sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19225: Notas de leitura (1123): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (61) (Mário Beja Santos)

Edifício do BNU em Lisboa


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Março de 2018:

Queridos amigos,
Enquanto o datilógrafo da alfândega de Bissau está a ser interrogado pela PIDE das suas ligações a panfletos enviados a funcionários e militares, aqui se fala da chegada do franco-guinéu de Sekou Touré que vem trazer dores de cabeça nas operações do BNU de Bissau e para a economia de toda a Guiné, e aproveita-se a circunstância para estabelecer um arco temporal à volta das propriedades rústicas do BNU na Guiné, uma insolvência medonha, em 1927, colocou o BNU como grande proprietário na região do Quínara, com a luta armada e o envolvimento persistente do PAIGC na região, quer o BNU quer a CUF aperceberam-se que era melhor transferir todos aqueles milhares de hectares para bem público, eram propriedades que não rendiam coisa nenhuma e em breve se transformariam em mato puro, havendo o risco de pagar impostos, sem fim feliz à vista.
Chegámos a 1961 e o gerente de Bissau transformar-se-á num importante cronista desconhecido, nem ele fazia ideia das informações que estava a lançar para o futuro do conhecimento histórico.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (61)

Beja Santos

Entrara-se, pois, num período de grande intranquilidade, o gerente do BNU vai ter pela frente, e até 1964, uma intervenção que ele próprio não deve ter dimensionado a importância – vai tornar-se num repórter que acompanha de forma persistente o prelúdio e os primeiros anos da luta armada, como talvez mais ninguém, o governo do BNU irá receber informação privilegiada, através do diretor da PIDE em Bissau, o gerente dispõe de uma informação que nem muitos militares no teatro de operações.

Logo na carta de 8 de março de 1960 em que anuncia a prisão do datilógrafo dos panfletos do Movimento da Libertação da Guiné, dá conta do novo problema de moeda, e com relevo na vida da Guiné, a moeda própria de Sekou Touré, o franco guinéu, tinham sido emitidas notas de 1.000, 500, 100 e 50 francos e moedas de 10 e 5 francos:
“As notas e moedas começaram a circular em 5 deste mês. Conseguimos com algum esforço obter duas dessas notas, de 100 e 50 francos, que aqui juntamos, para apreciação de V. Exas.
Não queremos deixar de chamar a atenção de V. Exas. para alguns curiosos pormenores das referidas notas: a emissão é do Banque de la République de Guinée, entidade que, ao que sabemos, não existe, por enquanto; a data de 2 de Outubro de 1958 é a da independência daquele território; as assinaturas não são, como seria lógico, dos dirigentes do Banco, mas dos ministros da Economia Geral e das Finanças; a figura do frontispício é a de Sekou Touré.
Cremos ser nulo o valor intrínseco de tal moeda, pois desconhece-se o padrão monetário. O que sabemos é que tem curso forçado e não pode circular outra moeda, inclusive os antigos francos da emissão do Banque de l’Afrique Occidentale Française.
A criação de moeda própria, o seu curso forçado, a proibição de circulação de moeda estranha e a quase certeza do seu nulo valor porque se conhece a competente reserva de garantia e ainda a dúvida da sua aceitação no exterior, criou ao comércio fronteiriço desta Província um problema grave. As suas consequências hão-de projectar-se na economia local, atingindo fortemente o seu equilíbrio, já um tanto artificial.

Sabem V. Exas. que toda a actividade comercial da fronteira – relativamente grande e influente – se exerce tendo o franco senegalês como moeda circulante. Sabem V. Exas. que boa parte das mercadorias importadas têm o seu mercado e o seu escoadouro na fronteira, em quase todas as fronteiras do nosso território, originando a entrada maciça de grandes quantidades de francos-notas. Esses francos são enviados para Lisboa e aí convertidos em escudos metropolitanos e outras divisas, para liquidação de boa parte do total de importação. São esses invisíveis movimentos de coberturas que sustêm o desequilíbrio da balança de pagamentos e contribuem, em larga medida, para aliviar a posição cambial do comércio e, portanto, do fundo cambial. Além do que traz à praça quantioso movimento, apreciáveis receitas aduaneiras e bons lucros – mesmo para nós.
Toda esta benéfica actividade se contrairá enquanto se não souber o valor real do papel-moeda emitido pelo senhor Sekou Touré e a audiência que terá nos mercados monetários da Europa.
E assim, a novel Republica vizinha continuará a projectar na nossa Província a sombra má da sua nefasta propaganda, agravada, agora, com um acontecimento que – apesar de previsto – atinge desastrosamente um elemento vital da nossa economia – o comércio fronteiriço”.

É preciso agora estabelecer um arco temporal, que vai de 1927 até ao momento em que o BNU oferece as suas propriedades ao governo da Guiné, em 1973. Recorde-se que só a insolvência de Victor Gomes Pereira, no Sul, fez transferir para o BNU uma quantidade indescritível de hectares de terra, que se distribuíam pelas áreas administrativas de S. João, Tite, Fulacunda e Buba, tudo somado era uma área global de aproximadamente 44 mil hectares, num conjunto de seis blocos.
Logo num documento datado de 4 de abril de 1957 intitulado “Breves considerações sobre as propriedades do BNU", assinado por José Telles Ribeiro, se enunciavam as caraterísticas destes blocos, deste modo:
“Os três primeiros blocos, na sua totalidade na área do Posto Administrativo de S. João revelam-se fundamentalmente constituídos por solos do tipo ‘solos vermelhos’, cujas características principais são a sua fácil drenagem, aspecto cinzento-escuro e arenoso à superfície até 30 ou 40 centímetros e daí para baixo vermelhos de textura argilosa. Estes solos, no aspecto químico, podem-se considerar os mais equilibrados da Província.
Os terrenos destes três blocos, ocupados quase exclusivamente por indígenas das tribos Biafada e Mancanha estão fortemente submetidos à cultura do amendoim, revelando já nítidos sintomas de cansaço. O revestimento florestal é quase inexistente, dominando o aspecto de savana aberta.
O quarto bloco, com uma área de aproximadamente 38 mil hectares, é fora de dúvida o que maior interesse oferece, já pela sua elevada extensão, já pela conservação da fertilidade do solo. Nestas propriedades encontra-se já uma maior diversidade de tipos de solos, indo desde os vermelhos aos amarelados, caracterizando-se estes últimos por uma maior capacidade e o aparecimento da couraça laterítica. O revestimento florestal é mais intenso que nos anteriores. O solo, menos sujeito à agricultura indígena, em virtude de uma mais baixa densidade populacional, aparenta ainda um aspecto de riqueza orgânica que lhe garante, sem dúvida, uma boa fertilidade.
O quinto bloco é a propriedade ‘Ilha do Fogo’, com uma área bastante reduzida e completamente isolada das restantes propriedades, tem como principal particularidade uma extensa mancha de palmeiras espontâneas.
O sexto bloco é a propriedade de ‘Santana’, totalmente ocupada por floresta aberta, tem o particular interesse de, dada a sua situação geográfica na margem do Rio Grande de Buba poder vir a constituir um porto de drenagem para as futuras produções das restantes propriedades.

Os terrenos do BNU integram-se na designação de ‘Propriedades Perfeitas’ o que, segundo os termos do regulamento de concessões, garante ao proprietário o domínio directo, o domínio útil e a faculdade de venda; em contraste com a concessão por aforamento em que o foreiro tem exclusivo direito ao domínio útil, pertencendo o directo ao Estado e revertendo o terreno a este desde que não esteja devidamente aproveitado no prazo de tempo para tal fixado. Daqui resulta o alto interesse e valor das propriedades do BNU e a necessidade de os valorizar ao longo dos anos, mediante uma ocupação agrícola gradual em vez de a deixar ir desvalorizando pelo abandono das mesmas à acção devastadora do indígena.
Com base no conhecimento das condições ecológicas locais, consideramos preferenciais as seguintes culturas: caju (árvore bastante rústica, podendo ser semeada directamente no terreno definitivo, é a que se traduz numa ocupação mais económica, dada a inexistência de granjeios); coleira (com elevados rendimentos por árvore, poderia ser usada na ocupação dos terrenos mais ao sul); coqueiro e palmeira (viável nos terrenos baixos e húmidos, onde seja possível a obtenção de água superficial ou subterrânea); cafeeiro (embora não definitivamente estudado, parece admitir-se como provável de uma boa adaptação da variedade ‘robusta’).
Só assim se poderão valorizar terrenos agora sem valor e evitar por meio de uma acção técnica directa os efeitos devastadores da primitiva agricultura indígena”.

Mais tarde, o BNU encomendou a um perito de nome E. W. Boesser um trabalho nos terrenos seus pertencentes na região de Quínara, é um documento muito minucioso, seguramente que seria da maior utilidade ainda hoje a sua divulgação junto das autoridades guineenses.
Em 13 de dezembro de 1963, no relatório da visita de inspeção à Filial de Bissau inclui-se de novo esta preocupação com a agricultura no contexto económico da Guiné, vale a pena aqui reproduzir o texto introdutório:
“A agricultura, outrora a base da economia da Guiné, não pode hoje ser considerada como elemento efectivo do desenvolvimento desta Província. A situação criada à Região levou o agricultor a concentrar-se nos grandes centros comerciais ou em aldeamentos onde encontra a protecção das Forças Armadas mas depara-se com solos fracos, sem grandes possibilidades.
E ao natural afrouxamento das culturas tradicionais – milho, mandioca, sorgo e arroz – também não será completamente alheio o facto de, por razões de defesa, haverem sido chamadas largas centenas de homens para as milícias e que deixaram assim de prestar o seu contributo braçal à agricultura.
Não se torna por isso difícil explicar a necessidade em que se viu nos últimos anos a Província de, tradicionalmente exportadora de arroz, embora de quantidades reduzidas, passar a importar grandes quantidades deste cereal para sustento das populações.
As indústrias existentes, reflexamente, têm também na actual conjuntura uma muito menor influência na economia da região se atendermos a que a matéria-prima – a mancarra, o coconote e o próprio arroz, escasseou pelos motivos apontados.
Hoje pode-se afirmar que a Guiné encontra relativo equilíbrio orçamental no comércio importador, que passou a disfrutar de grande prosperidade, na medida em que se lhe proporciona um maior poder de compra trazido pela presença dos grandes efectivos militares. Tal situação, no entanto, provoca um desnível muito acentuado da sua balança comercial”.

Esta situação irá agravar-se no decurso da guerra, em 9 de julho de 1973 será entregue ao Governo do BNU uma informação sobre as propriedades rústicas do Banco, urgia tomar medidas para que o BNU se desembaraçasse daquele verdadeiro imbróglio:
“Possui a nossa Filial de Bissau, na circunscrição do Fulacunda, 17 prédios rústicos constituídos por térreos com área global de cerca de 1,2% da área total da Província.
Os referidos terrenos vieram à posse do Banco em 1927, por efeito de execução hipotecária relativa a um crédito concedido.
Em 1965, deu-se na Guiné início a trabalhos de promulgação de uma contribuição predial rústica que, se viesse a ser aplicada, nos obrigaria ao pagamento de 4.391 contos anuais. O Conselho do Banco deliberou então criar uma sociedade em Bissau, à qual seriam vendidas as propriedades, para devida exploração agropecuária.
Nem a prevista contribuição predial rústica chegou a ser promulgada, nem chegou a constituir-se uma sociedade em Bissau para exploração agropecuária, os terrenos mantiveram-se como propriedade do Banco.
Todavia, a continuação do terrorismo na Guiné criou situações delicadas, quer do ponto de vista emocional (dizia-se que o BNU era senhor de grande parte do solo da Província, que mantinha inexplorado…) quer do ponto de vista da limitação de soluções quanto ao aproveitamento e consequente venda dos terrenos, que vieram a ser objecto de ocupação e controlo por parte dos terroristas, enquanto se não levou a efeito determinada operação militar no sul da Província.
Em situação análoga se encontravam na Guiné cerca de 15 mil hectares de terrenos pertencentes ao grupo CUF que vieram a ser doados à Província em 16 de Abril de 1973, para serem explorados pelas populações em regime comunitário.
A partir do momento daquela doação, considerou-se a hipótese do Banco proceder do mesmo modo em relação aos seus terrenos. E, com efeito, quando da visita do Sr. Governador da Província à Metrópole, em Maio passado, ficou verbalmente assente que o Banco faria a doação dos terrenos, desde que para os explorar se constituísse uma cooperativa agropecuária.
Escreve-nos agora o Sr. Governador da Guiné a sua carta de 26 de Junho, enviando um projecto de minuta da respectiva escritura de doação (decalcada da escritura da CUF), bem como os resultados do estudo sobre a viabilidade da constituição de uma cooperativa agropecuária e dos respectivos encargos”.

E o autor da informação analisava a viabilidade e despesas da cooperativa, equacionava o auxílio monetário que porventura o Banco desejasse prestar ao arranque da cooperativa, sugeria-se que a doação dos terrenos devia ser feita sem aparatos de publicidade e sugeria-se um donativo de 6.830 contos para cobrir o investimento a efetuar, mas admitia-se que muito mais dinheiro seria necessário para o amanho de toda a área. Mas dada a complexidade da transferência de posse, o autor acabava por sugerir que só se deviam doar os terrenos e não conceder qualquer subsídio.

Não se conhecem dados ulteriores da doação, assim acabava a história do BNU como proprietário rústico da Guiné.

A partir de 1961, note-se bem, o gerente em Bissau, vai passar a mandar notícias num território que em breve deixará para o passado o sonho pacificador. Como vamos ver.

(Continua)

Edição de selo comemorativo do I Centenário da fundação do BNU

Imagem retirada do livro “Uma Apoteose – duas visitas – uma despedida”, 1953.

Visita do subsecretário do Ultramar, Raúl Ventura, imagem retirada do livro “Uma Apoteose – duas visitas – uma despedida”, 1953.
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Notas do editor

Poste anterior de 16 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19200: Notas de leitura (1122): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (60) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 19 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19207: Notas de leitura (1122): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19224: (D)o outro lado do combate (38): Carta de Lourenço Gomes, datada de Samine, 3 de março de 1965, dirigida a Luís Cabral, expondo a dramática situação da farmácia do PAIGC (Jorge Araújo)



Citação: (1960-1961), "Osvaldo Vieira, Constantino Teixeira, Lourenço Gomes e Armando Ramos em Conakry", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43591 (2018-10-26), com a devida vénia. [Há um quinto elemento, na ponta direita, que está por identificar]


Fonte: CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 05222.000.084. Título: Osvaldo Vieira, Constantino Teixeira, Lourenço Gomes e Armando Ramos em Conakry. Assunto: Osvaldo Vieira, Constantino Teixeira, Lourenço Gomes e Armando Ramos junto ao Secretariado Geral do PAIGC [A Direcção geral do PAIGC instalou-se em Conakry no mês de Maio de 1960]. Data: 1960-1961. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Fotografias.



Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, 
CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > 

OS PROBLEMAS DO PAIGC NA LOGÍSTICA DE SAÚDE EM 1965 > ENTRE A LUCIDEZ E O DESESPERO DE LOURENÇO GOMES, RESPONSÁVEL PELA ÁREA DA SAÚDE NA FRENTE NORTE


1. INTRODUÇÃO

Porque a curiosidade se mantém, definida como interesse pessoal no aprofundamento da temática em título, volto de novo ao fórum para partilhar convosco mais uma pequena investigação concluída a partir das últimas narrativas tendo por questão de partida a «Logística nas evacuações dos feridos do PAIGC na Frente Norte». 

A primeira abordou o modo como se organizava o transporte dos guerrilheiros feridos no trajecto desde o interior do território [Região do Oio] até ao hospital de Ziguinchor, no Senegal – P18848, e a segunda descreveu o "protocolo" utilizado (o possível em função dos recursos) nas intervenções cirúrgicas na base do Sará – P19129.

Em ambos os casos, as narrativas foram reforçadas com imagens obtidas pela câmera do médico holandês Roel Coutinho, clínico que durante os anos de 1973/1974 cooperou com a estrutura militar do PAIGC em diferentes bases da região Norte, quer no apoio aos combatentes quer na ajuda humanitária às populações sob o seu controlo.

Recuando na fita do tempo até Março de 1965, dois anos após a guerrilha ter iniciado a luta armada em Tite (Janeiro de 1963), os dirigentes do PAIGC batiam-se com grandes dificuldades logísticas em todos as frentes, com destaque para a área da saúde. Para além da inexistência de estrutura clínica adequada, e qualificada, onde não era possível garantir qualquer consulta, prescrição ou tratamento em tempo útil a cada paciente, conceitos que fazem parte dos actos médicos, a falta de medicamentos necessários para cada uma das enfermidades era gerida com "pinças", por serem escassos e incertos. A forma mais comum de os obter era através do recurso ao endividamento, com compras a crédito (requisições), particularmente no circuito comercial (farmácias) existente nos locais mais próximos dos hospitais do PAIGC situados em Ziguinchor (Senegal), Koundara e Boké (Guiné-Conacri). [Vd. mapa a seguir.]




Porque esta situação se agravava/degradava diariamente, por efeito do crescente aumento do número de baixas - feridos e mortos - resultantes das actividades operacionais contra as NT, foram lançados diversos apelos a "Comités de Solidariedade" internacionais, incluindo as organizações da Cruz Vermelha, solicitando apoios urgentes nesta área, como provam os exemplos identificados no ponto 4.

2. ANTECEDENTES


Já em Julho de 1964, em documento elaborado por Lourenço Gomes, a quem tinha sido atribuída a incumbência de supervisionar as actividades do PAIGC na Frente Norte, enviado a Amílcar Cabral, aquele dava conta da estatística relacionada com os feridos e doentes existentes naquela zona sob a sua responsabilidade (ver quadro abaixo). 









Citação: (1964), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35644 (2018-10-26), com a devida vénia.
Fonte: CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 07071.123.063. Assunto: Medicamentos. Enfermaria. Entrevista com Senghor. Prisão de Seco Camará. Em anexo: número de feridos e doentes em Casamansa e comunicado de guerra, assinado por Lourenço Gomes, referente ao dia 2 de Julho de 1964. Remetente: Lourenço Gomes, Samine [Frente Norte]. Destinatário Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC. Data: Domingo, 12 de Julho [Agosto?] de 1964. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios IV 1963-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.




Anexo 1 - Relação de doentes



Anexo 2 - Comunicado de guerra de  2/7/9164[, em vez do esperado extrato conta-corrente do mês de junho de 1964]


3.  CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO EM MARÇO DE 1965


Em função das responsabilidades que lhe estavam atribuídas e perante as dificuldades em encontrar soluções para os diferentes problemas que lhe iam surgindo no âmbito das suas múltiplas actividades, tomou a iniciativa de caracterizar a situação em missiva enviada a Luís Cabral [Bissau; 1923 – Torres Vedras, 2011].

Eis o conteúdo da carta enviada de Samine (Senegal) por Lourenço Gomes, em 3 de Março de 1965 [conforme original reproduzido abaixo].

"Caro camarada Luís Cabral. Saudações combativas.

Esta carta é para lhe explicar as dificuldades que passo aqui na fronteira [Norte].

Se eu fosse uma pessoa que sofresse do coração, decerto já teria morrido; não só pelas dificuldades que se me apresentam, mas sim, e mais ainda, por presenciar todo o sofrimento que o nosso Povo passa nos Hospitais do Senegal, sem ter meios com que os possa valer, pois desde Dezembro do ano passado [1964] até à presente data, não tenho em mão a minha situação financeira, pois sempre o dinheiro para ocorrer às despesas, chega tarde e incompleto.

Bem sei que temos de lutar com dificuldades e admiro mesmo como a Direcção do nosso Partido, tem-nas conseguido superar até aqui. Reconheço isso tudo, mas o que me entristece é receber, em vez de palavras de encorajamento, recriminações desanimadoras.

O camarada Aristides [Pereira; Cabo Verde; 1923 – Coimbra; 2011], numa das últimas cartas que me escreveu, dizia-me que para um responsável não pode haver impossíveis. Devem levar em consideração que na fronteira Sul há um responsável em Koundara, um em Gaoual e ainda outro em Boké, ao passo que para esta fronteira toda sou eu o único responsável.

Os encargos são muitos, os trabalhos e canseiras sempre maiores cada dia que passa e os impossíveis têm de surgir, pois mesmo o carro não poderá trabalhar sem gasolina e esse só se consegue com dinheiro ou tendo as contas sempre em dia.

Na carta que escrevi ao camarada Aristides, pedia-lhe que me arranjasse um outro responsável, para qual o impossível não exista, para me substituir, porque confesso com toda a franqueza, que já estou cansado. Informei-lhe sobre as dívidas que temos a liquidar, principalmente na Farmácia, mas nem sequer obtive resposta sobre o assunto.

Estou sujeito a ser preso dum momento para o outro, pois o proprietário da Farmácia, constantemente me manda cobrar.

A minha situação é semelhante a de um náufrago, que já cansado de nadar e com as forças esgotadas se deixa morrer. Assim também, não será de admirar e até será muito possível o ter de qualquer dia abandonar o meu lugar, sem esperar ordens superiores, não significando isso falta de respeito ou disciplina, mas sim, só saturação e canseira até ao esgotamento.

Recebi pelo camarada Bicho, todos os recados de que lhe incumbiu, mas peço veja bem que sem possibilidades, talvez não poderei satisfazer os seus desejos, muito embora contra a minha vontade. O dinheiro que por ele recebi tive de o despender no pagamento de dívidas muito urgentes, não sabendo agora, como poderei mandar dez pessoas para Dakar, se não tenho sequer em meu poder dinheiro suficiente para adquirir gasolina para mandar o carro. Até à presente data, não recebi a importância completa correspondente ao mês de Fevereiro passado.

Bem sei que a si não lhe cabem culpas do que se passa, mas julgo do meu dever dar-lhe conhecimento, como membro que é da Direcção do Partido.

Amanhã mesmo, tenho de seguir para a fronteira de Kolda, possivelmente até perto de Cuntima, porque fui chamado com urgência de Salquenhé, para cumprir uma missão indispensável, em virtude do camarada Yaia Koté estar a estragar o trabalho do Partido naquela fronteira.

Desde sábado que mandei um portador com carta para o Osvaldo [Vieira; Bissau; 1938 - Koundara; 1974], mas até à presente data não regressou. Não sei se me poderei deslocar a Dakar em virtude da missão que vou cumprir, mas o camarada Bicho fica aqui a aguardar o portador e seguirá logo que o mesmo regresse de Morés".

Um abraço do camarada muito amigo.
Lourenço Gomes.

De acordo com o acima exposto (e independentemente do subtítulo dado a esta narrativa), será que estamos perante mais um exemplo de como pode ser explicado o provérbio «casa [ou organização] onde não há pão [recursos], todos ralham [ou se queixam] e ninguém tem razão»? Ou seja, onde falta o dinheiro e, por esse facto a vida se degrada por ausência das condições básicas que permitam um mínimo de dignidade às pessoas, então ninguém se entende porque, provavelmente, são todos culpados dessa situação. Foi isso o que aconteceu naquele contexto…?

Eis o original da carta enviada por Lourenço Gomes, desconhecendo-se a origem [ou a autoria] dos sublinhados [, possivelmente do destinatáriio, que mantivemos, não deixam de ser interessantes...].







Recorda-se, a este propósito, que três meses depois do envio desta carta por parte de Lourenço Gomes, o navio cubano Uvero desembarcava em Conacri, em 11 de Maio de 1965, a primeira (grande) ajuda de Cuba ao PAIGC, constituída por cento e trinta e sete caixas de medicamentos, entre outros apoios.


4. OS PEDIDOS DE APOIO EM MEDICAMENTOS CONTINUARAM…


Durante os treze anos da guerra colonial ou de libertação, os dirigentes do PAIGC nunca deixaram de fazer apelo a apoios internacionais, nomeadamente em equipamento militar e medicamentos.
Eis um exemplo do pedido de apoio de medicamentos elaborado dois anos depois da chegada da primeira ajuda remetida por Cuba [tradução do francês da nossa responsabilidade].
TELEGRAMAS ENVIADOS EM 11 DE ABRIL PARA:





COM O SEGUINTE CONTEÚDO… IGUAL PARA TODOS

Face situação muito grave motivo falta total medicamentos pondo em perigo vida diversos combatentes feridos e elementos população vítimas bombardeamentos lançamos apelo solicitando envio urgente todas quantidades possíveis medicamentos especialmente faixas - álcool - mercurocromo - curativos - algodão - antibióticos - antipalúdicos - antidiarreico - soro - leite (stop) Confiante vossa solidariedade aguardamos confirmação para endereço PAIGC BP 298 Conacri (stop) Fraternais agradecimentos.
Amílcar Cabral
Secretário-Geral PAIGC
Guiné dita portuguesa
Caixa Postal 298 Conacri, 11 Abril 1967





Citação: (1967), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34964 (2018-10-26), com a devida vénia.
Fonte: CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 07073.131.125. Assunto: Solicita o envio com urgência da maior quantidade de medicamentos. Situação grave por motivos de falta de medicamentos que põe em perigo de vida os combatentes feridos e elementos da população. Remetente: Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC. Destinatário: Comité de Solidariedade Afro-asiático. Data: Terça, 11 de Abril de 1967. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Telegramas. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.



Citação: (1963-1973), "Enfermeira Nené Mendonça num hospital de campanha", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43675 (2018-10-26), com a devida vénia.
Fonte: CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 05222.000.157. Título: Enfermeira Nené Mendonça num hospital de campanha. Assunto: Nené Mendonça, enfermeira do PAIGC num hospital de campanha [Hospital Carlos Sequeira], interior da Guiné. Data: 1963-1973. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Fotografias.

Na imagem supra pode ver-se algumas caixas [de medicamentos?]. Na que aparece em primeiro plano está gravada a sua origem – Alemanha.

Oito anos depois da elaboração da carta de Lourenço Gomes agora divulgada, eis uma imagem da farmácia do hospital do PAIGC de Ziguinchor, seleccionada, com a devida vénia, da colecção do médico holandês Roel Coutinho.


ASC Leiden - Coutinho Collection - 22 20 - Ziguinchor Pharmacy head, Senegal - 1973. [Responsável da farmácia do hospital do PAIGC em Ziguinchor, enfermeiro Ramiro].

Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
29OUT2018.

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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de iutubro de 2018  Guiné 61/74 - P19129: (D)o outro lado do combate (37): A logística nas evacuações dos feridos do PAIGC na Frente Norte: As intervenções cirúrgicas na base do Sará: fotos do médico holandês Roel Coutinho (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P19223: (De) caras (122): Fotocines que nós conhecemos no CTIG, em Piche e Cameconde (Hélder Sousa / José Diniz de Souza Faro)

 Hélder Sousa (ex-Fur Mil de Transmissões TSF,
Piche e Bissau, 1970/72)
1. Mensagem do Hélder Sousa, nosso colaborador permanente, com data de 14 do corrente, em resposta ao pedido da Marisa Marinho (*) e (**)

Conheci um fotocine, aquando da minha "aventura africana" na Guiné. Guardo dele as melhores recordações.

Era do Porto, amigo de um outro Furriel de Artilharia também do Porto (familiar da Yvette Centeno) e conhecemo-nos em Piche onde foi fazer passagem de filmes (mas já não me lembro o quê).

Quando vim de férias pela segunda vez (Março/Abril de 1972) e onde entretanto casei, estive numa espécie de "lua de mel" em Viana do Castelo e depois fui até ao Porto.

Nessa ocasião contactei o fotocine em causa (tinha o contacto dele, de então, e ele já tinha acabado a comissão, salvo erro) e foi de uma manifestação de amizade e solidariedade insuperáveis. Foi ter connosco (eu e a minha mulher), fez de cicerone pelos lugares interessantes do Porto, fomos à noite a um Bar que era moderno na altura, perto da Estação da Trindade, o "Corcel", salvo erro, onde se beberam uns whiskies que eram novidade,  "Passport Scotch". Para a manhã seguinte "proibiu-me" de chamar um táxi para nos levar ao aeroporto e lá estava ele, cedinho, à porta do Hotel na Av. dos Aliados para nos levar a tomar o avião para Lisboa (baptismo de voo oferecido à minha mulher).

Poucos dias depois foi o meu regresso à "terra quente", ficou a recordação e nunca mais houve contactos.

Por causa da Marisa coloquei-me a fazer buscas e neste momento já recordei o nome e até já me deram o contacto de telemóvel e o de e-mail. Envie-lhe hoje um mail a relembrar o episódio que acima relato e aproveitei também para falar do objectivo em causa.

Não lhe telefonei ainda pois espero que primeiro "digira" o que lhe enviei. Amanhã ou depois, se não houver reacção ao mail, telefono-lhe. Não sei qual poderá ser a sua (dele) postura. Pode ficar incomodado por ir buscar recordações. Pode ficar incomodado por um "artista" lhe aparecer agora a "querer coisas" ao fim de tanto tempo sem contacto. Pode não querer perturbações na sua vida pessoal e profissional, ele que é o proprietário de uma empresa gráfica....

E pode entusiasmar-se e querer colaborar.
Veremos
Hélder Sousa



José Diniz Carneiro de Souza e Faro,
ex-fur mil art, 7.º Pel Art (Cameconde,
Piche, Pelundo e Binar, 1968/70)

2. Comentário de José Diniz Carneiro de Sousa e Faro ao poste P19157 (*):

Cara Marisa,

Estive em Cameconde / Cacine de Abril de 1968 a Junho de 1969.

Neste período foi colocado na CART 1692 por castigo o Fur Mil Fotocine Esteves Pinto, um jovem revolucionário, natural de Porto que trazia colada na parte interior do seu caixote de roupa a  foto do Comandante 'Che' [Guevara].

A companhia era comandada pelo Cap Veiga da Fonseca, tendo como 2º Comandante o então Alferes António J. Pereira da Costa, agora Coronel, e membro da nossa Tabanca Grande.

Passados anos,  fiquei a saber que é jornalista e mora na zona da Foz/Matosinhos. Não consegui encontrá-lo ainda.

Um Abraço,
J.D.S.Faro
68/70

3. Mensagens de Marisa Marino:

(i) 2/11/2018

Olá, Luis e demais camaradas da Guiné que responderam ao meu pedido. (*) e (**)

Obrigada pela ajuda neste projecto, é-nos valiosa.

Se possível, gostava de lhe pedir ainda as seguintes alterações ao texto no blog: o telemóvel para contactos relativos aos Fotocines é o 969321386, que é o telemóvel de produção, e permanecerá activo para lá da minha curta participação no projecto. 

Pode facultar o meu mail: marisamarinho@gmail.com

O meu nome profissional é Marisa Marinho. Eu faço Pesquisa e Desenvolvimento para um Documentário da Realizadora Sabrina Marques, e a Produtora é a Real Ficção, do Rui Simões. (***)

Obrigada mais uma vez,

Sinceros cumprimentos,

Marisa

(ii) 14/11/2018

Boa noite Hélder/Luis,

muito obrigada pelos vossos esforços, por acreditarem no que ando para aqui a 'vasculhar'. Apesar de o filme não ser meu, todo o caminho que eu abro, todas as pessoas com quem falo, e todo o processo de descoberta, é para mim a experiência mais gratificante do mundo, podem ter a certeza.

A guerra e as paralelas à guerra - todas essas paralelas, que desobedientes, se cruzam, são essas linhas que quero mesmo conhecer.

Estou em crer que não vamos precisar de táxi, Hélder.
Mas a sua espera comove-me.
Obrigada.
____________

Notas do editor:

(*) 1 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19157: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (57): Contactos de fotocines precisam-se para documentário sobre o seu papel na guerra colonial (Hélder Sousa/ Marisa Marinho)

(**) Vd. poste de 14 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19194: Em busca de... (291): Fotocines que tenham feito a guerra do ultramar,,, Contactos, precisam-se, de António Heleno (Lisboa) e Vicente Batalha (Pernes, Santarém) (Marisa Marinho, telem 969 321 386)

(***) Último poste da série > 20 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19120: (De)Caras (124): O ex-padre italiano LIno Bicari foi meu professor em Bafatá, depois da independência, e casou com uma prima minha, Francisca Ulé Baldé, filha do antigo régulo de Sancorlã, Sambel Koio Baldé, fuzilado pelo PAIGC (Cherno Baldé, Bissau)

Guiné 61/74 - P19222: Parabéns a você (1529): José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19206: Parabéns a você (1528): Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1970/72)

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19221: Convívios (882): Almoço anual da CCAÇ 557, levado a efeito no passado dia 10 de Novembro, em Sarilhos Grandes (José Colaço, ex-Soldado TRMS)



1. Mensagem do nosso camarada José Colaço, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), com data de 11 de Novembro de 2018:

Caríssimo Luís e editores
No dia 10 de Novembro de 2018, a Companhia de Caçadores 557 levou a efeito o seu trigésimo almoço de convívio, em Sarilhos Grandes, organizado pelo camarada João Casimiro Coelho, tendo no mesmo dia a junta de freguesia de Sarilhos Grandes inaugurado um monumento a todos os seus naturais que combateram pela Pátria, onde o nosso camarigo poeta popular Francisco dos Santos foi convidado a depor a coroa de flores no monumento, do qual anexo fotos.
A primeira, à placa, que foquei mais ao perto para se poder ler melhor.
Na seguinte o nosso poeta popular mais um elemento da GNR a transportarem a coroa de flores. Depois, de costas, o nosso Xico a depor a coroa de flores no monumento; e na última o monumento com a coroa de flores.

E de volta aos comes e bebes no restaurante Casa das Lamejinhas, que é uma cópia dos anos anteriores, com os abraços e beijinhos naquelas que fazem parte da família.
Anexo algumas fotos, a começar, à espera que o restaurante abrisse com a "carrinha-bar" e as entradas oferecidas pelo Coelho; a seguinte na sala com todos os convivas; o bolo de aniversário e por último a foto de família com os que restam ou não, mas devido às dificuldades e o peso dos anos é o que por hora se consegue reunir.

Para fechar o programa anexo o poema com que o nosso poeta nos presenteou este ano de 2018

Um abraço.








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Nota do editor

Último poste da série de 20 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19211: Convívios (881): Festa do Magusto da Tabanca de Matosinhos (José Teixeira)

Guiné 61/74 - P19220: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (62): Directiva 43/68 - Reordenamento de populações e organização em autodefesa, de 23/09/1968, do Com-Chefe do CTIG


Guiné > Algures > Maio de 1973 > Costa Gomes, Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, dá início, a 25 de maio de 1973, a uma visita ao Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), para se inteirar do agravamento da situação militar e analisar medidas a tomar com vista a garantir o espaço de manobra do poder politico em Lisboa. Na foto, vê-se  o gen Spínola, ao centro, tendo o o Gen Costa Gomes à sua direita, falando com milícias guineenses.

Foto do francês Pierre Fargeas (técnico que fazia a manutenção dos helis AL III, na BA 12, Bissalanca), gentilmente enviada pelo nosso camarada Jorge Félix (ex-Alf Mil Pil Heli, BA12, Bissalanca, 1968/70).

Foto: © Pierre Fargeas / Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem:Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



I. Em complemento da brochura "Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações",  da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica (Rep ACAP), que publicámos anteriormente (*),  reproduz-se  a aqui a Directiva 43/68 - Reordenamento de populações e organização em autodefesa,  de 30 de setembro de 1968 (**). 

Mais uma vez, aqui fica o nosso agradecimento a nosso camarada e colaborador permanente José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70). Este texto faz de um conjunto de três postes às Directivas de 1968 do COM-CHEFE do CTIG, Brigadeiro António de Spínola.


Directiva 43/68 - Reordenamento de populações e organização em autodefesa

1. O reordenamento das populações e a sequente organização das tabancas em autodefesa é um problema complexo e que requer técnica especializada.

2. Com efeito, o problema do reordenamento das populações não pode ser encarado com a superficialidade com que o tem sido, antes requer meditação e estudo profundo em íntima ligação com os serviços do Governo da Província, no sentido de se definirem as áreas economicamente ricas que, num reordenamento bem planeado, se deverão transformar em pólos de desenvolvimento económico-social.

Para além do aspecto episódico da defesa da população, problema de reordenamento das populações surge-nos como um imperativo de progresso dos povos, e como deverá ser encarado, por forma a que as áreas reordenadas se transformem simultaneamente em «pólos de atracção das populações e de irradiação de progresso».

Ao equacionar-se o problema do reordenamento, não se pode deixar de atender à compartimentação étnica da Província, a qual não só deverá ser respeitada como até fomentada.

3. O problema da defesa das áreas reordenadas (conjuntos de tabancas em autodefesa) também requer aprofundado estudo, com vista a estabelecerem-se «esquemas de dispositivo» suficientemente flexíveis para permitirem a escolha e adaptação daquele que, para cada caso, melhor se ajuste às condições locais.

Independentemente do trabalho de planeamento, haverá ainda que dar assistência técnica nas diferentes fases de execução, até que o conceito de «autodefesa» se transforme numa realidade efectiva e não num conceito simbólico sem qualquer significado prático.

Não se deve perder de vista que a organização de uma tabanca em autodefesa envolve responsabilidade da nossa parte perante a respectiva população, a qual perderá totalmente a confiança em nós se a defesa não se revelar eficaz em relação às reacções do IN.


4. Porque os problemas enumerados em 2 e 3 se revestem de alta importância, e têm necessariamente que ser equacionados à escala provincial, o seu estudo foi centralizado num dos departamentos do gabinete militar do Comando-Chefe, a que competirá:

  • estabelecer ligação com os serviços da Província com interferência directa ou indirecta na resolução do problema;
  • centralizar o estudo, controlo e fiscalização de todos os problemas de reordenamento e autodefesa da Província;
  • elaborar «normas gerais para o reordenamento das populações e organização em autodefesa»; 
  • colaborar o CTIG (Comando de Agrupamento e Batalhões Independentes) com as autoridades administrativas locais no reordenamento das populações; 
  • e dar a necessária assistência técnica no desenvolvimento do planeamento traçado.

5. A execução dos planos de reordenamento e de autodefesa é da responsabilidade dos respectivos comandantes, em colaboração com as autoridades administrativas locais.

6. Deve ser dado conhecimento desta directiva até ao escalão companhia, ficando interdito aos comandos e autoridades administrativas tomar decisões em matéria de reordenamento e autodefesa sem prévia consulta ao gabinete militar do Comando-Chefe.

Bissau, 30 de Setembro de 1968.

O Comandante-Chefe,
António Sebastião Ribeiro de Spínola,
Brigadeiro
.


[Revisão e fixação de texto: JM / LG]


___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 21 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19215: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (61): os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações, brochura da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica [ACAP], do QG / CCFAG - III (e última) Parte

(**) Vd. poste de 1 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13555: Directivas emanadas pelo COM-CHEFE, Brigadeiro António de Spínola em 1968 (3) (José Martins)

Vd. postes anteriores:

Guiné 61/74 - P19219: Os nossos regressos (35): Dia 5 de Novembro de 1968, chegada a Lisboa (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68, com data de 5 de Novembro de 2018:

Caro Luís e Carlos
Dia 5 de Novembro de 1968
Faz hoje 50 anos que a minha Companhia de Artilharia 1659 - CART 1659 regressou pelas 17 horas no Paquete Uíge - pasme-se, depois de ir encostar ao cais de Alcântara, Lisboa, recebeu ordens para parar e pouco depois afastou-se para o largo - e foi-nos informado que não desembarcaríamos. É difícil explicar como ficou o pessoal. Pensei logo lançar-me ao Tejo e ir a nado. Aquela noite não se esquece.

Cumprimentos à Tabanca Grande
Mário Vitorino Gaspar


Regresso da Guiné

Mário Vitorino Gaspar

Finalmente no dia 31 de outubro de 1968, embarcámos para Lisboa. Tal como sucedeu, no embarque numa lancha para Bissau, não me recordo de tal, o mesmo sucedeu na entrada no Uíge, nem mesmo de como uma mala de cânfora, fora parar ao porão, com alguma bagagem dentro. Fomos colocados no Forte da Amura. Como sucedera quando vim de férias, fomos colocados de serviço. Não ficámos isentos de Serviços. De qualquer modo houve tempo para tudo – principalmente compras – tinha pensado adquirir uma mala de cânfora, fiz a escolha. A comida em Bissau era diferente, eu e alguns camaradas optámos por fazer as refeições, sempre com a alternativa de uma ou outra fora da Messe.

Bissau era um jornal diário aberto da guerra no território. Inclusive, a pequena informação chegava às esplanadas. Tratando-se da Operação em que Portugal se empenhara – considerada de “Confidencial” – alguma em que nem a Nossa Tropa tinha conhecimento, discutia-se à frente de uma cerveja. O pessoal da Nossa Companhia que envergava camuflados novos, recém-chegados do Casão, e entregues uns dias antes da nossa saída do mato, exibindo no braço o dístico da Companhia de Artilharia 1659 (“ZORBA”). Em qualquer local alguém gritava:
– Salta que é periquito!

Habitualmente o pequeno-almoço era no famoso – lá no burgo – “Zé da Amura”, pombos verdes fritos, sempre acompanhados com cerveja. Bebida nunca esgotada nestas terras. Visitas ao Mercado para ver as novidades do dia. Iam aparecendo peças de pau-preto, principalmente máscaras; punhais e catanas forradas a pele de animais.

Tivemos oportunidade de conhecer melhor Bissau. Grande parte dos Nossos Jovens Heróis nem a cidade conheciam. As noites eram diferentes, nem um não ao convite para conhecer o “Bairro do Pilão”.

Os Militares preparados para tirarem a Carta de Condução lá estavam no dia marcado. Toda a Companhia festejava essa grande vitória, tratava-se de uma boa porta aberta para um emprego.

Por vezes parava no tempo e fazia um balanço desta experiência que nunca iria esquecer. Um primeiro período, após a chegada ao largo de Bissau, recordado sempre a mesquinhez de que ordenava, de fazer o favor de dar viagem de luxo a Oficiais e Sargentos e empurrarem para o porão os soldados, garrafões e garrafas de aguardente. Iria esquecer a dádiva de um quarto de pão, um ovo cozido, uma laranja, uma maçã golden… Um destino incerto. Recordo que no primeiro balanço que fiz após uma semana na Guiné, explica-se com a frase:
– Mais parece ter sido anestesiado!
Agora posso dizer:
– Deixei de estar anestesiado há uma semana, dia em que pensei: – pode ser que saia vivo!

Não sou capaz de me lembrar como entrei na LDM em Gadamael Porto, nem como em Bissau subi para o Paquete Uíge. Resumindo: – continuo na Guiné! Será para sempre.

A viagem de regresso a Portugal foi muito idêntica à da ida para a Guiné. O mar estava mais calmo. Eu só pensava na chegada a Lisboa. Era um milagre este regresso. Ia bebendo mais cervejas que o habitual. Escrevera para casa e pedira que levassem para o cais de Alcântara a bandeira do Alhandra Sporting Club. A maior que existisse, para que eu pudesse vê‑­la do paquete. Continuavam os jogos. Jogava‑­se a dinheiro. Tal como da ida para a guerra, não esquecendo o Bingo.

Os constantes enjoos continuavam. Perto da Ilha do Sal o mar agitou‑­se um pouco, mas existia quem não suportasse os balanços do Uíge. Bebia‑­se, e não só cerveja. E fumar? Cada vez fumava mais.

Fomos assistir a uma sessão de cinema:
– “Festival de Twist N.º 1” e “Negócio à Italiana” (este com Alberto Sordi e Gianna Maria Canale). Foi um momento bem passado, que fez esquecer alguns traumas mal geridos.

Lembrei a morte do Furriel Vítor Correia Pestana e dos Soldados António Lopes Costa e do Manuel Ferreira Silva.
Membros da população civil maior percentagem de mulheres e crianças que tombaram a 4 de julho de 1967? Feridos. Todos os feridos que tivemos. Nunca acreditei que fosse obra do PAIGC.
Ainda estou a ouvir o tiroteio nas emboscadas e ataques aos aquarte­lamentos de Gadamael Porto, Ganturé, Sangonhá (quando lá fomos montar segurança), Cameconde, nas mesmas circunstâncias, Guileje e Mejo. No “corredor da morte”? Aqueles locais sinistros cheiravam a guerra. Tudo parecia um cemitério.
Mas tudo muito difícil de explicar: as crateras das granadas que reben­tavam no chão, as árvores esburacadas pelas balas, estilhaços, ofereciam‑­nos simultaneamente um ar belo. A vegetação era exuberante, eram belos aqueles locais.

A sede, fome, falta de notícias da família, da namorada e dos amigos. A importância das madrinhas de guerra.

Curiosidade: transcrevo a Ementa do Almoço, a bordo do Paquete Uíge, no dia 2 de novembro de 1968 dos Sargentos:
Sopa: Juliana – Peixe – Iroses de Caldeirada; Ovos – Tortilha à Espanhola; Entrada – Favas à Transmontana; Fruta; Chá – Café.





Segundo se dizia, estávamos prestes a chegar a Lisboa. Falava‑­se que seria no dia 5 de novembro de 1968. Eu continuava a fumar cada vez mais.

O Paquete chegou. Segundo informação não íamos desembarcar por já ser tarde. Espreitávamos para a marginal de Cascais e víamos as luzes das viaturas que percorriam a marginal. Gritava‑­se:
– Olhem para os carros!

Fomos deitar‑­nos, a ver se o tempo passava mais depressa. Protes­tava‑­se:
– Ainda é dia! Por que não nos deixam desembarcar?

Deviam ter informado pela televisão e rádio que a tropa, oriunda da Guiné, não desembarcaria no dia 5. Embora estivéssemos bastante afastados do cais de Alcântara, poucas pessoas víamos.
Passámos a noite nesta angústia, até que eu me lembrei de ir tomar um duche, num intervalo de uma ida ao bar ou de fumar um cigarro. Os maços de tabaco que comprara para levar para casa, estavam quase no fim.
Quando vou para tomar banho, eis que verifico que a água estava gelada. Não havia água quente. Tinham‑­na desligado. Lá tive que tomar um banho de água fria, que teve o condão de aquecer a mente.
Depois do banho verifiquei que quase todos se encontravam cá em cima, do mesmo lado do Uíge. O barco estava inclinado, até parecia que se ia virar.

O Comandante da CART 1659 chamou‑­me:
– Mário, você fica responsável pela bagagem de porão. Fica em Lis­boa, a Companhia paga‑­lhe o alojamento e a alimentação e depois segue para casa, – disse.
– Nem pensar, já basta o que já fiz, quero é ir para casa. Capitão, escolha outro!
– Então fica responsável pelo guião da Companhia. Vai haver uma formatura e o Mário forma com a CART, com o guião, depois vai discursar um Oficial.
– Nunca fiz isso, mas está bem. Onde ficar o guião no princípio, con­tinua no mesmo sítio até que termine a parada! – Disse eu.

Fui descendo. Encontrei alguns soldados da minha Companhia que se encontravam mal dispostos. Estive um pouco com eles, e sem dar por isso estava a fumar mais um cigarro. Fui ao camarote onde dormia. Alguns Furriéis estavam deitados.
– Levantem‑­se, estamos quase a desembarcar!

Depois de subir, e espreitar para o cais, vi entre uma multidão a ban­deira do Alhandra Sporting Club. Ali estava a minha família.
No cais estava a Polícia Militar, e no barco os militares gritavam em uníssono:
– Malandros, vão para o mato!...

Bandeira do Alhandra Sporting Club

Até que chegou a hora de desembarque.
Fui ter com os meus, levando a bagagem comigo. Estavam a minha namorada, que viria a ser a minha mulher, o meu irmão José e a minha cunhada Fernanda.
A formatura não se chegou a efetuar e fomos automaticamente trans­portados para um quartel nas imediações de Oeiras, que estava desativado.
Arrumei a minha bagagem. Quando estava indeciso com o guião na mão, coloquei-o sobre a bagagem do Capitão. Fomos almoçar, e engraçado, o prato que naquele momento mais desejava: – carne assada no forno com batatas. Fomos no carro do meu irmão e depois do almoço regressámos ao quartel.

– Então é sempre a mesma porcaria. Colocou o guião por cima da minha bagagem e foi‑­se embora, Mário? – Disse o Capitão.
– Houve azar Capitão? – Respondi‑­lhe.
– Tivemos que entregar o guião, ao responsável do Regimento de Artilharia de Costa, deveria haver uma cerimónia, e nada disso sucedeu! – Retorquiu o Capitão.
– Então ficou entregue! – Disse, sorrindo.
Não se tratava de falta de respeito. Tinha muita consideração pelo nosso Capitão. A verdade é que o Capitão Mansilha estava mesmo zangado.

Depois de trocas de opiniões, e de terem começado a pagar os mon­tantes que o Exército Português nos devia, gritou para o Capitão o Alferes Miliciano Luís Alberto Alves de Gouveia:
– Paguem já ao Mário, não o façam esperar, ele tem a família à espera!
Recebi o dinheiro, despedi‑­me do pessoal, e fui para junto dos meus que se encontravam no exterior, junto ao carro. Fomos até Alhandra.

Chegados a Alhandra, desloquei‑­me a casa para tirar a farda e vestir­‑me com a roupa que a minha mãe tinha deixado em cima da cama e saí.
Em lugar de me dirigir para um jantar que o meu pai organizara, fui na direção do cais “14”, ver o meu Tejo.
Lá estavam as Fragatas, os barcos desportivos que treinavam e os avieiros nas suas bateiras. Fiquei ali, esquecendo completamente, os meus pais, meus familiares e amigos que esperavam por mim.
Foi quando entrei em mim e dirigi‑­me para a Padaria do meu pai, onde era, de facto, a festa em minha homenagem.

Tamanha alegria! Ria‑­se. Chorava‑­se. Meu pai fez rebentar uns dois morteiros, e uns tantos foguetes.
Todos queriam saber de mim. A família grande e os amigos também. Chegou o Cabo da GNR, e quando me viu cumprimentou‑­me militarmente. Olhei para ele e parece que ri ao lembrar aqueles tempos em que ele nos perseguia, e até escondia a roupa deixada em cima da areia. Convidei-o para comer e beber qualquer coisa.

Segundo consta no meu Processo Individual do Exército, depois de ter passado à Primeira Classe de Comportamento em 3 de maio de 1968, em 28 de novembro de 1968 terminei a minha obrigação de Serviço, depois de ter gozado 21 dias de licença. Passei às tropas licenciadas em dezembro de 1978 por ter completado 35 anos de idade.

Reiniciei a minha vida naquele dia. Teria de recuperar o tempo perdido. Esquecer, retirar as folhas dos calendários correspondentes a todos os dias? Pouco provável esquecer, conhecia-me bem e jamais vou esquecer uma guerra.
Os amigos? Como era possível esquecê-los?
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19218: Os nossos regressos (35): 21 de Novembro - o dia do regresso da Guiné… 48 anos depois

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19218: Os nossos regressos (34): 21 de Novembro - o dia do regresso da Guiné… 48 anos depois (Carlos Pinheiro)

1. Em mensagem de hoje, 21 de Novembro de 2018, o nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), lembra a sua viagem de regresso e chegada a Lisboa neste dia, há 48 anos.


21 de Novembro - o dia do regresso da Guiné… 48 anos depois

A esta hora, às primeiras horas do dia 21 de Novembro de 1970, estava, aliás estávamos todos perfeitamente acordados a bordo do “CARVALHO ARAÚJO”, mais ou menos ao largo de Cascais, a prepararmo-nos para o assalto às casas de banho dos camarotes para, finalmente, tomarmos um banho após nove dias de mar alto desde Bissau até Cascais. Imagine-se a necessidade de nos apresentarmos de manhã em Lisboa, de cara lavada perante as nossas famílias e os nossos amigos, e as voltas que tivemos que dar para que isso fosse possível. Um banho, como se fosse a melhor coisa do mundo, e naquela noite foi mesmo a melhor coisa só suplantada com a chegada de manhã ao pé dos nossos familiares.

Carvalho Araújo, N/M da Empresa Insulana de Navegação. Tinha lotação para 354 passageiros. Foi abatido em 1973.
Imagem extraída de navios porugueses. Com a vénia devida.

O “CARVALHO ARAÚJO”, apesar de já estar no seu fim de vida naquela altura - esta foi uma das suas últimas viagens - foi um grande navio, o melhor de todos, que nos trouxe de África depois de 25 meses de comissão naquele pedaço de terra e água, mas mais água do que terra, encravado entre o Senegal e a Guiné Conakri.

Falar desse tempo não vem agora aqui ao caso. Há tantos livros publicados que, infelizmente pouca gente lê e por isso se sabe tão pouco daquele período de treze enormes anos que a juventude foi obrigada a cumprir lá longe, em África, e muitos nas piores condições, diria até em condições inimagináveis, para além daquela dezena de milhar cujos restos mortais por lá ficaram para sempre.

Tínhamos embarcado no dia 13 e logo alguns tripulantes nos avisavam que dado o mar picado do Golfo da Guiné, quando chegássemos ao mar da Madeira seria bem pior. Mas nós estávamos por tudo. Só queríamos que aqueles dias passassem depressa. No entanto quando chegámos ao mar da Madeira, tivemos um mar chão contra todas as previsões. Nem tudo podia ser mau.

Foram dias para esquecer. Não havia água disponível, o porão era talvez o sítio menos mau na medida em que o navio tinha andado muitos anos a transportar gado bovino dos Açores para o Continente e tinham-lhe adaptado um sistema de ar forçado nos porões para o gado não enjoar. Também foi bom para nós que nos contentávamos com pouco. Tinham-nos dado um prato à subida das escadas, para que tivéssemos direito à refeição que era comida onde era possível. Depois só tínhamos que lavar o dito prato, com água do mar, para a próxima refeição. A comida era do pior que se pode imaginar. Mas após ter feito o primeiro reconhecimento ao único sitio onde se vendia alguma coisa, tinha constatado que só havia cerveja e Coca-Cola com fartura e também bolachas baunilha. Mais nada. Portanto tudo o que foi aparecendo era comido, por vezes até com os olhos fechados, mas não havia alternativa. Houve porém uma excepção. No dia 19 o navio aportou ao Funchal, ao pôr-do-sol - um espectáculo inolvidável -, para meter água e nafta que na Guiné não havia e nesse dia ao jantar apresentaram-nos um peixe assado no forno com muito bom aspecto. Porém, fartos de comer mal, marcando também a nossa insatisfação pela comida que até aí nos tinha sido apresentada, nesse dia resolvemos ir jantar fora ao Funchal, com o resto do dinheiro que nos tinha sobrado da comissão.

Foi uma noite de festa porque já cheirava a Portugal e o degredo estava a acabar. Lembro-me perfeitamente, o “CARVALHO ARAÚJO” atracado ao Cais do Funchal ao lado dum paquete de luxo, o CHUSAN, penso que inglês, parecia uma casca de noz ao lado dum “cidade iluminada”. Mas não nos enganámos e à hora combinada lá estávamos de novo a bordo a caminho de casa.

A chegada a Lisboa foi de facto alegre mas ao mesmo tempo arrepiante quando nos pudemos aproximar dos nossos familiares que não víamos há mais de dois anos. São momentos indescritíveis onde as palavras nos faltam.

Depois foi embarcar numa camioneta para os Adidos, na Calçada da Ajuda e o espólio foi feito rapidamente.

Passado algum tempo já estava em casa da minha tia Cândida na Avenida 24 de Julho, mesmo em frente à Estação do Cais do Sodré, a voltar a admirar o Tejo de que também tinha muitas saudades.

A minha mãe estava a acabar o almoço - um cozido à portuguesa como deve ser, e o apetite era bastante, só suplantado pelas saudades que se iam matando aos poucos.

Primeiro a sopa do cozido como mandam as regras, depois o cozido propriamente dito. E lá vinha o respectivo arroz a acompanhar. Mas aí, quanto ao arroz, farto de tanta “vianda” da Guiné, disse que dispensava bem o arroz. Mas a minha mãe, com as palavras que só as mães saber dirigir aos filhos, lá me convenceu a provar o arroz e, de facto, estava tão bom que fiquei de novo freguês de arroz que eu pensava nunca mais comer dada a mistela que muitas vezes éramos obrigados a comer em Bissau.

Ainda fiquei uns dois dias em Lisboa a matar saudades e só depois é que viajei até à minha terra, Alcanena, para rever os amigos e outros familiares.

Nesse longínquo dia 21 de Novembro de 1970, o Almirante Américo Tomás foi a Alcanena, mais concretamente a Minde, inaugurar o Museu Roque Gameiro, acompanhado das mais altas entidades do país, da região e do concelho e, claro, de sua esposa a D. Gertrudes.

Mas nesse dia também aconteceu a invasão de Conakry pelas Forças Armadas Portuguesas comandadas pelo Comandante Alpoim Calvão a fim de libertar alguns militares portugueses presos naquele país. Foi uma operação secreta e de surpresa que não terá obtido o êxito planeado mas mesmo assim conseguiram um dos objectivos que foi a libertação dos presos.

Foi de facto um dia muito grande o dia 21 de Novembro de 1970.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14201: Os nossos regressos (33): Ficámos na Amura, a aguardar embarque no Uíge... Partimos para Lisboa em 30 de outubro de 1968 (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

Guiné 61/74 - P19217: Historiografia da presença portuguesa em África (138): Relatório Anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1935 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
Para se aquilatar do bom ao mau uso que estes relatórios produzidos anualmente pelos administradores de circunscrição tinham junto dos governadores, impõe-se fazer a leitura dos respetivos relatórios destes últimos para os ministros das Colónias. É o que se irá procurar fazer, depois de passar a pente fino todos os que constam da secção de Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa. Manuel Luiz da Silva já nos dera o relatório de 1932, desta vez envereda pela dimensão antropológica social, tece comentários curiosos que vale a pena registar.

Um abraço do
Mário


Relatório Anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1935

Beja Santos

Dando continuidade à publicitação de documentação constante na secção de Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa, mostra-se alguns dos elementos essenciais do relatório assinado pelo Administrador da Circunscrição dos Bijagós, Manuel Luiz da Silva, em 1935. Recorde-se já aqui se dera à estampa alguns dos elementos mais significativos do relatório de 1932, também referente aos Bijagós[1].

Passando à margem das informações que constam em todos os relatórios, vamos entrar diretamente para elementos pertinentes do presente relatório. Começa por nos dizer que a única raça que habita o arquipélago é a bijagó, seriam 44 mil, de acordo com o recenseamento de 1924. Na atualidade a população tinha diminuído devido a muitos terem emigrado para o continente por não quererem trabalhar para o pagamento dos seus impostos, levando fora do arquipélago, na maioria dos casos, vida de nómadas. Mas quando melhora o quadro de crise, voltam às suas ilhas, pelo amor que lhes dedicam:
“Aqueles que a doença os prostra ou vêem aproximar-se o fim da vida, mesmo aqueles que os seus classificam de feiticeiros ou se vêem ou se julgam perseguidos por qualquer motivo, regressam, os primeiros para morrerem de morte natural e serem enterrados na sua terra ou na sua palhota, e os segundos para se suicidar, o que é frequente, por crerem na transmigração das almas”.

E procura dar um quadro de antropologia social do bijagó:
“Raça forte, inteligente, indolente e pacífica, já não são os bijagó os piratas que noutros tempos foram. Com excepção dos de Caravela e Caraxe, que talvez por motivos de uma superstição, nunca foram marinheiros. A inteligência serve-lhe mais as vezes para o mal do que para o bem, pois são mentirosos por índole, e, ainda mais, avessos à civilização, acatando, contudo, a colonização.
São hospitaleiros a ponto de se deixarem extorquir pelos seus hóspedes, sem que procurem livrar-se desses inoportunos, porque os seus usos e costumes e a lei da hospitalidade lhos impedem.
Se tiverem queixas e tenham de exercer vingança pessoal que mereça agressão a um estranho à sua raça, esperam encontrar-se fora da sua terra para a exercerem.
As terras são da comunidade. Nas ilhas de Caravela, Caraxe, Naga, Chedian e nalgumas povoações da Formosa vigora o regime patriarcal, nas restantes ilhas é mais acentuado o regime de matriarcado; mas em todas as ilhas quem namora, quem fala e trata do casamento é a mulher, é a mulher que põe o marido fora de casa, nas ilhas onde ela predomina. No entanto, o predomínio da mulher sobre a família, nas ilhas onde existe o matriarcado, tende a extinguir-se, pouco a pouco.
Não usam a circuncisão como em outras raças, mas fazem o simulacro, nessa ocasião são os rapazes de 20 a 30 anos submetidos à prova de resistência, que consta de flagelação com chicotes, podendo durar as cerimónias 2 ou 3 meses.
As mulheres, entre elas, também passam pelas mesmas provas mas muito mais suaves e menos demoradas. Nessa ocasião procedem à tatuagem. A cerimónia da desfloração é feita em segredo, como todas as cerimónias, usando-se de uma vagem própria para o acto. Cerimónia a fazer mas desnecessária, pois a desfloração já de há muito foi feita conforme manda a natureza, na idade de 12 anos em diante.
Toda a vida do bijagó anda à volta do fanado (acto de simulação da circuncisão) e das suas vacas, de que tudo imitam, inclusive o coito, imitam a vida de alguns peixes, como o tubarão e o espadarte, dos anfíbios, especialmente a do hipopótamo, executando todos os actos brutais dos animais”.

E o relatório do Administrador Manuel Luiz da Silva adianta mais informações:
“A Companhia Agrícola e Fabril da Guiné, dentro das suas concessões nas ilhas de Bubaque, Soga e Rubane, possui cerca de 120 quilómetros. Um naturalista, aqui, tem matéria vasta de estudo. O que é certo é que é bem conhecida a existência de répteis, que já Camões, nos Lusíadas, os cita no Canto V, Estância XI. Foi dessa Estância que se baptizou um grémio existente em Bubaque, o Grémio Dórcada.
Bubaque possui uma praia, ao sul, onde é frequente os banhistas dela se servirem sem perigo dos tubarões, toda de areia consistente, com extensão de 4 quilómetros, servindo, como já tem servido, para corridas de automóveis”.

Procede depois a uma descrição dos Serviços Públicos e termina o seu documento dizendo que a ilha de Canhambaque se encontra temporariamente submetida ao regime militar, o Comandante da Força era o Tenente José de Passos Simas e o Segundo Sargento chamava-se Aníbal Augusto.



Tipos étnicos guineenses. 
Imagens retiradas da publicação “Portugal em África, Revista de Cultura Missionária”.
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 31 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19152: Historiografia da presença portuguesa em África (134): Relatório anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1932 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 14 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19192: Historiografia da presença portuguesa em África (136): Crenças e costumes dos indígenas da ilha de Bissau no século XVIII - Revista "Portugal em África" (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19216: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LII: Fez ontem 50 anos que o meu cmtd de batalhão, ten cor Armando Vasco de Campos Saraiva, foi gravemente ferido em combate, sendo evacuado para a metrópole... A minha homenagem à sua memória,


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem enviado pelo Virgílio Teixeira:


Assunto - Tema 204 - Homenagem dos 50 anos sobre a perda do nosso comandante de batalhão

Data - sábado, 17/11, 16:02


Luís, o tema já percebeste, já o tinha enviado, mas dei agora uns retoques, apaga o outro que enviei em Setembro, e fica este.

No dia 20/11/2018, Terça Feira, faz 50 anos sobre o trágico acontecimento da perda do meu comandante de batalhão. Gostaria nesse dia lhe prestar a minha homenagem, no nosso Blogue, pois ele foi um dos nossos grandes guerreiros, e por isso foi gravemente ferido e acabou a sua carreira, ainda tão novo.

Não que eu tenha um grande sentimento por ele, pelos menos não tinha nessa época, eu achava que andava a ser sempre perseguido por ele, não tivemos relação fácil, como aliás não tinha com quase ninguém.
Soube há uns 5 anos atrás, que ele tinha confidenciado, ainda antes de ser ferido em combate, que tencionava dar-me um louvor, pois achava que eu merecia, comparado com tantos outros que nada fizeram e depois foram louvados por nada. Mas não teve tempo, infelizmente para ele.
Obrigado pela tua compreensão, mas sou assim, um eterno revoltado/ sentimentalista.

Abraço, Virgilio Teixeira


Virgílio Teixeira, natural do Porto,
a viver em Vila do Conde
2. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)


CTIG - Guiné 1967/69 - Álbum de Temas: 

T204 – A EVACUAÇÃO DO COMANDANTE
DO BATALHÃO DE CAÇADORES 1933

HOMENAGEM, APÓS 50 ANOS DO FUNESTO ACONTECIMENTO



I - Anotações e Introdução ao tema:


Este tema refere-se ao acontecimento de uma acção de combate, entre as NT e o IN, a pouco mais de 1000 metros do fim da pista.

Um Gr Comb, composto por elementos da CCS do BC1933, da CART1744, e do Pelotão de Nativos, o qual estava a ser comandado pelo próprio Comandante de Batalhão, Tenente Coronel Armando Vasco de Campos Saraiva, e outros oficiais, sargentos e praças, teria como missão interceptar um grupo do IN, que se deslocava ali nas imediações do Quartel.

A pouco mais de 1000 metros do fundo da pista, isto é,  a 2000 metros do Posto do Comando, acontece o imprevisto, rebentamento de minas A/P,  seguido de uma emboscada e forte tiroteio de um lado e de outro.

Acontece o imprevisível, o Comandante ele próprio pisa uma mina que lhe rebenta debaixo dele, depois outras minas explodem e gera-se a confusão total.

Não sei se outro oficial desta patente teve um fim trágico como este, mas não tenho conhecimento de mais nenhum.  O Comandante ficou com ambas as pernas ao dependuro, presas apenas pela pele e pouco mais, e foi gravemente fulminado nas zonas genitais com estilhaços de minas, cujos efeitos nunca vim a saber, apesar de ele ter sobrevivido ainda mais de 25 anos.

No combate, são ainda feridos com alguma gravidade o Capitão Serrão, da CART1744, o Alferes Miliciano Machado, da CCS /BCAÇ1933, do Pelotão de Minas e Armadilhas, e outros militares, alguns Furriéis e praças, a maioria voltou ao seu posto de trabalho, depois de tratados no HMR 241.

Na sequência deste acontecimento, o comando do sector ficou sem o seu comandante, passando a ser substituído pelo 2º comandante, até inícios de Janeiro de 1969. [Terá falecido por volta de 2006, segundo informação do camarada José Espadana, que pertencia o BCAÇ 1933 e estava em São Domingos nessa altura.]

II – As Legendas das fotos:

Estas fotos já fazem parte de outros Temas mais alargados com mais de 100 fotos, sobre a aviação, e não só.

Gostaria que fossem Postadas estas imagens e comentário deste acontecimento, para que se faça um pouco o debate desta tragédia para o meu batalhão, que para mim próprio, foram as mais marcantes em toda a minha estadia naquele TO do CTIG.

Fica ao critério do editor, achar ou não relevantes, não farei nenhum juízo de valor.


F01 - O Heli, Alouette III, no momento em que carregou o Comandante do Batalhão, ferido em combate, com destino ao HM241 em Bissau, depois evacuado para o Hospital Militar Principal em Lisboa.

Dia fatídico, o corpo estava deitado numa maca, nu (em cuecas, furadas com estilhaços) os pés ao dependuro, e naquele momento tive ganas de tirar a foto, mas por razões de ética militar, respeito, vergonha ou por qualquer outra razão que não me ocorre, não o fiz, não sei se foi bom ou mau. Mas hoje gostaria de as ter.

Preferi sair do local e tirar a foto com ‘o ambiente’ envolvente de consternação total entre todos os presentes, militares, civis, população indígena, administrador de posto.  Vê-se muita população local com especial predominância os Felupes, que estavam sempre do nosso lado, e eram sempre bem tratadas pelo nosso comandante.  As Nossas Tropas estão no outro lado do Heli, a fazer a segurança.

Foto captada na pista de São Domingos no dia 20 de Novembro de 1968.

F02 – Novo Heli Alouette III, numa das viagens a SD, descarregando material, correio e outras coisas não especificadas.

Não é na mesma data, talvez não seja o mesmo Heli, mas o local é o mesmo a quando da evacuação do comandante. A ideia é mostrar não só o aparelho, que só por si vale a pena, mas também mostrar a pista de aterragem, já limpa de mato, em finais de 1968, após o tempo das chuvas, por isso muito arranjada.

Foto captada em São Domingos, em finais do ano de 1968.

F03 – No Posto de Vigia da pista de São Domingos, num dia em que estava de Oficial de Dia, passando a ‘ronda’ aos locais marcados.

O olhar pensativo, meditando, por que razão estava eu ali, a proteger-me do calor que nos sufocava, naquela pequena localidade na fronteira com o Senegal.

Esta foto tem por objectivo mostrar o local onde o Heli parou para transportar o comandante, ao fundo acaba a pista de São Domingos, e a menos de 1000 metros dá-se o ataque, as minas os feridos e evacuados. Ali tão perto. Fazia tantas vezes este percurso pela pista, nas GMC com os meus amigos e fiéis condutores para me ensinarem a conduzir, nos picos do calor, entre as 12 e 16, quando estava o resto do pessoal a fazer a sesta de descanso. Nunca imaginei que o perigo estava ali tão perto.

Foto captada em São Domingos, nos inícios de Janeiro de 1969


NOTA FINAL DO AUTOR:

#As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir.#

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».


Em, 2018-09-27

Virgílio Teixeira

Legendas actualizadas hoje,

Em, 2018-11-17,

Virgílio Teixeira

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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19201: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LI: Sentado à sombra do grande poilão...