segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20460: Notas de leitura (1246): “Capim Rubro”, de José Monteiro; Chiado Books, 2018 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
Não se discute o empenho didático do autor que, do princípio ao fim da sua obra de ficção nos dá apontamentos sobre a instrução na recruta e na especialidade, o que é um aerograma, onde se situa a Guiné, como eclodiu a guerrilha, as etnias existentes, o pormenor das operações, vê-se claramente que se documentou, o que é questionável é o modo como entremeia um acervo de dados consabidos no evoluir da trama.
Alude-se nesta obra de ficção a um drama vivido na região de Fulacunda, o desaparecimento, em plena atividade operacional, de um alferes e um conjunto de militares, seguramente uma das histórias mais dramáticas que se viveu naquele teatro de operações.
Mais um livro autobiográfico, certamente bem intencionado, talvez para que aqueles militares que andaram por Fulacunda e perto do Morés tenham mais um rosário de recordações ao seu dispor.

Um abraço do
Mário


Novamente, com rumo a Fulacunda e depois ao Morés

Beja Santos

“Capim Rubro”, de José Monteiro, Chiado Books, 2018, apresenta-se como uma obra de ficção, tem como palco a guerra de Guiné entre 1965 e 1967, o leitor, em dado momento, constatará existirem claras aproximações com a obra de Rui Alexandrino Ferreira “Rumo a Fulacunda”, obra a que aqui já se fez recensão.

Tudo começa com uma visita, em maio de 1968, do Furriel Silveira à aldeia de António Ribeiro, não longe de Lamego, e antes de sabermos as razões que o ali levam, retornamos ao passado, António dos Santos Ribeiro está em Estremoz, é informado que vai gozar dez dias de férias e depois apresenta-se no Regimento de Infantaria 2, onde irá formar-se o seu Batalhão. António Ribeiro é conhecido pelo 127. Segue-se a paixão assolapada entre o mancebo e a sua apaixonada, Maria do Céu. Com o sangue a ferver, ambos perdem as estribeiras num local chamado a “Pedra da Moura”, António irá para a Guiné, a Maria do Céu ficará grávida enquanto António anda por Abrantes e o Campo Militar de Santa Margarida. Estamos em 31 de julho de 1965, o Batalhão parte para a Guiné a bordo do Niassa. António vai conversar com o Capelão, o Padre Miguel Sampaio, primo direito da sua Maria do Céu, é um capelão muito original, só fala aos palavrões, talvez porque vai a caminho da sua segunda comissão na Guiné, o bispo não o quer a paroquiar, andou envolvido com uma senhora casada. Estamos em agosto de 1965, o autor entremeia a narrativa com dados da vida guineense. Vão a caminho de Santa Luzia, passaram em frente da capela mortuária em cujo interior se amontoava uma pilha de caixões a aguardar barco para Lisboa. Começa a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, um soldado dispara inadvertidamente e atinge mortalmente um companheiro. É a primeira baixa.

Na Cervejaria Bento, o Alferes Varela de Castro disserta sobre o Estatuto do Indigenato, é uma alocução em que ele diz que a guerra colonial foi resultado lógico e natural da conjugação de dois fatores: imobilismo e intransigência do Estado Novo sobre a questão colonial; incapacidade de negociação para responder aos apelos de negociação, repetidas vezes feitos pelos movimentos de libertação. O Furriel Silveira assiste a toda esta exposição e pensa que existe motivação séria para um povo reclamar a sua libertação e definir o seu destino coletivo.

Maria do Céu é maltratada pelos seus pais, é bem acolhida pelos pais de António, este embarca rumo a Fulacunda, os bens dos militares chegam praticamente deteriorados, houvera muita chuva, as malas de cartão prensado desfaziam-se, tudo quanto era papel tornou-se em pasta pegajosa. Descreve-se Fulacunda, começa a atividade operacional, em setembro ocorre a primeira incursão a uma base do PAIGC, é o batismo de fogo, destrói-se o acampamento. Em outubro, durante uma operação, sucede o impensável, o Alferes Varela de Castro desaparece com mais cinco militares, sucedem-se as tentativas de encontrar os desaparecidos à volta de Gamol, onde a tragédia ocorrera (a tal propósito, tem bastante utilidade ler a obra de Rui Alexandrino Ferreira, é um documento pungente em que se procura recriar o drama daqueles homens perdidos dentro da mata e perseguidos pelas forças do PAIGC). Para substituir o malogrado Varela de Castro chegou o Alferes Miliciano Rodrigo, inicialmente recebido de forma fria, quase hostil. Rodrigo ir-se-á impondo, definiu uma estratégia de aproximação, irá ganhar a confiança de todos. Continuam as operações, apreende-se armamento, as abelhas atacam, há mortos e feridos.

O autor não poupa o Capitão Cordeiro, Comandante de Companhia, um manhoso que tudo faz para ser evacuado. Tivera uma ligeira fratura de costelas na queda de um cavalo, preparou a atmosfera para voltar a cair, acabou por ser evacuado para o Hospital Militar de Bissau, em Lisboa tratou da vidinha, reformou-se.
Como escreve o autor:  
“O capitão Mário dos Santos Sobral Cordeiro, no exercício das suas funções do comando no CTI, em plena zona de forte ação da guerrilha, no local em que, com a sua companhia, em plena zona de campanha, montou uma emboscada às tropas inimigas, caiu desamparadamente numa ravina, agravando, de forma irreversível, lesões anteriormente sofridas em duas costelas. E assim se livrou de Fulacunda, se livrou da Guiné e se livrou definitivamente da guerra”.

A Companhia sai de Fulacunda no início de janeiro de 1966, nova conversa entre António Ribeiro e o Padre Sampaio, o palavrão ferve. António parte para Bissorã, é a sede do seu Batalhão. Multiplicam-se as missões, por exemplo, manter a segurança à ponte de Braia, no caminho de Mansoa para Bissorã. A amizade entre o Furriel Silveira e António Ribeiro cresce com o tempo. Há as escoltas a Cutia, bom pretexto para António rever o capelão. Assim se passou o primeiro ano de guerra e inopinadamente há uma forte emboscada entre Mansoa e Bissorã, o Alferes Rodrigo é agora um verdadeiro exemplo de dedicação aos seus homens.

Nasce o filho de Maria do Céu e António, é uma menina. António está delirante, as operações prosseguem. Vamos saber tudo sobre o currículo do Padre Sampaio, de seu nome Miguel dos Santos Almeida Sampaio, e do adultério que o senhor bispo puniu. São frequentes os encontros entre António e o capelão, tudo regado a uísques no clube Os Balantas, em Mansoa. Segue-se a descrição dos quartos-de-final do campeonato mundial de futebol de 1966, entre a Coreia do Norte e Portugal e saltamos para a ponte de Uaque onde um grupo de guerrilheiros do PAIGC ataca furiosamente.
E aqui nos fica um texto, da melhor prosa que se encontra ao longo destas quinhentas páginas:
“Aparentemente não era coisa grave, apenas um pequeno orifício, onde se tinha alojado um estilhaço.
Contudo, por esse minúsculo orifício começou a perder massa encefálica, foi ficando pálido, quedou-se nos movimentos, perdeu a voz, toldou-se-lhe a vista.
Natural de uma pequena aldeia das proximidades de Aveiro, pensou na beleza do pôr-do-sol espraiando-se mansamente na ria. Como por magia, a lona da maca em que se encontrava deitado, foi-se transformando num espelho de água, refulgente de luz, de quando em vez entrecortado pela passagem ritmada e dolente de um moliceiro, como ele aflito e afoito, que na sua profusão de cores deixava nas águas da ria um rasto de rara beleza.
Por breves momentos, recordou a arte da xávega e, numa dolência que já não controlava, recuou aos seus tempos de menino e viu seu pai vestido de camisa branca e curta, feita de estopa, manaia e barrete preto de malha, apanhando o moliço.
Pensou no resto da família. Depois, sem um único gemido, no rosto antes queimado pelo sol e pela maresia, começaram a correr-lhe, ritmada e silenciosamente, lágrimas sofridas. Pensou na namorada, nos sonhos que ambos tinham para concretizar. A cara marfínea em agonia a coalhar de vítreo os olhos glaucos, alguns espasmos e, traiçoeira e injusta, a morte levou-o”.

Não se pode roubar ao leitor a curiosidade em desvendar a trama final, o que aproxima e pode afastar estes dois amigos, Silveira e António.
Intuitivamente, e nada mais, fica-nos a ideia que Silveira é o alter-ego de José Monteiro.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20448: Notas de leitura (1245): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (36) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20459: Recortes de imprensa (109): Ainda o acidente de helicóptero, de 25/7/1970, no CTIG, em que morreram 4 deputados e 2 camaradas nossos... No dia em que Salazar morreu, ainda não se sabia que o aparelho tinha caído no rio Mansoa ("Diário de Lisboa", 27/7/1970)






Recortes da primeira página do "Diário de Lisboa", nº 17097Ano: 50, Segunda, 27 de Jjulho de 1970, 1ª edição (Director: António Ruella Ramos).

Citação:
(1970), "Diário de Lisboa", nº 17097, Ano 50, Segunda, 27 de Julho de 1970, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_6808 (2019-12-16)
Reprodução, com a devida vénia:

Fonte: Casa Comum
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 06616.154.24969
Título: Diário de LisboaNúmero: 17097Ano: 50Data: Segunda, 27 de Julho de 1970Directores: Director: António Ruella RamosEdição: 1ª ediçãoObservações: Inclui supl. "Desporto".Fundo: DRR - Documentos Ruella RamosTipo Documental: IMPRENSA

1. Salazar morria às 9h15 do dia 27 de julho de 1970, segunda feira, na Casa de Saúde da Cruz Vermelha. O funeral foi marcado para quinta feira, em Santa Comba Dão, sua terra natal. 

Entretanto, na Guiné prosseguiam intensas buscas, mobilizando "milhares de soldados de todas as armas, auxiliados pelas populações locais" (,segundo notícia dfa ANI),  nas imediações do Rio Mansoa, na zona  em que se presumia que tivesse caido o helocópterio, pilotado pelo alf mil Francisco Lopes Manso. e que transportava 4 deputados da Assembleia Nacional, em visita ao CTIG  (James Pinto Bull,  Pinto Leite,Leonardo Coimbra e José Vicente Abreu) mais um capitão do exército (cap cav José Carvalho de Andrade), que os acompanhava. O helicóptero, com mais outros dois, vinha de Teixeira Pinto para Bissau quando terá sido apanhado por um violento tornado.

Durante o resto do mês de julho não haverá mais notícias, no "Diário de Lisboa",  sobre este "acidente" na Guiné...
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Nota do editor:

domingo, 15 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20458: Recortes de imprensa (108): A morte dos quatro deputados à Assembleia Nacional, em visita ao CTIG, no acidente de helicóptero, em 25/7/1970 ("Diário de Lisboa", 26/7/1970)





Notícia de primeira página do "Diário de Lisboa", nº 17096, ano 50,  domingo Domingo, 26 de Julho de 1970, 1ª edição.(Diretor: António Ruella Ramos). Edição, obviamente, visada pel censura...

Citação:

(1970), "Diário de Lisboa", nº 17096, Ano 50, Domingo, 26 de Julho de 1970, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_6804 (2019-12-13)

Fonte:

Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares~
Pasta: 06616.154.24967
Título: Diário de Lisboa
Número: 17096
Ano: 50
Data: Domingo, 26 de Julho de 1970
Directores: Director: António Ruella Ramos
Edição: 1ª edição
Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos
Tipo Documental: IMPRENSA

 1. Era o tempo em que não havia internet, blogues, Facebook, redes sociais e a imprensa (rádio, TV e jornais) estavam sujeitos à censura (agora rebatizada com um eufemismo: "exame prévio").  E a comunicação era num só sentido, unilateral, de cima para baixo. 

Da guerra em África só se sabia aquilo que os soldados escreviam nos aerogramas para as famílias, ou que contavam quando vinham de férias ou depois de passarem à peluda.  Claro, havia a imprensa internacional, a BBC, etc., que só chegava a alguns, privilegiados. Havia a propaganda dos movimentos nacionalistas. Havia a boataria. Havia a contra-propaganda... E havia os comunicados das Forças Armadas.  A informação oficial e oficiosa era canalizada  pela Secretaria de Estado da Informação e Turismo. Chegava aos jornais sob a forma de "comunicados", lacónicos demais para se poder criar confiança no leitor, crítico e independente...  Não havia opinião pública, desgraçadamente, num país como o nosso.

Uma notícia como esta, publicada na primeira página do "Diário de Lisboa", de 26/7/1970, era susceptível de ter várias leituras (*) e dar origem aos mais desconcertados e desconcertantes boatos. Não havia liberdade de imprensa nem investigação independente. Era o tempo da "evolução na continuidade"... da ditadura.

Neste caso, temos um "comunicado da província da Guiné" (sic) a  dar conta de um grave acidente de helicóptero que transportavam  dois militares e quatro deputados à Assembleia da República que estavam a acabar uma visita ao interior do território... Eram eles os deputados James Pinto Bull, José Pedro Pinto Leite, Leonardo Coimbra e José Vicente de Abreu.  Os três primeiros eram "doutores" e o último era "senhor".

Saberemos depois que a aeronave, que serviu de caixão aos nossos seis compatriotas (, dois dos quais nossos camaradas de armas,) acabará por ser encontrada, dias depois,  no fundo do Rio Mansoa, ou melhor na foz de um dos seus afluentes, o rio Baboque  (**).

Era o tempo em que era governador da Guiné o general Spínola, acumulando com o cargo de comandante-chefe. Era um homem poderoso e, em geral, amado pelos seus homens e admirado por muitos "guinéus". Não sabemos quantos o amavam: nunca foi feito nenhuma referendo ou plebiscito. Seria interessante ele poder ter disputado  eleições, livres, como na livre Inglaterra, com o Amílcar Cabral, que ainda não tinha sido assassinado. (E nunca saberemos às ordens de quem, diga-se "en passant".)

Quem sabe hoje, os nossos filhos e netos, quem foi José Pedro Maria Anjos Pinto Leite (Cascais, 1932 - Guiné, 1970) ?  Acreditou, em 1969, na "Primavera Marcelista", ou seja, que era possível reformar, "por dentro", o velho Estado Novo... Foi eleito  deputado à "Assembleia Nacional", para rapidamente se converter no líder da chamada "Ala Liberal". Morreu ingloriamente na Guiné, aos 38 anos,  neste desastre de helicóptero, nas proximidades de uma ilha chamada Lisboa (que fica no estuário do rio Mansoa).

Sucedeu-lhe Francisco Sá Carneiro (Porto, 1934 - Loures, 1980) à frente dessa quixotesca ala liberal, que quis, contra a extrema-direita do regime,  democratizar o  corporativo e autoritário Estado Novo. Estranha, sinistra,  coincidência: Sá Carneiro irá morrer igualmente num desastre de avião em circunstâncias que nunca virão a ser cabalmente esclarecidas: falha humana. erro técnico, atentado...

Estranho país este, o que coube em sorte a Pinto Leite e a Sá Carneiro que foram bons (senão dos melhores) portugueses do seu tempo... LG
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Notas do editor:

(*) Último poste da série  > 8 de dezenbro de  2019 > Guiné 61/74 - P20428: Recortes de imprensa (107): Homenagem, em Ribamar, Lourinhã, aos 23 pescadores, de um total de 38 mortos, que ficaram insepultos no mar nos últimos 50 anos ("Alvorada", 15 de novembro de 2019)

Guiné 61/74 - P20457: Blogpoesia (650): "Igreja Matriz", "Palavras perdidas" e "Diametralmente oposto", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


Igreja Matriz

Igreja velhinha de pedra, lavada
Das chuvas e neves mortais,
Erguida no pé de um monte que a natureza ergueu.
Torre sineira, esguia, ostentando a cruz,
Fonte de bênçãos.
Aldeia singela, perdida, nos longes da serra,
Longe do mar.
Banhada de sol e de azul.
Terra das gentes singelas.
Vivem do pão e do vinho
Que a terra lhes dá.
Sabem de cor as horas do dia,
Banhado de sol.
Puxam a pé seus carros de bois
Com lenha seca dos montes.
Aquecem o lar e cozem o pão.
Lavram os campos com arados e raviças de aço.
Colhem e secam as ceifas nas medas e eiras ao sol.
Festejam os santos e fazem promessas,
Rogando as bênçãos,
Afastados do mundo, mas voltados para Deus

Berlim, 8 de Dezembro de 2019
9h12m
Jlmg

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Palavras perdidas

Como folhas secas, cobrem o chão as palavras que os costumes e a moda desmaiou.
Perderam o sentido.
O tempo o matou.
Diversos os valores.
Diversas as cores que, hoje,
Vestem a vida.
Por vezes, inversas.
Se baralharam as palavras que os traduziam.
Definharam. Perdidas,
Jazem mortas no chão.
Tempos avessos. Os tempos modernos.
Modernidade estéril, utilitarista e Edonista.
Apegou-se ao estrangeiro.
Ergueu-se uma fronteira entre
Os maiores e a gente moderna.
Por isso morreram.
Não serviam para nada.

Berlim, 10 de Dezembro de 2019
13h20m
Jlmg

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Diametralmente oposto

Este mundo moderno atingiu alturas de desenvolvimento técnico impensáveis face às origens primitivas.
Se infiltrou nas profundidades dos saberes.
Dentro e fora do nosso corpo.
Perscrutou segredos na constituição da matéria e da vida quase divinos.
Se alcandorou aos remotos escaninhos do universo.
Trepou à Lua e Marte.
Viu a Terra doce e azul, uma bolinha a vaguear no mar do céu como as estrelas e os astros.

Mas errou na rota de valores que elegeu para viver.
Se prendeu à lama das riquezas ilusórias.
Ergueu altares ao deus-dinheiro e ao capital.
É cruel com os mais fracos e desprotegidos.
Abandona náufragos enquanto se banqueteia lautamente em palácios de vergonhosa ostentação.
Tomou o rumo diametralmente oposto ao da vontade de quem o criou...

Ouvindo Schubert
Berlim, 14 de Dezembro de 2019
10h17m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20426: Blogpoesia (649): "África negra das ventanias e vendavais", "Nem com Wagner..." e "Cataratas da minha terra", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20456: Feliz Natal de 2019 e Bom Ano Novo de 2020 (5): Jorge Araújo (ex-fur mil op esp / ranger, Xime e Mansambo, 1972/74)





Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, 
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, 
indigitado régulo da Tabanca de Almada; régulo da Tabanca dos Emiratos; 
tem 234 referências no nosso blogue: nosso coeditor
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Nota do editor:

Vd. postes anteriores:




Guiné 61/74 – P20455: Agenda cultural (719): Fotos da sessão de lançamento do livro do José Saúde, “Um Ranger na Guerra Colonial: Guiné-Bissau 1973/74: Memórias de Gabu”, Beja, 10 de dezembro de 2019


Foto nº 1 > José Saúde com o sub-comandante do Regimento de Infantaria 1 de Beja, tenente-coronel Pratas e outros militares da unidade militar que o acompanharam; 


Foto nº 2 >   De ranger para ranger, José Saúde com o tenente-coronel Pratas


 Foto nº 3 >  A mesa formada por: (da esquerda para a direita)  dr.ª Paula Santos, diretora da Biblioteca Municipal José Saramago de Beja; Comandante de Mar e Guerra Almada Contreiras, um militar que integrou o MFA aquando a Revolução dos Cravos, 25 de Abril; Luís Godinho, diretor do Diário do Alentejo;  José Saúde, autor da obra;  e Fernando Mão de Ferro, editor da Colibri; 


Foto nº 4 >  O José Saúde, com o major Pereira, presidente do Núcleo dos Combatentes de Beja


Foto nº 5 > Troca de conversa no final da sessão


Foto nº 6 > O escritor José Saúde junto ao cartaz que anunciava o evento


Foto  nº 7  > José Saúde com Fernando Mão de Ferro, editor da Colibri.

Beja > Biblioteca Municipal José Saramago > 10 de dezembro de 2019 > 21h30 > Fotos da sessão de lançamento do livro do José Saúde, “Um Ranger na Guerra Colonial: Guiné-Bissau 1973/74:  Memórias de Gabu”.

Fotos (e legendas): © José Saúde  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Reveja-se aqui a ficha técnica do livro:

Autor: José Saúde
Título: Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973-1974: memórias de Gabu
Editora: Colibri, Lisboa
Ano: 2019
Capa: capa mole
Tipo: Livro
N. páginas: 220, ilustradas
Género: Memórias / autobiografia
Prefácio: Luís Graça
Formato: 23x16
ISBN: 9789896899158
Preço de capa: 16 €


2. Luís Graça, editor do nosso blogue, escreveu no prefácio a esta obra, o nono livro do autor:

(...) O José Saúde, desportista e jornalista, é também o exemplo de um "coraçºão grande", de um grande lutador, de um grande sobrevivente e de um grande comunicador. Bastaria ler a sua história de vida e os seus livros “AVC – Acidente Vascular Cerebral na Primeira Pessoa” (Estarreja: Mel Editores, 2009, 162 pp.), ou AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade (Chiado Editora, 2017, 179 pp). 

Com o seu nono livro, agora dado à estampa e complementado com novas narrativas, ele não vem (nem precisa de) provar nada a si próprio nem aos outros: vem apenas confessar que viveu, que viveu momentos difíceis mas também bonitos e solidários no seu Gabu, na sua Guiné, naquela terra verde e vermelha, por cuja sorte o seu bom coração, de alentejano e português, ainda continua a bater. (...)
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Guiné 61/74 - P20454: Parabéns a você (1723): Francisco Santos, ex-1.º Cabo Condutor Radiotelegrafista da CCAÇ 557 (Guiné, 1963/65) e Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494 (Guiné, 1971/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 14 de Dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20449: Parabéns a você (1722): José Vargues, ex-1.º Cabo Escriturário do BART 733 (Guiné, 1964/66)

sábado, 14 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20453: Feliz Natal de 2019 e Bom Ano Novo de 2020 (4): Mário Gaspar (ex-fur mil art, MA, Cart 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)



Votos de Mário Vitorino Gaspar



(ex-fur mil art, minas e armadilhas,   
CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; 
tem mais de 110 referências no blogue)

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Nota do editor:

Último poste da série >  13 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20447: Feliz Natal de 2019 e Bom Ano Novo de 2020 (3): "Festas Felizes. Até ao meu regresso!"... Era assim há 50 anos... (José Martins, ex-fur mil trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70)

Vd. postes anteriores:

11 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20439: Feliz Natal de 2019 e Bom Ano Novo de 2020 (2): José Belo, o nosso camarada que tem o privilégio de ser vizinho do Pai Natal...

9 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20431: Feliz Natal de 2019 e Bom Ano Novo de 2020 (1): João Crisóstomo e Vilma Kracun (Nova Iorque)

Guiné 61/74 - P20452: Os nossos seres, saberes e lazeres (368): Elogio do Penedo do Granada, do Zêzere e do Cabril (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
Sim, por aqui há incêndios, de Ansião a Vila Velha de Ródão está o maior coberto florestal europeu, é uma fonte de riqueza para pequenos e médios proprietários que aqui vêm buscar receita em eucaliptos e pinheiros, sobretudo. Há muito absentismo, muita aldeia abandonada, matos em estado deplorável, são combustão em expetativa nos tempos da canícula. Mas beleza não falta, em penedias, praias fluviais, meandros do Zêzere, não muito longe de Piódão, as aldeias de xisto, e das especialidades gastronómicas nem é bom falar.
E do alto da barragem do Cabril vos saúdo e vos convido a dar uma saltada para apreciar esta dimensão da interioridade, aparentemente sem nenhuma saída à vista.

Um abraço do
Mário


Elogio do Penedo do Granada, do Zêzere e do Cabril (1)

Beja Santos

Quando acabou a II Guerra Mundial, Salazar confirmou que o país pobre tinha um Estado rico, havia o imperativo de gerar outras formas de bem-estar para as classes apoiantes, fomentar a industrialização, ter uma política energética nacional. É por isso que se diz que a década de 1950 foi a década de ouro da hidroeletricidade, deu-se um aproveitamento espantoso do Cávado e do Zêzere. Quanto a este último rio, que nasce lá para os lados da Serra da Estrela e desagua em Constância, fizeram-se três barragens, Bouçã, Cabril e Castelo de Bode. Para além dos grandes benefícios advindos da hidroeletricidade, nasceram bairros singulares na Bouçã, em Cabril e Castelo de Bode, todas as obras que investigam a arquitetura deste tempo consideram que estes empreendimentos de bairros quase com autossuficiência, com moradias para os engenheiros, moradias para os trabalhadores, posto médico, casa de convívio, corte de ténis, piscina, cooperativa, uma extrema articulação interna, com escadas para todos os sítios. Um dia, no princípio do século, o viandante aqui arribou, neste Cabril instalado em Pedrógão Pequeno, enamorou-se dos espaços desafogados, havia ali uma moradia com bom granito, criminosamente abandonada, com o miolo todo arruinado, comprou-se à EDP, refez-se a preceito, aqui está uma das vistas possíveis da casinha, e o que se avista mais próximo é Pedrógão Grande. Neste preciso instante faz-se silêncio, os sinos de cinco igrejas dão horas, desde a Matriz e a Igreja da Misericórdia em Pedrógão Grande, a Senhora dos Milagres, e desta banda a Igreja de Pedrógão Pequeno e a Senhora da Confiança.



Quem diz casa diz jardim e o que aqui se apresenta é uma pequena apoteose primaveril, o viandante está convicto que na altura em que se pôs este empreendimento de pé vieram umas toneladas de boa terra preta a cobrir estas mega toneladas de pedra, não havia condições mínimas para a jardinagem. Dentro da lógica da autossubsistência, havia galinheiro quando se adquiriu a casa em ruínas, removeu-se o ferro velho, deixou-se o chão cimentado, com ajuda de um profissional trataram-se árvores de fruto, uma tangerineira e três laranjeiras, tenta-se, com pouquíssimo êxito, pôr as vinhas a engavinharem-se em novas latadas, é uma lástima, e tentam-se as plantas que não sejam muito comilonas de água. Há surpresas gratificantes, vejam-se estes chorões, de cíclame, a lavanda dá-se bem, o osteospermo prolifera, também as margaridas. Às vezes perde-se a cabeça e plantam-se dálias, é um autêntico totobola, o verão é fornalha e o inverno acompanha-se de geada, coisa curiosa, a japónica dá-se bem e os catos admiravelmente.










Temos aqui outra vista, quando o viandante recebe visitas leva-as à berma da propriedade, impressiona-as com este tabuleiro sobre o Zêzere, ao fundo há a foz de uma ribeira e eleva-se o Penedo do Granada, segundo a lenda aqui meditou e preparou as suas obras Frei Luís de Granada, por ali calcorreou Luís Vaz de Camões antes de ir a Constância curtir amores. Do outro lado avista-se Pedrógão Pequeno, aldeia de xisto, com panoramas dramáticos que cativaram artistas de mérito, como Alfredo Keil e Luigi Magnini, este tirou daqui ideias para cenários de óperas exibidas no Teatro Nacional de São Carlos. Vamos de seguida até esse passeio com escarpas dramáticas, com o Zêzere ao fundo, a serpentear para a foz.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20424: Os nossos seres, saberes e lazeres (367): A quintessência do ultrarromantismo: Monserrate (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 – P20451: Agenda cultural (718): “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74 Memórias de Gabu” (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Camaradas, 
Para vosso conhecimento envio o seguinte texto e uma foto da capa do meu próximo livro, o nono. 


Foi apresentada a obra em Beja a 10 de Dezembro e seguir-se-á Lisboa, Casa do Alentejo, de entre outras iniciativas que já tenho programadas.

Uma ida ao Porto não está fora dos meus planos, estando a programar-se esta eventual possibilidade.


“UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/74
MEMÓRIAS DE GABU”

“UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/74 – MEMÓRIAS DE GABU” é o nono livro do meu pecúlio como jornalista/escritor e o segundo como ex-combatente em solo guineense.

A temática, agora sustentada com novos textos, sendo certo que alguns deles foram recuperados e trabalhados face ao tema tratado da  primeira edição – “GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU” -, é mais um desafio à nossa existência como antigos militares lançados à força para as frentes de combate.

Procurei, embora sinteticamente, ser o mais abrangente possível, diligenciando trazer à estampa temáticas que mexem irreversivelmente com a nossa comum presença num espaço que nos fora substancialmente cruel.

As memórias da guerra não se apagam e cada um de nós ainda hoje revive situações horripilantes pelas quais passou. Reconheço que existem camaradas que recusam abordar vivências passadas que lhe vão na alma. Respeito escrupulosamente essa forma de sentir.  

Há camaradas que procuram olvidar realidades que na generalidade todos ou quase todos conhecemos. Recusam o confronto com cenas atrozes onde foram incontestáveis guerrilheiros numa luta por vezes desigual. Fica, pois, a nossa plena aceitação.

Mas esta obra contempla, também, a presunção deste vosso velho camarada que não se esconde num templo onde as lamentações jamais deverão esbarrar num muro em que as lamúrias tendem em cair no esquecimento.

A guerra Colonial não está assim tão distante no tempo. É recente. Porém, raros têm sido os órgãos de decisão governamental, e não só, a abordar o tema que mexeu com gerações e abalou futuros que se perspetivavam risonhos.

Neste contexto, o livro aborda temáticas exuberantes no que concerne a vicissitudes de que fomos alvos por terras da Guiné e simultaneamente ao agitar gritos de revolta quando em causa se coloca o nosso próprio estatuto como antigos combatentes.

Hoje, a guerra Colonial perdeu visibilidade. Poucos são aqueles que dela falam em público, sobretudo em meios de comunicação social nacional e que por ordem analógica das coisas se deixam levar por tédios e brandos costumes. Poucos são, também, aqueles que se debruçam sobre a inequívoca veracidade onde a morte, estropiados, ou os stressados de guerra, de entre outras doutrinas que recaem sobre os climas dos pós traumáticos, designadamente, são meras personagens de um país que simplesmente os esqueceu.

O livro aborda também o tema dos abandonados. Sim, os abandonados, aqueles que ingloriamente lutaram pela Pátria, uma Pátria que não sendo aquele sumptuoso manto doutrinal que nos fora “vendido” nos bancos da escola, foi também aquela na qual todos nós nos envolvemos.

A guerra, essa desumana realidade, foi propícia a inegáveis circunstâncias que desabaram para incertezas futuras. Da guerra colonial sobram infalibilidades que há restos mortais de camaradas que por lá ficaram literalmente abandonados.

Camaradas, vale a pena através da leitura deste livro revermo-nos no tempo em que nós jovens fomos atiradas para as frentes de combate como uma mera mercadoria chamada “carne para canhão”.

O livro tem o preço de capa 16 euros, sendo o primeiro lançamento no dia 10 de dezembro de 2019, 21h30, na Biblioteca José Saramago, em Beja.

Depois seguir-se-ão outros lançamentos. Lisboa será, em princípio, o destino seguinte. Por mim estarei disponível em deslocar-me por o País fora, levando na minha “mala de cartão” um rol de experiências que são tão-só as tuas próprias experiências.

Camaradas, bebemos água da mesma fonte e comemos do pão que o diabo amassou. Digamos, em uníssono, que somos gentes e proclamamos simplesmente justiça, não obstante o universo de dificuldades até agora deparadas.   

Deixo aqui expresso que a obra “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/74 - MEMÓRIAS DE GABU” só foi possível vir a público graças aos textos que amiudadamente transcrevo no nosso blogue – Luís Graça & Camaradas da Guiné -. Este foi, para mim, uma rampa de lançamento para investir no cosmos da escrita sobre outras temáticas entretanto não abordadas, neste caso o da guerra.

Por fim, fica o meu profundo agradecimento ao Luís Graça, o fazedor do prefácio, ao meu camarada ranger Magalhães Ribeiro pela sua amável disponibilidade em me colocar os textos no blogue e a todos vocês camaradas que fazem o favor em me aturarem nas minhas eloquentes dissertações guerrilheiras, que também são as vossas, neste terreno de jogo onde fomos meros figurantes no conflito na Guiné. 

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. também os postes: 


 

14 DE NOVEMBRO DE 2019 > Guiné 61/74 – P20345: Agenda cultural (712): “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74 Memórias de Gabu” (José Saúde)

Guiné 61/74 - P20450: (De)Caras (145): Maria Barba (1900-1975), a primeira embaixadora da morna, muito antes de Bana e de Cesária (Manuel Amante da Rosa / Onda Kryolu / Otília Leitão)


Nha Maria Barba, com um dos netos ao colo, em Bissau, c. anos 50, na sua casa em Bissau, na Rua Eng Sá Carneiro (hoje, Rua Eduardo Mondlane)... Nos anos 60/70, em frente da casa ficava a messe de sargentos da FAP.

Foto (e legenda): © Nelson Herbert (2019). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Manuel Amante da Rosa,  embaixador da República de Cabo Verde, que terminou há um ano a sua missão em Itália (e Malta),  mandou-nos a seguinte mensagem em resposta a um email dirigido a Carlos Felipe Gonçalves (*), com conhecimento a vários amigos e camaradas, nomeadamente de Cabo Verde que pertencem também, doravante , à Tabanca da Diáspora Lusófona, cujo régulo, designado, assumido e empossado, é o nosso querido amigo e camarada luso-americano João Crisóstomo.


Date: quinta, 12/12/2019 à(s) 14:32
Subject: A morna imortal "Maria Barba"

Luís:

Muito feliz por vos ver juntos. O meu Amigo Kalú, meu antigo Camarada na Chefia dos Serviços de Intendência no QG [, em Bissau,], é uma figura ímpar na Rádio de Cabo Verde. 

[Em resposta ao teu pedido,] retirei este trecho sobre a Maria Barba num posto do Facebook [Onda kryolu,  12/12/2019]


2. Muito antes do Bana e da Cesária, Maria  Barba foi a primeira embaixadora da morna  

por Onda Kryolu

Foi ela que, pela primeira vez, terá cantado a morna fora das ilhas, em 1934, no Palácio de Cristal da cidade do Porto, representando Cabo Verde com um grupo de músicos e cantadeiras na Primeira Exposição Colonial Portuguesa. (**)

Seis anos mais tarde, em 1940, terá cantado e encantado na Exposição do Mundo Português em Lisboa, tendo o sucesso sido tal que foi parabenizada  pelo próprio Presidente de Portugal, Marechal Carmona.


Seu nome? Maria da Purificação Pinheiro. Ou simplesmente Maria Barba [ foto de 1934 em Portugal, (à direita)].

Maria Barba fica na história como co-autora da letra de uma das mais simples e das mais belas mornas jamais ouvidas, uma morna que leva o seu nome e até hoje cantada por muitas  das mais nobres vozes do arquipélago.

Mas quem é essa mulher que não se conhecia o rosto mas cujo nome merece figurar no Livro de Ouro da história da morna?

Neste dia em que comemoramos a elevação da morna à categoria de Património Imaterial do Mundo vale a pena recordar sua vida, prestando homenagem a essa "pioneira" da internacionalização da morna e que foi, também, uma das maiores "cantadeiras de frente de todos os tempos" e uma das maiores intérpretes do seu tempo daquela que tornaria a "musica rainha de nos terra " e hoje uma das relíquias da humanidade.

Maria Barba nasceu, provavelmente, em 1900, na Povoação Velha, Boavista, ali mesmo no berço da morna... Criancinha começou a cantar, rezando a  a história que ela tinha que ser colocada de pé sobre uma cadeira. Cresceu, e sua fama de grande cantadeira também cresceu por toda a ilha e não só, sendo   sua presença requisitada em tudo quanto era festa e  cerimónia  oficial das entidades coloniais da ilha da Boavista dos anos 30.

Foi justamente numa festa oficial de despedida, na Povoação Velha, que o Tenente Serra, na hora da partida,  a terá pedido para cantar mais uma morna a que  Maria Barba simplesmente improvisou : "Senhor Tenente um ca podê canta más ".

Vida sofrida

Maria Barba casou cedo, com um rapaz de Santa Catarina, ilha de Santiago, que nunca foi aceite pela sua família. O casamento não deu certo e o marido voltou para a ilha de Santiago, ficando ela  com duas  filhas para criar (Clarise e Aldonsa ).

É talvez para estar junto das filhas e da mãe que era "fraca"  (o pai  era morto e não "malondre",  como Bana foi o primeiro a cantar)  talvez seja para estar junto da família que Maria Barba recusou  o convite de empresários musicais para ficar em Portugal, preferindo voltar, em 1940, para a sua Boavista natal onde  aliás só encontrou fome e desolação (era  mais uma das terríveis estiagens).  

No mesmo ano (1940)  pegou nas suas filhas e  embarcou  para  Bissau a bordo do navio Manito Bento (o mesmo que levava contratados para S.Tomé ).  Em Bissau Maria Barba "luta ku vida " durante 34 anos, sempre a cantar a morna e outras melodias da sua ilha,   sempre  divulgando a música da sua terra natal em serenatas e cerimónias oficiais, quase sempre acompanhado por Zezinho Caxote, um outro cabo-verdiano radicado em Bissau. Foi em Bissau que morreu aos 70 anos no dia 02 de Julho de 1975 ( nas vésperas da independência de Cabo Verde).


3. A filha de Maria Barba,  Clarisse Pinheiro, a viver em Portugal (, fazemos votos para que ainda seja viva!), é citada por Otília Leitão num "Postal de Lisboa", publicado no jornal "A Semana", de 20 de março de 2008, cujo URL já não está disponível na Net. Aqui vão alguns excertos que publicamos em 2014 (***)

A Semana > Opinião > Otília Leitão > Postal de Lisboa, 20 Março 2008:

(...) Clarisse [Pinheiro, a viver em Portugal] fala com emoção de sua “mãe Bárbara” ou da “Maria Barba”, a autora da morna com o seu nome, que a voz do grande Bana imortalizou. É uma das mais belas e mágicas músicas que eu, como muitas outras pessoas que conheço, interiorizei como uma grande paixão do oficial de cavalaria e engenheiro civil, Serra, obrigado a partir para Lisboa. Afinal, era uma desgarrada de despedida e saudade porque o amor era pela Victória, sua amiga, de quem o Tenente que habitava numa rocha, teve duas filhas que vivem actualmente na América. (...)

Os protagonistas que deram alma a esta morna cantada também por outras vozes da modernidade, já morreram. Ele em Lisboa. Ela, no dizer de Clarisse, uma “moça bonita” da Boa Vista que tinha a particularidade de ser “tão expressiva na alegria como na tristeza”, morreu, na Guiné-Bissau, ao fim de 34 anos, em 1974, no raiar da Independência. (...)

(...) Desde criança, Maria Bárbara cantava tão bem que era habitual vê-la em cima de uma cadeira, de vestido domingueiro, animando festas e convívios, conta Clarisse. “Eu era ainda bébé, nem tinha dentes, quando a minha mãe veio cantar ao Palácio de Cristal no Porto [, em 1934], e foi recebida e cumprimentada por Craveiro Lopes”,  diz a filha,  reportando-se a 1940 quando Maria Barba, em representação da colónia de Cabo Verde, participou na grande Exposição do Mundo Português. 

Pese embora a insistência de alguns empresários para que a sua mãe ficasse em Portugal, ela escolheu regressar à Boa Vista. Pouco depois parte para a Guiné.

Por causa da letra de “Maria Barba” - a morna mais antiga que faz uma referência a Lisboa e a primeira que foi gravada na sua versão integral e a duas vozes (Luís de Matos e Maria Alice) no CD “Lisboa nos Cantares Cabo-verdianos” - não resisti a uma provocação: “Oh Clarisse! Quantas paixões silenciosas, por diversos motivos, não existiram?!”. Mas Clarisse foi convicta: “Não! Ele [, o tenente Serra,]  era casado com a Victória! Essa era a sua paixão!” e sorriu. 

É seguramente uma Morna de despedida e saudade de alguém muito estimado, mas que tem uma postura típica do período colonial em que Lisboa, a cidade que Hans Christian Andersen já em 1866 considerava “luminosa e bela”. Era o "Eldorado", de onde se esperava que viesse a salvação de todos os males do arquipélago.

Clarisse Pinheiro desmistifica a minha ilusão doce e diz-me que Maria Barba quer satisfazer o pedido do Tenente Serra em cantar mais nessa festa de despedida. Contudo tem uma tarefa a cumprir: ”Tinha que ir fazer uma matança de gafanhotos”, uma praga que afectava as culturas e que obrigava a que cada família cedesse uma pessoa para o fazer. Como o pai já tinha falecido e a mãe era “fraca”,  ela era a representante da família.

Testemunhos de vários artistas boavistenses, como António “Sancha” Neves e Noel Fortes, referem a existência de várias versões desta Morna do final do século passado, da qual a Maria Barba aproveitou a melodia para improvisar. A versão do grupo Djalunca da Boa Vista parece ser a mais fiel à letra original (...).

Clarisse Pinheiro que ouviu muitas vezes sua mãe cantar, disse que Bana se encontrou com Maria Barba na Guiné, onde ouviu pela primeira vez na rádio a sua morna. “Não há registo, não há direitos de autor, nunca foi reposta essa verdade”, observa a filha mais nova de Maria Barba que apenas conheceu Bana em Portugal, num espectáculo na FIL, movida por esse "animus" que lhe fora transmitido pela mãe. No entanto, explicou, "foi um cumprimento fugaz e banal, esfumando-se a expectativa de qualquer eventual reconhecimento", disse.

Clarisse nasceu em Santa Catarina, Santiago, em 1932, de um parto solitário,  executado pela sua própria “mãe Barba” e testemunhado pela sua irmã Aldônça, então com dois anos. Divergências entre o casal, ligadas ao facto da sua mãe, ainda menor, ter sido raptada pelo marido, e de um casamento mal visto pela família, fizeram Maria Bárbara regressar à Boa Vista, dias depois, de barco. Ainda em 1940, e porque a crise da segunda guerra mundial se fazia sentir no aumento do custo de vida, as três, aconselhadas por um tio escrivão, rumaram à Guiné num barco de Manito Bento que, antes de chegar ao destino, se perdeu pela Gâmbia. (..)
Tinha 16 anos quando sua irmã, que vivia em Bafatá, casou com um bisneto do governador Honório Barreto, e viveu na Guiné-Bissau até 1980. Geria uma farmácia do seu companheiro que conheceu na pele as perseguições da PIDE (polícia política do regime colonial). Actualmente, Fernando Lima, com 80 anos, é apenas seu amigo. Ali conheceu Amilcar Cabral, entre outras destacadas personalidades que recorriam aos seus serviços. 

“O pai de Aristides Pereira (primeiro presidente de Cabo Verde independente) era padre e baptizou os meus filhos”, recorda. Clarisse não conhece Cabo Verde. Apenas aqui voltou em 1957, aos 25 anos para descobrir no Tarrafal, seu pai, que entretanto já tinha onze filhos... Nunca mais voltou e as suas referências reportam-se essencialmente à Guiné-Bissau. 

Não resistindo à continuada degradação da sua vida, num período pós-revolucionário, fixou-se em Portugal onde estão também dois filhos e quatro netos, sem que alguma vez se tenha desligado desta triologia feminina: a mãe e as duas irmãs. (..,)

[Excertos reproduzidos com a devida vénia]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20328: Meu pai, meu velho, meu camarada (59): "Maria Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más... Uma morna imortal, numa homenagem à Morna, em vias de ser oficialmente consagrada como "património cultural imaterial da humanidade"

Vd. também 5 de dezembro de 019 > Guiné 61/74 - P20416: O que é feito de ti, camarada (8): Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74, membro da Tabanca Grande, com o nº 790; jornalista aposentado, vive na Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde... Está a escrever dois livros, um sobre a história da morna; outro sobre as suas memórias dos anos de 1973/75... E precisa de duas fotos: uma do QG em Santa Luzia, e outra da messe de sargentos no QG...

(**) Vd. último poste da série "De)Caras"  > 14 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20343: (De)Caras )115): "Nha Maria Barba" ou Maria da Purificação Pinheiro (Boavista, 1900 - Bissau, 1975): expoente máximo da morna e da morabeza da Boavista, esteve no Porto, no Palácio de Cristal, em 1934, na 1ª Exposição Colonial Portuguesa: notas de leitura de um trabalho de pesquisa biográfica, feita por Antonio Germano Lima, da Universidade de Cabo Verde

Vd. também:

12 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20443: E as nossas palmas vão para... (20): A morna, património imaterial da humanidade

11 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20332: Historiografia da Presença Portuguesa em África (184): O modelo (Maria Barba) e o fotógrafo (José Bacelar Bebiano)... A propósito de uma morna "imortal"...Resta saber quem era o "senhor tenente Serra"...evocado na letra "Mária Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más...

(***) Vd. poste de 9 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13713: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (6): Homenagem a Mário Lima e Aguinaldo de Almeida, já falecidos, meus colegas do BNU, em Bissau (António Medina, ex-fur mil inf, CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; natural de Santo Antão, Cabo Verde, vive hoje nos EUA)

Guiné 61/74 - P20449: Parabéns a você (1722): José Vargues, ex-1.º Cabo Escriturário do BART 733 (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20442: Parabéns a você (1721): Francisco Palma, ex-Soldado CAR da CCAV 2748 (Guiné, 1970/72) e Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491 (Guiné, 1971/74)