andava vestido, só de calções. É o apontador e municiador do Morteiro, era um gajo porreiro, uma pena que tenho é desconhecer o nome dele. Ele pertence ao nosso Batalhão, não tem nada a ver com o Pelotão de Morteiros de Nova Lamego.

Ele não conhece estas fotos, pois são de slides, as de cor, e esses nunca mostrei a ninguém, pois só mandava revelar o rolo nas férias ou no final da comissão.

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F05 – Tentativa de mandar uma morteirada para o outro lado.

É uma foto apenas, sou eu e o meu Furriel do Conselho de Administração  – o Pinto Rebolo – mais conhecido pelo Gordo – era assim que já era tratado no antigo Instituto Comercial do Porto. Fomos muito amigos, ele veio e encontramo-nos muitas vezes no Porto, era Delegado de Propaganda Médica, depois formou-se em Direito e exerceu advocacia. Acho que tem um problema grave, mas vai aparecendo nos almoços do batalhão.

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F06 – Abrigo, poço e Morteiro 81, noutro local.

Já vi esta foto várias vezes e tentei compará-la, parece mais um Morteiro 60, por causa do Prato, mas depois ampliando acabo por reconhecer o 81mm. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.


F16 – Abrigo e Morteiro 60.

Trata-se de um Morteiro 60, pois a base do prato é pequena, utilizado mais em operações externas, e transporte aos ombros, com os projécteis a serem transportados ou carregados por outros militares.

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.


F17 – Poço. Abrigo e Morteiro 60mm.

Nota:

A foto enviada tem a repetição do nº 16 (anterior). Esta é de 1969 a cores.

Trata-se de mais um abrigo e poço de morteiro 60mm, resguardado em condições miseráveis, sem o mínimo de dignidade. Basicamente é um poço aberto, de menos de 2m de diâmetro, suportado com uma estrutura de troncos de palmeira, terra amassada e cascas de ostras.

Como se vê é tudo muito básico, novamente os bidões vazios de gasolina, cheios também com terra vermelha amassada, e as inevitáveis e omnipresentes ‘cascas de ostra’ que sendo tão duras fazem um excelente ‘abrigo’ contra morteiros e bazucas.

Podem ver-se os dormitórios enterrados no solo, para os operadores das armas.

Foto captada em São Domingos durante o 1º. Trimestre do ano de 1969.


F18 – Um ‘poço-abrigo’ do Morteiro 81mm, visto do lado de fora, com uma precariedade de bradar aos céus.

Trata-se de uma foto, tirada do outro lado, não de dentro, mas visto de fora, demonstrando a fragilidade com que tudo era feito, com o aproveitamento integral das matérias disponíveis sem recurso a grandes gastos.

Os bidões são as sobras depois de esgotada a gasolina que transportam, são de chapa e com alguma resistência. Depois são cheios com cascas de ostras, que são os restos do que fica depois de comer o conteúdo, é um aproveitamento integral dos restos, com impacto ambiental. Tudo misturado com a terra vermelha, bem amassada e regada com uma mistura de água e cimento, e está feito. Para o restante há as coberturas feitas com troncos de palmeira, são matéria-prima local, é só cortar e entrelaçar os toros, cobertos com a mesma coisa que os bidões, e tudo feito a custo zero, com a força de braços dos nossos rapazes.

Foto, com data, captada em São Domingos no dia 23 de Agosto de 1968.


«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».


NOTA FINAL DO AUTOR:

As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir. Nada mais. 

Acabadas de legendar, hoje,

Em, 2018-10-05

Virgílio Teixeira

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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19078: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLVI: Fortaleza da Amura, Quartel-General, Bissau, junho de 1969.

domingo, 14 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19101: Blogpoesia (589): "Com um ponteiro de lousa...", "É amarelo o Outono" e "Pardo e negro", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Com um ponteiro de lousa...

Com um ponteiro de lousa aprendi a escrever algarismos e letras.
Aguçava-lhe o bico quando já gasto,
numa pedra macia.
Parecia uma chama, ardia, ardia.
Ensinou-me a escrever e contar,
com tabuada precisa.
Desenhava bonecos. Depois apagava.
Um farrapinho de pano.
Jogava o jogo do galo.
Conhecia-lhe a manha.
Era sempre a ganhar.
Ficava tão triste se caía ao chão.
Aproveitava os pedaços.
Custava um tostão.
Já era freguês.
Na minha sacola,
A lousa e ponteiro,
Era meu caderno diário
A caminho da escola.
Lindo fadário descobrindo as luzes.
Anos de sonho, com banhos de rio.
Trepando às árvores,
P´rá fruta madura,
Ao alcance da mão.
Pecadinhos sem mal
Que tinham perdão...

dia fulgurante de sol
Berlim, 13 de Outubro de 2018
9h50m
Jlmg

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É amarelo o Outono

É amarelo o Outono,
Caiado de sol.
Sopra-lhe o vento e as folhas,
Em fúria, caem no chão.
Lá se foi a verdura à farta.
Agora, o frio aperta
E a neve se avizinha.
É a roda do tempo.
Locomotiva em marcha.
Nem o sol a queima.
Anda e não trava.
Tange-a a fome.
O destino a espera.
Rola que rola,
Parar é que não.
Se descarta da gente.
Quando menos se espera.
Não respeita a velhice.
A mocidade a trai.
Lufadas de vento
Agitam as folhas.
Coitadas, indefesas,
Se precipitam no chão,
Tapete da terra
Onde tudo começa e tudo acaba...

dia fulgurante de sol
Bar dos Motocas, arredores de Berlim,
11 de Outubro de 2018
10h53m
Jlmg

********************

Pardo e negro

Vejo este mundo pardo e negro,
Quem o toldou foi a humanidade.
Tantos erros.
Foi maltratada a terra que a sustenta.
Inquinadas suas fontes. Desventrado o seu ventre.
Na voragem do petróleo e seus desvios.
Na fome cega de domínio e exploração.
Semeando a morte e exterminando a vida.
Se arvorando em dona do que lhe foi emprestado.
Dispondo de tudo a seu belo prazer.
Permitindo fortes a oprimir os fracos.
Tirar-lhe tudo, até o pão.
Reduzir a cinzas a dignidade humana.
Só é bom o que lhes dá poder.

Ouvindo Loreena McKennitt - NIGHTS from the ALHAMBRA
Berlim, 9 de Outubro de 2018
15h50m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19079: Blogpoesia (588): "A gargalhada", "Duma vareta ressequida..." e "Minha terra", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

sábado, 13 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19100: (De) Caras (120): Gertrudes da Silva, comandante da CCAÇ 2790, de fevereiro a setembro de 1972, deixou um rasto enorme de simpatia, de camaradagem, de competência e de humanidade invejáveis (António Matos, ex-alf mil MA, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72)







Guiné >Bula > CCAÇ 2790 > A equipa de futebol... De pé, do lado direito, de camuflado, o Cap Inf  Gertrudes da Silva, que sucedeu ao cap José Pedro Sucena , no comando da CCAÇ 2790, entre fevereiro e setembro de 1972. Foto gentilmente cedida pelo José Câmara (que vive nos EUA) ao António Matos, ex-alf mil, MA, CCAÇ 2790 (Bula, 1970/72). (A CCAÇ 2790 teve como unidade mobilizadora o BII 18, partiu para a Guiné em 24/9/1970 e regressou a 30/9/1972. Esteve em Ponta Augusto Barros e Bula. Comandantes:  cap inf José Pedro de Sucena, e cap inf Diamantino Gertrudes da Silva.)


Foto (e legenda): © José Câmara (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



António Garcia de Matos, ex-alf mil MA,
CCAÇ 2790  (Bula, 1970/72)
1. Comentário de António Matos ao poste P19099 (*):

Não pretendo mais do que uma singela homenagem ao Comandante, ao Capitão, ao Militar e ao Amigo com quem partilhei uma fase bem marcante da minha vida de alferes miliciano nos idos de 70 do séc. XX, muito especificamente no ano de 1972, na Guiné Bissau, sediado que estava em Bula e onde comandava um pelotão da CCaç. 2790, pertença do BCaç 2928.

Recorrendo para confirmação de datas (,que os neurónios já não ajudam nas certezas absolutas), consultei a "História da Unidade" daquela minha companhia e, claro, lá apanhei o Diamantino Gertrudes da Silva que passou a fazer parte dos quadros, tomando o comando na substituição do capitão José Pedro Sucena, em Fevereiro de 1972.

Meu caro Gertrudes da Silva, já tive ocasião de manifestar os meus sentimentos à sua família mas não quis desperdiçar a oportunidade de ter recebido uma alusão a este momento de saudade por via electrónica, sem daqui lhe endereçar um sentido "Rest In Peace".

O facto de a notícia-base não o mencionar como comandante da valorosa CCaç 2790 naquele 1972, foi motivo suficiente para exarcebar os meus orgulhos ( e julgo que de todos os nossos outros camaradas) pois a experiência foi-nos gratamente positiva.

Desde logo do ponto de vista operacional mas,  não menos importante, do ponto de vista humano.
Tive(mos) o prazer de o ter entre nós por várias vezes nos jantares (poucos) que vamos fazendo de quando em vez à laia de prova de vida ...

Você, meu caro amigo, juntou-se aos que já tinham partido mas creia que deixou um rasto enorme de simpatia, de camaradagem, de competência e de humanidade invejáveis. (**)

Descanse em paz !
António A.Garcia de Matos


2. Comentário do António Matos  (***):

Pois sou mesmo eu a iniciar esta secção de comentários a este meu poste (*)

Primeiro, corrijo a legenda da (...) foto [acima], onde o capitão é o Gertrudes da Silva [e não o Pedro Sucena];

Segundo: quero dizer ao José Câmara que consegui, hoje, falar com o José João e que ele e o José Bairos são uma e só uma pessoa ! Falei e deliciei-me com aquele sotaque inesquecível intervalado com expressões americanadas a reflectir os quase 40 anos de emigrado ! Engraçadíssimo !

O Bairos era do pelotão do alferes Pires e não consigo associá-lo às imagens que ainda tenho daquela malta.

Infelizmente os EUA são grandinhos e não permitem que esta gente tenha contactos com camaradas de outros tempos e por isso não me soube dizer nada de outros ...

António Matos
_____________

Guiné 61/74 - P19099: Tabanca Grande (468): Gertrudes da Silva (1943-2018), ex-cmdt da CCAÇ 2781 (Bissum, 1970/72)...Senta-se, a título póstumo, à sombra do nosso mágico e fraterno poilão, sob o nº 779.



Amadora > Academia Militar > 1963 > Caderes do curso de Gertrudes da Silva

Foto (e legenda): © Vrigínio Briote (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Gertrudes da Silva (19943-2018), 
nosso grã-tabanqueiro nº 779, a título póstumo. Foto Lusa / DR
(com  a devida vénia)



O Capitão Gertrudes da Silva, Cmdt da CÇAÇ 2781. (Guiné, 1970/72).

Foto: © Gertrudes da Silva (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso coeditor, jubilado, Virgínio Briote, com data de 11 do corrente, respondendo a uma mensagem do nosso editor LG:


Data: quinta, 11/10/2018 à(s) 21:46

Assunto:  Gertrudes da Silva (1943-2018)

Era um tipo fora da corrente dos cadetes do princípio dos anos 60. 

Entrou para a Academia em 1963, um ano depois de mim. Com formação católica, julgo que frequentou um seminário na zona de Viseu, era um jovem de hábitos sóbrios, com carácter, estudioso e atento aos tempos que se viviam. 

Não foi surpresa saber que tinha tido participação activa no 25 de Abril. Comandou a companhia que saiu de Viseu,  e com as forças de Aveiro e Figueira da Foz,. assenhoreou-se do Forte de Peniche. 

Além do papel que desempenhou em 1974, Diamantino Gertrudes da Silva dedicou-se à escrita, publicando, entre outros, "Deus, Pátria e... A Vida", "A Pátria ou a Vida" e "Quatro Estações em Abril". 

A sombra da Guerra [, esteve em Angola e na Guiné, ] pairou numa boa parte das obras que escreveu.

Abraço, Luís.

V.Briote


2. Testemunho do Carlos Matos Gomes (*):

(...) O Diamantino morreu ontem. Nasceu em 1943, na Beira Alta, em Moimenta da Beira. Filho de gente humilde – não se trata de neo-realismo – frequentou o seminário e depois a Academia Militar, onde entrou em 1963. Conheci-o ainda de missal, expressão séria, a sair da caserna para ir à missa. Eu, três anos mais novo, já agnóstico. Nunca falámos de religião, de deuses, de salvação. Respeito. Ele infundia respeito, mesmo quando acreditava no que me merecia radicais oposições: eu dispensava a ideia de Deus, ele ainda a respeitava, não como amparo pessoal, mas como instância de justiça, julgo.

(...) O Diamantino formou-se em História, em Coimbra. Ele, e um outro destes capitães, também já desaparecido, o Monteiro Valente. Conheci-os, relacionei-me com eles como mais um privilégio que a vida me concedeu. O Monteiro Valente foi o único (julgo) capitão que teve de disparar a sua arma para impor o 25 de Abril numa unidade militar! (...)


\
Lisboa >Sociedade de Geografia > 6 de março de 2008 > O João Parreira e o Artur Conceição, do BArt 733 (Mansoa, Bissorã, Farim, Cuntima, Jumbembem, Canjambari, 1964/66), em primeiro plano na cerimónia de apresentação do Diário da Guiné, do M. Beja Santos. Na 2ª fila, o coronel Diamantino Gertrudes da Silva (sorridente).

Foto: © Mário Fitas (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e comentário: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


3.  Comentário o editor LG:

Escrevi, logo no dia 11, ao Virgínio Briote:

(...) Virgínio: lamento a morte de mais um camarada e amigo teu, dos tempos da Academia... Não o conheci pessoalmente, mas há postes teus e dele no nosso blogue...  Que achas se o integrarmos na Tabanca Grande, a título póstumo ? (...) Ele teve alguma interação connosco (...), e comandou a CCAÇ 2781 (Bissum, 1970/72) (...)

O Gertrudes da Silva tem 8 referências no nosso blogue. Infelizmente não tínhamos, até à data,  nenhum representante desta companhia no nosso blogue. 

Ora ele foi (e é) antes de mais um camarada nosso, comandante operacional no TO da Guiné... E mais: tem, pelo menos, duas intervenções no nosso blogue. Apresentou o livro do Beja Santos, "Diário da Guiné", em 6 de março de 2008, na Sociedade de Geografia.  (**). Perdi então a oportunidade de o conhecer pessoalmente: nessa semana eu estava na Guiné-Bissau.

O Gertrudes da Silva considerava, aliás, de pleno direito, este blogue como o "nosso blogue" (***). Certamentr por lapso, não foi convidado nessa altura para integrar a nossa Tabanca Grande. Entra, agora,  a título póstumo, com o nº 779 (****).

Vivia em Viseu. Publicou quatro obras, editados Palimage, a últma, em 2011, "Tempos sem Renissão". Esta última aparece após a publicação, entre 2003 e 2007,  de uma trilogia que percorre a Guerra Colonial portuguesa e a Revolução do 25 de Abril de 74, com os títulos: "Deus, Pátria e... a Vida" (2007);  "A Pátria ou a Vida" (2005); "Quatro Estações em Abril" (2003).

Entre outras condecorações, foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, em 1/10/1985,  pela sua participação no Movimento do 25 de Abril de 1974.
___________


(**) Vd. poste de 13 de março de 2008 > Guiné 63/74 - P2632: Coronel Gertrudes da Silva: A Guiné, a guerra colonial e o 25 de Abril (Virgínio Briote)

(...) Texto base da intervenção do Coronel Diamantino Gertrudes da Silva na apresentação do Diário da Guiné, do Mário Beja Santos.

O Coronel D. Gertrudes da Silva, ele próprio escritor de crónicas de Guerra, teve a ambilidade e deu-nos o gosto não só de estar presente mas também de responder à solicitação que lhe foi feita para enquadrar a Guerra da Guiné no contexto da Guerra Colonial. (...)

A Guiné no Contexto da Guerra colonial e do Regime do Estado Novo 

por Gertrudes da Silva, coronel reformado

(...) Profissionais ou não, voluntários ou obrigados, nós, os militares, cumprimos a parte que nos cabia, que era a de dar tempo e margem de manobra aos políticos para que resolvessem a Questão Colonial.

(...) Com um Regime orgulhosamente só (lá fora e cá dentro), com 40% do Orçamento afectado aos encargos da defesa, com milhares de mortos, milhares de feridos e muitos estropiados, com um esforço militar cinco vezes maior, em termos proporcionais ao dos EUA no Vietname, com a sangria das melhores energias da Nação na Guerra Colonial e na emigração, com a privação de todas as mais elementares liberdades, com um povo profundamente triste por tanta ausência e tanta perda era absolutamente necessária e, mesmo, inevitável qualquer coisa como foi o 25 de Abril, levado a cabo pelos militares, porventura porque sentiam melhor que ninguém a inutilidade da tragédia da Guerra Colonial, porque lhe preparavam uma saída ultrajante como a da Índia, porque talvez só eles estariam em efectivas condições de o fazer.

De resto, como dizia o mestre Kierkgaard, “A vida só pode ser vivida para a frente e explicada para trás”. (...)

Viseu, 8 de Março de 2008
Gertrudes da Silva
Cor Ref (...)

[Texto para intervenção no encontro do Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que teve lugar em Lisboa, em 06Mar2008.] (**)
.
(***) 15 de março de 2008 > Guiné 63/74 - P2646: A Guiné, a Guerra Colonial e o 25 de Abril. Comentários e Nota do Coronel Gertrudes da Silva (Virgínio Briote)

(...) A UM ANÓNIMO [que comentou o poste P2632]

Se não se apresentasse sem dizer o nome, já que mais não fosse por razões de pertença, dirigir-me-ia a si como caro ou até como amigo ou camarada (da tropa, naturalmente). Mas aí vai.
Eu não omiti nada no escrito (*) que alguém com esse direito tratou de publicar no, já agora, nosso blogue. Não me propunha aí falar propriamente do 25 de Abril, e tão só no enquadramento desse facto (marco) histórico no contexto da Guerra Colonial.

(****) Último poste da série > 4 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19070: Tabanca Grande (467): José Ramos, ex-1º cabo cav, condutor Panhard AML, EREC 3432 (Bula, 1972/74)... Novo grã-tabanqueiro, nº 778.

Guiné 61/74 - P19098: Agenda cultural (651): Lisboa, Casa do Alentejo, dia 20, sábado, 15h30: Homenagem a Sofia Pomba Guerra (1906-1976), farmacêutica, professora, feminista e destacada opositora ao regime de Salazar, em Moçambique e Guiné-Bissau




[Maria] Sofia Pomba Guerra (1906-1976)


1. Mensagem de Luís arvalho, com data de 12 do corrente, às 10h52

 Assunto -Homenagem a Sofia Pomba Guerra: destacada opositora a Salazar na Guiné


Caro Luís Graça, bom dia

Venho convidá-lo a participar neste evento e pedir-lhe ajuda na divulgação. (*)

Agradecendo desde já a sua atenção

Com os melhores cumprimentos


Luís Carvalho


2. Homenagem a Sofia Pomba Guerra (1906-1997): destacada opositora a Salazar na Guiné Bissau

No próximo dia 20 de Outubro, às 15h30, a Casa do Alentejo em Lisboa promove uma homenagem a Sofia Pomba Guerra, com intervenções dos investigadores Diana Andringa, Carlos Lopes Pereira e Luís Carvalho.

A actriz Daniela Rosado lerá poesia da escritora moçambicana Noémia de Sousa [1926-2002]

O programa inclui música africana e alentejana, confraternização e beberete.

Sofia Pomba Guerra (Elvas, 1906 – Cascais, 1976): farmacêutica e professora, foi uma destacada feminista e resistente anti-fascista em Moçambique e na Guiné.

O seu apoio à luta contra o colonialismo foi enaltecido por Amílcar Cabral e pelos primeiros presidentes de Cabo Verde e Guiné Bissau, Aristides Pereira e Luís Cabral. (**)

Foi presa política em Moçambique e em Portugal (1949/50).
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 27 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19051: Agenda cultural (650): Homenagem na Casa do Alentejo, Lisboa, sábado, dia 29, aos bonecos e aos bonecreiros de Estremoz, uma arte recentemente classificada como "património cultural imaterial da humanidade"

(**) Vd. poste de 28 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17520: (De) Caras (87): Maria Sofia Pomba Guerra (1907- c.1970), mais uma "desterrada política", tal como Fausto Teixeira, elogiada pelos históricos dirigentes do PAIGC


Guiné 61/74 - P19097: Os nossos seres, saberes e lazeres (288): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (7): De Lourdes a Gavarnie, um grande ecrã dos Pirenéus (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
Conhecia os Pirenéus de os atravessar de noite, em viagens de autocarro, recordações de estudante. Com os anos, fui ouvindo e lendo notícias sobre um local a que se atribuía magia e ultrarromantismo, o circo de Gavarnie.
Chegara a hora, comboio de Toulouse para Lourdes, autocarro para Pierrefitte-Nelandas, primeiro ponte de Espanha, grandessíssima beleza e depois o sonho realizado, mesmo com imensa neblina Gavarnie encheu as medidas do viandante.
Tudo se fará para regressar, seja qual for a estação do ano.

Um abraço do
Mário


Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (7): 
De Lourdes a Gavarnie, um grande ecrã dos Pirenéus

Beja Santos

Viagem de comboio até Lourdes, dentro de momentos chegará o autocarro que nos conduzirá a Pierrefitte-Nestalas, local de hospedagem. O grande prato de substância nesta viagem é o Circo de Gavarnie, património da humanidade. O viandante olha à volta em Lourdes, contempla um castelo que tem mil anos de história, lá em cima está o Pic du Jer, que domina a cidade, lá em baixo é o local de peregrinação, quem é crente na mensagem de Bernadette vem até à cova onde teria havido o encontro entre a pastorinha e a virgem. Existe um imenso santuário, realizam-se procissões. E depois de olhar à volta, o viandante sobe o autocarro e só sai no local temporário de morada, Pierrefitte-Nestalas. Convém desde já esclarecer que se dissipou bom tempo, o que parecia uma inofensiva morrinha transformou-se em chuva intermitente, daquela que se entranha nos ossos, o importante é a beleza destas nuvens, Pierrefitte não é nada do outro mundo mas tem um hotel singular, bem antigo e não mal cuidado. Ora vejam.



O que oferecem estes Pirenéus franceses? Vales como Argéles, o País Toy, ou Cauterets; o Parque Nacional dos Pirenéus e reservas naturais, o circo de Gavarnie (entende-se por circo um recinto natural de paredes abruptas, de forma circular ou semicircular formada por uma depressão, neste caso de origem glaciar), estações de esqui e teleféricos, estações termais, passeios pedestres, lagos e torrentes, e muito mais. O viandante, atendendo às condicionantes atmosféricas, pauta-se pela elementar sobriedade, começa-se pelo passeio até Cauterets, tem-se em mira visitar as cascatas ao pé da ponte de Espanha, daqui tomar-se um teleférico até ao lago de Gaube, daqui avista-se Vignemale, a mais de 3 mil metros de altitude. Logo a surpresa da gare, hoje inativa, mas é um belo edifício alpino, muito bem tratado, acompanhem o viandante.





Qual o móbil da visita? Esta ponte de Espanha, visitável através de um pequeno autocarro que sai aqui de Cauterets, permite conhecer um antigo itinerário de pastores, naquela ponte fazia-se o comércio com Espanha, é um vale riquíssimo em cascatas, lagos e paisagens, os caminhantes adoram passear por aqui, há chalés e refúgios para os mais entusiastas, a grande sensação é aquele local grandioso chamado o Pic du Midi de Bigorre, uma experiência de cortar a respiração.


Chove ininterruptamente, mas a envolvente de escarpas e floresta deixa o viandante aturdido, nunca vivera uma tal experiência de montanha, aqui fica a ponte de Espanha e as cascatas que rumorejam em cachão turbilhonante. À cautela, vai-se ao restaurante comer uma sopa bem quente e uma boa tosta mista, segue-se um café a escaldar e de novo a natureza.




Cauterets não é só a ponte de Espanha, pode ser dimensionada como cidade-montanha, tem uma estação termal, bosques, torrentes e cascatas borbulhantes e lagos resplandecentes. E é verdade o que diz o guia turístico, as ruas estão impregnadas do olor das guloseimas, as fábricas de caramelos parecem estar sempre em funcionamento, são guloseimas que têm fama desde o século XVI.


E no dia seguinte, o viandante encaminha-se para o Circo de Gavarnie, já leu que tem paisagens românticas, por ali andou Victor Hugo dois meses com Juliette Drouet, fica para saber se em idílio amoroso ou à procura de inspiração. Esmagado pela emoção, Victor Hugo comentou: “É ao mesmo tempo uma montanha e uma muralha, é o edifício mais misterioso dos arquitectos, é o coliseu da natureza, é Gavarnie”. E os roteiros turísticos fazem rufar os tambores: “Se Chamonix é o top do alpinismo, Gavarnie é o top dos Pirenéus”. O viandante vai percorrer caminhos emblemáticos, encontrando outros que por ali andam em estado de êxtase a olhar para estes vales que durante o verão se cobrem de rebanhos, o cenário de Gavarnie não é incompatível com a pastorícia. E mesmo com a continuação de mau tempo, Gavarnie desvela as suas altas muralhas geladas, um assombro.




Foi suficiente para querer voltar, em qualquer das estações do ano, impossível que esta imensidade pirenaica não tenha muito mais para oferecer, com os seus vales de águas em cachão, neves eternas, lagos glaciares. É assim o fadário da viagem: saber que há muito mais no regresso. Por ora, vai-se pernoitar a Pierrefitte-Nestalas, amanhã segue-se para Pau, desde estudante que se pretende conhecer onde viveu aquele rei de Navarra que foi rei de França e marido de Margot, que deu filme com os horrores da noite do massacre de São Bartolomeu. Mal sabe o viandante que vai a Pau debaixo de chuva torrencial. Vicissitudes!

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19075: Os nossos seres, saberes e lazeres (287): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (6): A cidade medieval fortificada de Carcassonne e o seu turismo (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19096: Parabéns a você (1512): Mário Ferreira de Oliveira, 1.º Cabo Condutor de Máquinas da Marinha Ref (Guiné, 1961/63)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19092: Parabéns a você (1511): Cátia Félix, Amiga Grã-Tabanqueira

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19095: O nosso livro de visitas (196): Comentário de Fernando Sousa Ribeiro, antigo combatente em Angola, deixado no nosso Blogue

Mapa de Angola
Com a devida vénia a uniaonet.com

O nosso camarada Fernando de Sousa Ribeiro, antigo combatente em Angola, deixou este comentário no Poste Guiné 61/74 - P19087: Bibliografia de uma guerra (93): “Tu não viste nada em Angola”, por Francisco Marcelo Curto; Centelha, 1983 (1) (Mário Beja Santos):

Muito gostaria eu de ler este livro, quanto mais não fosse para comparar a experiência vivida por Francisco Marcelo Curto, no início da guerra em Angola, com a minha, quase no fim da mesma guerra e quase nas mesmas paragens. As diferenças deveriam ser muitas.

Para se ter uma ideia do respeito que nos devem merecer aqueles que em 1961 partiram para a guerra no norte de Angola, pode-se chamar a atenção para o facto de que eles fizeram uma guerra para a qual não estavam minimamente preparados. Eles tinham sido preparados para uma guerra convencional, com grandes batalhas envolvendo exércitos de milhares de homens de um lado e do outro, e não para a situação caótica que foram encontrar em Angola. Tiveram que improvisar, tiveram que se desenrascar o melhor de que foram capazes. Muitos erros devem ter cometido e muitas baixas devem ter sofrido por causa desses erros. Vidas que se foram e não voltam mais. Famílias e famílias enlutadas.

O Mário Beja Santos chama a atenção para o facto de eles usarem capacetes. Capacetes debaixo do sol tropical?! Só se fosse para assar os miolos!, dir-se-á. Pois eles usaram mesmo capacetes! É verdade! A minha companhia em Angola também tinha capacetes de ferro para serem usados nas operações, mas eles ficaram sempre dependurados na parede do fundo do depósito de material de guerra, pois nós fazíamos as operações de quico na cabeça.

Eles também não empunhavam espingardas automáticas G3, mas sim espingardas de repetição Mauser, que eram muito mais pesadas e só disparavam tiro a tiro, ainda que fossem mais precisas e tivessem maior alcance do que as G3.

É preciso lembrar também que a máquina logística das Forças Armadas na guerra de Angola não existia ainda, o que implicava falhas graves no abastecimento das unidades que avançavam a caminho do desconhecido.

Não existia igualmente o dispositivo militar que acabou por ser implantado, baseado em batalhões e companhias espalhados pelo território, em sistema dito de quadrícula, o qual foi depois reproduzido em Moçambique e na Guiné. O dispositivo de quadrícula foram eles que inauguraram.

Um pormenor que nunca vi referido em lado nenhum e que eu acho importante é a má qualidade de muitas das armas e munições que foram usadas nesse tempo. Muitos mortos e feridos foram provocados, nos primeiros anos da guerra, por granadas de morteiro que explodiam logo no interior do tubo, por pistolas-metralhadoras FBP que desatavam a disparar sozinhas ao mais pequeno abanão, por granadas de mão que rebentavam logo no momento em que saltava a alavanca, etc. Os relatórios de algumas operações dos primeiros anos da guerra que eu li em Angola estavam cheios de incidentes deste tipo, com um longo e arrepiante cortejo de baixas.

Enfim, estas são as minhas primeiras impressões a respeito do livro de Francisco Marcelo Curto.
Fico a aguardar a continuação.

Fernando de Sousa Ribeiro

P.S. - Estive no norte de Angola, mas não conheci pessoalmente os locais referidos no livro.
Embora me encontrasse perto, eu estive um pouco mais a sul. Mesmo assim, posso dizer que no decurso de uma operação estive pertíssimo (cerca de 10 km) de Quipedro, onde se encontrava uma companhia de angolanos (a CCaç 104/72, se não me engano) que (dizia-se) foram transferidos para lá de castigo por terem feito um levantamento de rancho.
Se assim foi, custou muitas vidas o levantamento de rancho. Por exemplo, eles sofreram 6 mortos e um número de feridos de que não me recordo, só no "rescaldo" da operação referida.
Numa outra operação, muito mais calma, também não andei longe de Nova Caipemba, em cujas proximidades a FNLA tinha uma das suas bases mais importantes em Angola, a chamada "central do Dange".
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17868: O nosso livro de visitas (195): José Claudino da Silva, ex-1º cabo condutor auto, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74, autor do livro de ficção "Desertor 6520" (Lisboa, Chiado Editora, 2016, 418 pp.)