sexta-feira, 22 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19610: Notas de leitura (1161): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (78) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
No delineamento desta pesquisa, mandava o rigor que se procurasse apurar o que de mais relevante se passou no processo que se iniciou com a independência da Guiné-Bissau e a transferência do BNU para o Banco Nacional da Guiné-Bissau. Havia que proceder a uma leitura sistemática dos volumosos livros de atas da administração, não se podia hesitar, com paciência e meticulosidade, proceder-se a tal escrutínio. Deixou-se o registo devidamente datado na presunção de que se está a facilitar a vida a quem no futuro queira consultar toda esta documentação do último ato da vida da filial de Bissau.
Como se verá adiante, foi um processo com algumas tensões mas que decorreu de forma amistosa e onde o Dr. Victor Freire Monteiro, o primeiro governador do Banco da Guiné-Bissau, teve um desempenho fulcral.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (78)

Beja Santos

Chegámos a uma fase do trabalho em que se impõe um esclarecimento sobre o derradeiro levantamento, em torno de um conjunto de livros de atas do Conselho de Administração do BNU. Pelo que se pode ler logo na primeira ata da reunião de 24 de setembro, está para breve a independência, em Lisboa, o BNU manifesta disponibilidade para tratar todo o processo da transição patrimonial, que tinha as suas delicadezas, logo as escolhas do pessoal, os ativos, as dívidas, a carga fiscal, e muito mais. Com a preciosa colaboração, como sempre, dos técnicos do Arquivo Histórico do BNU, consultaram-se estes livros volumosos e bem encadernados, pinçando tudo o que respeitava a Guiné, desde esta data de setembro de 1974 até à conclusão do processo da transferência patrimonial para o Banco Nacional da Guiné-Bissau. Fez-se o possível por reter o essencial das nuances de todo este processo. Está aqui, em esquisso, o derradeiro ato da presença do BNU em Bissau. Cumpre explicar que se procurou com alguma minúcia deixar as referências essenciais para facilitar posteriores consultas a eventuais investigadores.


Livro de Actas do Conselho de Administração do BNU 1973 – 1974

Reunião de 24 de Setembro de 1974

Guiné – Independência
Face à carta confidencial n.º 199, de ontem, e ao telegrama, de hoje, da Filial de Bissau, o Conselho resolveu que se respondesse que deve a Gerência dar às novas autoridades da Guiné a colaboração que for necessária, aguardando as decisões da Comissão Governamental Portuguesa que em breve ali se deslocará para apreciação dos problemas relacionados com o processo da descolonização.
Mais foi decidido que, entretanto, o Director dos Serviços para o Ultramar, Sr. Abílio Dengucho, se deslocará à Guiné para prestar o apoio julgado indispensável na situação presente, mormente quanto à transmissão do departamento do Banco para o novo Estado.


Livro de Actas da Administração do BNU 1974-1975

Reunião de 14 de Novembro de 1974

Guiné – Descolonização
O Sr. Vice-Governador deu conhecimento ao Conselho de uma carta de 8 de Novembro dirigida pelo Encarregado da Filial de Bissau ao Director dos Serviços Sr. Abílio Dengucho, na qual relata que o Dr. Victor Freire Monteiro, indigitado Governador do futuro Banco Central da Guiné-Bissau manifestara a intenção de ocupar uma moradia do Bairro do Banco, de utilizar a residência do gerente para nela instalar a Caixa de Crédito da Guiné e de mobilizar pessoal da Filial com vista ao estudo da transferência do Banco, pedindo instruções sobre o procedimento a adoptar.
O Conselho deliberou instruir o Encarregado da Filial no sentido de manter uma atitude passiva quanto à utilização referida do edifício do Banco, tanto mais que estão em causa edifícios, em parte deles, desocupados; continuar a fornecer às autoridades locais todos os elementos respeitantes à actividade do Banco na Guiné; enviar a Bissau uma equipa de 2/3 elementos para ajudarem no fecho do balanço.


Livro de Actas da Administração do BNU 1974-1975

Guiné – Descolonização
O Sr. Governador informou de que havia recebido um telegrama datado de 20 do corrente mês do Dr. Victor Freire Monteiro solicitando em nome do Conselho de Comissários de Estado da República da Guiné-Bissau autorização para, com vista à preparação de quadros aptos, três pessoas efectuarem um estágio no BNU em Lisboa, que lhes prestaria apoio e orientação.
Deu-se concordância à solicitação formulada.


Livro de Actas da Administração do BNU 1974-1975

Reunião de 9 de Janeiro de 1975

Departamento do Banco na República da Guiné-Bissau:
Dando conhecimento ao Conselho da Informação da Direcção do Ultramar de 7 de Janeiro de 1975 sobre uma carta do Gerente da Filial do Banco em Bissau onde se focam os seguintes pontos:
1) A suposição de que o Governo da República da Guiné-Bissau pretende resolver o problema da transferência até ao fim do mês em curso;
2) O pedido feito à Filial pelo Governador do futuro Banco Central da Guiné-Bissau de um mapa com as indemnizações a pagar a todo o pessoal;
3) O convite que lhe foi feito para trabalhar no futuro Banco Central, com lugar de Inspector-Geral sem quebra de vencimentos que actualmente aufere;
4) Não desejar tomar qualquer resolução acerca de tal convite sem saber qual a opinião do BNU, salientando que tem 26 anos de serviço efectivo;
5) Ter sido convocada para 30 de Dezembro de 1974 uma reunião de pessoal com a seguinte OT: discussão de alguns pontos do caderno reivindicativo; discussão da situação dos empregados do BNU face à transferência do BNU para novo Banco;
6) Que continua proibida no exterior a troca de notas da Guiné-Bissau;
7) Brevemente apresentará orçamento de obras a efectuar no edifício do Banco.


Livro de Actas da Administração do BNU de Janeiro a Maio de 1975

Reunião de 23 de Janeiro de 1975

O Sr. Governador deu conhecimento da carta do Dr. Victor Freire Monteiro, em nome do Conselho de Comissários da República da Guiné-Bissau agradecendo todo o apoio concedido aos seus colaboradores durante o estágio feito no BNU.
Haverá nova referência a este assunto na acta de 30 de Janeiro de 1975.
Na mesma reunião, com o título
Guiné – Propriedades do Banco
Dação de 28 prédios de Aly Souleiman & Cª.

Reunião de 4 de Fevereiro de 1975

Refere-se que a Companhia de Pesca e Conservas da Guiné não pagou a 1.ª prestação do empréstimo.
A República da Guiné-Bissau solicita um empréstimo de 50.000 contos, o Conselho pede esclarecimentos quanto às condições (prazo, juro, etc.).
O Dr. Victor Freire Monteiro considera fundamental consultar a documentação do BNU, o Conselho delibera que não há qualquer óbice.

Reunião de 27 de Fevereiro de 1975

Banco Nacional da Guiné-Bissau
O Dr. Victor Freire Monteiro, Governador do Banco, com vista à arrumação dos valores selados, já mandados emitir pelo Governo do território, solicitou a colocação de prateleiras na casa-forte instalada no Pavilhão n.º 2, cujas obras, a cargo da firma Construções, Lda., não estão ainda concluídas por força da ausência dos sócios desta firma.
Dada a urgência posta no assunto pelo Sr. Governador, o Gerente da Filial do BNU confiou a execução do trabalho a outra empresa pelo custo de 66 contos e veio pedir rectificação ao seu procedimento. O Conselho deu a sua sanção.

Reunião de 6 de Março de 1975

Anuncia-se a falência da Companhia de Pescas e Conservas da Guiné, o BNU comprou um navio.
Rubrica do Banco Nacional da Guiné-Bissau. Informação de que foi criado o Banco Nacional, passando, de imediato, esta instituição a exercer naquele país as funções de Banco emissor e comercial e de Caixa de Tesouro, sendo revogadas todas as disposições contrárias ao estatuto do novo Banco.

Reunião de 20 de Março de 1975

Transferência da Filial do BNU – desejo do Governo da Guiné-Bissau de serem iniciadas, a partir de 18 de Abril próximo, conversações com vista à transferência daquela Filial do BNU para o novo Estado.
Foi deliberado comunicar ao Governo Português a disposição do Governo de Bissau.

Reunião de 24 de Abril de 1975

Depósitos das entidades militares portuguesas
Telefonema da Gerência da Filial de Bissau informando que as autoridades da República da Guiné-Bissau desejavam utilizar com urgência os depósitos deixados no BNU pelas entidades militares portuguesas, para o que teriam sido já autorizados pelo General Carlos Fabião. O Governador informou que desconhecia totalmente essa autorização. Efectuaram-se diligências infrutíferas em contactar o Sr. General Carlos Fabião. Foram contactados os Srs. Secretários de Estado da Cooperação Externa e do Tesouro, tendo ambos, embora ignorando tal autorização, mas tendo em vista a alegada urgência na mobilização de fundos, concordado que foram dadas instruções à Filial do BNU autorizando-a a conceder um descoberto em conta do valor igual às importâncias daqueles depósitos, independentemente da solução de fundo a tomar.


Livro de Actas da Administração do BNU Junho de 1975 em diante

Reunião de 19 de Junho de 1975

Sociedade Industrial Ultramarina. A dissolução da empresa foi decidida em conselho, determina-se que a Sociedade aplique de imediato a sua carteira de depósitos na liquidação dos seus débitos para com o BNU.

Reunião de 10 de Julho de 1975

Transferência do Departamento do BNU na Guiné-Bissau. Os trabalhadores invocaram ter direito a uma satisfação de 6 mil contos. O Conselho entendeu não ser legítima a hipótese de uma indemnização e ser arbitrário o seu cômputo à luz do contrato colectivo.

Reunião de 12 de Agosto de 1975

Guiné-Bissau – Projeto de bases para acordo de transferência do departamento.
Os trabalhadores da Filial que adquirem nacionalidade guineense pretendem ser ressarcidos pelo tempo de serviço prestado. O Conselho entende que não é legítima a hipótese de suportar tal pretensão. Entende o Conselho que essa responsabilidade deve transitar para o Banco Nacional da Guiné-Bissau, cumprindo ao BNU resolver apenas os problemas dos trabalhadores que não querendo adquirir a nacionalidade guineense regressam a Portugal. Quanto aos valores patrimoniais, entende o Conselho que se deve insistir na transferência de todo o activo e passivo. A CICER será transaccionada como crédito. Quanto à Companhia de Pescas e Conservas da Guiné, a sua responsabilidade deverá ser assumida pelo Estado da Guiné-Bissau.
Informava-se o Conselho que o Governo da Guiné-Bissau se recusava a pagar empréstimos contraídos pela Colónia.

(Continua)


Imagens retiradas do “Anuário da Guiné Portuguesa”, 1946.

O segundo desenho é assinado por Stuart Carvalhais, um grande desenhador de humor e artista gráfico. Tudo leva a crer, tendo em atenção o traço, que o primeiro desenho é também da autoria de Stuart.

Antigo posto militar da Ilha das Galinhas, fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
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Nota do editor

Poste anterior de 15 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19588: Notas de leitura (1159): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19599: Notas de leitura (1160): “Bijagós, Património Arquitetónico", por Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, Fotografia de Francisco Nogueira (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19609: Parabéns a você (1590): José Lino Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)

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Nota do editor

Último poste da série de 17 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19595: Parabéns a você (1589): José Armando F. Almeida, ex-Fur Mil TRMS do BART 2917 (Guiné, 1970/72)

quinta-feira, 21 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19608: (De)Caras (124): João Bacar Jaló (1929 -1971), ex-cap 'comando' graduado... Em Príame, c. 1965, na sua casa, ricamente decorada (João Sacôto / Cherno Baldé)


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > Tabanca de Príame > 1965 > Da esquerda para a direita Alf Gonçalves, João Bacar Jaló,  Alf Farinha, Mamadu,  milícia muito próximo do João Bacar,  e eu. As crianças eram duas das várias filhas do João que também tinha várias mulheres, como era hábito cultural entre os Fulas.



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > Tabanca de Príame: eu, à porta da casa de João Bacar Jaló, uma morança com um fabuloso mural de motivos geométricos, de inspiração. oriental. Um notável eexemplo da arte afro-islâmica. O que será feito hoje desta morança ?

Fotos (e legendas): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Comentários ao poste P19604 (*):


(i) Cherno Baldé

Caros amigos Luís e João Sacoto,

Muitos séculos antes da chegada dos Europeus a África, nesse caso, dos Portugueses em particular, a influência da cultura e da civilização oriental já tinha conquistado o seu espaço nas práticas e manifestações culturais dos africanus, em especial dos povos situados no interior da região do Sudão ocidental (Impérios ou grandes estados) com a expansao dos poderes imperiais que foram concomitantes à expansao da religião islâmica.

Quando vi as imagens do poste com as pinturas, a minha primeira reacção foi pensar que se tratava de uma mesquita, pois os motivos são claramente orientais e com ligações às grandes religiões monoteístas (Muçulmana e Judaica).

Entre os Fulas originários de Futa Djalon (Futa-Fulas dos apelidos Djaló, Baldé ou Bah e Barry) mais cultos e letrados, na altura, era muito frequente o embelezamento das suas residências com tais pinturas de motivos orientais (em que não entravam imagens de animais ou de pessoas banidos pela religião) e em que, também, entravam pequenos textos de filósofos Gregos e Arabes e até Salmos biblicos davidianos.

A estrela que se ve nas pinturas simboliza a estrela do rei David a quem os Fulas, por razões que não sei explicar, consideram um dos seus patriarcas da antiguidade,  facto que os faria primos afastados dos Judeus, mas isso ja é outra história que precisa ser investigada por especialistas.

O Português que melhor tentou desenvolver este tema sobre os Fulas e outras etnias da Guiné é o Landerset Simões, autor do livro "Babel Negra, Etnografia, Arte e Cultura dos Índigenas da Guiné", edição do autor, impresso pelas Oficinas do Comércio do Porto, 1935.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

PS - Para quem ainda não leu, recomendo vivamente, pois é dos melhores livros que eu li de um Português colonial, que viveu e trabalhou em principios do sec. XX.

(ii) João Sacôto

Caro Cherno Baldé:

Obrigado pelo esclarecimento. Pelo que dizes, se alguma dúvida tivesse quanto à casa referida, ela está completamente dissipada. Pois trata-se de uma casa em Priame, Catió, tabanca Fula, onde, tenho a certeza, não havia, naquela altura (1964/1965), naquele lugar, nenhuma mesquita.

Por outro lado o João Bacar Jaló era,  para além do mais, um homem rico e importante em Priame. É, portanto à porta dele que eu estou.e  eventualmente, até pode ter sido ele quem disparou a fotografia.

Um abraço, JS

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de março de  2019 > Guiné 61/74 - P19604: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte VI: Em Príame, a tabanca do João Bacar Jaló (1929 - 1971)

Guiné 61/74 - P19607: In Memoriam (342): Fiquei muito chocado com a morte do Jorge Rosales (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)


Comandante Jorge Rosales
Foto: Manuel Resende


1. Mensagem de Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), datada de 20 de Março de 2019, com uma dedicatória ao já saudoso nosso camarada Jorge Rosales que nos deixou recentemente:


No dia 19 de Fevereiro de 2019 morreu o Jorge Rosales

Fiquei muito chocado com a morte do Jorge Rosales, tinha acompanhado o seu internamento no hospital, por telefone, enquanto ele o pôde atender, depois o amigo Manuel Resende deu-me algumas informações sobre intervenções cirúrgicas a que foi sujeito, que não eram boas notícias. Como ele era um homem grande com espírito forte e uma compleição física avantajada e robusta pensei que resistisse. Fui adiando a minha ida a Lisboa para o visitar no hospital, entretanto morreu e eu senti uma mágoa muito grande por nunca lhe ter feito essa visita.

Não fui ao funeral pois achei que dum amigo, se pudermos, com a discrição necessária, devemos despedir-nos em vida. Somente hoje ganhei coragem para falar dele e estas palavras são parte do meu luto para me libertar da tristeza que me causou a sua perda.

Tínhamos muitas afinidades, um pouco como tinham no passado a Galiza e Trás-os-Montes, no trabalho, na pobreza, no isolamento, na emigração, em muitos vocábulos e no carácter das suas gentes. Ele era um citadino a morar na linha do Estoril mas com profundas raízes rústicas galegas que herdara dos pais, eu um camponês, nascido e criado em Trás-os-Montes. O Jorge, ele disse-me, gostava muito de ler os textos que eu escrevia sobre Brunhoso, a minha aldeia, afinal as aldeias galegas de antigamente não eram muito diferentes.

Antes de adoecer tivemos ainda bastantes conversas por telefone

Com alguns camaradas dos Bandalhos, almoçámos um dia na Taberna do Valentim, em Viana do Castelo, com muitos camaradas almoçámos um dia em Algés na Tabanca da Linha que tu dirigias, Grande Comandante, com o Manuel Resende, antes também com o José Manuel Matos Dinis.

Disseste-me algumas vezes que um dia irias a Brunhoso e convidaste-me a ir à Galiza onde ainda tinhas propriedades rústicas e ao Couço no Ribatejo, onde tinhas casa e uma vinha que produzia um pipo de vinho, de que tinhas tanto orgulho. Algumas vezes me prometeste uma garrafa desse vinho, partiste sem ma dar.

Foram poucos anos mas tivemos um convívio bom e saudável.
Gostei muito de te conhecer.

Até sempre Comandante Rosales(*)

Francisco Batista
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 22 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19517: In Memoriam (340): Até sempre, 'comandante' Jorge Rosales (1939-2019)

Último poste da série de 6 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19555: In Memoriam (341): Falecimento, no passado dia 3 de Março, do 1.º Sargento João da Costa Rita da CART 2732 (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA)

Guiné 61/74 - P19606: Memória dos lugares (388): Ponta Varela, na margem esquerda do Rio Geba, subsetor do Xime... Mas está por fazer a história das "pontas" (pequenas explorações agrícolas, junto a cursos de água: Ponta do Inglês, Ponta Luís Dias, Ponta João da Silva, no Rio Corubal; Ponta Brandão, em Bambadinca; Ponta Geraldo Landim, no Rio Dingal / Mansoa; Ponta Salvador Barreto, no rio Cacheu, etc.)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Subsetor do Xime > A temível Ponta Varela:  restos do que parece ser um antigo cais acostável. Em 1963/65, ao tempo da CCAÇ 508 existia aqui uma tabanca e um destacamento onde morreram, em 3 de junho de 1965,  quatro dos seus homens, a começar pelo seu  comandante, o Capitão Francisco Meirelles, em consequência do rebentamento de uma mina. Relembre-se os seus nomes: (i) Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meirelles; Capitão de Infantaria QP; natural de Castelões de Cepeda, Paredes; casado; (ii) José Maria dos Santos Corbacho; 1.º Cabo; natural de São Sebastião da Pedreira, Lisboa, solteiro;  (iii) Domingos João de Oliveira Cardoso; Soldado Auto Rodas; natural de São Cosme, Gondomar; solteiro; e (iv) Braima Turé; Caçador Nativo (guia), natural do Xime, Bambadinca. (*)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Subsetor do Xime >  A LGD nº 105 a aproximar-se do porto fluvial do Xime, depois de passar pela Ponta Varela, vinda de Bissau,

Fotos do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil amanuense, com a especialidade de contabilidade e pagadoria, especialidade essa que ele nunca exerceu (na prática, foi o homem dos reabastecimentos do batalhão).

Fotos (e legendas): ©  José Carlos Lopes (2013). . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


Giné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > Ponta Varela > 2010 >  Exactamente no local onde as forças do PAIGC atacavam as embarcações  civis e os navios da Marinha. É pena não se ficar com a ideia de como, também neste local, nascia o Geba estreito, o leito do rio afunilava, à esquerda, não muito longe daqui, passava o rio Corubal. Com o assoreamemnto do rio Geba, já as embarcações não chegam aqui, muito menos a Bambadinca.

Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2010). Todos os direitos reservados.[Ediçºao e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (**)


Guiné > Zona Leste > Mapa do Xime (1955), 1/50000 > Detalhe: O Rio Geba, o Rio Corubal, à esquerda, Poindon, Ponta Varela, Madina Colhido, estrada Xime-Ponta do Inglês, Rio Geba Estreito, Xime, estrada Xime-Bambadinca, Enxalé (em frente, na margem direita do Rio Geba),  Tudo lugares míticos, carregados de emoções para os camaradas que viveram e lutaram no Sector L1 (Bambadinca) ou que desembarcaram, numa LDG, a caminho de outras terras da vasta zona leste da Guiné, via Bambadinca-Xitole ou Bambadinca-Bafatá...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


1. Temos cerca de 3 dezenas de referências à mítica Ponta Varela, na margem esquerda do rio Geba,  antes do Xime... Milhares de camaradas, que andaram nas embarcações civis e nos navios da Marinha (lanchas de desembarque) passaram ao largo da Ponta Varela, ali onde o rio começava a estreitar... Lembremos, pois,  algumas das imagens da Ponta Varela das nossas histórias (***)

Recorde-se que na Guiné o vocábulo "ponta" quer dizer propriedade agrícola, exploração agrícola, horta, em geral junto a um curso de água,  na margem de um rio, e o nome estava muitas vezes associado ao seu proprietário, cabo-verdiano ou "tuga": por exemplo, Ponta do Inglês, Ponta João da Silva, Ponta Luís Dias, Ponta Nova, no Rio Corubal..


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > Ponta  do Inglês > 2010 > Pouco resta da casa de Inglês Lopes, ao que parece era este o dono da Ponta... Entre 1964 e 1966, a qui esteve um pelotão destacado da companhia do Xime, mais um pelotão de milícias... Foi deativado em 1968. O destacamento vinha até junto à água, havia um pontão para receber as embarcações, tudo desapareceu. O antigo embaixador em Lisboa da República da Guiné-Bissau, Constantino Lopes, ex-Combatente da Liberdade da Pátria, que esteve preso no Tarrafal, de 1962 a 1969, é hoje o único herdeiro e proprietário da Ponta do Inglês, exploração agrícola, de 50 hectares; o seu pai, Luís Lopes, tinha por alcunha o Inglês; informação que foi dada ao nosso editor Lu+is Graça  pelo próprio Constantino Lopes em 12/11/2008, no Museu da Farmácia, no lançamento do livro do Beja Santos, "O Tigre Vadio".

Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2010). Todos os direitos reservados.[Ediçºao e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
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quarta-feira, 20 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19605: Historiografia da presença portuguesa em África (155): A Guiné na “Gazeta das Colonias” (1924-1926) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,
Encontrei este calhamaço na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, e foi um regalo conferir o que já sabíamos sobre o espírito da época: a atração de negócios naquele ponto de África, a criação de companhias na maior dos casos não saíram do papel; a preponderância do funcionário colonial de proveniência cabo-verdiana; mesmo depois da pacificação de Teixeira Pinto temia-se as hostilidades da população local, mesmo à beira de Bissau; travam-se discussões sobre a autonomia das colónias e não se esconde que a Sociedade das Nações questiona o governo português sobre o uso de mão-de-obra indígena, havia situações escandalosas que eram denunciadas e não se podiam camuflar.
A Gazeta das Colonias morre com o Estado-Novo, a Agência-Geral das Colónias passou a ocupar todo o espaço e iniciativa.

Um abraço do
Mário


A Guiné na “Gazeta das Colonias” (1924-1926)

Beja Santos

Em 1924 a Empreza de Publicidade Colonial dá à estampa, em 19 de Junho, o n.º 1 de Gazeta das Colónias, justificando que o novo seminário procurará dar à discussão dos variados e complexos problemas coloniais a maior largueza e de originar fortes correntes de opinião favoráveis aos altos interesses. A plêiade de colaboradores era impressionante, desde investigadores, administradores coloniais a empresários. Junto algumas observações.

A primeira relaciona-se com o facto de que a I República entrara em derrisão mas, paradoxalmente, o interesse pelas coisas africanas despertava, como negócio e acicate cultural. Constituem-se empresas, debatem-se infraestruturas, o termo colónias é na época equivalente de províncias ultramarinas.

A segunda tem a ver com o facto de nos primeiros números a Guiné merecer deferências de tratamento e depois apaga-se, completamente. Tenhamos em conta o que de significativo é versado no noticiário guineense. O destaque vai para os artigos assinados por Armando Cortezão. Aquele que virá a ser um dos mais eminentes cartógrafos mundiais, anda pela Guiné, urdiu a Sociedade Agrícola do Gambiel, eu próprio vim a beneficiar da sua presença no Cuor, a cama de ferro que o régulo Malam Soncó me ofereceu era a cama onde ele dormia em Missirá. Deixou na Gazeta vários artigos históricos e elucidativos das grandes potencialidades agrícolas. Aspeto curioso, ninguém falará das potencialidades píscolas. E há tópicos que nos levam a pensar. A propósito de um artigo intitulado “Os cabo-verdianos na colonização portuguesa”, assinado por Carlos de Vasconcelos, pode ler-se: “Tem actos de desinteressado devotamento a história da colonização cabo-verdiana na Guiné. Falha-me agora a memória nos nomes de meia dúzia de cabo-verdianos que acudiram ao apelo de um governador, deram todo o dinheiro necessário para a reconstrução da fortaleza que a ausência de recursos financeiros deixou desmantelada, colocando a colónia nascente sob o domínio ultrajante do gentio…”. Na edição de Outubro de 1924 destacam-se alguns parágrafos transcritos do jornal “Pró-Guiné”: “Causa dó, e ao mesmo tempo vergonha, espraiar a vista pelas vastas planícies da Guiné, sem ver algum melhoramento que ateste trabalho e progresso nos serviços agrícolas. Alguns milhares de hectares de terreno que não representam a centésima parte de tudo o que é próprio para a cultura. Processos de agricultura, os mais rudimentares. Concessões de terrenos, muitíssimas mas inexploradas, por que os concessionários limitam-se a estabelecer nelas mercados para compra de mancarra e arroz, de onde tiram fabulosos lucros sem valorizar as propriedades e nem ao menos pagarem ao Estado a parte proporcional a esses lucros”.

A terceira prende-se com a possibilidade de lermos nas entrelinhas o contexto internacional e nacional, e o que de local mais se salienta. A Guiné guarda ainda o impulso de um governador dinâmico, Vellez Caroço, em 1925 surge o primeiro Anuário da Província da Guiné, um género de roteiro com um pouco de história e uma gama de dados que pode entusiasmar investidores. E vamos ficando a saber que a Sociedade das Nações vai interpelando o governo português com redobrada insistência sobre o uso da mão-de-obra indígena. Há curiosidades nesta informação guineense que não se vê explorada em estudos e investigações. Por exemplo, em Dezembro de 1924, escreve o engenheiro A. Xavier da Fonseca: “A nossa riqueza em minérios metálicos não é tanta que nos permita pôr de parte a pesquisa de um território a dois passos da metrópole onde a existência das pesadas pulseiras de ouro de fabrico indígena não é da lenda, visto que se vêem e se lhes sente o peso”. Outro dado importante na troca de discussões na Gazeta tem a ver com a autonomia das colónias, essa discussão estender-se-á ao Estado-Novo, o modelo republicano será rejeitado, vão desaparecer os altos-comissários, a centralização será um modelo escolhido para gerir o Império Colonial.

Uma explicação quanto às ilustrações. Não deixa de ser curiosa a que mostra os territórios portugueses, o equívoco sobre a Madeira e os Açores, Bolama como capital da Guiné, o império tem uma superfície que excede os 2 milhões de quilómetros quadrados. Atenda-se ao anúncio da Companhia Estrela-Farim. Diz possuir uma superfície de 25 mil hectares de terreno, com cerca de 2 milhões de palmeiras, árvores de excelente madeira, sobretudo mogno e pau-rosa. A propriedade é marginada pelo rio Cacheu, admitem-se explorações de cana-de-açúcar, tabaco e gergelim. O Presidente do Conselho de Administração era o Professor Costa Lobo e na Assembleia-Geral estavam o Visconde de Santarém e Vieira Machado, futuro ministro das Colónias. Muitos serão os monumentos e edifícios coloniais exibidos na capa da Gazeta. A Guiné só teve direito à velha fortaleza de Cacheu. E não resisti a publicar a notícia sobre o atleta Armando Cortezão, envergando a camisola do CIF, correndo a final dos 800 metros.




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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Março de 2019 > Guiné 61/74 - P19580: Historiografia da presença portuguesa em África (153): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19604: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte VI: Em Príame, a tabanca do João Bacar Jaló (1929 - 1971)


Lisboa > 1970 > O cap graduado 'comando'.  cmdt da 1ª CCmds Africanos João Bacar Jaló como o nosso veteraníssimo João Sacôto (ex-alf mil, CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), hoje comandante da TAP reformado, membro da nossa Tabanca Grande desde 20/12/2011. 
O João Bacar Jaló veio a Lisboa, nessa altura, no 10 de Junho, receber a Torre e Espada. Nasceu em Cacine, em 1929, e morreu em 1971, em combate, no sector de Tite. Era alferes de 2ª linha em 6 de junho de 1965. (*)



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > Tabanca de Príame: da esquerda para a direita, eu, o cap Alexandre e o João Bacar Jaló.


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > Tabanca de Príame: numa Daimler, da esquerda para a direita, eu, o cap Alexandre e o João Bacar Jaló.


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > Tabanca de Príame: lavadeiras


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > Tabanca de Príame: eu, à porta de uma morança com um fabuloso mural de motivos geométricos. "Era  a casa de João Bacar Jaló", confirma o seu amigo João Sacôto. "Estive lá várias vezes".


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > Tabanca de Príame: eu, à porta da morança do João Bacar Jaló, na altura alferes de 2ª linha (será promovido a tenente de 2ª linha, em novembro de 1964).

Fotos (e legendas): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, de seu nome completo... Foi alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66). Trabalhou depois como Oficial de Circulação Aérea (OCA) na DGAC [Direção Geral de Aeronáutica Civil]. Foi piloto e comandante na TAP, tendo-se reformado em 1998.

Estudou no Instituto Superior de Ciencias Económicas e Financeiras (ISCEF, hoje, ISEG) . Andou no Liceu Camões em 1948 e antes no Liceu Gil Vicente. É natural de Lisboa. É casado. Tem página no Facebook (a que aderiu em julho de 2009, sendo seguido por mais de 8 dezenas de pessoas). É membro da nossa Tabanca Grande desde 20/12/2011.


2. Continuação da publicação do seu álbum fotográfico, desta vez com imagens de Príame, a tabanca do João Bacar Jaló. (**)


A  CCAÇ 617 esteve em Catió de 1 março de 1964 até 22 de setembro de 1965, altura em que assume a responsabilidade do subsector do Cachil, por troca com a CCAÇ 728. Será rendida pela CCAÇ 1424, em 16 de janeiro de 1966, preparando.se depois para regressar à metrópole.

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Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 2 de maio de 2009 > Guiné 63/74 – P4275: Tugas - Quem é quem (4): João Bacar Jaló (1929-1971) (Magalhães Ribeiro)

(**) Último poste da série >  3 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19546: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte V: Catió, o quartel e a vida da tropa

terça-feira, 19 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19603: Manuscrito(s) (Luís Graça (153): Lembrando hoje o pai, o meu, o teu, o nosso pai...

1. Na poesia portuguesa a figura do pai está muito menos presente do que  a figura da mãe...

Talvez por que, durante séculos e séculos, os portugueses cresceram, não sem o pai, mas com o pai bem longe de casa, mais no mar do que na terra, a caminho das Indias e dos Brasis, lavrando o mar, construindo a primeira grande estrada da globalização, unindo os continentes, ligando povos... mas também na guerra, no exílio, na prisão, na emigração... 

As nossas mães tiveram que ser mães e pais, tiveram que nos dar o pão, o amor, a educação...para, mais tarde,  podermos pegar na trouxa e ir no encalce da figura paterna...nas navegações, na odisseia da pesca do bacalhau, no comércio marítimo, na colonização,  na guerra, no exílio, na emigração...  Foi um ciclo longo, de séculos, que estará longe de ter terminado com o chamado "fim do Império". 

Não foi por acaso que até criámos, aqui, no nosso blogue, uma série que se chama "Meu Pai, meu Velho, meu Camarada"...

Infelizmente, a nossa geração, a que fez a guerra colonial de 1961/75, já não tem os seus pais vivos... Se o fossem, seriam centenários... Mas continuamos a gostar de celebrar o Dia do Pai, todos os anos, em 19 de março... Porque "recordar é preciso", e a saudade, se não é um produto "made in Portugal", é uma palavra única, e é portuguesa... Temos saudades do nosso pai, da nossa mãe, que nos deram o ser... E queremos transmitir essa doce ideia aos nossos filhos e netos...  

Recordo-me do poema que escrevi ao meu pai, em 19 de março de 2012, no Dia do Pai, tinha ele 91 anos, e eu tive a terrível premonição de que ele já não chegaria os 92, a completar em 19 de agosto desse  ano (*)... De facto, morreria 3 semanas depois, num domingo de Páscoa.

Mas esse dia 19 de março de 2012 marcou-me também pelo "feedback" que recebi dos meus filhos e que me emocionou. Já aqui o partilhei, nessa data (*). Tomo a liberdade de o reproduzir hoje, porque continua a ser uma mensagem singela mas tocante para o Dia do Pai. Façam-na vossa, também, meus amigos e camaradas: 


"Para o nosso Pai: 

"Chegámos a casa e não parámos de chorar 
pela bonita homenagem que fizeste  ao teu Pai!

"Pai!, como consegues tocar  no coração das pessoas
com as tuas palavras, o verso curto,  
a palavra certa, o sentimento todo, 
certeiro?! 

"Pai!, como consegues adivinhar
o que sentimos nós, também,
a sofrer ao longe, mas a pensar
que os outros são fortes,
quando afinal a todos o coração enfraquece.

"Pai!, sentir o teu pai, nosso avô, a partir é triste. 
Mas foi ele, o teu pai, nosso avô, 
que disse que quem não viveu não pode viver.

"Pai!, e o avô viveu e deu a viver,
e viverá para sempre nas nossas histórias,
aquelas que tu e nós vamos contar
aos nossos filhos, sim,
por que ser avô é uma bênção,
e queremos dar-te essa alegria também.

"Pai!, toca-nos a tua sensibilidade silenciosa, 
escondida, mas forte,
pela subtileza e bondade.

"Pai!, vamos levar nas nossas vidas
a celebração da vida
através da poesia embrulhada de afetos.

"Com afeto, Joana e João

"Alfragide, 19 de Março de 2012".




2. Um poema ao pai: estou fora de casa, no Norte, ou melhor, estou em casa, no Norte (, estou sempre em casa,  no Norte!),  mas lembrei-me de partilhar com os nossos leitores, de Norte a Sul,  um dos poemas do transmontano Miguel Torga (,da terra da nossa querida Giselda Pessoa, São Martinho de Anta, Sabrosa), de que gosto muito, pela sua genial simplicidade... 

Peçam, amigos e camaradas, aos vossos filhos ou netos, que vos acompanharem no jantar desta noite, para o ler, em voz alta, à mesa, lenta, compassadamente. Saboreiem-no... porque a poesia é também para se comer e beber... E tenham um bom resto de dia do Pai, amigos e camaradas! Bebo um copo à vossa saúde, com votos de longa vida!


Bucólica

por Miguel Torga


A vida é feita de nadas:

De grandes serras paradas
À espera de movimento;

De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;

De sombra de uma figueira;

De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.




Miguel Torga
In: TORGA, M. – Antologia poética. Coimbra, ed. autor, 1981, p. 247.

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 19 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9628: Meu pai, meu velho, meu camarada (25): Bo vida ta na balança... (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P19602: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXV: Memórias do Gabu (V)


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Janeiro / fevereiro de 1968 > Foto nº 13A > A Escola Primária do Gabu. o professor e os alunos. Uma imagem que vale por mil palavras, num sítio daqueles também se ensinava a ler a Língua de Camões.



Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) >  Janeiro / fevereiro de 1968 >  Foto nº 13


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) >  Janeiro de 1968 >  Foto nº10 >  Mulher guineense de etnia Fula com o seu filho.  Na porta da sua tabanca esta mulher deixou-se fotografar com o seu filho todo nu, como já era hábito nas gentes locais.  


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) >  4º  trimestre de 1967 >  Foto nº 7 > Junto a um ribeiro, ou a Fonte de Nova Lamego, local das lavadeiras.  Alguns miúdos, mas já crescidos, estão a tomar banho de sabão num local que me parece ser o sítio onde as lavadeiras trabalhavam. Junto a mim, o então ainda Aspirante Mesquita, das Transmissões. 


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) >  1º  trimestre de 1968 >  Foto nº 1 > Bajudas Mandingas com vestes de passeio dominical.  São 3 raparigas solteiras – bajudas – com os seus vestidos de domingo ou de festas.  Fico com uma falsa sensação, pois a do meio não tem sequer chinelos, está descalça.  Não se pode identificar as cores, mas serão certamente cores fortes e garridas. 


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Outubro de  1967 >  Foto nº 2 >  Um grupo de camaradas junto às sombras das Palmeiras.  Foto tirada possivelmente numa tarde de Sábado ou Domingo, com alguns militares à civil, dos quais não consigo identificar nenhum pelo nome. É uma das primeiras fotos do Gabu. 

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Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > 4º trimestre de  1967 >  Foto nº 5 > Vista geral de algumas ‘Tabancas’ no mato nos arredores do Gabu. Uma das primeiras rondas pela zona, e uma das primeiras fotos pelas tabancas do Gabu e da nossa Guiné. Tudo era novo para os ‘periquitos’.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Outubro de  1967 >  Foto nº 14 > Momento de repouso à sombra do nosso fotógrafao de uma bananeira. Numa deslocação de Nova Lamego a Bafatá, foi preciso parar no caminho, e assim se aproveitou o momento para descansar na sombra de uma bananeira, pertencente a este homem, fula, dono da plantação. Não me lembro se ele nos ofereceu uma banana ou não, mas elas parecem ainda um pouco verdes.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Outubro de  1967 >  Foto nº 17 > Edifício do Posto de Comando e Conselho Administrativo  do Batalhão. Localizado no centro da Vila, este edifício tipo colonial era a sede e instalações do Comando do Batalhão e do Conselho Administrativo, onde eu exercia funções. Daquele varandim do 1º piso, poderia apreciar-se grande parte do povoado, a Casa Caeiro em frente, os CTT da outra esquina e outro estabelecimento que não sei o que era. Junto a mim, debruçados, estou eu, o Furriel Pinto e o 1º cabo Seixas


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Dezembro de  1967 >  Foto nº 12 >  Chegada e recepção da esposa do 2º comandante, Major Américo Correia. Por alturas do mês de Natal de 67, a esposa do nosso 2º Comandante e Presidente do Conselho Administrativo foi visitar o marido a Nova Lamego. A sua chegada a terras de Gabu foi muito acompanhada, e foi bem recebida. Chegou num avião militar DAKOTA da FAP, vinda de Bissau, onde chegou da metrópole num avião, civil ou militar, não sei. Estas visitas não eram normais, por razões de segurança. Junto a ela, está o marido fardado e de boné, estou eu de quico, e o militar de camuflado pertencia aos quadros da Força Aérea.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Janeiro / fevereiro de   1968 >  Foto nº 15 > Numa Tabanca dos arredores, com uma criança mestiça. Como andava muitas vezes pelas tabancas, tinha muitas amizades com a população, dava alguma coisa, tirava fotos com as bajudas e mulheres, depois levava uma cópia para eles, eu dava-me bem naquele ambiente sem medo, sem stress. Esta criança logo se vê que é filho de mãe preta e pai branco, não sei os pormenores, eram assuntos naquela altura muito tabus, perguntar estas coisas. Deve estar um homem, espero que não tenha ido para a guerrilha!

 Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); é economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde. (*)

CTIG/Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:

T063 – MEMÓRIAS DO GABU – PARTE V

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Guiné 61/74 - P19601: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (6): o contentor do Abubacar


Guiné-Bissau > Bissau > Março de 2019 > O Contentor do Abubacar > Fotografias do contentor e parte da tertúlia. O Abubacar está ao centro.  Eu, à sua direita, de óculos esuros, chapéu e um criança ao colo.



Guiné-Bissau > Bissau > Março de 2019 > O contentor do Abubacar >  O Abubacar e um vizinho



Guiné-Bissau > Bissau >  Março de 2019 >  O contentor do Abubacar >Miúdos



Guiné-Bissau > Bissau >  Março de 2019 >  O contentor do Abubacar > Manteiga de amendoim: Jura mesmo!










Guiné-Bissau > Bissau > Março de 2019 > O contentor do Abubacar > Mensagens ecológicas destinadas às crianças

Fotos (e legendas): © Luís Oliveira (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).



Luís Oliveira, na praia da Areia Branca, Lourinhã
1. Sexta crónica do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol; lisboeta, tem fortes ligações à Lourinhã, Oeste, Estremadura...

Chegou a Bissau, a 2 de março, e aqui vai estar 3 meses como voluntário na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo. (*)






O Contentor de Abubacar


por Luís Oliveira



Conheci a loja do Abubacar através das minhas companheiras de voluntariado. Trata-se de um contentor marítimo de pequenas dimensões, talvez cinco por dois metros que, à custa de rebarbadora, ferro de soldar, alguns materiais reciclados e sobretudo muita imaginação, foi transformado num estabelecimento comercial quase em frente da escola Humberto Braima Sambu e do Estádio Bom Fim.



É um local incontornável quando me dirijo todas as manhãs para a escola e aproveito para reconfortar o estômago, meio pão tipo baguete com manteiga e leite. O Abubacar, ou o alguém que o substitui, após cortar a baguette ao meio, rapa com uma colher a manteiga com origem numa lata de cinco quilos daquele produto e parte do “mata bicho” está preparado, só faltando uma latinha de leite de duzentos ml que os holandeses vendem para a Guiné e que até sabe bem.


Para além deste serviço, a loja do Abubacar vende água de Penacova, rebuçados, óleo avulso em saquinhos de plástico, conservas e muitas mais mercadorias de natureza alimentar. Também fornece serviços tecnológicos e, quando necessito de carregar dados ou chamadas no meu cartão SIM, o

Abubacar, não sei com que artes mágicas, carrega-me o telefone do que preciso.


Mas o que mais me atrai na loja são os momentos de convívio com p Abubacar e os seus amigos que aí aparecem para disfrutar de uma boa cavaqueira que abrange desde o tema político ao desportivo, e com o Abubacar estou sempre de acordo porque é um ser humano de qualidades inquestionáveis. Tem ideias claras e críticas sobre a gestão recente da Guiné-Bissau, do estado de pobreza material e a outros níveis em que se encontram os seus irmãos guineenses. Faz propostas, discute com moderação e siso os problemas partidários e tem sempre uma mensagem ecológica para os mais novos, sempre distraídos na forma como tratam o lixo, e sobre a higiene urbana e, além disso, é do Sporting.


O Abubacar deve ter, talvez, pouco mais de vinte anos, tem o curso de professor, mas, como esta categoria profissional não recebe ordenado desde Outubro, prudentemente orientou a sua vida por outra via, e é pena porque os seus ensinamentos seriam bem úteis aos mais novos.


Hoje, sábado, não houve escola e lá fui tomar o pequeno almoço, comprar dados para o cartão SIM e conviver. Uma manhã muito agradável com vários jovens, entre eles um de Missirá, onde o seu pai foi milícia da força portuguesa, e outros que me questionam do período colonial que, segundo eles, não faz parte do curriculum de história do ensino guineense:


“Luís, como é que convivias com a população?” 
“Na tabanca não tinham medo de vocês?” 
“Para onde iam detidos os elementos do PAIGC que eram capturados?”... 

E a conversa continua com serenidade, entusiasmo e curiosidade. As lembranças de um conflito que existiu e que apenas tem registo nas nossas memórias, são um ponto de encontro e de reflexão sobre os erros cometidos, sobre as malhas que o império tece(u) e que nos torna mais próximos.



P.S. No meio da conversa desta confraria ocasional, surge uma mulher transportando uma lata de tinta, abeira-se de mim;

– A bó miste?


Nem sabia o que a senhora transportava e até pensei que queria que lhe fosse pintar a casa como as vezes faço colaborando com os meus amigos que têm menos tempo ou jeito!


Como fiz um ar surpreendido, tirou a tampa e lá dentro estava uma massa castanha de cor pouco atrativa e também não era massa consistente porque eu até não tenho jeito para a mecânica. Mancarra, insistiu ela.


Pois, era manteiga de amendoim. Não pude negar e, com a ASAE ausente e sob investigação, não iria

haver problema.

– Um quilo?


Um quilo era demais, e o aspecto e cor tão pouco atrativos que só pedi duzentos e cinquenta gramas para ver o que dava e não deixar a senhora com a lata na mão após tanta insistência.


Nesta lata não há colher e ela vai rapando com a mão e fazendo bolinhas até juntar o que lhe pareceu serem os duzentos e cinquenta gramas. O Abubacar forneceu um saquinho plástico onde ficou o produto pelo preço de duzentos e cinquenta francos CFA (cerca de quarenta cêntimos de Euro) e que não resisti a provar depois do meu almoço.


Nunca comi manteiga de amendoim tão saborosa e, se amanhã os efeitos desta iguaria não me afectarem demasiado, irei à procura da mulher e comprar um quilo. Talvez seja suficiente até partir para Lisboa.


Bissau, 16/03/2019