segunda-feira, 11 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20962: (In)citações (161): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte VI (b): Muita saúde e longa vida, Arsénio Puim, porque tu mereces tudo! (Luís Graça)


Lisboa > 24 de Maio de 2009 > O Arsénio Puim, na casa dos seus filhos, estudantes universitários, à conversa com uma antiga paroquiana e amiga do Padre Mário de Oliveira (também conhecido por Padre Mário da Lixa), a Maria Alice Carneiro,  esposa do Luís Graça. O Padre Mário de Oliveira, depois de vir da Guiné, foi paroquiar a freguesia de Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, em 1968. A amizade da nossa grã-tabanqueira Alice Carneiro vem, desse tempo.


Durante a guerra colonial, foram seguramente os dois casos mais conhecidos, pelo menos públicos e notórios, de conflito de ruptura, por razões de consciência, de capelães militares com Exército.

Em Maio de 1971, "por volta do 13 de Maio, talvez antes, a 10, 11 ou 12", o Alf Mil Capelão da CCS / BART 2717 (Bambadinca, 1970/72) foi intimado a comparecer em Bissau para receber a guia de marcha, de volta à sua terra, por ter sido considerado uma figura indesejável no CTIG... 

O seu quarto (que ele partilhava com o alf mil médico Mário Gonçalves Ferreira) e os seus objectos pessoais foram revistados, não por agentes da PIDE/DGS, mas por dois oficiais superiores do comando do batalhão.... O seu diário foi, abusiva e ilegalmente confiscado...

Por sua vez, o Padre Mário de Oliveira, da diocese do Porto, foi capelão militar do BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/69). tendo sido expulso em Março de 1968, menos de cinco depois da sua chegada ao CTIG, uma história já aqui contada em 2006 (**)...



Foto (e legenda): © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






Viseu > 26 de Abril de 2008 > 2º Convívio do pessoal da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas > O Jorge Cabral, o segundo a contra da esquerda, "entre um Psiquiatra (Marques Vilar) e um Cardiologista (Mário Gonçalves Ferreira, autor do romance 'Tempestade em Bissau0)"...  Diz o Jorge Cabral que ambos os médicos "me visitaram em Missirá, quando eu comandava o Pel Caç Nat 63, tendo o Mário, passado lá o Natal de 70, com o Padre Puim" [Não foi o Natal, foi o Fim de Ano, emenda o Puim, que apontava tudo no seu famoso caderninho ].. Os dois médicos foram igualmente companheiros de quarto do capelão. O Mário Gonçalves Ferreira substituiu, em março de 1971, o Mário Gonçalves Ferreira.

Foto (e legenda): © Jorge Cabral (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Muita saúde longa vida, Arsénio Puim,
porque tu mereces tudo! (2ª e última parte)

por Luís Graça



(8) O que ele não esqueceria era, afinal, 
o lema do batalhão, “Pela Guiné e suas gentes”… 
E foi o lema do seu batalhão que o tramou, 
a sua interpretação do seu significado… 


Na célebre homilia em Viana do Castelo (que, de resto, está publicada na história da unidade), a par do discurso patrioteiro, chapa um, do comandante do batalhão, ele realçava “ duas ideias principais que a Missa, como ato de culto ao Pai da humanidade e de comunhão da Palavra e do Pão, nos deveria inspirar e consolidar: (i) por um lado, o espírito de comunidade que deveria imperar no Batalhão 2917 ao serviço das terras da Guiné, onde íamos viver; (ii) e, por outro, os valores humanos e cristãos que devem ser apanágio de todos os homens de boa vontade em quaisquer circunstâncias”.

Na Guiné, ele vai recusar usar armas... De facto, não nunca teve G3 distribuída. Quando chegaram a Bissau, e houve distribuição do armamento, no Depósito de Adidos, em Brá, antes da partida em LDG para o Xime, ele esteve na fila, como toda a gente, mas, chegada a sua vez, disse delicadamente, ao segundo comandante que dispensava a arma... nem sequer saberia usá-la...

A presumível antipatia, pelo capelão, alimentada por esse major  - de resto, um professor da Academia Militar, com tiques prussianos, que nos obrigava a bater a pala, em plena parada de Bambadinca, como se fôssemos vulgares instruendos, a nós, operacionais da CCAÇ 12, já com mais de um ano de velhice, muito sangue, suor e lágrimas na Guiné! - já devia vir de longe, talvez da primeira homilia, em Viana do Castelo, aquando da formação do batalhão…

Perante o insólito desta cena, o major ter-lhe-á perguntado, diretamente, se ele não era "testemunha de Jeová" (Recorde-se que eram, na época, perseguidos por serem objetores de consciência). Provocação deliberada ? Piada de caserna ? Brincadeira de mau gosto?
- Não, meu comandante, sou um padre católico...

Esta frontalidade, que nada tinha de insolência, vai-lhe sair cara… ao ponto de um dia o mesmo oficial superior lhe perguntar, “à laia de graça”,  se tinha um pacto com os “turras”, dada a estranha coincidência de alguns ataques do PAIGC ocorrerem imediatamente a seguir à sua saída de um aquartelamento ou destacamento…


(9) Dizem que afinal o que tramou foram 
as suas célebres homilias da paz em tempo de guerra… 
Ou, nas suas próprias, o seu “pacto com Deus”… 
Terão ficado no ouvido de alguns zelotas as palavras de paz 
(, que só poderiam ser “dissolventes”, em tempo de guerra…) proferidas na capela de Bambadinca dia 1 de Janeiro de 1971… 
Alguém ia tomando boa nota… Mas haveria 
ainda mais “homilias da paz”… 
Foi, ao que parece, a  da Abril ou Maio, 
a famosa homilia de Abril ou Maio, 
que entornou o copo...

Eu já não já estava na Guiné, tinha regressado a casa em meados de Março de 1971... A CCAÇ 12, agora com novos “tugas”, periquitos a enquadrar os soldados africanos, juntamente com a subunidade de quadrícula do Xime (CART 2715), tinha feito prisioneiros, no região do Xime, possivelmente na zona do Poindon / Ponta do Inglês, como diz explicitamente o Carlos Rebelo, nos seus versos sobre o Romance do Padre Puim… Era população civil, incluindo mulheres e crianças, que viviam sob controlo do PAIGC, em condições miseráveis, diga-se em abono da verdade, esfarrapados, doentes, subnutridos…

Uma das mulheres tinha acabado de dar à luz, três dias antes da operação. Eram balantas, possivelmente oriundos de Samba Silate, destruída e abandonada no início do guerra, um dos mais tristes símbolos da guerra na leste. Foram levadas para Bambadinca. O grupo ficou detido numa espécie de galinheiro que havia perto da escola, que continuava a ser dirigida pela Profª Violete, cabo-verdiana, que tinha, lá em casa, a viver consigo, um puto, o Alfredo, de 15 anos, que irá mais tarde ser mencionado na ficha da PIDE/DGS do capelão, por alegadamente ser do PAIGC ou possível informador do PAIGC...

Era nesse galinheiro, na ausência de uma verdadeira prisão, que ficavam os prisioneiros, em trânsito para Bafatá, ou para Bissau (tratando-se e guerrilheiros: quanto aos civis, nem sempre era fácil a solução da integração nas tabancas balantas da região - basicamente, Nhabijões, Mero, Santa Helena, Fá Balanta- , havendo crianças já nascidas no mato, e que nos olhavam aterrorizadas, quando o roncar das nossas GMC do tempo da guerra da Coreia...).

Bom, resumindo, parece que a CCS do BART 2917 não fornecia comida aos prisioneiros, maioritariamente mulheres e crianças. Ficaram à mercê da caridade da população local, de Bambadinca e Bambadincazinha, entre a qual havia simpatizantes do PAIGC, ou gente da mesma etnia...

O Puim, inteirado da situação, condoeu-se daquela gente e começou a visitá-los. Levava leite às crianças. E protestou contra aquela situação de injustiça. Era, de resto, um homem que não se calava, como não se calou quando o ex-furriel ‘comando’ João Uloma, da 1ª Companhia de Comandos Africanos, se deixou fotografar, com um cabeça cortada, na parada de Bambadinca... Perguntou o Puim, já não sabe a quem (possivelmente, ao captão Barbosa Henriques, instrutor, ou ao major Leal de Almeida, supervisor) se aquilo era digno de um exército civilizado... Se bem me lembro, esta cena passa-se em outubro de 1970, depois de uma operação a norte do Enxalé, e antes da Operação  Mar Verde (invasão de Conacri, 22/11/1970)...

Através de um intérprete, um polícia administrativo, as mulheres diziam que o Puim era "manga de bom pessoal", mesmo sem saberem qual era a sua função ou o seu papel naquela guerra... Seria, de resto, difícil explicar-lhes o que era um capelão e para que servia... Para elas, era apenas um tuga bom... Um “padre-capilon”, como diziam as lavadeiras de Bambadinca… 


(10) Numa das suas homilias, num domingo de Abril ou Maio, 
o Puim abordou este tema, doloroso, para ele... 
O tratamento dos prisioneiros nem sequer estava de acordo 
com a política, superiormente definida por Spínola, e consubstanciada no slogan “Por uma Guiné Melhor”... 

Terá sido a partir daqui que ele foi denunciado, possivelmente não já pela primeira vez, e que em Maio de 1971 surge uma famigerada "ordem de Bissau" (que ele nunca leu) para ele se apresentar no "Vaticano" (as instalações dos capelães militares em Bissau)...
O papel de Bissau (não se sabe por quem era assinado...), com a sua ordem de expulsão, estava nas mãos do segundo comandante do batalhão…

Nas conversas que tive  com o Puim, ele  nunca referiu a presença de nenhum agente da PIDE/DGS... Afirmava categoricamemente que quem passou a revista ao seu quarto (de resto, partilhado pelo alferes miliciano médico Vilar), quem mexeu nos seus objetos pessoais, na mala, e quem confiscou o seu diário (, que só lhe será devolvido, já depois do 25 de Abril, com uma única folha rasgada…)  foi o 2º comandante.

De qualquer modo, burocrática, meticulosa, ominipresente PIDE/DGS averbou esta cena no ficha do Puim... O que sugere, no mínimo, alguma promiscuidade entre a PIDE/DGS, a hierarquia militar... e até o “chefe do Vaticano” (, na gíria, era a sede da capelania militar, em Bissau).


(ii) Puim considerava-se duplamente maltrado 
pela instituição militar e pela hierarquia religiosa. 
À data era capelão-mor, no CTIG, o Padre Gamboa   
que tinha o posto de major, coordenando 
e supervisionando  todo o trabalho de capelania 
(Vivia, em instalações próprias, em Bissau, 
conhecidas por “Vaticano”).

Em Fevereiro de 1971, o Puim ainda tinha participado, em Bolama, num retiro espiritual, com os demais capelães da Guiné, dirigido pelo major capelão Gamboa. Houve discussão acesa, foi discutido o papel dos capelães na guerra colonial, a posição da Igreja, etc.

Admito que a PIDE/DGS (, com delegação em Bafatá e olhos e ouvidos em Bambadinca. ) estivesse por detrás de tudo isto, ou pelo menos acompanhasse e alimentasse o “processo” do incómodo capelão... Mas como o Puim era um oficial miliciano e ainda por cima capelão, é natural que Bissau tenha dado ordem para ser a hierarquia militar a encarregar-se do caso... e não armar escândalo. Afinal, os tempos já eram outros... ou ainda não. Spínola passa a ter, a partir de 13 de julho de 1971,  a PIDE/DGS ao seu serviço, ou pelo menos sobre a sua tutela e proteção, com a nomeação do inspector Fragoso Allas para chefiar a “corporação” em Bissau.


Vaana do Castelo, 16 de maio de 2009 >
Convívio do pessoal da CCS / BART 2917
(Bambadinca, , 1970/72) > Nas foto, da esquerda
para a dieeita, Benjamim Durães, Arséio Puim
e Jorge Cabral.

Foto: Benjamim Durães (2009)

O Arsénio diz-me que foi sozinho para a aeronave que o esperava, na pista... Sem escolta. Sem alarido. Sem despedida. Sem lágrimas... Mas com a dor na alma, com revolta, com indignação. Os únicos que assistiram a esta cena, para além dos dois majores do comando do batalhão, terão sido o alf mil Abílio Machado e o sacristão, o 1º cabo Teixeira...


(12) O nosso camarada ainda teve uma semana em Bissau, 
a aguardar transporte, e outra semana em Lisboa, 
até ser reenviado para os Açores... 


Em Bissau, foi recebido por uma alta patente militar (que ele não consegue identificar, mas que até com ele um comportamento civilizado) bem como pelo seu superior hierárquico, o major capelão Gamboa... 

Em contrapartida, os amigos e camaradas de Bambadinca que na altura estavam de passagem em Bissau, fizeram-lhe um jantar de despedida, onde também esteve o 1º sargento Brito, já falecido… Não falou sequer com o seu bispo, mas voltou a paroquiar na sua Ilha, Santa Maria...

Mais tarde, quis fazer a experiência de padre operário, que estava na moda, na sequência do Concílio Vaticano II... Tirou o Curso de Enfermagem Geral na Escola de Enfermagem de Ponta Delgada, ao mesmo tempo que era pároco na freguesia de Santa Bárbara do Monte, da Ouvidoria das Capelas. 

Iria perceber, mais tarde, que as duas funções eram incompatíveis, ser enfermeiro e ser padre... Optou por ser enfereiro a temo inteiro e ser dispensado da condição sacerdotal pelo papa Paulo VI. Acabou por se enamorar de uma jovem enfermeira, mais nova, com quem viria a casar, e que é hoje a mãe dos seus dois filhos. O casal passou a viver definitivamente em Ponta Delgada. 

Como enfermeiro, trabalhou nos Centros de Saúde de Vila do Porto e de Vila Franca do Campo, durante 19 anos. Está aposentado desde 1996. Foi sacerdote durante 16 anos. Foi co-fundador e primeiro diretor, em 1977, de “O Baluarte de Santa Maria”. E continua a colaborar no centenário jornal de inspiração cristã, “A Crença” ser, propriedade da Matriz de Vila Franca do Campo, a cuja paróquia pertence. 

Em entrevista ao "Correio dos Açores", de 18/2/2018, confessa que viveu com intenso júbilo dois grandes acontecimentos históricos, o Concílio Vaticano II e o 25 de Abril; "Exerci a função de pároco durante 12 anos, em Santa Maria e em São Miguel, num período histórico e muito rico, marcado por dois grandes acontecimentos do século - o Concílio Vaticano II e a Revolução de 25 de Abril. Vivi entusiasticamente tanto o espírito de renovação da Igreja como a democratização política e social que caracterizou uma e outra efeméride."





(13) Não voltei a vê-lo mais, trocámos mails, 
publiquei lhe as suas memórias… Mas em maio de 2009, 
pareceu-me um homem sereno, de bem com a vida, 
orgulhoso dos seus filhos, um pai extremoso e dedicado, 
e ainda hoje um cidadão com sentido de missão 
e com os mesmos valores espirituais e éticos.


Decididamente queria, já na altura,  fazer as pazes com um certo passado, na Guiné, razão por que fez questão de   partilhar connosco as memórias, boas e más, daquele tempo.  Por certo, que já perdoou a quem o ofendeu, mas não esqueceu. Os seus antigos camaradas e amigos não esqueceram.

O que fizeram ao Puim não deixa de ser  uma grande pulhice humana... Afinal, o que ele fez (, protestar contra a situação dos prisioneircs civis)  estava em perfeito alinhamento ou sintonia com as orientações da política spinolista "Por uma Guiné Melhor"!... Ele era a nossa consciência crítica e honrou o melhor de todos nós…

O Puim, enquanto português, homem, cidadão, capelão e oficial do Exército Português, insurgiu-se, protestou ou chamou a atenção para a situação desumana, degradante, em que viviam, numa espécie de galinheiro, em Bambadinca, velhos, mulheres e crianças que foram "recuperados" de uma tabanca no mato, sob controlo do PAIGC (que "eles" chamavam, pomposamente, "áreas libertadas", na famigerada áreaa do Poindon / Ponta do Inglês onde demos e levámos muita porrada ao longo da guerra...)!

Bolas, não eram "TURRAS"!... Era população civil, desarmada, andrajosa, miserável, esfomeada, apavorada... As crianças tinham nascido no mato e entravam em pânico ao ouvir o roncar de uma GMC...no quartel.

Muito provavelmente estes "pobres diabos" foram trazidos pela minha CCAÇ 12 em abril de 1971... Eu tinha acabado de chegar à metrópole, há coisa de um mês e tal...

Xitole > CART 2716 > o capelão Arsénio Puim
com o David  Guimaraes, ex.fur mil at ifn MA.
Foto do David Guimarães (2005)
Mais do que falar, o Puim sabia ver, observar,  ouvir. E tinha uma grande curiosidade pela cultura da Guiné, incluindo o(s) seu(s) crioulo(s). Ele tinha, contrariamente à maioria de nós, uma extraordinária “sensibilidade socioantropológica” que o levava a conseguir “confidências” da população  civil que os operacionais, como eu, dificilmente conseguiriam  a obter. Estou-me a lembrar, por exemplo, das suas conversas do “Mancaman, mandinga, filho do chefe da tabanca do Xime, um homem de paz”…  

Tinha, além disso, um espírito ecuménico, tendo participado inclusive em cerimónias religiosas, com outras confissões, em que se orou pela paz.


(14) Deixem-me acabar o meu depoimento com o meu aplauso 
a este antigo “padre capilon” (, para além de meu camarada…):   
como escrevi há anos, ele mereceu, nesse tempo, 
o meu apreço por, no cumprimento da sua missão castrense e espiritual, nunca ter  descurado as suas obrigações 
como pastor da Igreja de Cristo...

Ele não era (ou não quis ser apenas) um capelão militar, um padre fardado, ao serviço de um exército em guerra... Já confessei que não o conheci nessa qualidade: nunca o vi nem ouvi a celebrar missa, nunca rezei com ele, nem sequer lhe pedi conselho ou ajuda espiritual, embora hoje eu tenha pena de o não ter conhecido melhor, a nível do seu múnus espiritual.

O que eu quero sublinhar é que a sua atenção, solicitude, disponibilidade, carinho, amor, solidariedade, caridade, compaixão - chamem-lhe o que quiserem! - também contemplava as mulheres, as crianças, os homens, os velhos da população civil, independentemente da cor da pela, da religião, da etnia, da origem...

A grande diferença em relação a nós, militares, operacionais ou não, com os nossos 22, 23 ou 24 anos, é que o Puim  ganhava-nos em maturidade humana, em sensibilidade sociocultural, em abertura ao outro, em generosidade mas também em frontalidade e coragem moral... Ele convivia com a população, e escrevia no seu caderninho notas sobre esses contactos... O famoso caderninho que lhe seria mais tarde confiscado e depois devolvido e que, conforme já sugeri ao Miguel, deveria ser passado a livro…

No dia em que celebramos os seus 84 anos de vida, nós, eu e os demais membros da Tabanca Grande, de que ele faz parte de pleno direito, só lhe podemos desejar muita sa+ude  e longa vida porque ele merece tudo… 

Que Deus, Jeová, Alá e os bons irãs da Guiné o protejam, a ele e à sua família… e a todos nós, para que,  para o ano,  lhe possamos estar juntos, ou ao alcance de um clique, e   voltar a cantar os “parabéns a você” e a reiterar os nossos votos de amizade e camaradagem.

Luís Graça, ex-furriel miliciano,  
armas pesadas de infantaria, 
CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 
maio de 1969 – março de 1917); 
fundador e editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

PS – Arsénio, fico muito sensibilizado por esta carinhosa iniciativa dos teus filhos. Foram eles que prepararam tudo, em segredo. Acho que é uma bela prenda de aniversário. És um sortudo, mas tu bem o mereces.
_____________

Nota do editor:


(*) Vd poste de  14 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - P750: Capelão militar por quatro meses em Mansoa (Padre Mário da Lixa)

Último poste da série > 9 de maio de  2020 > Guiné 61/74 - P20957: (In)citações (160): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte VI (a): Muita saúde e longa vida, Arsénio Puim, porque tu mereces tudo! (Luís Graça)


domingo, 10 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20961: Estórias avulsas (98): Histórias do vovô Zé (2): História da Carochinha, contada em confinamento, em homenagem à D. Virgínia Teixeira e ao Senhor Jotex (José Ferreira da Silva, ex-Fur Mil Op Esp)

1. Em mensagem do dia 9 de Maio de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta versão bem a seu modo da conhecida História da Carochinha, dedicada à esposa do Jotex e ao marido da esposa do Jotex.


Histórias do vovô Zé

História da Carochinha, contada em confinamento

Em Homenagem
À Dona Virgínia Teixeira e ao Senhor Jotex


Era uma vez uma jovem cadela chamada Carochinha, vinda duma família respeitável dos confins de Vila Nova de Gaia, onde vivia abastadamente junto de seus entes mais queridos. Rebelde e muito fogosa, ela vivia, na ânsia do luxo e da boémia. Sempre contrariada, fugiu de casa, atravessou a ponte e logo se deixou embrenhar nos esquemas e prazeres da noite.

Iludida com o seu poderio social e económico, apaixonou-se por um “Cão Grande”, tipo “Papa do Norte”, já maduro e bem conhecido pelos seus dotes desportivos e culturais (muito querido no seio das raças pobres e minoritárias) e, também, pelo negócio de frutas e chocolates. Foram tempos breves, mas vividos muito intensamente. Rapidamente se familiarizou com o luxuoso ambiente de cães poderosos, onde se destacavam “Tóbi” e o “Tabeco”, investigadores de prestígio. Foram tempos de ouro. A Carochinha passeou pelo Mundo inteiro. Chegou a ir ver o Papa a Roma, onde foi abençoada e acarinhada.
Porém, insaciável nos seus desejos, a Carochinha, a quem nada faltava, da sua sorte muito abusava. Por isso, viu-se repentinamente, controlada e insatisfeita.


Expulsa do condomínio das Antas, a despeitada, incentivada por cães e cadelas de Lisboa sem pedigree, veio para a praça pública acusar o “Cão Grande” de práticas sociais pouco correctas e, até, das suas fraquezas físicas, nomeadamente da sua excessiva produção de flatulência malcheirosa.

No Real Canil do Império, a Carochinha virou vedeta do Jet Set e do Show Business. Colaborou em tudo que lhe pediram, cuspindo ódio e rancor no “prato de quem tanto lhe deu de comer”, sem um mínimo de vergonha ou de respeito. Utilizada abusivamente pelos cobardes e invejosos nas suas investidas habituais contra a naçon tripeira, cedo se apercebeu que ali, o seu reinado terminara. As honrarias e amizades que lhe prestaram esfumaram-se em pouco tempo.

Voltou ao norte. Trouxe, como paga de uma história mal contada e de um filme de mau gosto, apenas um cãozinho criado pelo “Grande Chefão”, que era alegadamente ligado à corrupção, à droga e ao mundo dos pneus. Tudo bem compensado com uma rede de padres, missas e macumbas ao redor de uma catedral dominadora do mundo da política, da Justiça e da Comunicação Social.

Veio à boleia e passou pelas Caldas, onde a reconheceram e lhe deram um souvenir local.
Regressou à baixa Portuense onde, numa noite louca, o seu cãozinho se excedera a lamber as botas de um Ilustre Jurista nortenho, por sinal cliente assíduo daquela rua e daquela zona, muito activa no métier (e no tirer). Diríamos que aquela atracção se identifica com a célebre frase do “amor à primeira vista”.
Coincidências do diabo! Não é que a senhora esposa desse Ilustre Doutor, se havia condoído pela situação de uma vizinha que acolhera dois outros cães expulsos recentemente? Nada mais nada menos que os ex-influentes “Tóbi” e “Tabeco”, cuja nova patroa do condomínio das Antas (uma jovem brazuca), deles se desfizera cruelmente.

A Senhora, que era uma Rainha no lar e uma Santa na sociedade, impôs desde logo uma habitação condigna aos seus protegidos (camas, colchões e cobertores, em pequenos quartos climatizados etc., etc.). Para gente de posses, não havia problemas.
Porém, havia uma pequena questão: - Que fazer do cãozinho que o seu marido, alegadamente encontrou à saída do seu escritório?
(Coitadinho, tão pequenino e tão desprotegido!)
“Tóbi” e “Tabeco” foram logo para a casa de férias no campo e o cãozinho protegido assumiu o seu manhoso papel de meiguice, sabiamente fingida junto do seu patrão. Condicionado pela sua presença, o Doutor dava a ideia que vivia com medo que o cãozinho falasse.


Como andava sempre dentro do carro, um dia “chateou-se” com a boleia dada a um amigo que, ao vê-lo de coletezinho vermelho, chamou-lhe “Orelhas”.

Ao ouvir esse nome, que lhe era muito familiar, o “Orelhas” ripostou agressivamente com o tal amigo e, perante alguma achega do patrão, ele peidou-se sonorosa e malcheirosamente e… descaradamente. Não contente com tudo isto e analisados outros pormenores, o Doutor, resolveu atribuir-lhe um nome mais compatível. Passou a chamar-lhe Dr. Simplício Merdinhas. Mais tarde, os filhos do patrão, só o tratavam por Rex. Mas não levou muito tempo para lhe ser corrigido o tal apelido para Rex Fodelhão.
Como a bondosa patroa tem muitos afazeres, nem se apercebe do quanto é chocante ver-se a diferença de tratamento dado pelo dono ao tal “inocente” cãozinho “Orelhas” e aos outros.

Com a cobertura do patrão, o “Orelhas” impõe-se vergonhosamente

A Carochinha foi apanhada numa ronda (Ramona), mas foi salva por uma associação protectora dos animais e ficou à guarda de uma sensível senhora da Rua da Alegria.
A Carochinha descobriu, lá em casa, um saco azul com dinheiro. Não se pode falar nisso, mas é voz comum que o marido da senhora é chefe de um “Bando” qualquer. Agora, menos viciada na vida fácil e desejosa de se submeter ao aconchego de um lar, a Carochinha só pensa em libertar-se. Quer casar. Então vem para a janela apregoar para todos os cães que lá passam:
 - Quem quer casar com a Carochinha, tão rica e bonitinha?


Num dia desses, o senhor seu dono, acordou mais cedo e, ao ouvir o pregão, veio observar o desfile de cães que iam passando por baixo da janela.


Eram cães com bom aspecto. Porém, com poucas hipóteses de conquistar a Carochinha. Aquela passagem por Lisboa, a humilhação de voltar às origens e a necessidade de constituir uma família séria, moldaram-na para uma nova vida.


E foi assim que a Carochinha escolheu o cão mais rafeiro que passou por baixo da janela. E como ele estava ferido, mereceu ainda mais carinho por parte da patroa, que o tratou e curou com muito amor.

Estão a ser felizes e vamos ver se têm muitos cãezinhos e… cadelinhas.

José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
____________

Nota do editor

Vd. poste de 4 DE MARÇO DE 2019 > Guiné 61/74 - P19549: Estórias avulsas (93): Histórias do vovô Zé (1): As nossas andorinhas (José Ferreira da Silva, ex-Fur Mil Op Esp)

Último poste da série de 23 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20006: Estórias avulsas (97): quando ia ficando soterrado no abrigo do canhão s/r, 82-B10, de fabrico russo... Salvei-me por um triz... Afinal, ainda não tinha chegado a minha hora! (Martins Julião, ex-alf mil, CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)

Guiné 61/74 - P20960: Blogues da nossa blogosfera (131): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (46): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

AntiDeuteronómio II

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


No tempo em que as sardinheiras das varandas dos pobres
faziam parte dos nossos sonhos
florindo em poemas de sol e de cor
no tempo em que as andorinhas
teciam grinaldas de vida nos beirais
no tempo em que os rios bordavam a terra de areia branca
no tempo em que a brisa sussurrava
por entre as flores
e as fontes murmuravam seus amores
a aurora da nossa inquietação tinha o cheiro a maçãs
e o pulsar das coisa vivas
e o levíssimo sorriso dos jardins do paraíso.
Tudo amávamos em nobre sentimento de exaltação
o mundo era transparente e fácil de amar
e cheirava a feno
a razão ondulava a frágil seara
em suave alento na quietude universal da liberdade
como harmoniosa mulher suspirando ao vento.
Tão inocente amor
tanta alegria
quem pensaria que os rios de pranto
haveriam de chegar um dia
em negra nuvem de calado voo.
Não podemos deixar que a nuvem negra
se abata sobre nós e o pensamento…
e o pensamento nos agarre no desértico silêncio
sentados ao vento
no falso sol da varanda da ilusão
e da erosão da consciência adormecida.
Não podemos deixar que a todos nos transforme
em filhos da morte
filhos de nenhum lugar e de toda a parte
figuras do vale das sombras
esgueirando-se nas sombras de outras sombras
sonâmbulos fantasmas
sem gestos de vida que nos façam acordar.
E quando for dia de sol bem alto
porque haverá sempre um dia
a rasgar a deuteronómica nuvem negra
que ameaça os campos do futuro
e o sereno assombro das pedras
e os peixes verdes dos poemas
e os rubros sorrisos que cheiram a mar
e os passos dos que aprendem a andar
e os rios que correm nos olhos de uma criança
e a memória sem tempo
jamais a exaltação da santidade
estará na morte e nas cinzas da cidade.
E não haverá espinhos nos olhos
e aguilhões nos flancos da vida…
e não haverá armas de destruição maciça
no coração das mães dos filhos exterminados.
Na diáfana manhã de um novo dia
apenas a plangente harmonia de um Stabat Mater.
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20937: Blogues da nossa blogosfera (129): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (45): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P20959: Blogpoesia (676): "Não matem a lagartixa", "Um raio de sol" e "Oração à sabedoria", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana:


Não matem a lagartixa

Hoje, a lagartixa não apareceu

Todos os dias dou a caminhada higiénica.
Aqui no bairro.
Adequada às minhas posses.
Pego nos andarilhos e vou.
Mais ou menos pela mesma hora.

Crescem umas ervitas junto aos muros das moradias.
Escapam ao serviço do cantoneiro.

Às tantas, dei conta de que havia uma lagartixa que aparecia quando passava.

Comecei a falar com ela.
Estranho quando não vem.
Nos dias seguintes, quando tudo parecia perdido, lá surgia ela do seu tugúrio.
Era a sentinela de serviço a uma moradia.
Sempre ali.
Me afiz a ela. Venho triste quando não vejo.
Não matem as lagartixas.
Prestam à gente um bom serviço.
Comem a bicharada que ataca as plantas.
Flores ou não.

Mafra, 6 de Maio de 2020
12h49m
Jlmg

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Um raio de sol

Um raio de sol bateu-me à janela.
Atravessou as cortinas.
Beijou o meu rosto.
Chamou-me para a vida.
Não pára. Passa e não volta.
É lucro tudo o que traz.
-Desperta! - clama.
Deixo meu leito.
Retomo a viagem.
Cada vez mais se aproxima a paragem.
Estendo na mesa minhas memórias passadas.
Contemplo.
Fazem cortejo.
Minhas origens vão longe.
Subindo e descendo colinas.
Adejando as velas.
Quando o vento da esperança soprava com força.
A vida emergente crescia.
A felicidade abundou.
Aos altos e baixos,
Chegou até aqui.
No mais se verá...

Ouvindo Schubert
Mafra, 9 de Maio de 2020
10h20m
Jlmg

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Oração à sabedoria

Saibamos todos entender os sinais da vida.
Há mensagens de cada hora e época da história.
Não vai à toa este comboio magno.
Seu caminho vai sendo traçado conforme desígnios que ignoramos.
Impõe-se estar atentos.
Surgem sinais no horizonte.
Peçamos à sabedoria com devoção.
Apliquemos a nós o que a meditação nos manda.

Mafra, 9 de Maio de 2020
10h19m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20935: Blogpoesia (675): "Figueira do diabo", "Horrorosa modernidade" e "Os nós e os laços", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20958: Parabéns a você (1800): Fernando Valente (Magro), ex-Cap Mil Art do BENG 447 (Guiné, 1970/72) e Henrique Matos, ex- Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1966/68)


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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20950: Parabéns a você (1799): Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)

sábado, 9 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20957: (In)citações (160): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte VI (a): Muita saúde e longa vida, Arsénio Puim, porque tu mereces tudo! (Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > REgião de Bafatá Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca (vd. mapa da região)

Do lado esquerdo da imagem, para oeste, era a pista de aviação (1) e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste). Vê-se ainda uma nesga do heliporto (2) e o campo de futebol (3). A CCAÇ 12 começou também a construir um campo de futebol de salão (4), com cimento roubado à engenharia nas colunas logísticas para o Xitole.

De acordo com a fotografia, em frente, pode ver-se o conjunto de edifícios em U: constituía o complexo do comando do batalhão (5) e as instalações de oficiais (6) (onde ficavao quarto do alf mil médico Arsénio Puim) e sargentos (8), para além da messe e bar dos oficiais (8) e dos sargentos (9).

Em frente ao edifício em U, um poco mais à direita, situava-se a capela (13) e a secretaria da CCAÇ 12 (14).

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). Ver o resto das legendas aqui.



Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os Direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Muita saúde longa vida, Arsénio Puim,
porque tu mereces tudo! (1ª parte)

por Luís Graça




Luís Graça, Contuboel,  junho de 1969
Que eu saiba, em toda a história da guerra colonial , ou pelo menos no teatro de operações da Guiné, houve pelo menos dois casos de capelães militares que foram "expulsos" das fileiras do exército... 

Não sabemos ao certo por quem, se o bispo castrense (que era brigadeiro) ou a hierarquia militar (personificada no Comando-Chefe, os generais Arnaldo Schulz, em  1968, e António Spínola, em 1971, respetivamente), com a inevitável “mãozinha” da polícia política ...

Eu diria antes que foram dois erros de "casting" (sem que isto nada tenha de ofensivo para com os visados)... 


Mário de Oliveira
Um deles é o padre Mário de Oliveira, que será sempre, até morrer, o padre Mário da Lixa... Foi capelão, por escassos meses,  do BCAÇ 1912 (que esteve sediado em Mansoa, 1967/69)... 

O outro caso de um capelão "expulso" das fileiras do exército português foi o açoriano Arsénio Puim (que deixou, de resto, o sacerdócio em finais dos anos 70): foi capelão, por um ano, do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72). E é sobre ele que eu quero falar, a pedido de um dos seus filhos, o mais novo,  o Miguel Puim, economista. E o pretexto são os seus 84 aninhos de vida (*)…

(1) A imagem que eu tenho do Arsénio 
Puim é a da serenidade. 
Na Guiné podia confundir-se com reserva 
e até timidez, hipoteticamente associada 
à sua origem insular e à sua condição 
sacerdotal. Mas havia ali, também, 
na sua maneira de ser e estar, 
algo da bonomia açoriana.

Arsénio Puim
Para muitos de nós, ali em Bambadinca, no pior setor do leste da Guiné, marcado pela guerra pura e dura, a açorianidade era algo que nos era estranho e distante. Na minha CCAÇ 12, havia um furriel madeirense do Funchal. Os Açores não ficavam na rota dos novos “navios negreiros” que, desta vez, em sentido inverso, levavam para a Guiné “carne para canhão”. 

O Puim foi dos primeiros açorianos que eu conheci.  E foi um lídimo representante do melhor que o povo açoriano tem, a começar pelo seu amor à liberdade, à verdade e à justiça. Mas não me lembro de alguma vez ter falado com ele da sua vida pessoal ou dos seus Açores.

"En passant",  havia companhias madeirenses e açorianas, no TO da Guiné, unidades homogéneas na sua composição: as praças eram "ilhéus", em geral enquadradas por "contimentais". Por razões, dizia-se, que eram de natureza "economicista", mas eu sempre desconfiei que o exército sabia que o "terroir", o chão, a geografia, o "caldo de cultura", também talhava os homens de maneira diferente, do mesmo modo  que produzia diferentes vinhos, com diferente "corpo e alma" … Sim, porque os vinhos também têm alma...

Curiosamente, o Puim não fazia gala da sua condição de açoriano, nos seus contactos com a população civil.

(2) Afinal, o alferes miliciano 
capelão Puim era mais capelão 
do que militar. Era, aliás,  
o mais civil, o mais paisano, 
de todos nós.

Nunca o vi armado, nas colunas logísticas, quando se deslocava, com frequência,  entre a sede do batalhão, em Bambadinca, e as unidades de quadrícula (Xime, Mansambo, Xitole) e os seus diversos destacamentos (Enxalé, Missirá, Ponte dos Fulas)… 

Ou quando se deslocava a Bafatá, o único ponto do interior onde havia um cheirinho de civilização e onde ia confraternizar com os missionários italianos do PIME (o Pontifício Instituto para as Missões Exteriores). 

Mesmo fardado, via-se que não fora talhado para a tropa. E muito menos para a guerra, com o seu cortejo de violência(s), que atingia(m) tanto os combatentes como as 
opulações de um lado e do outro.
Horácio Fernandes

Tínhamos uma certa deferência para com os médicos e os capelães, se bem que capelão militar fora ele  o único que eu conheci. Confesso que não me lembro, em Bambadinca, do meu primo Horácio Fernandes (o seu bisavó e a minha bisavó, do clã Maçarico, nascidos por volta de 1860,em Ribamar, Lourinhã, eram irmãos)...

Havia falta de médicos e capelães, no teatro de operações da Guiné. Mas os médicos, ao que parece, faziam mais falta, tanto no mato como no Hospital Militar de Bissau, o HM 241 (que, feliz e infelizmente ao mesmo tempo, foi um a grande escola para os jovens médicos mobilizados para a Guiné).

À época, havia já em curso um tendência para a  descristianização da juventude portuguesa, ou pelo menos, um crescente desapego de práticas religiosas como o ir à missa.   O Puim tinha consciência disso e sabia que o seu papel de “padre da Igreja no Exército”  “não era fácil nem isenta de contradições numa situação de guerra”.

(3) Quando regressei a casa, 
em março de 1971, ele ainda lá 
ficaria dois escassos meses,
 em “imbecilburgo”, como eu chamava 
à nossa pobre Bambadinca, 
mas já com bilhete marcado 
para a metrópole. 


Walther P38, de fabrico
alemão.
Cortesia de
Wkimedia Commons

Era uma questão de oportunidade, dizia-se à boca pequena. Também teria ele a sua “noite das facas longas”, como os pobres cães vadios que um dia abatemos um a um, com tiros da tenebrosa Walther da Wehrmacht nazi, em correrias loucas na parada, porque não nos deixavam dormir, aos operacionais de Bambadinca...


Só nos voltámos a ver, eu e o Puim,  38 anos depois, em 24 de maio de 2009, na casa dos seus filhos, na altura estudantes universitários, um no Técnico, outra na Nova. E confirmei essa impressão inicial: continuava a ser um homem calmo, sereno, sábio, sem uma única ruga de rancor ou amargura, muito menos, ódio,  pelos seus "inimigos" (, uma palavra que nunca lhe ouvi). 

Já não era padre, em 2009, ou melhor, era pai de dois rapazes e profissional de saúde,  era enfermeiro, em Ponta Delgada.


(4) Na época, em 1970/71, 
altura em que convivemos 
em Bambadinca, ele tinha 
já dez anos a mais do que nós, 
e portanto, outra maturidade. 
Antes de vir para a Guiné, 
enquanto se formava o batalhão, 
esteve na Serra do Pilar, 
no RAP2 - Regimento de 
Artilharia Pesada 2, 
em Vila Nova de Gaia. 


V. N. Gaia, Serra do Pilar > RAP2 >
Foto de António Tavares (2015)

E aí houve uma função de capelania que o marcou: empilhavam-se os caixões, vindos do ultramar, com os restos mortais de militares naturais do Norte.

Nessa altura, ele realizou mais de 60 cerimónias religiosas, por todo o Norte, acompanhando os nossos camaradas mortos até à sua última morada, confortando o padre local, as famílias e as comunidades locais, num ambiente de grande consternação e  comoção.

Ainda em 2009, confessou-me, não conseguia esquecer essas emoções fortíssimas de dor e de luto, o odor característico dos féretros que vinham, teoricamente, chumbados, hermeticamente fechados, mas alguns apresentavam fissuras, ruturas, e exalavam um cheiro enjoativo, empilhados na grande sacristia, mal iluminada, da igreja do Pilar

“Foram mais de 60 funerais que fiz nestes três meses - 2 ou 3 deles apenas as caixas dos ossos - nas mais diversas e recônditas aldeias do norte de Portugal. Um sacrifício dramático da nossa juventude, merecedor de muito respeito e dignidade, mas que não podia deixar de fazer pensar qualquer pessoa” – escreveria mais tarde, num os postes da sua série "Memórias de um alferes capelão", publicada no blogue.

(5) Nesse longo fim de semana, 
falámos várias vezes ao telefone 
e encontrámo-nos uma vez… 
Era um domingo. 


Ele explicou-me como é que chegara a capelão… Disse-me que fora contra a sua vontade, mas teve que obedecer a uma ordem do seu bispo, como  acontecia em todas as dioceses...  A capelania militar era uma forma cínica mas airosa dos bispos se livrarem, por uns tempos, dos seus padres mais incómodos… Recorde-se que o ambiente já era do pós-Concílio Vaticano II...

Dado o seu nome à Cúria Castrense, veio parar ao Continente.  Na Academia Militar, ali à Rua Gomes Freire, em Lisboa, vai frequentar o 3º curso de capelães militares, entre 22 de setembro e 25 de outubro de 1969... O total de participantes foi de 59… O Mário de Oliveira tinha frequentado o 1º e seguira para a Guiné, ao serviço do BCAÇ 1912.  

“Tirado à sorte” (sic), coube ao Puim  o BART 2917 e a Guiné... 

Esse 3º curso de capelania militar não foi, contudo, pacífico:   ao que parece, terá havido “contestação do sistema” por parte de alguns capelães... No fundo, angústia e perplexidade sobre o papel do padre no seio das forças armadas, em plena guerra colonial, cuja legitimidade já era posta em causa por alguns… 

E essa contestação terá sido liderada pelos açorianos, entre eles o Arsénio Puim, um homem que de resto, enquanto cidadão e como cristão, nunca escondera que lutava pela liberdade e pela justiça... Não altura, ele não me falou que tinha já ficha na PIDE/DGS, por ter apoiado a candidatura da CDE – Comissão Democrática Eleitoral, nos Açores, donde constava, entre outros, o nome do então cap Melo Antunes, casado com uma açoriana. (Não chegaria a apresentar-se a escrutínio, por oposição da hierarquia militar à presença do seu nome.)

Podia-se ter ficha na polícia política pela simples suspeita de se ser do "reviralho", da "oposição" ou "contra a situação". E, para mais, um padre, um pastor de almas, numa época em que a Igreja começava a apresentar fissuras no seu bloco de apoio ao regime e à guerra colonial. Ser catalogado de "católico progressista" começava a ser perigoso, ou no mínimo suspeito, e como tal inconveniente… 

(6) Dei-lhe, ao Puim, nesse domingo, 
um longo e sentido abraço,   
retomando um contacto 
de há quase 4 décadas atrás... 


Capela de Bambadinca, em segundo plano.
Foto de Benjamim Durães (2010)
Por mor da verdade, devo dizer que, em Bambadinca, não éramos  íntimos: eu não ia sequer à missa, tal como o Machado, mas o Machado (, o “Machadinho”)  às vezes ainda dava uma ajuda  ao Puim, tocando o órgão na capela de Bambadinca…

E depois havia a segregação socioespacial própria da tropa: ambos vivíamos (quero dizer, eu às vezes dormia…),no edifício do comando de Bambadinca, em U, mas separados: ele na ala dos oficiais, nós na ala dos sargentos… Ele entrava no bar de sargentos, eu nunca pus os pés na messe de oficiais, nem por bons nem por maus motivos.

Não posso, por isso, testemunhar a importância do seu papel na assistência religiosa e no apoio psicológico, moral e espiritual aos militares  do setor L1 (Bambadinca). Sei que esse papel foi-lhe requerido em momentos difíceis do batalhão como, por exemplo, na sequência da Operação Abencerragem Candente, no subsetor do Xime, em que perdemos 6 camaradas, e 9 foram gravemente feridos, em 26 de novembro de 1970. O Puim ajudou os camaradas do Xime, da CART 2715, a fazer o luto. Mas essa companhia nunca mais foi a mesma, a começar pelo jovem capitão, O Vitor Amaro dos Santos.


(7) Sei que era uma pessoa querida 
entre os homens do batalhão 
e subunidades adidas (como era 
o caso da minha africana CCAÇ 12), 
com uma presença discreta 
mas frequente nos quartéis 
do mato. 


CCAÇ 12, 2º Gr Comb, c. 1969/70.
Foto de Humberto Reis (2006)
Não me lembro de o ter visto muitas vezes nos nossos ruidosos convívios no bar de sargentos de Bambadinca, onde se bebia, cantava e jogava-se à lerpa  até às tantas… Onde se bebia, às vezes demais, se praguejava, se diziam obscenidades, se invetivava Deus e o Diabo, e até se cantavam ou cantarolavam “canções proibidas” à média luz… Não faltavam violas nem vozes… (No outro lado, cantava-se o fado,  jogava-se o bridge, havia senhoras, o ambiente era de ordem, decoro e respeitinho…)

O ambiente do mal afamado bar de sargentos de Bambadinca (que às vezes era extensiva ao “Bataclã” de Bambadinca, fora do arame farpado…)  não deveria ser muito do agrado do comando do batalhão. Mas tinha que nos gramar, aos operacinais da CCAÇ 12, porque éramos nós (e os Pel Caç Nat 52 e 63), quem lhes defendia as costas e fazia os "roncos"... De qualquer modo, o Puim não era de noitadas nem muito menos de tainadas, pautando o seu comportamento por um padrão de isenção, frugalidade, imparcialidade, austeridade e até de pudor. 

Guiné 61/74 - P20956: Os nossos seres, saberes e lazeres (391): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
Antes de passar um dia movimentado em Herculano, tomou-se um comboio até Caserta, escassas dezenas de quilómetros de Nápoles.
Quando acabou o vice-reinado espanhol iniciou-se um tempo de Bourbon, que se irá prolongar até à unificação italiana. O que sobressai deste tempo é que se perdem as ligações ao passado, percorre-se estes aposentos reais e o testemunho tem um único nome: o esplendor do barroco, não há aqui quaisquer vestígios de outros estilos e, como toda a gente sabe, Nápoles tem uma poderosa herança greco-romana, presença bizantina, aragonesa, espanhola, este edifício do palácio real é de um classicismo puro no seu exterior e foi concebido para esmagar o visitante, havia dinheiro a rodos para aqui se ter deixado 1200 quartos.

Um abraço do
Mário


Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (3)

Beja Santos

A visita ao Palácio Real de Caserta, a residência dos Bourbon fora de Nápoles, tinha em mente descobrir se no período faustoso destes reis que aqui governaram até à unificação italiana, com interregnos como aquele que foi imposto pelo período napoleónico, havia o sentimento de herança da outra Nápoles. E não há, estas imagens que se seguirão ilustram um fausto e uma magnificência onde prima o barroco e o academismo. Até então, Nápoles era uma capital de cultura ambivalente, espanhola e oriental, a música anterior ao fausto barroco é elucidativa, ficou-nos um repertório musical de enorme riqueza onde avultam influências francesas, litúrgicas, aragonesas, espanholas. Os Bourbon chegam ao reino de Nápoles em 1734, com Carlos III, ele trazia a ambição de transformar Nápoles numa cidade altamente influente. Reduziu a construção de igrejas e lançou-se nas obras públicas e nas indústrias. Para a edificação de Caserta inspirou-se em Versalhes. Estamos no tempo em que a aristocracia europeia viaja para outros territórios, para conhecer os fundamentos do Humanismo, iniciava-se o Grand Tour, que atraía viajantes e artistas, o romantismo vem a caminho.





O viandante optou pela viagem mais económica, cingiu-se aos apartamentos reiais do século XVIII, deixou para a próxima a visita ao teatro e aos jardins. O que vai sempre intrigar o viandante é que esta pomposidade é de chão, paredes e teto, vinha à espera da exuberância das artes decorativas, da pintura mural. Carlos III era riquíssimo, tinha uma fábrica de porcelana, era protetor das artes, os Bourbon vão estar associados a realizações arquitetónicas de grande distinção, como o Teatro de S. Carlos (o nosso, dizem os entendidos, é uma réplica), não esquecer que Nápoles e Veneza eram consideradas as pátrias da ópera cómica italiana, mas também o Palácio de Capodimonte, para além de outros projetos urbanos. Apaixonado pelas antiguidades, inspirou o colecionismo e a criação do Museu Arqueológico de Nápoles, indiscutivelmente um dos mais importantes do mundo. Pois o que surpreende é esta magnificência nua, houve alguém que levou os tesouros. Fizeram-se perguntas, não se obtiveram respostas.




São salões deslumbrantes, os frescos dos tetos valiosíssimos, como se viu atrás, a Grande Escadaria está posicionada de um lado para não interromper a esplêndida vista da entrada principal para o parque. Escreve-se nos guias que Carlos III sabia o que queria – emular os seus modelos preferidos, o Buen Retiro em Madrid e Versailles em França. O arquiteto Vanvitelli inspirou-se no edifício madrileno e assentou uma estrutura quadrangular. O piso térreo inferior alberga um museu e no andar superior somos confrontados com estes dourados faiscantes. Na imagem seguinte temos berços da época império, Napoleão impôs a Nápoles Carolina Bonaparte e o gosto pelo estilo império continuou mesmo depois da deposição do imperador.




Finda a visita aos apartamentos reais, deparou-se uma exposição intitulada “De Artemísia a Hackert”, a coleção privada de um colecionador-antiquário com escritórios em Londres, intitulada Lampronti Gallery. Cada um tem os seus gostos, não se discute a riqueza da coleção Lampronti, mas o que impressionou o viandante foram as obras de Canaletto, Bellotto e Guardi, o tema Veneza suscita-lhe sempre o gosto pela contemplação, foram grandes mestres na arrumação da tela, no primor dos detalhes, na animação daquela vida quotidiana, génios na captura das cores, tão impressivos que podemos hoje percorrer Veneza e detetamos facilmente o que já vimos nos espantosos trabalhos destes pintores imortais.




À saída de Caserta apanhou-se um teto pintado numa invulgar sobriedade, até parece um tema próprio da cartela de um tapete, cores suaves, contornos lânguidos. À saída alguém declamava entusiasticamente louvores ao parque de Caserta, ao jogo de água a fluir culminando na grande cascata. No que toca ao viandante, fica para a próxima visita, mas é justo que se aguce o apetite a quem gosta de belos jardins, com efeitos incríveis de piscinas e de fontes decoradas. Aqui fica a imagem para entusiasmar os futuros visitantes.



(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 2 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20931: Os nossos seres, saberes e lazeres (388): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 5 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20942: Os nossos seres, saberes e lazeres (389): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (5) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

Guiné 61/74 - P20955: (In)citações (149): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte V: lembranças do capelão do BART 2917 (Beja Santos)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambinca > CCS/ BART 2917 (1970/72) > O Mário Beja Santos, cmdt do Pel Caç Nat 52, em fim de comissão, junto ao edifício de comando, messe  e instalações de oficiais. Era aqui o quarto do médico e do capelão... (Do lado esquerdo, eram as instalações dos sargentos; o edifício em U fora construído pela Engenharia Militar, BENG 447, ao tempo do BART 1904 (, que será substituído pelo BCAÇ 2852, 1968/70)... O Beja Santos, que esteve em Missirá, conheceu estes 3 batalhões).

Arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Lembranças do capelão do BART 2919

por Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70)

Arsénio Puim. Foto do cmdt da CCS / BART 2917,
Cap Art Gualberto Magno Passos Marques,
Convivi com três batalhões, dependi sempre das respetivas CCS, tudo que tinha a ver com cimento e arame farpado, tratamentos de enfermaria, visitas do médico ao Cuor, ou doentes do Cuor à consulta médica, manutenção de viaturas, pagamentos à tropa (caçadores nativos e milícias), munições, caixas com bacalhau e barricas de pé de porco, tinha que ser tratado com o respetivo comandante ou seu substituto. 

Comecei com o BART 1904, até setembro de 1968, com o BCAÇ 2852, até maio de 1970, e até fins de julho com o BART 2919. 

Tivemos vários capelães de passagem, dormiam no quarto com o médico, a recordação mais bizarra que conservo eram as discussões fora de horas entre o Dr. Vidal Saraiva e o capelão, tudo aos gritos, dizia o médico que Deus não existia, pois se existisse não consentiria naquela carnificina. Gritavam um com o outro, o Vidal Saraiva atirava violentamente com a porta e vinha queixar-se para outros quartos, amainava com um copo de uísque e retirava-se com uns livros do Tio Patinhas.

Isto tudo para explicar que tenho fugazes lembranças do Arsénio Puim, era muito comedido nas suas homilias, muito reservado na messe, nós tínhamos um tema em comum que eram os Açores, originário da Ilha de Santa Maria, devo tê-lo aborrecido a contar as peripécias com um pelotão de marienses que apareceu nos Arrifes, não puderam ir passar o Natal de 1967 com as famílias, procurou-se colmatar o desgosto organizando uma festa em que houve imensa participação de gente amiga, assim se amainou a saudade daqueles jovens que passavam o primeiro Natal longe de entes-queridos. 

Guardo as melhores lembranças do batalhão recém-chegado. Ciente de que estava a atingir 24 meses de comissão, e já num estado físico pouco lisonjeiro, o tenente-coronel Domingos Magalhães Filipe deu-me como prato de substância o apoio aos trabalhos do alcatroamento da estrada do Xime, entre Amedalai e Ponta Coli, um non-stop das cinco da manhã às cinco da tarde e as noites horríficas na ponte do rio Undunduma, a título excecional aquele trabalho árduo que era a organização das colunas de Bambadinca ao Xitole, onde íamos com a CCAÇ 12.

Nos 84 anos do Arsénio Puim, posso dizer que lhe desejo uma longa vida plena de alegrias, que lhe estou grato pelo conforto espiritual que me ofereceu, tanto não o esqueço que tenho procurado enviar-lhes correio eletrónico e que bom seria que ele viesse à liça, que nos deixasse as suas memórias, pois só dispomos de testemunhos raros e de um modo geral fragmentados, ponto curioso é que muitos de nós não os esquecemos, há testemunhos tocantes de capelães que suavizaram a vida de quem penava nos confins do mato e carecia de arrimo religioso. 

Será muito bem-vindo tudo quanto o Arsénio Puim escrever das suas lembranças em Bambadinca e arredores. E, Arsénio, receba um abraço muito afetuoso do Mário Beja Santos
_____________

Nota do editor: