sexta-feira, 13 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20729: Notas de leitura (1272): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (49) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
O bardo despede-se da guerra, seguir-se-ão duas alusões sentimentais, é um dedilhar da guitarra com acordes de saudade, recorda a Mãe e canta o fado do regresso.
Impossível não se comentar aqui o que de mais relevante aconteceu no teatro de operações neste último ano da comissão do BCAV 490. Coisa curiosa, é manuseando estes diferentes volumes que a "Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África", dedicados à Guiné, que se atina na verdadeira dimensão da atividade operacional, nas melhorias instaladas no campo das infraestruturas, no apoio às populações. Há muito caminho ainda a desbravar para que fique convenientemente iluminado todo este contexto em que germinou e se desenvolveu a guerra da Guiné, nestes anos correspondentes à presença do BCAV 490, de 1963 a 1965, trabalho de investigação em arquivos onde jazem papéis decisivos para a compreensão da atuação tanto do Brigadeiro Louro de Sousa como do General Arnaldo Schulz. Para acabar de vez com a crítica infundamentada de que estes dois oficiais-generais não foram altamente competentes, resolutos e determinados, e que não estiveram à altura da situação crítica que viveram, houvera que depositar todas as esperanças num salvador que chegou à Guiné em maio de 1968.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (49)

Beja Santos

“Fui à Guiné, fiquei maravilhado
ao ver os batuques a tocar
com os africanos a dançar,
eu fiquei entusiasmado.
Voltava-me para qualquer lado
via grupos dançando contentes,
diversas raças patentes
rolavam uns baixos outros de pé.
Vi na Província da Guiné
coisas bárbaras, transcendentes.

Outros costumes, outras gentes
nesta Província vim ver.
Fiquei também a conhecer
o que foi pisado pelos antecedentes.
Tivemos homens valentes
que deixaram nome gravado.
Actualmente no mato cerrado
ainda se distinguem muitos companheiros
contra o grupo de bandoleiros
do povo negro esturrado.

Vi homens de cornos armados
a imitarem bois guerreando
e outros com caraças também imitando
diversas feras e veados.
Alguns de flechas formados
mantinham-se muito prudentes.
Estavam equipados como os combatentes
de há séculos atrasados
de quando se faziam bravados
a desafiar espaços, continentes.

Vi mulheres nuas, peitos pendentes
e coisas de diversos aspectos.
Vi os filhos dos insurrectos
rasgados, descalços e inocentes.
Aqueles homens divergentes
se nos tornam endiabrados
por eles somos espiados
a qualquer hora do dia.
Mas só têm cobardia
os rebeldes famintos, esfarrapados.

O tempo está acabado,
vou fechar as poesias.
Despeço-me de todas as Companhias
que eu tenho aqui publicado.
Este tempo foi passado
com grande descontracção.
No resumo do Batalhão
passaram-se muitas amarguras
e houve muitas aventuras,
amigos do coração”.

********************

Confesso que me toca muito este derradeiro abraço em que o bardo envolve os seus camaradas. Estamos em 1965, impõe-se apresentar algumas notas sobre o pano de fundo daquela guerra, e o que se previa para o ano vindouro. Consta na “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, 6.º volume, Aspectos da Actividade Operacional, Tomo II, Guiné”, 2014, que o ano de 1965 foi dominado por uma evolução da organização das FARP – Forças Armadas Revolucionárias Populares, o movimento das unidades das forças portuguesas foi enorme. Em 12 de agosto, partiu o BCAV 490 com as CCAV 487, 488 e 489, além do BCAÇ 512 e 513, dias depois regressava também à metrópole o BCAÇ 600. Iluda-se quem continue a supor que este período da governação de Arnaldo Schulz teve quebras na dinâmica ofensiva e esclerosamento na quadrícula. Estão descritas operações em Bula, Mansoa, Farim, Tite, Buba, Catió, por toda a colónia, e com grande regularidade. O PAIGC ripostava, sobretudo no Sul e no Centro-Norte. Na época ainda havia operações que levavam à destruição de várias tabancas em pontos dados de acesso extremamente difícil, caso das tabancas de Chinchim Dari, Salancaur Fula, Salancaur Jate e outras próximas. Sucedem-se as Diretivas do Comandante-Chefe, mostra-se polarizado por desarticular o inimigo na região do Oio (quadrilátero Mansoa-Bissorã-Olossato-Mansabá), havia indícios no seu reforço nos últimos tempos; sabia-se claramente que a região da margem direita do Corubal, situada entre Ponta do Inglês e a povoação do Xitole, continuava a ser peça fundamental da linha de comunicações. Havia a pretensão de dificultar a utilização da região de Ponta do Inglês – Xitole como base intermediária da linha de comunicações do inimigo, foram previstas várias operações, ia-se às bases, destruíam-se acampamentos, eles iriam ressurgir ali bem perto. Centrou-se igualmente a atenção na região entre o rio Canjambari e a estrada de Banjara – Mansabá, sabia-se que era uma passagem obrigatória da guerrilha. Tomaram-se medidas para um melhor controlo e defesa de Bissau. Propuseram-se novas medidas de ação psicológica. No final do ano, através da sua Directiva n.º 26/C, Schulz dá conta da situação da guerra, escreve obviamente para que o governo em Lisboa tire as suas elações, a pretexto de a Directiva ser canalizada para os três ramos das Forças Armadas na Guiné.

É uma narrativa sem ilusões, seria impossível não tirar dela conclusões merecedoras de grande preocupação:
“Apesar dos golpes sofridos no decurso dos últimos anos, a virulência político-militar do inimigo não tem diminuído. O inimigo conta com o apoio decidido dos países do bloco comunista, da generalidade dos países da OUA e de alguns países ‘não alinhados’. Um factor novo relativamente recente – o aparecimento de brancos, em especial cubanos, como instrutores, conselheiros ou especialistas – vem demonstrar a extensão deste apoio.
No aspecto exterior, as facilidades cada vez maiores que vêm sempre concedidas pelo Senegal ao PAIGC, as quais foram objecto de acordo formal entre o Governo Senegalês e aquele agrupamento subversivo e estão-se traduzindo, designadamente, no estabelecimento progressivo de grupos armados ao longo de toda a fronteira norte da Província, na organização de bases fronteiriças de certo valor, em liberdade condicionada de trânsito de pessoal, armamento e abastecimentos”.

Volumes da “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África” referentes à atividade operacional da Guiné.

O documento enfatiza o aperfeiçoamento da propaganda do PAIGC, a melhoria dos seus quadros políticos, técnicos e militares, o aperfeiçoamento da organização e apetrechamento de militares quanto a equipamento, transmissões, fardamento e apoio sanitário; era dado como seguro que melhorara substancialmente o controlo do PAIGC sobre os núcleos populacionais, com destaque no Sul. E detalha-se igualmente os termos como se estava a processar a expansão do PAIGC pelo Interior. Considerava-se que a partir de setembro de 1965 o PAIGC progredia para a região dos Manjacos; havia uma notória acumulação de meios inimigos ao longo da fronteira do Senegal, desde Saré Bacar até Susana, por enquanto não havia motivo de séria preocupação, mas não se excluía, a prazo, a tentativa de reforçar os meios existentes no interior da Província com a finalidade de envolver Bissau. E escreve: “Atribuo uma grande importância à possibilidade de ataque súbito e maciço a algumas das nossas posições fronteiriças que pode ter lugar em prazos muito curtos que dificultem grandemente o ocorrer, em tempo oportuno, das nossas reservas”.

A sul do Geba e a oeste do Corubal, a organização político-militar do inimigo estendia-se um pouco por toda a parte e mostrava-se particularmente evoluída nas regiões de Quitafine, Cantanhez e Como. A ligação técnica, política e económica entre as diversas zonas controladas pelo inimigo faz-se com relativa facilidade. “Considera-se, no entanto, que os principais núcleos inimigos não têm possibilidade de evitar uma desorganização sensível das suas estruturas, se atacados sistematicamente e com decisão com meios de fogos terrestres, navais e aéreos e sujeitos com frequência a acções terrestres, anfíbias ou aerotransportadas de objecto limitado. É admissível que Schulz apelava para uma continuação da guerra subversiva em moldes mais ofensivos, a que o governo de Lisboa multiplicasse efetivos e recursos de toda a ordem, era impossível fechar o corredor de Guileje, a riqueza agrícola do Sul garantia a subsistência dos efetivos do PAIGC na região, aliás, previa-se uma maior agressividade das forças do PAIGC nos nossos aquartelamentos e sobre a zona do Forreá. E advertia: “Admito que o inimigo poderá tentar uma ou mais acções de surpresa lançadas a partir de território estrangeiro, do Cantanhez ou de Quitafine, sobre algumas das nossas posições mais expostas, em especial Guileje, Gadamael, Cacoca e Cameconde”.

Imagem retirada do Arquivo do Correio da Manhã, com a devida vénia.

O Leste continuava a resistir à subversão, houvera que evacuar populações de certas zonas transfronteiriças, mas no Boé intensificara-se a presença do PAIGC.

É prematuro, até porque não está estudado o acervo documental entre o Comandante-Chefe e os Ministérios da Defesa Nacional e do Ultramar, dizer abertamente que Schulz, chegado em maio de 1964 à Guiné, e que a encontrou em perfeito tumulto, porque era completamente incerto por onde o PAIGC procurava consolidar-se e irradiar, havendo milhares de guineenses em fuga para as regiões fronteiriças do Senegal e da República da Guiné, povoações queimadas, inúmeras populações sujeitos a duplo controlo, com o esforço de guerra centrado em apagar fogos e espalhar os efetivos militares, e tudo o mais que se sabe, atribuir-lhe responsabilidades na condução da ofensiva contra a luta armada. Naquele período, o PAIGC consolidara-se, expandira-se, posicionara-se estrategicamente em pontos de dificílima acessibilidade, gozava progressivamente de apoio internacional, o seu armamento, inicialmente tão precário e antiquado, melhorara substancialmente.

Schulz obtivera a garantia de apoios, iniciara a africanização da guerra, instituíam-se aldeamentos, os bombardeamentos eram incessantes, as lanchas da Marinha patrulhavam os cursos de água; recebeu algum dinheiro para fazer infraestruturas, melhorou bairros, deu-se ênfase à educação e às infraestruturas de saúde. Proteger as populações, procurar subtraí-las ao duplo controlo, significava derramar os efetivos militares em destacamentos, com todos os riscos inerentes e as exigências de patrulhamentos, com a realização de operações que demoravam escassos dias, queimar um acampamento de guerrilha, capturar população e trazer material tinha que se fazer em curtíssimo espaço de tempo, o inimigo estava já preparado para reagir, emboscando nos pontos mais imprevistos.

Amílcar Cabral com o lendário comandante “Manecas” dos Santos, algures na Guiné, enquadrados pela Segurança que os acompanhava pela Guiné, imagem retirada do blogue Notícias da Guerra, com a devida vénia.

Em 1965, Amílcar Cabral é já um líder altamente cotado na esfera internacional, é o ideólogo de proa das colónias africanas de língua portuguesa; a colaboração cubana ainda é ténue, será muito maior quanto Fidel Castro lhe der um impulso, no ano seguinte; os quadros combatentes, como Nino, Osvaldo Vieira, Domingos Ramos, Rui Djassi, e muitos mais, revelam motivação, conhecimento do terreno, são de uma enorme fidelidade ao líder fundador.

O quadro de fundo antevisto por Schulz para o ano de 1966 conhecerá mudanças sensíveis com o apoio externo, com o desenvolvimento da propaganda do PAIGC. Nota curiosa, basta ler a “Resenha Histórico-Militar” referente a esse ano, 1966 salda-se num tempo de equilíbrio precário, o PAIGC irá acomodar-se a uma toada ofensiva marcada pelas forças especiais, é ano de contenção, de compasso de espera.

(continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 6 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20707: Notas de leitura (1270): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (48) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20716: Notas de leitura (1271): “Bacomé Sambu”, por Afonso Correia; edição de autor, Lisboa, 1931 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20728: Em busca de... (302): instruendos do CISMI, Tavira, a tirar a especialidade de atiradores de infantaria, 6º Pelotão / 3ª Companhia, outubro de 1968: "Eu, o Torres, o Joaquim Fernandes, o Loureiro e o Saramago fomos todos para o CTIG...mas dos outros gostava de saber do paradeiro"... (Eduardo Francisco Estrela, ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71; vive em Cacela)




Tavira > CISMI > Parada > Outubro de 1968 > Atiradores de infantaria  > 6º Pelotão, 3ª Companhia > Da esquerda para a direita, de pé:

(i) Estrela (1), Fonseca (2), Pereira (3), João (4), Torres (5), Chichorro (6) e Joaquim Fernandes (7)

(ii) Santos (1a), Chora (2a), Salas (3a), Paulo (4a), Loureiro (5a), Saramago (6a)

Foto (e legenda): © Eduardo Francisco Estrela  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Eduardo Estrela [ ex-Fur Mil da CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71]


Data: 9 mar 2020 21h42
Assunto:  Por onde andam eles ?

Meu caro Luís!
Junto fotografia tirada na parada do CISMI, Tavira,  em outubro de 1968. São os "galardoados " com a especialidade de atirador de infantaria que tinham acabado a recruta integrados no 6º Pelotão da 3ª Companhia.

Sempre a contar da esquerda, o 1º  de pé sou eu,  o Torres é o 5º  e o Joaquim Fernandes, o último. Em baixo o Loureiro é o 5º,  e o Saramago o último. 

Todos fomos para a Guiné e sabemos do paradeiro uns dos outros.

O Salas, o  3º [a]. em baixo, vive em Vila Real de  Sto. Antônio e foi para Angola. 

Gostava de saber do paradeiro dos outros que são a contar, da esquerda  e de pé,   o Fonseca (2), o Pereira (3),  o João (4),  e  o Chichorro (6) e Joaquim Fernandes (7); e em baixo   o Santos (1a), o Chora (2a) e o Paulo (4a).

Publica no blogue por favor, pode ser que algum camarada saiba por onde eles andam. 

Abraço fraterno. Eduardo Estrela.

2. Comentário do editor:

Há dias, à procura do João Barrote, ex-alf mil, da CCAÇ 16 (Bachile, 1971/72), troquei mensagens e telefonemas com o Eduardo Francisco Estrela, um "rapaz do meu tempo" (de Tavira e da Guiné), eu da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) e ele da CCAÇ 14 (Cuntima, 1969/71). Fomos no mesmo navio, o T/T Niassa, em 24 de maio de 1969.

Estivemos no CMS,  no CISMI, em Tavira, a tirar a a especialidade, no último trimestre de 1968, antes de nos mandarem para a Guiné. Ele era atirador de infantaria, eu de armas pesadas de infantaria, nunca cheguei a perceber a diferença, porque lá na guerra deram-nos, a cada um de nós, uma G3.

Reencontrámo-nos através do blogue, comprovando aquilo que gostamos de dizer, que o  Mundo, afinal, é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. (Os CISMI tem cerca de meia centena de referências no nosso blogue.)
Fiquei a saber que o Eduardo Estrela, natural de Cacela (, tendo feito a sua vida escolar e profissional em Faro,) concelho de Tavira, a escassos quilómetros do João Barrote (que vive em Tavira, há 40 e tal anos, embora seja de Olhão). Trocámos coordenadas e disse-lhe, ao telefone, que "adorava Cacela, a ria, Tavira (locais deslumbrantes, mágicos, do nosso Portugal, não os deixes estragar!)".
E ele respondeu-me, por email, nestes termos, começando por citar um dos muitos poemas que foram dedicados a Cacela (, sendo este da sua autoria):

Cacela tem aroma de mulher
e a elegância perfumada de um arbusto.
Seus olhos da cor da lua
bailam ao som da música do mar.
Cacela é sonho luz poema.
É vontade de não partir
e de sempre voltar.


E ele aproveitou para acrescentar algo mais sobre o que tem feito na vida:

(...) "Dividi a minha actividade profissional entre uma empresa de venda de automóveis durante 20 anos e como profissional de seguros na área da regularização de sinistros no resto do tempo, até atingir a idade da reforma.

"Desde 1965 sou amador de teatro, integrado no Grupo de Teatro Lethes, que é um dos grupos mais antigos do país. Actualmente temos apresentado a "Relíquia", do Eça de Queiroz [, adaptação teatral de Sttau Monteiro e Artur Ramos]. O último espectáculo foi há duas semanas. O próximo estava previsto para amanhã [, dia 7 de março,], mas imponderáveis fizeram adiar o mesmo. 

"Se vieres fazer algum 'patrulhamento' cá para baixo, dá um toque. Abraço fraterno. (...)"

Voltando agora ao seu pedido, confesso que só reconheço o Joaquim A. M. Fernandes, meu camarada de armas da CCAÇ 12, e que depois trabalhou, profissionalmente, na Quimigal, Barreiro, como engenheiro técnico. Já não nos vemos há uns largos anos. Temos aqui no blogue algumas referências a ele (e fotos).


Castro Daire > Freguesia de Monteiras > Zona Industrial da Ouvida > Restaurante P/P > 30 de Maio de 2009 > 15º Convívio do pessoal de Bambadinca, 1968/71, CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12 e outras subunidades adidas

Três camaradas da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Junho 69/ Março 71): da esquerda para a direita; (i) o ex-Fur Mil Joaquim Fernandes, (ii) o ex-1º Cabo Aux Enf Fernando Sousa;  e (iii)  o ex-Fur Mil António Marques... 
O Fernandes e o Marques foram vítimas de explosão de minas A/C, à saída do reordenamento de Nhabijões, a 13 de Janeiro de 1971, com vinte meses de comissão... O Marques, que teve às portas da morte (se não fora a evacuação Y para o Hospital de Bissau), "ganhou" mais "dois anos de comissão" (desta vez, no "estaleiro")...
Foto (e legenda): © Luis Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de fevereiro de  2020 > Guiné 61/74 - P20682: Em busca de... (301): Raul Fernandes Coelho, natural de Braga, piloto de Heli AL III e de caça-bombardeiro T 6, do meu tempo (Francisco José Rato Mendonça, ex-1º cabo esp MARME, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

quinta-feira, 12 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20727: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (115): A Sorte Protege os Audazes, mas não... do novo coronavírus COVID-19.


Infografia: Cortesia da  Direção-Geral de Saúde.


1. Mensagem  que deixei hoje na página da Magnífica Tabanca da Linha cujo régulo estava com intenção de manter, até ao fim da manhã, a convocação, para a próxima 5ª feira, do  48º almoço-convívio... e já tinha quase meia centena de inscrições.

O régulo Manuel Resende ouviu os "magníficos", sobretudo as razões dos que aconselhavam o cancelamento, por causa da atual pandemia, ponderou e decidiu... cancelar.

Mas a minha mensagem não perde oportunidade, atualidade e relevância, tendo em conta a anunciada realização de muitos outros convívios de antigos combatentes, nas próximas semanas.

Amigos e camaradas: trabalhei na saúde pública durante quatro décadas, sou doutorado nesta área (. não sendo médico, sou sociólogo...), estive empenhado no grupo de investigação e ação da Escola Nacional de Saúde Pública / NOVA, em 2009, aquando da gripe pandémica do H1N1...Sou contra o alarmismo, a paranoia e o medo que se está gerar e a instalar (nas redes sociais, nas escolas, nos transportes, nos hipermercados...).

Sou a favor do alinhamento com as autoridades de saúde pública deste paìs; fui militar como vocês, valorizo muito, em situações-limite como a guerra ou uma pandemia, a existência de (e a obediência a) uma única linha de comando-controlo...

O vírus, o novo coronavírus COVI-19, já entrou na comunidade...o que significa que não já podemos saber, como até agora, quem infecta quem... A OMS, com a autoridade, o saber, a experiência e o prestígío e a idade que tem (, é da nossa idade...), já declarou a situação como pandemia... É a segunda pandemia do séc. XXI... Dizem que há 3 por século... Se sim, temos que nos safar desta e esperar já não apanhar a terceira...

A partir daí, reuniões de grandes grupos (50 ou mais), em espaços fechados, começam a tornar-se um risco... Aprendamos com os erros dos outros países... Recordem-se do que nos ensinaram na tropa: "mais vale perder um minuto na vida do que a vida num minuto"... Foi um conselho valioso para quem andou e penou na Guiné. E não brinquemos, por favor, " com a sorte que protege os audazes": esta é outra guerra, e já temos vinte anos, nem o sistema imunitário de há 50 anos atrás...

Há camaradas nossos a subestimar a gravidade da situação... E até a fazer humor negro. Os epediemiologistas e infecciologistas dizem-nos que  pior está para vir (, no que diz respeito, por exemplo, ao nosso país)... Os "machos latinos" também se abatem... Oxalá nenhum de nós seja infectado: na nossa faixa etária, o risco de morrer, em caso de infeção pelo COVID-19, é elevado, provavelmente muito mais do que o de "lerpar" na Guiné, há 50 anos atrás... 

De resto, não há anticorpos para este "bicho"... Este novo coronavírus é muito agressivo para as pessoas da nossa idade...Somos muitos mais vulneráveis do que os nossos netos... e o risco de sermos infetados é grande. E a taxa de letalidade, elevada.  

Poupem-se!... Tranquem-se em casa... Nada de beijinhos, cichorações, abraços... Nem beijos íntímos... Ponderem, inclusive, a hipótese de dormir em camas separadas... Agora já não faz tanto frio  à noite...em-se!...

Adoecer nesta altura é uma carga de trabalhos e de aflições para nós e para aqueles que nos amam, sem esquecer os que nos têm de tratar, e que nesta altura são uns heróis (pessoal do INEM, médicos, enfermeiros, assistentes operacionais, farmacèuticos, pessoal da Linha Saúde 24, bombeiros, e demais pessoal da proteção civil, etc. ), sem esquecer os que mantêm, todos os dias, as atividades essenciais à nossa vida, segurança e bem-estar...

Outras tabancas (Matosinhos e Melros, por ex,) também estão a tomar as devidas precauções. Não sejamos nós a dar o mau exemplo de irresponsabilidade social e quebra de solidariedade comunitária e nacional... Obrigado à Marta Rosales, filha do Jorge Rosales, pela sua oportuna e lúcida tomada de posição, ontem na página do Facebook da Tabanca da Linha. Disse escreveu ela ao Manuel Resende, o régulo que sucedeu ao seu pai:

"Caro Manuel, penso que é a primeira vez que escrevo sobre qualquer actividade da Tabanca, mas vou seguindo os seus posts com atenção. 
"Como sabe sou cientista e professora na ULisboa. Dado o perfil dos membros da Tabanca, pedia-lhe que reconsiderassem esta decisão.

"Sei que o quanto estes convívios são importantes (o pai gostava muito deles). Mas também sei o que é acompanhar uma infecção de alguém aparentemente saudável até à morte.

"O vírus é agressivo para o vosso grupo etário. Peço-vos que ponderem. Pelo menos até termos reunida mais informação. acredite que não sou dada a alarmes. Um grande beijinho para si."


Eu também acho que os "magnificos" terão mais e melhores oportunidades de marcar presença na Tabanca da Linha...

Como dizia o meu velhote (, que esteve como expedicionário em Cabo Verde, no RI 23, em 1941/43), "mais vale andar neste mundo de muletas do que no outro em carretas"... Melhores dias hão de vir... Eu sei que custa ficar sozinho em casa... Mas é nestas alturas que temos de pôr a imaginação e a criatividade a trabalhar... Hoje a minha neta, a primeira e única que tenho até agora, faz 4 meses... Com muita pena não vou poder estar com ela, para jantarmos todos em conjunto, mas já lhe fiz uma quadra festiva:

"Abaixo a pandemia, / Que a Clarinha está em festa,/ Hoje é dia de alegria, / Mesm' sem beijinhos na testa" (Assinam os avós, do Continente e da Madeira, "em quarentena", no dia em que a sua netinha faz 4 mesinhos de vida...).

Em suma, camaradas e amigos, a nossa geração tem uma responsabilidade acrescida, a de proteger e promover a nossa saúde, a da nossa família, dos nossos amigos, camaradas e demais concidadãos. Sigam e cumpram, com inteligêmcia, bom senso e ponderação,   as recomendações da Direção-Geral de Saúde.

 (E já agora, que têm mais tempo, vejam ou revejam a  "grande entrevista" dada à RTP 3, ontem pelo dr. Filipe Froes, pneumologista e intensivista do Hospital Polido Valente, de resto, pessoa que muito estimo e admiro desde que foi meu aluno do curso de doutoramento em saúde pública, na ENSP/NOVA há uns anos atrás.)

Luís Graça

PS - Por estas e demais razões, temos, de ponderar, muito seriamente, nos próximos dias a decisão de cancelar ou adiar (para o próximo outono, por exemplo) o nosso XV Encontro Nacional da Tabanca Grande, já marcado para o dia de 2 de maio de 2020, em Monte Real.

Recordo que em 2009, tivemos sorte: o IV Encontro Nacional da Tabanca Grande realizou-se, com 132 participantes, em 20 de junho de 2009, na Ortigosa, Monte Real,  já no inicio da gripe pandémica do H1N1 (, em Portugal, o primeiro doente infetado foi registado em 4/5/2009 e a primeira morte em 23/9/2009).

Em 1 de fevereiro de 2020, eu já estava receoso do que poderia vir a acontecer, defendo a realização do encontro em setembro o outubro: 

(...) "Estamos a tentar arranjar uma data para voltarmos a encontrarmo-nos, este ano, no nosso convívio anual... Será o XV Encontro Nacional da Tabanca Grande. Muito provavelmente no fim do verão, em 26 de setembro de 2020. Em Monte Real, se o atual surto de pneumonia por novo Coronavírus (2019-nCoV ou SARS-CoV-2) nos deixar, isto é, se não se transformar numa pandemia... Daremos notícias em breve. (...)"...  

Guiné 61/74 - P20726: Pequeno dicionário da Tabanca Grande (11): edição, revista e aumentada, Letras R / S /T / U / V / Z


Guiné > Região de Quínara > Empada > CCAÇ 1587 (Cachil, Empada, Bolama e Bissau, 1966/68) > Ualada > Destacamento "Rancho da Ponderosa> O soldado Jorge Patrício, à porta do destacamento. A tabanca terá sido abandonada pela população e o destacamento desativado no segundo semestre de 1968 (, facto a confirmar), na sequência da retração e racionalização do dispositivo no CTIG, no início do "consulado" de Spínola, altura (2º semestre de 1968/ 1º semestre de 1969) em que foram abandonadas outras posições como Ponta do Inglês, Gandembel, Ganturé, Cacoca, Sangonhá, Beli, Madina do Boé, Cheche... (Em 2009, o José Patrício vivia em Viseu, já aposentado da função pública.)

O destacamento deve ter sido construído pela CCAÇ 1423 (RI 15, Tomar), que ocupou o aquartelamento de Empada entre janeiro de 1966 e dezembro do mesmo ano, seguindo depois para o Cachil. [Foi comandada pelo cap inf Artur Pita Alves,cap inf  João Augusto dos Santos Dias de Carvalho, cap cav Eurico António Sacavém da Fonseca, de novo, cap inf João Augusto dos Santos Dias de Carvalho, e de novo,  cap inf Artur Pita Alves. Ostentou como Divisa “Firmes e Constantes”.]

Antes da CCAÇ 1423, estiveram em Empada:


(i) a CCAÇ 616 (RI 1, Amadora), ocupou o aquartelamento entre abril de 1964 e janeiro de 1966, quando acabou a comissão. [Foi comandada pelo nosso grã-tabanqueiro , de Ferrel, Peniche, alf mil Joaquim da Silva Jorge, pelo cap mil inf Francisco do Vale, cap inf José Pedro Mendes Franco do Carmo, de novo pelo alf mil inf Joaquim da Silva Jorge e cap cav Germano Miquelina Cardoso Simões; ostentou como Divisa “Super Omnia”]M

(ii) segui-se a Companhia de Milícias n.º 6, do recrutamento local, quem ocupou o aquartelamento entre Janeiro de 1965 e Dezembro de 1971, até à extinção da força.

Por informação posterior, do nosso amigo e camarada Joaquim Jorge, ficamos a saber que "quem "fundou e construiu a 'Ponderosa' foi a CCAÇ 616 da qual eu era comandante em 17 de Março de 1965." O nome é seguramente influenciado pela popular série televisiva 
Bonanza, que passou na RTP no início dos anos 60, e  que narrava a saga familia da família Cartwright, pai, viúvio, e três  três filhos (de mães diferentes), que vivem no velho Oeste, em Neva, na defesa de seu rancho Ponderosa.

Fonte: Cortesia do CM - Correio da Manhã, edição de 4/10/2009. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Bolama > Nova Sintra > 1972 > Entrada do quartel dos Duros de Nova Sintra, a CART 2711, 1970/72... É possível que este pórtico, "Rancho dos Duros", tenha sido inspirado pelos vizinhos, mais antigos, do "Rancho da Ponderosa", destacamento de Ualada, subsetor de Empada, ao tempo da CCAÇ 1587 (1966/68).

Foto (e legenda): © Herlander Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagen complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Ultima parte da publicação do Pequeno Dicionário da Tabanca Grande (*), de A a Z, em construção desde 2007, com o contributo de todos os amigos e camaradas da Guiné que se sentam aqui à sombra do nosso simbólico e fraterno poilão. Entradas das letras R/S/U/V/Z. Esperam-se comentários, críticas e sugestões dos nossos leitores.

Letra R


Rabecada - Vd. piçada (calão)

Racal - 
TR 28, um equipamento portátil, de origem sul-africana, podendo ser usado em viaturas ou às costas do operador. Creio que não era usado em aviões, transmitindo em fonia. As frequências poderão ser estas (de 38 a 54,9 Mc/s) e estavam agrupdos e grupos de 4 que comunicavam entre si. 

RAL - Regimento de Artilharia Ligeira


Rancho da Ponderosa - Destacamento construído pela CCAÇ 616 (Empada, 1964/66); localizava-se na tabanca de Ualala 

Rancho Os Duros - Quartel dos Duros de Nova Sintra, a CART 2711, 1970/72

RCacheu - Rio Cacheu

RCorubal - Rio Corubal

RCumbijã - Rio Cumbijã

RDM - Regulamento de Disciplina Militar


Ref - Militar na Reforma

R
eforço - Aumento das medidas de segurança dos nossos aquartelamentos ou da força que as materializava; havia outras formas de reforço: do rancho, de verba ou algumas situações táctica-administrativas em que algumas pequenas unidades poderiam estar.

RELIM - Abreviatura de Relatório Imediato

Reordenamento (REORD) - Aldeia estratégica, construída pelas NT, 
reagrupando uma ou mais tabancas Aldeia estratégica, construída pelas NT, reagrupando uma ou mais tabancas, visando impedir o contacto das populações com o IN e aumentar as suas capacidades de defesa.
Rep - Repartição (do Quartel-General)


REPACAP - Repartição do QG/ComChefe / Assuntos Civis e Acção Psicológica  

Res - Militar na Reserva (ou seja, antes da Reforma)


RFoto - Reconhecimento fotográfico (FAP)

RGeba - Rio Geba

RI - Regimento de Infantaria (ex., RI 2, Abrantes)

RN - Reserva Naval (Marinha)


Rocket - Granada lançadas pelo RGP 2 ou RPG 7 (PAIGC; roquete (Projéctil com um motor de propulsão);as s NT usavam rockets 37 mm disparados por um LGF "improvisado", uma bateira nas LFP da Marinha e pela FAP.

Rôz kuntango (ou simplesmente Kuntango) - Arroz cozinhado (bianda) sem mafe(crioulo)

RPG - Lança-granadas-foguete (PAIGC): havia o RPG2 e o RPG7; e ainda o
 P27 (Pacerovka)

RVIS - Voo de reconhecimento aéreo (FAP)



Letra S


SA-7 - Míssil Sam-7, Strela, de origem russa (PAIGC)

Sabe sabe - Gostoso (crioulo)

Sakalata - Confusão, conflito, chatice (crioulo)

Salgadeira - Urna funerária, caixão (gíria)

SAM - Serviço de Administração Militar, especialidade do Exército

Sancu - Macaco (crioulo)

Sec - Secção; equipa (Um Gr Comb ou pelotão era composto por 3 Sec) (NT)

Setor L1 - Setor 1 da Zona Leste (Bambadinca, Região de Bafatá) (NT)

Sexa - (i) Sua Excelência; mas também (ii) Sexagenário (gíria)


SG - Serviço Geral (FAP)

SGE - Serviço Geral do Exército; oficiais oriundos da classe de sargentos, depois de frequentarem a Escola Central de Sargentos em Águeda

Siga a Marinha - Embora, vamos a isto! (gíria)

Sintex - Pequena embarcação, de fibra, com motor fora de bordo, de 50 cavalos, usado para cambar um rio; parecia uma banheira (NT)

SM - Serviço de Material (vd. Ferrugem)

SNEB - Rocket antipessoal, de calibre 37 mm, que equipava o T-6 e que também era usado pelos paraquedistas e demais tropas (por ex.,  africanas) como LGFog

Sold - Soldado

Sold Arv - Soldado Arvorado

Solmar - Cervejaria de Bissau, do tempo colonial

SPM - Serviço Postal Militar

Srgt - Sargento

STM - Serviço de Transmissões Militares

Strela - Flecha, em russo (стрела); míssil russo terra-ar SAM 7

Suma - Como, igual (crioulo) 


Supintrep - Relatório de informação suplementar (Vd. Perintrep)

Supositório - Granada de obus (gíria) 



 Letra T


T/T - Navio de Transporte de Tropas (v.g., T/T Niassa, T/T Uíge)

T6 - Avião bombardeiro, monomotor; equipado c/ lança-roquetes e metralhadora (NT) 

Tabanca - Aldeia (crioulo); mas também morança, cubata, casa: mas também tertúlia (v.g., Tabanca de Matosinhos



Tabanca da Lapónia - Iglô, no círculo polar ártico, onde quem manda é o o luso-lapão ["sami"...] Joseph Belo, que se refugia aqui para fugir aos furacões de Key West, na Flórida. Na Internet, não tem pouso certo.

Tabanca da Linha (ou A Magnífica Tabanca da Linha) - Tertúlia de ex-combatentes da guerra colonial, que abrange a Grande Lisboa; reune-se em Algés, ultimamente no Restaurante Caravela de Oiro; régulos: Jorge Rosales (1939-2019) e Manuel Resende (desde 2019). 


Tabanca da Maia - Tertúlia de ex-combantentes da guerra colonial, com sede na Maia; régulo: José Casimiro de Carvalho



Tabanca de Matosinhos (,ou Tabanca Pequena) - A mais antiga das nossas tertúlias de convívio de ex-combatentes, amigos da Guiné-Bissau, que se sentam à sombra do poilão da Tabanca Grande; tem sede em Matosinhos; abanca no restaurante Espigueiro [, ex-"Milho Rei"; tem página no Facebook

Tabanca do Centro - Tertúlia de ex-combantentes da guerra colonial, com sede em Monte Real, Leiria; edita a revista "on line" Karas, diretor: Miguel Pessoa; régulo: Joaquim Mexia Alves;



Tabanca dos Melros - Tertúlia de ex-combatentes,  com sede em Fânzeres, Gondomar; abanca no restaurante Choupal dos Melros; tem blogue e página no Facebook

Tabanca Grande – A mãe de todas as tabancas ou tertúlias de antigos combatentes da Guiné que se foram criando ao longo dos anos (desde 2004); tem este blogue e também página no Facebook (v.g., Tabanca de Matosinhos, Tabanca do Centro, Tabanca da Linha, Tabanca dos Melros, Tabanca da Maia, Tabanca do Algarve, Tabanca da Lapónia, etc.) 




Tabanca do Centro, Monte Real, Leiria


Tarrafe - Vegetação aquática, típica das zonas ribeirinha 

Taufik Saad - Casa comercial, de origem libanesa, em Bissau

 

Taxy Way - Caminho de rolagem (FAP)

Tchora - Chorar (crioulo)

Tem manga di sabe sabe - Muito gostoso (crioulo)

Ten - Tenente

Ten Cor - Tenente-Coronel

Ten Gen - Tenente General, antigo general de 
3 estrelas [Posto reintroduzido no Exército Português em 1999, em substituição do posto de general de 3 estrelas; é a mais alta patente de oficial general no ativo, já que os postos superiores são apenas funcionais ou honoríficos: por exemplo, chefe do estado maior general].

Tertúlia – Reunião regular de amigos e camaradas (, também sinónimo de Tabanca Grande)

TEVS - Transporte em evacução (FAP)

Tigre de Missirá - Nome de guerra (Alf Mil Beja Santos, Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70; nosso grã-tabanqueiro da primeira hora)

Tigres - Esquadra de Fiat G-91, na BA 12


TN - Território nacional

TO - Teatro de Operações

Toca-toca - Transporte colectivo, privado, nas zonas urbans da Guiné-Bissau (carrinha tipo Hyace, de cores azul e amarela) (crioulo)


Tocar uma punheta aos obuses - 



Guiné > Regoão de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) + CART 2520 (1969/70) > Op Safira Única, 21 de janeiro de 1970, no subsetor do Xime, nas proximidades da Ponta do Inglês


Uma pistola de origem soviética, Tokarev, de 7,62, igual ou parecida à que que foi apreendida ao guerrilheiro Festa Na Lona, na Ponta do Inglês, no decurso da Op Safira Única ... Pelo que me recordo, esta pistola ficou à guarda do alf mil Abel Maria Rodrigues, comandante do 3º Grupo de Combate da CCAÇ 12 (onde eu muitas vezes me integrei, conforme as faltas de pessoal...) , que a tomou como ronco... Não sei se a conseguiu trazer para a Metrópole e legalizá-la... Ao que parece, esta arma teve a sua estreia na Guerra Civil de Espanha, em 1936, nas fileiras do exército republicano, estando distribuída a pilotos e tripulações de tanques, entre outros... (LG). 

Fonte: Kentaur, República Checa (2006) [página já não disponível]

(...) Por volta das 15. 30h, já nas proximidades do objectivo, foram notados indícios de presença humana: trilhos batidos, moringas nas palmeiras para recolha de vinho e um cesto de arroz.

Seguindo um dos trilhos, avistou-se um homem desarmado que seguia em direcção contrárias às NT. Capturado, informou que ia recolher vinho de palma, que a tabanca ficava próxima, que não havia elementos armados e que a maior parte da população estava àquela hora a trabalhar na bolanha.

Feita a aproximação com envolvimento, capturaram-se mais 2 homens, 5 mulheres e 6 crianças. Um dos homens capturados disse chamar-se Festa Na Lona, de etnia Balanta, estar alí a passar férias e pertencer a uma unidade combatente do Gabu. Foi-lhe apreendido uma pistola Tokarev (7,62, m/ 1933) e vários documentos.

Havia 2 tabancas, cada uma com 4-5 casas, afastadas umas das outras cerca de 200 metros. Cada casa era revestida de chapa de bidão e coberta de capim. Para o efeito foram aproveitados os bidões existentes no antigo aquartelamento da Ponta do Inglês que as NT haviam retirarado  em novembro de 1968.

Foram destruídos todos os meios de vida encontrados e incendiadas casas, a excepção das que ficaram armadilhadas. Os 2 Dest executaram toda a acção sem disparar um único tiro. A  retirada fez-se igualmente a corta-mato em direcção de Gundagué Beafada, tendo-se chegado ao Xime pelas 18.30h. Durante a noite, a Artilharia fez fogo de concentração sobre os acampamentos IN do Baio/Buruntoni e Ponta Varela/Poindon. (...)

Fonte: Extractos de: História da CCAÇ. 12: Guiné 1969/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores 12. 1971. Capítulo II. 24-26.


Tokarev - Pistola de calibre 7,62 mm, de origem soviética (PAIGC)

TPF - Transmissões Por Fios

Trms - Transmissões

Tropa-macaca - Por oposição a tropa especial (páras, comandos, fuzos) (termo depreciativo, gíria); infantes

TSF - Transmissões Sem Fios

Tuga - Português, branco, colonialista (termo na altura depreciativo) (crioulo)

Turpeça - Banquinho, de três pés, onde se sentam em exclusivo os régulos felupes (crioulo)

Turra - Terrorista, guerrilheiro, combatente do PAIGC (termo na altura depreciativo)



Letra U

Ultramarina - Sociedade Comercial Ultramarina, ligada ao grupo BNU; rival da Casa Gouveia, do grupo CUF

Uma larga e dois estreitos - Galões de tenente-coronel

UXO - Unexploded (Explosive) Ordenance (em inglês); Engenhos Explosivos Não Explodidos (em português)



Letra V

Vè-Cê-Vê  (ou VCC) - Velhinho Como o C... Militar que ultrapassou o tempo legal da comissão de serviço no CTIG (21/22 meses) (calão)

 
Velhice - Militares em fim de comissão (gíria)

Vietname - Guiné, para lá de Bissau; mato ('versus'... "guerra do ar condicionado")




Letra Z 

ZA - Zona de Acção

Zebro - Barco de borracha com motor fora de borda, usado pelos fuzileiros

ZI - Zona de Intervenção (do Com-Chefe)

ZLIFA - Zona Livre de Intervenção da Força Aérea

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31 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20516: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (8): edição, revista e aumentada, Letras I, J, K e L

28 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20506: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (7): edição, revista e aumentada, Letras F, G e H

3 de dezembro 2019 > Guiné 61/74 - P20411: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (6): edição, revista e aumentada, Letras D/E

18 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20255: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (5): edição, revista e aumentada, Letra C

14 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20240: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (4): 2ª edição, revista e aumentada, Letras M, de Maçarico, P de Periquito e C de Checa... Qual a origem destas designações para "novato, inexperiente, militar que acaba de chegar ao teatro de operações" ?

13 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20237: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (3): 2ª edição, revista e aumentada, Letra B

13 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20235: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (2): 2ª edição, revista e aumentada, Letra A

30 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2389: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (6): Racal (José Martins)

29 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2388: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (5): Periquito (Joaquim Almeida)

26 de junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1887: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (3)... (Zé Teixeira)


24 de junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1874: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (2)... (António Pinto / Joaquim Mexia Alves)

23 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1872: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (1)...(Luís Graça)

Guiné 61/74 - P20725: Parabéns a você (1769): SAj Ref da GNR Manuel Luís Rodrigues Sousa, ex-Soldado At Inf do BCAÇ 4512 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de Março de 2020 > Guiné 61/74 - P20721: Parabéns a você (1768): Artur Soares, ex-Fur Mil Mec Auto da CART 3492 (Guiné, 1972/74) e Joaquim Sequeira, ex-1.º Cabo Canalizador do BENG 447 (Guiné, 1965/67)

quarta-feira, 11 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20724: (De)Caras (149): Carta pungente do Umaru Baldé (c. 1953-2004), um dos meninos-soldados que passaram pelo CIM de Contuboel, entre março e julho de 1969... Era dirigida ao seu antigo instrutor militar, Valdemar Queiroz.



Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Narço de 1969 > Silhueta do recruta Umaru Baldé, natural de Dembataco, regulado de Badora, setor L1 (Bambadinca), nº mec 82115869.



O AMOR NUNCA ACABA

O Amor nunca acaba,
ninguém se esquece do passado, do melhor  e do pior.
Eu lembro-me desse dia 12 de março de 1969,
quando fui chamado para a tropa, pelos Portugueses.

Na verdade eu tinha poucos anos de idade
e era o único filho do meu pai.
A minha Mamã revoltou-se,
disse que eu não tinha idade para ir para a guerra,
mas infelizmente o alferes que tinha vindo para nos levar,
não podia entender esta revolta.

O Alferes disse-nos:
"Todos somos Portugueses,
saímos de muito longe
para defender a Pátria Portuguesa.
Então, para povo de Dembataco saber
que em Portugal não há diferanças de raças nem de credos,
todo o cidadão tem que ir cumprir
o serviço militar português".
A minha mamã chorou, disse:
"Ai, meu Deus, o meu filho único vai me deixar
para ir morrer na guerra."

Esta data foi um dia de tristeza e de lágrimas
para o povo de Dembataco e de Taibatá.
Na verdade ficámos ali até às 4 horas da tarde
até entramos para as viaturas militares 

que nos levaram para Bambadinca.

Eu, com a pouca idade que eu tinha,
o que é que podia fazer ?
Fiz-me homem,
tirei a recruta em Contuboel,
fui o melhor apontador de morteiro 60.

Depois, na especialidade,
fiquei no mesmo sítio,
sendo a minha primeira companhia a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12
onde nunca esquecerei o sofrimento
que sofri pela minha Pátria Portuguesa,
na Guiné Portuguesa.

Na verdade, em dois anos e alguns meses
em que estive como operacional,
fiz 78 operações no mato do Xime,
na zona do Xitole 
e até no Boé,
lá para os lados Canjadude.

Na minha companhia, durante dois anos
só tivemos 5 soldados mortos, quatro pretos e um branco.(*)
Depois fui transferido para Bissau como primeiro cabo,
onde fui colocado no comando das transmissões,
no quartel de Santa Luzia,

até ao fim da guerra em 1974.

Umaru Baldé

[Revisão e fixação do texto: LG]




Envelope da carta enviada pelo Umaru Baldé ao José Valdemar Queiroz Silva, seu antigo instrutor militar, residente no Cacém (foi deliberadamente rasurado o nome da rua do destinário, por razões de privacidade). É pena o carimbo do correio estar ilegível. A carta deve ser de finais de 1999, princípios de 2000, segundo a explicação do Valdemar Queiroz :  

Contuboel, c. março / abril de 1969 > 
O instrutor e o recruita
Foto: Valdemar Queiroz 

"Anexo umas cartas (*) que me foram enviadas, nos finais dos anos 90 e princípio dos anos 2000, pelo Umaru Baldé que estava a residir na Amadora.[São quatro cartas, só duas das quais datadas, uma de 2000 e outra de 2003]. 

"O Umaru Baldé foi aquele menino soldado da CArt 11 e da CCaç 12 que já foi por nós muito falado. (...) Estas cartas que julgava desaparecidas, foram por ele ditadas a alguém com máquina de escrever ou computador e até por ele escritas [, numa delas há uma parte manuscrita.]

Por cá também não teve grande sorte, quer por não arranjar trabalho [estável], quer por já estar muito doente [, em 2000 esteve internado no Hospital Curry Cabral, em Lisboa]. Por cá andou uns anos, voltou a ver camaradas do tempo da guerra [João Ramos, António Fernando Marques,  Fernando Sousa, da CCAÇ 12; Mário Pina Cabral, Abílio Duarte, Aurélio Duarte, Valdemar Queiroz, da CART 11...] e sempre a tentar arranjar forma de ser reconhecido como militar do Exército Português.

Por fim e, depois, de passar por várias internamentos hospitalares tentou arranjar dinheiro para regressar à Guiné e à sua Demba Taco,  em Bambadinca.

Sempre concretizou o seu desejo, mas pouco tempo depois veio a morrer da grave doença que o apoquentava,  viria a morrer em Portugal [não sabemos, ao certo, se no antigo Hospital do Barro, em Torres Vedras, por volta de 2004, ou no Hiospital Curry Cabral; esteve internado, em diferentes períodos, num e noutro] (...)"







Cópia da prineira parte da carta, datilografada, sem data nem local, tem a foto do remetente, o Umaru Baldé, ao canto superior esquerdo. Excerto.

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca > CCAÇ 12 > c. 1970 > Umaru Baldé (c. 1953-2004), soldado do recrutamento local, nº 82115869, tirou a recruta e a especialidade no CIM de Contuboel. Foi apontador de morteiro 60, soldado arvorado e depois 1º cabo infantaria da CCAÇ 12 (1969-1972). Foi depois colocado, em Santa Luzia, Bissau, no quartel do Serviço de Transmissões, até ao fim da guerra. Conheceu, em mais de metade da vida, a amargura e a solidão do exílio. Veio morrer a Portugal onde teve grandes camaradas e amigos, solidários, que o ajudaram: cit
e-se, entre outros, o João Ramos, o António Fernando Marques,  o Fernando Sousa, da CCAÇ 12; o Mário Pina Cabral, o Abílio Duarte, Aurélio Duarte, Valdemar Queiroz, da CART 11.


Foto (e legenda): © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados . [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Comentário de LG:


Nunca é de mais ler e reler esta carta do Umaru Baldé, de excecional valor documental, datilografada, sem data, expedida da Amadora (onde vivia depois de chegar a Portugal, em meados de 1999). A primeira folha tem a foto do remetente, caonto superior esquerdo. Acarta era dirigida ao José Valdemar Queiroz, a viver na altura no Cacém,e seu antigo instrutor no CIM de Contuboel (, em março/maio de 1969). É possível que outras cartas de igual teor tenham sido remetidos outros camaradas da CCAÇ 12 e da CART 11, que ele conhecia de Contuboel e de Bambadinca. A carta deve ser interpretada como um SOS, um pedido de ajuda. 

Como já comentei, é um relato pungente da sua  experiência de recrutamento por parte do exército português e da despedida da sua mãe e da sua tabanca, Demba Taco, 
regulado de Badora,  setor L1 ( (Bambadinca), em 12 de março de 1969.  Na altura ele era um miúdo, de etnia fula, que deveria ter 15/16 anos, "filho único de sua mãe". 

No Centro de Instrução Militar de Contuboel, o Umaru Baldé (c. 1953-2004) fez a recruta e a especialidade, sendo integrado na CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, como soldado arvorado.

Era um exímio apontador de morteiro 60, como o demonstrou em exercícios de fogo real, no CIM de Contuboel, na presença do gen Spínola e seus acompanhantes, e em inúmeras situações em que esteve debaixo de fogo, durante cerca de dois anos e meio. 


Na CCAÇ 12 ele era o nosso "djubi", o nosso menino, às vezes mimado demais... Por sorte já não estava no Xime, em agosto de 1974, aquando da retração do nosso dispositivo militar, da entrega do aquartelamento do Xime ao PAIGC e da extinção da CCAÇ 12 e da CCAÇ 21... Por sortem estava em Bissau, em Luzia. Consta que em Madina Colhido foram fuzilados alguns quadros da CCAÇ 12 (Abibo Jau, por exemplo) e da CCAÇ 21 (Jamanca), ainda antes da saída definitiva das tropas portuguesas do território da Guiné-Bissau. O PAIGC estava impaciente para ajustar contas com os "cães dos colonialistas", e em especial com os fulas de Bambadinca...

Depois da independência da Guiné-Bissau, e com justificado receio de represálias por ter servido no exército português, atravessou quase meia África para chegar a Portugal, em 15 de abril de 1999, tendo entretanto vivido ou sobrevivido (, não sabemos como...) no Senegal (11 anos), Mali (1 ano), Costa do Marfim (2 anos), Gana (2 meses), Burkina Faso (7 meses). etc, e passando  ainda pelo Benin, Guiné-Conacri, de novo Guiné-Bissau, e por fim, Portugal, Guiné-Bissau e de novo Portugal (onde veio, finalmente, para morrer).

É membro, a título póstumo, da nossa Tabanca Grande (**)

Esta carta terá sido escrita em meados ou finais de 1999 / princípios de 2000. Morreu de tuberculose e HIV/SIDA em 2004. Nunca escondeu o seu grande amor à Pátria Portuguesa que lhe foi madrasta. Não sabemos se, no regresso do seu longo "exílio", chegou a reencontrar a sua "mamã".

Este documento humano, lancinante, precisa de ser melhor conhecido, analisado, divulgado e comentado. Na altura da publicação das cartas, escrevi entre outros o seguinte comentário:


O Umaru Baldé é outro exemplo paradigmático da desgraça que aconteceu a todos aqueles guineenses, fulas e não só, que acreditaram no sonho de uma Pátria Portuguesa onde todos podiam caber, e que combateram nas nossas fileiras... Spínola foi o arauto desse sonho mas também o seu coveiro... A História nos julgará a todos!

Spínola já não está cá para se defender... E os spinolistas, se é que existem, não vão ter a maçada de nos ler e muito menos responder... Mas eu acrescentaria que, além de Spínola, todos nós, e fomos muitos, deixámos correr o marfim: 
"militarizámos" o chão fula, defendemos o chão fula, morremos na defesa do chão fula, os fulas combateram e morreram na defesa do projeto spinolista, recrutámos jovens fulas (alguns eram crianças, "filhos de sua mãe" como o Umaré Baldé e outros putos com quem fizemos a guerra), formámos unidades de elite com jovens guineenses, formámos companhias de milícias, formámos companhias africanas, algumas totalmente africanas (como as CCAÇ 21 e 22), obrigámo-los a "invadir" um país vizinho, como a Guiné-Conacri, onde fica o Futa Djalon... e nunca sequer pusemos a hipótese de as coisas correrem mal para o nosso lado...

Qual era a alternativa ? Embarcar todos os "putos" Umaru Baldé e suas famílias, tão portugueses como eu, e instalá-los em Portugal, no Algarve ou no Alentejo ?

A maior deceção que teve o Umaru Baldé, quando chegou a Portugal, ao fim de um longo exílio de 24 anos, foi contatar que afinal Portugal e as autoridades portuguesas o consideravam um "estrangeiro"... Julgo que esse choque apressou a sua decisão (temerária) de voltar à terra natal... E apressou a sua morte... Portugal era a sua "terra prometida"!... Sofrendo de uma grave doença crónica (julgo que a tuverculose, associada ao  HIV/SIDA) e esgotado "stock" de medicação que levou consigo, só lhe restou voltar a Portugal, para aqui morrer...

É uma história cruel, mas é também a história de vida (trágica) de muitos guineenses que escolheram ficar do lado dos "tugas"... É uma história amarga para alguns camaradas como eu que também enquadrei e comandei homens como o Umaru Baldé, o Abibo Jau, o Zé Carlos Suleimane Baldé, o Sori ...

______________

Notas do editor:

Vd. postes de;



28 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16532: (In)citações (102a): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte IV): "Viva Médicas e Médicos Portugueses. Viva Portugal com os Negros Unidos" (sic) (carta de 15 de novembro de 2000)


29 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16537: (In)citações (102b): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte V): O Umaru Baldé que eu conheci... O "show" de morteiro 60 que o "puto" deu, no CIM de Contuboel, em exercício de fogo real, na presença do próprio gen Spínola em maio de 1969... (Valdemar Queiroz, fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) 29 de setembro de  2016 



Guiné 61/74 - P20723: Antropologia (37): Guiné Portuguesa, breve notícia sobre alguns dos seus usos, costumes…, pelo Cónego Marcelino Marques de Barros (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Março de 2019:

Queridos amigos,
A referência a este primoroso trabalho do cónego Marcelino Marques de Barros não é o de uma mera referência cultural. Em termos científicos, ao nível das ciências sociais e humanas, é um trabalho pioneiro, talvez mesmo o primeiro de todos que saiu das mãos de um guineense. O antigo Vigário-Geral da Guiné era correspondente da Sociedade de Geografia, sentiu-se instado a alinhavar um punhado de notas, tudo apareceu rigoroso, conforme se sabe, fala no modo de saudar, nos pactos e juramentos, na hospitalidade, vai à família, aos costumes que podem ser agrícolas ou guerreiros, fala na morte e na sepultura, no modo de habitar, na vida doméstica, no vestuário, é o primeiríssimo etnolinguístico e poucas dúvidas tenho de que terá sido o pai da sociologia na Guiné, o percursor dos estudos linguísticos.
Este venerando investigador que se preparou em Cernache do Bonjardim veio a falecer em Portugal, ainda na I República.

Um abraço do
Mário


Guiné Portuguesa, breve notícia sobre alguns dos seus usos, costumes… (1)

Beja Santos

O Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 3.ª Série – N.º 12, 1882, publicou um artigo do Vigário-Geral da Guiné, Marcelino Marques de Barros, porventura o primeiro grande intelectual guineense, com o título “Guiné Portuguesa ou breve notícia sobre alguns dos seus usos, costumes, línguas e origens dos seus povos”. Marcelino Marques de Barros tem sido alvo de alguns ensaios, deplora-se que o conjunto da sua obra não tenha tido a republicação que se justifica, ele foi etnolinguístico e explorou, com os seus conhecimentos, a dimensão antropológica, como um verdadeiro pioneiro. Dirige-se em primeiro lugar ao Governador da Guiné, Pedro Inácio de Gouveia, nos seguintes termos:  
“Ponderosos motivos de sincera admiração e reconhecimento com o ilustre governador me levaram gostosamente a escrever esta breve notícia sobre os usos e costumes do meu país. E apesar da diligência que nisso empreguei, vejo bem que me devem ter escapado muitos desalinhos e incorrecções de frase e mesmo erros na exposição dos factos, como é de esperar que aconteça sempre a todas as obras desta natureza feitas à pressa, na Guiné, sem livros, sem bibliotecas públicas em quem se vê forçado a recorrer quase exclusivamente à memória dos seus esclarecidos amigos, à sua e aos seus apontamentos”.

Lança-se num esboço sobre o mundo étnico, ele que se diz desconhecedor das inextrincáveis raças que povoam a Senegâmbia: fala dos Beafadas habitando as margens do Geba e Rio Grande, dos Mandingas, dos Fulas, dos Bijagós, Nalus, Brames, Papéis, Balantas, Felupes e mestiços. Reconheça-se que esta divisão tem imperfeições, o curioso é que o investigador tenta esmiuçar as diferentes subdivisões étnicas, caso dos Fulas onde coloca os Turoncas, Futa-Fulas, Fulas livres e Fulas Pretos ou escravos. Passando para a etnografia, observa o modo como os povos se saúdam. Diz que “quase todos os habitantes desta costa saúdam como nós e com apertos de mão. Os Felupes cumprimentam as pessoas de elevada hierarquia abanando as mãos juntas. Os Papéis de Cacheu levam bruscamente o indicador aos olhos da gente. Os mouros, deixando as suas sandálias à porta de quem muito respeitam, entram dizendo salamaleques. O Fula leva um século a fazer os seus cumprimentos: pergunta pela saúde do seu interlocutor, de toda a sua família, individualizando; pelo estado de todas as suas coisas, especificando; de todos os seus negócios feitos e por fazer".

Passando para os pactos e juramentos, refere que estes se fazem sempre perante duas os mais testemunhas e diz o seguinte: “Os parentes, embora ausentes, são sempre fiadores natos de qualquer pacto havido entre duas ou mais pessoas; no caso de rescisão, os parentes do culpado são reduzidos ao cativeiro e vendidos. O gentio não tem ideia do que seja palavra de honra e não se julga obrigado a dar cumprimento aos seus compromissos sem que os ligue a um juramento. O juramento individual é o que fazem aos seus manes ou aos grandes feitiços da sua nação. O juramento mais solene de paz e amizade entre duas nações ou tribos contendoras consiste no enterramento de pólvora e bala, acompanhado de outras cerimónias de rito sobre as asas de um ídolo ou feitiço”.

E passa para novo tema, a hospitalidade, praticada pela maior parte dos povos de um modo irrepreensível: “Até se julgam na obrigação de defender o seu hóspede dos danos ou ultrajes que possa sofrer dentro da sua casa ou fora dela, e, sendo preciso, cumprem este dever à mão-armada. Por excepção, entre os Balantas, ladrões famosos, não raras vezes o hospedado goza dos benefícios da hospitalidade enquanto não dá um passo fora da cabana ou enquanto não faz as suas despedidas”.

O tema agora é o tabu, e bem curioso é o seu punhado de observações: “Assim como os insulanos da Polinésia, os nossos gentios envolvem qualquer coisa ou pessoa num manto de prestígio sagrado; e os símbolos que representam este acto supersticioso são principalmente as manilhas de ferro, búzios ou ramos de palmeira. Na pessoa ou coisa sagrada não se pode tocar, sob pena de morte, que tarde ou cedo sobrevém de uma maneira misteriosa, isto é, por meio de um veneno mais ou menos lento”.

Passamos agora para a vindicta, dizendo o aprendiz de antropólogo que há para ali selvagens que são vingativos: “Qualquer membro de uma tribo é assassinado, justa ou injustamente, não se recorre ao tribunal dos reis ou dos grandes; qualquer dos filhos, e na falta destes seus próximos parentes, ficam na imprescritível obrigação de espingardear o assassino, e, na sua ausência, qualquer membro da sua tribo”.

Tema recorrente em todas as investigações antropológicas é o roubo. Eis o que nos diz Marcelino Marques de Barros: “Os Balantas roubam sempre, dia e noite, e em toda a parte; e muito se honram com isso, não como acto em si digno e meritório, mas como uma arte por onde se avalia a destreza, a astúcia e a audácia de um homem. O filho família de um Balanta que não mostra desde cedo suficiente habilidade na arte de furtar é desprezado pelos seus pais como ente inútil e efeminado. Estão convencidos que todo o homem tem direito de matar um ladrão apanhado em flagrante”.

Recordemos que estamos no século XIX e que a presença portuguesa é ténue, faz todo o sentido o que ele escreve sobre as correrias:
“As nações guerreiras armam-se muitas vezes, e vão, junto aos caminhos, atacar as caravanas para as despojar das suas mercadorias, ou então, envolvidos nas sombras de uma noite escura, assaltam de improviso uma aldeia inteira, metendo tudo a ferro e fogo, e arrastam as donzelas e as crianças para terras longínquas, onde as vendem ou as matam, quando não encontram quem as inverte por compra ou resgate”. E deixa uma palavra sobre a pirataria, as pirogas de guerra que atacam embarcações entre Bissau, Bolama, Pecixe e Cacheu.

Aborda igualmente a epigamia, a poligamia e a poliandria. Escreve o seguinte:
“Em toda a parte nesta costa o pai respeita a filha, o filho, a mãe e o irmão a irmã. O direito de contratar uma união conjugal é sempre restrito a certas condições. A idade entre os 14 a 20 anos é o limite médio em que geralmente têm lugar os casamentos. Exceptuando os Bijagós, entre os quais nenhumas condições existem para toda a espécie de união conjugal, gentios há que não cedem as suas filhas em casamento sem que seja de antemão comprada a seus pais por 60 a 200 mil réis, que se dão e se recebem a troco de presentes, isto especialmente entre Papéis e Mandingas. Por causa dos maus tratos, a mulher volta a casa dos seus pais, que ficam na obrigação de restituir os presentes que receberam ou o seu valor”.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20584: Antropologia (36): As insígnias de autoridade dos Felupe e Marcos no Chão Felupe, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos)