sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21854: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (38): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Janeiro de 2021:

Queridos amigos,
As semanas passam, a vida profissional destes dois cinquentões é intensa, ocupam-se muito um do outro, estão a aprender a mitigar a distância, a vida de intérprete tem aspetos aliciantes, passeia-se um pouco por toda a Europa, gera um sentimento nómada onde não falta a saudade de regressar ao ninho, no caso dela; ele tem o dia todo ocupado, é funcionário público, desdobra-se na escrita, dá aulas, preserva uma certa vida social, também tem falta de regressar ao ninho, são as leituras, a doçura do ambiente, rodeado de fotografias e de pequenos objetos de arte. Correspondem-se, ela chamou a si o trabalho de organizar a comissão da Guiné dele, já se sonha com o romance, Rua do Eclipse, imagine-se, ele falou do título numa roda de amigos, houve quem ficasse intrigado, o que é que tinha a ver os tiroteios da bolanha e a vida de tabanca com o tal eclipse? Tudo se explicou e houve mesmo gente que aplaudiu a solução imaginativa de voltar ao passado com uma história de amor. Mas mesmo nessa mesma roda de amigos houve quem ficasse de boca à banda quando ele revelou que havia para ali dois romances, e que mais importante que pôr tudo em papel e trazer de volta a guerra da Guiné, acontecera que essa mesma guerra da Guiné espoletara uma bela história de amor, que aqueles dois, que se tinham conhecido numa conferência, já não podiam viver um sem o outro, acreditassem ou não era uma relação que gerara um eclipse total.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (38): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Mon adorable Paulo, conversámos longamente ao telefone (e como foi bom para mim!), antes de partir para Viena, onde fui trabalhar numa conferência de dois dias referente aos doadores que apoiam projetos em África, Caraíbas e Pacífico. Momentos houve das exposições de responsáveis de projetos que me deixaram o coração contrito, ressurgem ditaduras, a impressionante corrupção das cliques à volta dos dirigentes totalitários, o desvio de fundos destinados a projetos de bem-estar para as contas desses dirigentes. Dentro e fora da cabine de interpretação, recordava as nossas conversas sobre as desditas da Guiné-Bissau, com os seus elefantes brancos, as sórdidas negociações com as duas Chinas, a ver quem dá mais, a riqueza dos dirigentes graças a apoios à agricultura, os atropelos e manigâncias perpetradas por um antigo valoroso líder militar que não se coibiu de meter as mãos no erário público e encher os bolsos. Numa das noites, a organização da conferência ofereceu-nos bilhetes para a Ópera de Viena, foi um espetáculo memorável, representou-se O Navio Fantasma, com interpretações de luxo. Mas na noite da chegada dediquei-me de alma e coração a organizar toda a cronologia dos tais meses de julho a novembro de 1969, que tu designas por um dos períodos mais ásperos da tua comissão na Guiné. Se em junho tenho o registo de três pequenas flagelações, a de 15 de julho, como tu escreves, teve um início brutal, foram todos apanhados de surpresa, mas a reação foi pronta, pouco depois de meia-hora o fogo da guerrilha esmoreceu, e durante horas ouviam-se tiros à distância, significava gente desaparecida ou desorientada ou gravemente ferida ou morta. Como se comprovou na manhã seguinte, a força hostil tivera um desaire. Tu tiveste no início do mês em Bissau, foste testemunha abonatória do tal cabo da milícia que deixara fugir um prisioneiro, no regresso deixaram-te em Nova Lamego e tiveste conhecimento de que havia flagelações com uma arma nova a que chamavam foguetões. Não deixei de sorrir com a descrição que tu fazes de um jantar a bordo de uma lancha, por convite do comandante Teixeira da Mota, um jantar quase cerimonioso, mas cá fora havia uma gritaria imensa de gente que experimentava as armas e que não se coibia de um bom palavrão – soubeste mais tarde, por aerograma enviado por Teixeira da Mota que eram fuzileiros que partiam de madrugada para um local da região do Xime onde irás várias vezes. Nessa flagelação de 15 de julho, também houve revezes do vosso lado, uma roquetada entrou pelo teto da casa de Quebá Soncó, as vigas aluíram e Nhamô, uma das mulheres de Quebá perdeu um braço na derrocada, tu guardas uma fotografia de braço dado com ela no dia em que foram ao Enxalé, voltarás a visitá-la na tua estadia em 1991. Registas também que o PAIGC estava muito ativo na região de Ponta Varela, na outra margem do Geba e a uma boa distância de Mato de Cão, vinham depois as embarcações civis altamente danificadas e as pessoas não escondiam o terror vivido.

Meu adorado, nunca imaginei o que era um tornado, as mudanças que tu notavas no céu, os relâmpagos, o lusco-fusco, e depois um dia de tons elétricos, guardei para mim e naturalmente que ficou registado o que tu escreveste, estavas a ver o tornado no fundo da bolanha de Finete á espera de cambar o rio Geba:
“Com ronco, ergue-se um redemoinho sobre o cais de Bambadinca e saltaram as primeiras chapas dos telhados. Do céu escuro estalavam mais relâmpagos, viam-se os animais a fugir, e depois as árvores de diferente porte a quererem desprender-se pelas raízes. Os militares no cais gritavam a pedir a clemência de Deus ou, espavoridos, fugiam para dentro dos armazéns. Os civis afastavam-se das árvores, certamente com medo dos raios. Do lado de cá do Geba, Bambadinca estava espetral: formavam-se e desapareciam os redemoinhos, as águas saltavam o cais, os arbustos voavam, as crianças fugiam, os adultos procuravam dar-lhes proteção. Estávamos a ser recebidos por um desses tornados que tornam o dia noite, que destroem casas, revolvem as florestas, despedaçam os bissilões, os poilões, o pau-de-cabaceira e o pau-de-mandjandjan. E de repente tudo se aquietou, como se a natureza estivesse cansada daquele grande grito da revolta, dos soluços e das imprecações dos sofredores”.

Registo patrulhamentos no Cuor, recebeste em estágio um pelotão de uma nova companhia africana. Naturalmente, amor da minha vida, solucei com a descrição daquela horrível noite de 3 de agosto em que numa emboscada noturna um dos teus colaboradores te chamou branco assassino por teres fogueado mortalmente o que se veio a descobrir ser uma mulher, e tu escreves que foi uma noite que mudou a tua vida. Esse mês de agosto foi um mês duríssimo, tu foste encontrar elementos em cartas que dirigiste a familiares e amigos. E recebeste a nota de punição, mesmo depois do teu recurso eram mantidos dois dias de prisão simples por “tendo sido chamado à atenção pelas deficientes condições de defesa e limpeza do seu aquartelamento, não ter dedicado o máximo do seu interesse à resolução de tais problemas”, percebe-se perfeitamente o grau de humilhação. Eu peço-te para ficarmos por aqui, temos neste momento inventariado todo o primeiro ano da tua comissão, desembarcaste em 29 de julho de 1968 e interrompo a 4 de agosto de 1969, isto para dizer que ainda há acontecimentos funestos, muito funestos, a contar, até à vossa partida para Bambadinca, em novembro.

Paulo, regressei a Bruxelas, cheguei a casa e era um tumulto pela tua falta, tumulto quer dizer inquietação, a minha vida sem sentido quando tu estás ausente, a minha cabeça sempre a girar, a recordar o que era a minha vida sem ti, como daquela curiosidade com que tu chegaste para me pedir ajuda e a transformação que se operou. Jean-Luc, como tu sabes, trabalha com um contrato precário, é aquilo que hoje se chama um mileurista, é uma expressão em voga para quem aufere à volta de mil euros, e o meu filho precisa da ajuda dos pais. Convidei-o para jantar ontem, está aborrecido com o que faz, é uma perfeita sensaboria, tirou habilitações universitárias para viver de um trabalho rotineiro, sem nenhuma chama. Fala em emigrar, para uma mãe é mais uma inquietação.

Paulo, vê se vens depressa, eu bem contrario estes pensamentos negros, procuro trazer à memória o que de melhor há na nossa vida conjunta, o conforto praticamente diário dos teus telefonemas, dos teus mails, dos subscritos com papéis da guerra, aerogramas e fotografias. Espero que percebas o meu desabafo, às vezes a tua ausência é-me insuportável. Foi o caso de hoje, foi um dia de trabalho excecional, compareci logo de manhã a uma reunião entre a Europa e a Coreia do Sul num dos edifícios da Comissão no Rond-point Schuman, já em direção ao Parque do Cinquentenário, de que tu gostas tanto. Ainda não eram quatro horas e a reunião terminara, europeus e asiáticos felizes por terem chegado a acordo quanto a novos termos de cooperação. Eu pensava desesperadamente em ti, meti-me no carro e lancei-me numa romagem de saudade. Primeiro fui a Laeken, sei muito bem que tu gostas das Estufas Reais, por ali me passeei. Escurecia quando vim até à Praça Real e pus-me a olhar o Museu Magritte, que tu tanto gostas, e depois prossegui até Ixelles, parei o carro e pus-me defronte do museu de que ambos gostamos tanto. Regressei a casa pela Avenida Louise, não sei se te recordas mas não muito longe da Universidade Livre há uma escultura que uma vez tiraste uma fotografia e que chama A Fénix, estavas muito contente quando regressaste ao carro disseste-me que eu era a tua fénix renascida, e renascida para todo o sempre, não sei o que te deu mas desataste a beijar-me, e eu com aquele sentimento ambivalente do teu toque de paixão e o meu convencionalismo de ver as pessoas passar na rua e a olharmo-nos, um tanto perplexas, como se o mais importante não fosse o tu me quereres, esqueci-me da minha idade e entreguei-me ao teu ardor como uma adolescente irrequieta, na idade das descobertas.

Para te dizer o quê, Paulo? Que te amo, que há momentos em que esta ausência é um escuro vazio que não sei aplacar, e pergunto-me se não seria melhor vivermos ao menos e eu ir para o pé de ti. Depois destes rompantes, arrefeço e tomo consciência de que estamos a agir bem, e sei perfeitamente que tu estás ansioso de voltar para o local do teu romance, aquele título que tu adoras, e naquele espaço onde nos entregamos, a Rua do Eclipse. Bien à toi, Annette.
A Escultura “Fénix 44″ d'Olivier Strebelle, Avenida Louise, Bruxelas
Pormenor das Estufas Reais de Laeken, Bruxelas
Detalhe do Museu Magritte em Bruxelas
Visita animada a uma exposição no Museu d’Ixelles, Bruxelas
Mapa da África Ocidental, 1901
Mapa histórico da Senegâmbia em 1707
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21823: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (37): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21853: Álbum fotográfico de António Marreiros, ex-alf mil, CCaç 3544, "Os Roncos", Buruntuma, 1972, e CCaç 3, Bigene e Guidage, 1973/74 - Parte IV: Crianças de Buruntuma

 

Foto nº 1


Foto nº 2


 Foto nº 3

Foto nº 4


Foto nº 5


Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > CCAÇ 3544, "Os Roncos de Buruntuma" > 1972 > População local.

Fotos (e legenda): © António Marreiros (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem de camarada António Marreiros [ a viver há quase meio século no Canadá (Victoria, BC, British Columbia), ex- alferes miliciano em rendição individual na Companhia CCaç 3544, "Os Roncos", Buruntuma, 1972, e, meses depois, transferido para Bigene, CCaç 3, até Agosto 1974]:

Date:  domingo, 31/01/2021 à(s) 20:38
Subject: Álbum de fotografias: Crianças de Buruntum

 Olá, amigos,

As notícias que me chegam de Portugal são tristes e preocupantes. Aqui também não está risonho e temos de continuar vigilantes por muito mais tempo do que era previsto!

Como está de chuva e não posso ir procurar trabalho no quintal , venho enviar mais fotos, desta vez imagens de crianças em Buruntuma .

Desde 2015 que participo com o Plano Internacional  na campanha de desenvolvimento e ajuda a crianças na área do Gabu. Por razões de segurança eles nunca revelam exactamente o lugar onde a criança mora.

Recentemente fui informado que esta organização não tem tão grande reputação junto da população como eu esperava e isso deixou-me surpreendido e desapontado. Vou tentar saber mais.

Cuidem-se e até à próxima colecção!

Um abraço
A. Marreiros

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21784: Álbum fotográfico de António Marreiros, ex-alf mil, CCaç 3544, "Os Roncos", Buruntuma, 1972, e CCaç 3, Bigene e Guidage, 1973/74 - Parte III: População de Buruntuma, 1972

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21852: Manuscrito(s) (Luís Graça) (197): Para um especial aniversariante do dia, o luso-lapão José Belo, régulo da Tabanca de Um Homem Só


Para o luso-lapão Joseph Belo,  especial aniversariante do dia

por Luís Graça

Ó régulo da Lapónia,

Tamanha escuridão

E tão grande solidão,

Fazem mal às cachimónias.

 

Fazem mal às cachimónias,

Tal como o confinamento,

E eu saio ou rebento,

Que de noite tenho insónias.

 

E tão grande solidão,

Ó exilado de guerra,

Já esqueceste a tua terra,

Ó Belo, luso-lapão!

 

Com tamanha escuridão,

Até confundes as renas

Com as malditas hienas,

A rondar o casarão.

 

Ó régulo da Lapónia,

Estamos os dois confinados,

E ainda não vacinados,

Na nossa santa parvónia!

 

Da Lourinhã para a Lapónia

Em dia de anos do régulo da Tabanca de Um Homem Só, 

4 de fevereiro de 2021,


Luís Graça

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Nota do editor:


Último poste da série > 9 de janeiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21753: Manuscrito(s) (Luís Graça) (196): Parabéns, Cristina Silva, filha do Jacinto Cristina, um dos bravos da Ponte Caium... Que as filhas dos nossos camaradas, também nossas filhas são...

Guiné 61/74 - P21851: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (6): A web câmera, em tempo real, de Karesuando, a localidade mais ao Norte da Suécia e na área da minha casa, município de Kiruana: o pior confimamento... é o da noite escura de 24 horas (José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia)



Fotograma nº 1 

Suécia > Kiruna > Karesuando > A web câmera, em tempo real,  que fica mais a Norte da Suécia, na fronteira com a Finlândia...na área da casa do José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia. Fotograma obtido ontem às às 22 horas 19 minutos e 28 segundos. Amanhã amanhece às 7h28 e anoitece às 16h02...



Fotograma nº 2

Suécia > Kiruna > Karesuando > A web câmera, em tempo real,  que fica mais a Norte da Suécia, na fronteira com a Finlândia...na área da casa do José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia. Fotograma obtido hoje  às às 11 horas 49 minutos e 31 segundos, locais. Do lado direito, na ponte sobre o rio Muonio, gelado, vê-se uma viatura que me pareceu ter derrapado no gelo... Só passado um bocado o condutor retomou a marcha. 

A manhã amanheceu às 7h28 e vai anoitecer às 16h02, diz o "me(n)teorologista"...



Fotograma nº 3

Suécia > Kiruna > Karesuando >  Fotograma obtido hoje  às 13 horas 39 minutos e 38 segundos, locais.  P...!, que já é noite. Acabou o turno de sentinela... E não vivalma!... E eu pensar que tinha descoberto o passatempo divertido para o resto dos meus dias... de confinamento!



Fotograma nº 4

Suécia > Kiruna > Karesuando >  Fotograma obtido hoje  às 15 horas 14 minutos e 16  segundos, locais.  Bolas,  que já é noite!...  O tom da foto agora é azulado, que estranho!...E continuo a  não ver ninguém a atravessar a ponte...




Fotograma nº 5

Suécia > Kiruna > Karesuando >  Fotograma obtido hoje  às 15 horas 53 minutos e 40  segundos, locais.  Os finlandeses já acenderam as luzes...  Não vi luz do dia nenhuma... muito menos gentes a atravessar a ponte... E até nem faz muito frio: só menos 6 graus...


Fotograma nº 6

Suécia > Kiruna > Karesuando >  Fotograma obtido hoje  às 16 horas 11 minutos e 41  segundos, locais.   Heureca!, está passar um carro na ponte, de faróis acesos!.. Quem será ?...  E a noite é cada vez mais noite... A partir daqui a web câmera passou a dar só imagens a "preto e branco"... Devem estar na "poupança"..., 



Fotograma nº 7

Suécia > Kiruna > Karesuando >  Fotograma obtido hoje  às 16 horas 44 minutos e 53 segundos, locais, mais uma hora que a nossa. Há mais movimento agora; vi mais um ou dois carros... E um "motoqueiro" veio dar umas voltinhas na "pista de gelo"... Entrou e saíu por debaixo da ponte...


Karesuando   é a localidade mais a norte da Suécia, localizada na margem direita do rio Muonio, que constitui a fronteira com a Finlândia. Pertence ao município de Kiruna, condado de  Norrbotten,  ou Bótnia Setentrional (, território com 14 municípios, tão grande como Portugal, mas apenas com 250 mil habitantes; capital: Luleä). É na cidade de Kiruna que  o Zé Belo vai comprar as "rações de combate"... 

Kiruna (cidade e município) tem cerca de 23 mil habitantes, (menos que o concelho, atlântico, que tem 26 mil). E vivia, desde 1900,  sobretudo das suas famosas minas de ferro. Tem ligação rodoferroviária e aérea com o resto do mundo...Por aqui passa a estrada europeia E10. Isto significa que, mesmo a quase 5 mil quilómetros de distância, podemos lá ir direitinho, um dia destes, beber um copo com o régulo da Tabanca da Lapónia.

Karesuando, por sua vez,  tem apenas  280 habitantes.  Do lado finlandês, Karesuvanto tem cerca de 140 habitantes. As duas localidades gémeas estão ligadas por uma ponte, construída em 1980. A zona circundante foi palco de violentos combates entre alemães e finlandeses em Dezembro de 1944, na Segunda Guerra Mundial. (Fonte: Wikipedia).


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)



1. Mensagem do José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia:
 
Date: terça, 15/12/2020 à(s) 00:36
Subject: A web câmera mais ao Norte da Suécia e na área da minha casa 

Camarada:

Como julgo teres interesse nestas curiosidades exóticas,  aqui segue instrucäo para acederes à web câmera de Karesuando, no município de Kiruna.

A maneira mais fácil é escrever esta frase [ou carregar no link]

Välkommen till Karesuando,sveriges nordligast kyrkby  


[Em português, leia-se: "Bem-vindo a Karesuando, a aldeia-igreja mais ao norte da Suécia"... e onde, para este fim de semana, o nosso editor LG não conseguiu arranjar um hotelzinho...] 

Depois de carregar no título acima, tens entrada na página local. Na coluna da esquerda,  e sob as bandeiras [informação em inglês e alemão],  encontras 

Webbkamera


Carregando então na web câmara surgem duas alternativas,  mas só a última está a funcionar, ou seja:

Kamera mot Muonioälven och gränsbron mot Finland

 
[Em português: Câmera apontada em direção ao rio Muonio e a ponte fronteiriça,  em direção à Finlândia]
 
Esta câmara está a funcionar dia e noite.

É a ponte-fronteira com a Finlândia, e as luzes ao fundo são finlandesas. [Fotograma nº 1]

Com muita sorte (!!!)  durante as horas do dia talvez vejas passar algum camião ou carro [Fotograma nº 2], mas não se pode esquecer que nos próximos tempos [, o José Belo escreve em 15 de dezembro de 2020] é... sempre noite escura nas 24 horas.

Bem Vindo!

José Belo


A aldeia-igreja de Karesuando, Kiruna, Suécia...Deve distar quase 5 mil quilómetros da terrinha onde estou confinado por causa da maldita Covid-19... (LG)

Cortesia da menina do turismo de  Karesuando.



Suécia > Distância entre Kiruna (sede do município) e Karesuando, na fonteira. Um bom sítio para a gente fazer o próximo Encontro Nacional da Tabanca Grande, o primeiro da era pós-Covid.

Fonte: Cortesia de  Rome2rio

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de janeiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21820: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis"(5): Contra a Covid-19 e a pérfida caixinha de Pandora que vem sempre associada às pandemias, a palavra de ordem é: Confinemo-nos, sim, camaradas!... Mas não nos (con)finemos, ámen! (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P21850: FAP (122): Memórias que o tempo não apaga ou uma crónica de bons malandros! (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA)

Equipa de manutenção FIAT em 1967


1. Em mensagem de 31 de Janeiro de 2021, o nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69) fala-nos de:


Memórias que o tempo não apaga ou uma crónica de bons malandros!

A minha entrada na FAP foi registada em Maio de 1966 após rigorosa inspecção médica que me qualificou como apto para todas as especialidades da Força Aérea Portuguesa. Tinha então 17 anos de idade.
Após três meses como soldado aluno recruta, passei a integrar o GITE (Grupo de Instrução Técnica de Especialistas) que formou mais de 15.000 técnicos durante o período da Guerra do Ultramar.
A escolha de Especialidade dependia em primeiro lugar das qualificações académicas. Toda a gente tinha pelo menos o 5.° Ano do Liceu, ou o equivalente da Escola Secundária. Muitos já com o Curso Liceal concluído, o que quer dizer que em caso de "chumbo" fisico ou académico, iria tudo parar ao Exército, como Oficiais ou Sargentos Milicianos. Em caso de sonegaram habilitações académicas, era garantido que passariam ao Serviço Geral da FAP como Soldados, cumprindo apenas mais um ano de Serviço. Bastante estranho, uma vez que na FAP, todos seriam apenas e só 1.° Cabos Especialistas. A não ser que metêssem o "chico" de 1.° Cabo ninguém saía.

No meu caso, como tinha terminado recentemente o Curso Industrial na área de Tecnologia Mecânica, a escolha não foi dificil. As disciplinas eram-me quase todas familiares, exceptuando as aulas de aerodinâmica, motores, e dos sistemas hidráulicos, pneumáticos, pressurizantes etc.
Passado um ano, recebi o "meu canudo" de apto na especialidade MMA (Mecânico Material Aéreo) vulgo Mecânico de Aviões.
Como prémio pela minha boa qualificação de curso, foi-me concedida a primazia de escolher a Base Aérea onde iniciaria a minha actividade.
Como residente em Lisboa, a escolha teria que necessáriamente recair no AB1 em Figo Maduro :(Aeroporto de Lisboa)

O meu primeiro contacto com aeronaves foi assim como 3.° mecânico de bordo do DC-6.
Passados uns meses, recebi guia de marcha com destino à ZACVG (Zona Aérea Cabo Verde e Guiné)

Foi assim, que no dia 27 Setembro 1967, embarquei no DC-4 7504 Skymaster, com escala nas Ilhas Canárias e pernoita na Ilha do Sal.
A Esquadra de Tigres de Bissalanca e os Fiat's G-91 foram o meu destino a partir do inicio de Outubro 67 e até meados de 1969.
Assim, na minha curta passagem pela FAP, registei nas sucessivas décadas de operação, competentes Comandantes e Aviadores... homens de grande carácter com quem tive o privilégio de interagir.

Verificação do Pylon

Na FAP, ao contrário dos outros ramos das Forças Armadas, por força das circunstâncias, foi sempre previligiada a relação individual em detrimento do colectivo.
É, quanto a mim natural, que consoante as convivências nas diferentes décadas se tenham desenvolvido particulares simpatias e cumplicidades entre superiores e subordinados.
Nalguns casos, amizades que perduraram através dos tempos e ainda hoje se mantêm.
Como a vasta maioria, deixei a FAP, no terminus do meu contrato.
Muitos outros, com quem me cruzei, Militares de carreira por escolha e convicção prosseguiram até atingirem altas patentes e cargos de enorme relevância nos destinos do nosso país.
Mantenho contacto e amizades sólidas com alguns deles.
Cada um com a sua personalidade própria, rigorosos, todos eles! Afáveis alguns, outros nem tanto...
Afinal somos todos diferentes.

Alguns já não se encontram entre nós, como o
General Manuel Diogo Neto, por duas vezes meu Comandante na BA2 e BA12 já desaparecido.
O General Fernando Vasquez, meu Comandante de Esquadra, simbolo de correcção e tratamento tanto com os seus pares, como com subordinados, amistoso com toda a gente que com ele lidou. Um príncipe entre militares!
O General Fernandes Nico, uma amizade que perdura há mais de 50 anos. Militar e Historiador, homem rigoroso, frontal, educado e que viu sempre a FAP, como um todo, em que todos eram parte importante da instituição FAP.
Sargentos, Furriéis, 1.° Cabos Especialistas, como eu. Soldados do SG, Polícia Aérea, Enfermeiras Para-Quedistas, e Pilotos / Aviadores.



Formámos um todo, uma família unica à qual me orgulhei de pertencer!
Sentimento de contentamento, porque embora indirectamente, contribuímos com o nosso esforço para ajudar os camaradas do Exército e da Marinha, que por inerência de funções tinham a vida em risco permanente.
A todos as minhas saudações e abraço solidário.

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Nota do editor

Último poste de Mário Santos de 28 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21399: Efemérides (335): Cumpre-se hoje 28 de Setembro, 53 anos da minha chegada à Guiné no HC-54 Skymaster 7504. Uma memória com mais de meio século (Mário Santos, ex-1.º Cabo MMA)

Último poste da série de 8 de Outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21431: FAP (121): Cor pilav Gualdino Moura Pinto, comandante da BA 12 (1971/73), já falecido: "um grande líder" (Victor Barata, fundador e editor do blogue Especialistas da Base Aérea 12, e membro sénior da nossa Tabanca Grande)

Guiné 61/74 - P21849: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (3): "Colibuia"; "O banho e o atavio" e "Os esperados"


1. Continuação da publicação das memórias, em curtas estórias, do nosso camarada José João Domingos (ex-Fur Mil At Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516 (Colibuía, Ilondé e Canquelifá, 1973/74):


7 - COLIBUIA

A minha Companhia foi colocada em Colibuia, aquartelamento situado na estrada entre Aldeia Formosa e Cumbijã, alcatroada, com sinais de um forte rebentamento perto da zona de abastecimento de água.

Curiosamente, a minha memória, que até nem é má, recorda pouco do dispositivo interior deste aquartelamento, onde permaneci dois meses.

O seu perímetro seria o de um retângulo semelhante a um campo de futebol pelado e tinha 4 ou 5 casernas sendo a mais pequena para os oficiais e sargentos, tinha 4 postos de observação e vigilância, latrinas, zona de banho (sem chuveiro), cozinha, pequena messe que incluía um bar de janela que servia para o exterior e, talvez, refeitório.

O perímetro era vedado com duas fiadas de arame farpado, onde se dependuravam garrafas vazias de cerveja que constituíam um acréscimo de segurança importante no caso de intrusão, e entre elas alguns fornilhos. A entrada, que dava para a estrada, tinha um cavalo de frisa.

O armamento fixo constava de um morteiro de 81mm.

No canto direito do lado da mata situava-se a caserna do pelotão da milícia e um posto de vigilância por ele controlado. Era o local ideal para se desenfiarem e durante as rondas verificava-se que o posto de vigilância estava sempre deserto. Enfim, por ali não havia perigo.


Aspecto do aquartelamento de Colibuia, provavelmente em 1973. Foto: © António Murta

********************
Distintivo da 2.ª CCAÇ do BCAÇ 4516


8 - O BANHO E O ATAVIO

Colibuia era um aquartelamento ao nível do pior que vi na Guiné. Ficava cada vez mais invejoso à medida que ia sabendo da existência de alguns que até tinham piscina.

As tarefas cometidas à Companhia, para além da defesa do aquartelamento, tinham a ver com o patrulhamento diário da zona envolvente, o abastecimento de água e géneros alimentícios e, periodicamente, emboscadas e participação em operações que exigiam a passagem da noite no mato.

No regresso do cumprimento das tarefas era normal o pessoal querer tomar banho. Essa função desenvolvia-se sob uma estrutura construída com troncos de árvore que suportava um latão que, cheio, levava cerca de 200 litros de água. A meio da estrutura, ao nível da cintura dos utentes, existiam umas tábuas com cerca de meio metro de altura que preservavam a intimidade dos banhistas, com excepção da entrada que estava voltada para o arame. O depósito não tinha chuveiro mas apenas um furo que se tapava e destapava com uma pequena cunha de madeira, permitindo apenas a saída de um fiozinho de água gastando o utente largos minutos para molhar o corpo e ainda mais tempo para tirar o sabão (Lifebuoy). Como, normalmente, havia mais que um banhista o seguinte molhava-se enquanto o outro, calmamente, se ensaboava e assim sucessivamente.

Após o banho, o pessoal vestia-se à civil: calção, tronco nu e chinelos. O calção era a grande moda na altura e tinha a sua origem no corte das pernas das calças levadas da Metrópole que não serviam para nada. Pessoalmente, transportei para a Guiné uma mala cheia de roupa que apenas serviu para tornar mais penosas as várias mudanças de instalações com que fui contemplado.

Conclui-se, assim, que a consciência que eu tinha da guerra e das circunstâncias em que ela se desenrolava,  era tipo turística mas que rapidamente se modificou.


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9 - OS ESPERADOS

Existia no Exército uma figura de mancebo que se denominava o esperado (ou coisa parecida), que, não sendo incorporado logo após a inspeção,  poderia sê-lo mais tarde, durante um período de 4 ou 5 anos, conforme as necessidades de pessoal.

Do meu pelotão, inicialmente com 25 homens, faziam parte 4 esperados, com idades próximas de 25 anos, sendo que um até já tinha 27 anos, oriundo do Brasil em passo de corrida para cumprir o serviço militar em Portugal, trazendo consigo duas hérnias e um jeito singular para assar frangos e fazer pão. De todos eles apenas um, o Silva, integrou sempre o pelotão nas suas saídas e o seu raquitismo não o impedia de ser um dos mais firmes e constantes. Um dia, perante um calmeirão que no mato se lastimava amargamente do peso da HK21 e respetivas munições, logo ali o Silva se ofereceu para proceder ao seu transporte e manuseamento.

Se, por um lado, me entristecia a situação daqueles rapazes com nítidas debilidades físicas, incorporados como atiradores de infantaria e depois desviados para outras tarefas, por outro lado apeteceu-me dar um grande abraço ao Silva e dizer-lhe o orgulho que sentia em o ter na minha secção.

Mas, era assim que se ganhavam guerras?

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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21839: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (2): "Pira desenfiado"; "A praxe" e "Os Ray-Ban"

Guiné 61/74 - P21848: Parabéns a você (1928): Cap Inf Ref José Belo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Os Maiorais) (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70) e Dr. Mário Silva Bravo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6 (Bedanda, 1971/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21837: Parabéns a você (1927): Germano Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, 1970/73)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21847: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (16): O regresso dos lagostins... à bolanha



Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 > 1969  

Na tasca do Zé Maria, comendo lagostins do Rio Geba e bebendo umas "bazucas"  da esquerda para a direita, o alf mil cav José António G. Rodrigues (já falecido, há uns anos largos) e os fur mil Tony Levezinho e Humberto Reis, meus queridos amigos e membros desta Tabanca Grande. A "chapa" foi batida por mim, membro assíduo desta tertúlia gastronómica.

Os lagostins do rio Geba, apanhados em zona sujeita ao movimento das marés,  eram muito apreciados. Não tinham nada a ver com o lagostim-vermelho-da-Louisiana ("Procambarus clarkii"), nativo do sul dos EUA e no nordeste mexicano, o terrível predador que invadiu, em 1979,  os nossos rios, lagoas e demais zonas húmidas como os arrozais, transformando-se num grave problema ecológico.

O barqueiro do Enxalé, celebrizado por Spínola, apanhava estes magníficos lagostins do rio do Geba, em "zona vermelha", que depois o Zé Maria comprava e cozinhava e que a gente pagava a peso de ouro (50 pesos o quilo!)... O preço era justificado pelo risco... (50 pesos era o equivalente a dois dias de alimentação de um militar na Guiné, ou  a uma garrafa de uísque novo...).

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné Portuguesa > Bilhete postal > Pescadora (Papel). Edição: Agência-Geral do Ultramar. s/d. Enviado pelo nosso camarada Beja Santos. Digitalizado por L.G.

Foto (e legenda): © Beja Santos (2006). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais uma pequena história do
Carlos Barros:

(i) ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974;

(ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem 2 dezenas de referências no nosso blogue; vive em Esposende, é professor reformado.
 

 

O regresso dos lagostins... à bolanha

por Carlos Barros


O 3º grupo de combate do 2ª CART / BART 6520, com quartel em  Nova Sintra, esteve de serviço de segurança à estrada de Tite -Enxudé e, como habitualmente, os soldados foram transportados em viaturas Berliet, ocupando cada grupo de dois soldados as suas posições ao longo da estrada, ladeada por extensas bolanhas onde abundavam muitos lagostins e camarões, por sinal saborosos.

Num desses dia, um condutor ia buscar o almoço à cozinha de Tite, e na viagem deu boleia, o que era proibido, a uma jovem africana que andava na apanha desse marisco e já tinha um enorme cesto cheio de lagostins. 



Guiné > Região de Quínara > Mapa de Tite (1955) > Escala 1/50 mil

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


Aconteceu então algo de inesperado, que poderia ter trágicas consequências. O condutor, com a jovem ao lado, despistou-se com o Unimog e foi tombar na bolanha, tendo-se virado o cesto com os lagostins que rapidamente ficaram no seu “habitat” aquático…

O furriel soube do sucedido e,  depois de ouvir o condutor, reflectiu sobre a situação e “branqueou” o acidente, não chegando ao conhecimento do capitão, o que, a acontecer, teria consequências, com castigo grave para o soldado. Neste acidente, milagrosamente, não se registaram feridos e foi apenas um grande susto!






Foi um momento infeliz do condutor que pediu imensa desculpa pelo sucedido, assumindo plenamente a culpa e livrando-se de um processo que traria vários dissabores para o condutor (por sinal, não me recordo presentemente do seu nome…). Prometeu futuramente não transportar mais civis na sua viatura.

O Furriel Barros que se encontrava de serviço com este seu grupo, deu uma “ajudazinha ao condutor” porque a guerra propiciava estas aventuras, por vezes pouco reflectidas, e que eram fruto da irreverência da juventude.

Naturalmente, após estes longos anos afastado da guerra, pude descrever, em liberdade, esta história , com um cunho muito real...

O Barros só teve pena do lagostim que se perdeu nas águas da bolanha mas podem acreditar que, no fundo do cesto, ainda ficaram alguns que tiveram o destino que os leitores estão a pensar…


Tite 1972 Nova |  Sintra 1974. 

Revisto, Esposende 1 de fevereiro de 2021

Carlos M. de Lima Barros
Ex.fur mil Barros, 2ª C/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74)
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Nota do editor:

Último poste de 26 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21694: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (15): Os pobres pelicanos...

Guiné 61/74 - P21846: O nosso livro de visitas (208): Afonso de Melo, ex-fur mil cav, EREC 2641 (Bula, 1970/72)




Insígnias (guião e crachá) do EREC 2641 (Bula, 1968/70)

Fonte: Cortesia de  © Carlos Coutinho (2011).  



1. Mensagem do nosso camarada Afonso de Melo:
 
Date: terça, 2/02/2021 à(s) 00:52
Subject: EREC 2641-Bula 70/72 

Boa noite, Camarada.

Vi a mensagem da Ana Pinho, filha do Paulo Vitorino Pinho (EREC 2641-Bula 70/72). (*)

Sou um dos camaradas (furriel Melo) que aparece em duas das fotos. Como ele, fui furriel miliciano de cavalaria em Bula, no EREC 2641.

Gostaria que a Ana Pinho me contactasse através deste meu e-mail, a fim de poder saber mais notícias do pai, que já não vejo desde 1974. 

Aproveito para dar uma info sobre as fotos que ela enviou.



Foto nº 2- No jipe é o tenente de cavalaria Aparício.


Foto nº 3- Sentados na coberta do paiol de munições do esquadrão. O Pinho, na ponta esquerda,  está em pé com um papel na mão. Eu, o 4º, na primeira fila, estou sentado ao lado do Valdemar Cardoso que está de calções.


Foto nº 4- Na parada do RC 7, na Calçada da Ajuda, Lisboa, o EREC 2641 em véspera de embarcar. O Paulo é o 4º a contar da direita e eu o 5º, ao lado dele,na primeira fila.


Foto nº 5- Eu fazia parte da guarnição das AML Panhard que em 12 de Novembro de 1970 estava em Mansabá, quando houve o ataque de canhão ao fundo da pista de aviação (de terra batida).


Foto nº 7- O Paulo está na torre da AML eventualmente a sintonizar o rádio transmissor. As funções rádio eram do chefe de carro, com frequências para os meios terrestre, aviação ou marinha. Ao lado posicionava-se o atirador.

Muito em breve farei a minha inscrição e terei todo o gosto em partilhar convosco, fotos e relatos  da minha estadia na Guiné.

Saudações

António Afonso de Melo M.F. Graça

2. Comentário do editor LG

Camarada Afonso de Melo: Conforme mail que mandei à Ana, com conhecimento à tua pessoa, já partilhei o teu endereço de email que, por razões óbvias, não divulgo no blogue. 

Cabe-lhe agora a ela dar-te notícias do teu camarada e amigo Paulo Pinho. Vamos desejar-lhe longa vida, apesar dos problemas de saúde, e nomeadamente das sequelas do AVC que sofreu há largos anos. 

Quanto a ti, não preciso de reiterar o convite para integrares, de pleno direito, a nossa Tabanca Grande. Serás o primeiro representante do EREC 2641 a sentar-se à sombra do nosso poilão.  E podes registrar-te com este nome, Afonso de Melo.

Como nos lês, já sabes como isto funciona: mandas as  duas fotos da praxe e duas linhas de apresentação... Não mais há quotas nem joias a pagar... Como vês, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande

Obrigado por nos ajudares a complementar as legendas das fotos que a Ana Pinho nos mandou. 

Até à próxima. Luís Graça
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

Guiné 61/74 - P21845: Historiografia da presença portuguesa em África (250): A descoberta da Guiné, polémica violenta: Vitorino Magalhães Godinho versus Avelino Teixeira da Mota (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
Em torno das Comemorações do V Centenário do Descobrimento da Guiné, em 1946, a historiografia deu um importante salto com o estudo publicado por Teixeira da Mota desmontando ingenuidades e fantasias.
Aquele que terá sido o mais influente historiador português do século XX, Vitorino Magalhães Godinho, veio a público para o aplaudir e zurzir com inusitada violência. Foi polémica que não ficou nos anéis, até por serem dois historiadores que faziam da probidade ofício não fizeram como os medíocres, nestas coisas e noutras entram na hostilidade persecutória. Aqui se usam, para dar contexto, referências de um estudioso Teixeira da Mota, o oficial da Armada Carlos Valentim e a introdução de Vitorino Magalhães Godinho, que contextualiza admiravelmente os saltos gigantescos que deu a historiografia dos Descobrimentos depois de séculos de mitologia e ignorância das fontes.

Um abraço do
Mário


A descoberta da Guiné, polémica violenta:
Vitorino Magalhães Godinho versus Avelino Teixeira da Mota (1)


Mário Beja Santos

Escrito em 1946, ano das Comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné, o ensaio altamente contundente do historiador Magalhães Godinho a propósito do trabalho ainda não completamente publicado no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa e assinado por Teixeira da Mota, foi mais uma das peças de grande importância na renovada historiografia portuguesa do período dos Descobrimentos henriquinos. Segundo Carlos Valentim, oficial da Armada que publicou a bibliografia de Teixeira da Mota, "O Trabalho de Uma Vida", Edições Culturais da Marinha, 2007, há quatro obras relevantes de Teixeira da Mota que contribuíram para essa renovação historiográfica: "A Descoberta da Guiné", com a data de 1946; "A Arte de Navegar no Mediterrâneo nos Séculos XIII-XVII e a criação da Navegação Astronómica no Atlântico e Índico, em 1957"; "A Viagem de Bartolomeu Dias e as Ideias Geopolíticas de D. João II", em 1958; "A Escola de Sagres", em 1960. Teixeira da Mota fez parte do escasso número de historiadores que contribuiu para imprimir ciência no estudo dos Descobrimentos Portugueses, pondo termo a fantasias, mitologias bacocas, puras conjeturas. Não foi o primeiro, mas pertenceu ao naipe engrossado por Jaime e Armando Cortesão, Damião Peres, Duarte Leite e Vitorino Magalhães Godinho.
Vitorino Magalhães Godinho

A descoberta da Guiné correspondeu à primeira comemoração depois da II Guerra Mundial. Numa nota de caráter pessoal expedida por Teixeira da Mota para o Governador da Guiné, e que esteve inédita até 1972, ano em que se publicou o seu importante "Mar, Além Mar", edição da Junta de Investigações do Ultramar, ele faz questão de desmontar um sem-número de fantasias acerca das expedições henriquinas e desvela da impossibilidade de Nuno Tristão ter chegado a território da então Guiné Portuguesa, a sua morte teria ocorrido no rio Gâmbia. Um estudioso, mas pouco dotado para a investigação rigorosa, o Pe. Dias Dinis, defendia intransigentemente as comemorações do centenário guineense naquele ano de 1946, socorria-se como fonte principal da "Crónica dos Feitos da Guiné", de Zurara, da Ásia de João de Barros e de alguns estudos de Armando Cortesão. Este padre missionário criticava os trabalhos de Duarte Leite e Damião Peres que contestavam fortemente a tese que atribuía a Nuno Tristão o descobrimento da Guiné em 1446. E Carlos Valentim observa: “Duarte Leite valia-se da cartografia e dissecava as fontes, uma a uma, utilizando a análise crítica como fulcro da sua metodologia. As conclusões eram dramáticas. De repente, todo o edifício de propaganda do Estado Novo ficava em perigo de ruir, por se ter verificado um anacronismo na descoberta da Guiné Portuguesa. Seria possível festejar acontecimentos com duvidosa cronologia?”. O ensaio de espírito completamente inovador de Teixeira da Mota introduzia esclarecimentos ainda hoje incontestados. A este trabalho iremos posteriormente fazer a competente referência.

Avelino Teixeira da Mota
Em jeito de síntese, Teixeira da Mota analisa os elementos de caráter náutico-geográfico, na linha das propostas de Jaime Cortesão e corteja-os com a cartografia e toma sempre como referência os elementos etnográficos. Devolve-se de novo a palavra a Carlos Valentim: “No espaço de um século, a Guiné Portuguesa encontra-se no centro de fatores que desencadeiam o progresso historiográfico, em duas situações muito idênticas, em dois momentos muito próprios, onde se mistura política e memória, ideologia e identidade. Primeiro, em 1841, com o Visconde de Santarém, o fundador dos estudos de cartografia antiga, que edita a Crónica da Guiné, de Zurara, descoberto em 1837, na Biblioteca Nacional de França. O segundo momento de inovação, situando-se novamente a Guiné no centro do debate historiográfico, surge um século depois, com Teixeira da Mota, numa época de forte combate ideológico e político”. E vamos à polémica de Magalhães Godinho. Ele enceta o seu trabalho observando a pobreza de fontes históricas sobre os Descobrimentos henriquinos, na generalidade construções tardias. E numa lenta caminhada, começaram as revelações, primeiro o Visconde de Carreira e o Visconde de Santarém que publicaram em 1841 a Crónica da Guiné, de Zurara; em 1845-47, Schmeller dava a conhecer a narrativa das viagens redigida por Martin von Behaim sobre conversas com o navegador Diogo Gomes. Diferentes autores ingleses interessaram-se pelos Descobrimentos, mas limitando-se quase a contar por palavras suas o que parecia ser verdade axiomática. Surgiu depois o Esmeraldo de Duarte Pacheco; em 1924, Jaime Cortesão apresentava um estudo sobre a política de sigilo nos Descobrimentos, fantasiou hipóteses, aventando que as fontes escritas ocultavam grande parte da obra de D. Henrique. O cartógrafo Armando Cortesão publicou em 1931 a cronologia das viagens até 1462 fazendo identificações do rio Grande com o Geba, por exemplo. Aquilo que eram certezas, com base nestes trabalhos recentes, merecia um novo olhar. A figura-chave será Duarte Leite, que criticará as hipóteses de Jaime Cortesão sobre a política de sigilo e sacudiu de cima a baixo a obra de Zurara. Como escreve Vitorino Magalhães Godinho: “Zurara, até aí unanimemente considerado fiel e bem informado cronista das navegações, é reduzido à sua verdadeira craveira de literato de saber restrito e de segunda mão, de pouco cuidadoso relator, de homem com fraca curiosidade geográfica e náutica; a sua crónica deixa de ser indiscutível evangelho, para nela se notarem erros, contradições e outros defeitos”. Segue-se Damião Peres, o próprio Magalhães Godinho e Teixeira da Mota.

Godinho ridiculariza os esforços para consagrar Nuno Tristão como o primeiro a chegar à Guiné Portuguesa. Elogia Teixeira da Mota e o seu trabalho: “Foi-lhe de grande proveito o conhecimento direto do litoral e das gentes da Guiné, bem como a possibilidade de obter informações complementares de outros conhecedores das línguas indígenas e da região. Conseguiu Teixeira da Mota confirmar algumas das conclusões da investigação anterior e corrigir outras (…) Note-se que o autor não discute qualquer questão de cronologia, aceita, como Peres e nós fizemos, a estabelecida por Armando Cortesão e Duarte Leite. Seguiu Teixeira da Mota o modelo por nós lançado em Documentos sobre a Expansão. A longa e minuciosa discussão do problema por Teixeira da Mota confirma La Roncière e Duarte Leite: Nuno Tristão não ultrapassou a Gâmbia para o Sul, a sua morte não ocorreu no rio Geba, muito menos no rio de Nuno”. E adita os argumentos expendidos por Teixeira da Mota, de irrefutável clarividência. Fala-se da viagem de Álvaro Fernandes, também em 1446, havia acordo que o navegador visitou o rio Casamansa, tendo chegado à enseada que começa no Cabo Roxo. Mais adiante, falando da viagem de Valarte e de Fernando Afonso em 1447, Godinho apoia a hipótese da captura de Valarte no rio Gâmbia, estabelece-se aqui uma discussão de pormenor sobre os reis na região de Cabo Verde (não esquecer que estamos a falar de território continental), e apoia igualmente dados expendidos por Teixeira da Mota acerca da localização da povoação dos Bambaras. Termina os seus comentários elogiosos e inflete para uma tremenda zurzidela de Teixeira da Mota, vale a pena ver com cuidado a argumentação expendida, é por vezes de uma violência extraordinária a adjetivação usada. E talvez o ponto mais importante seja registar que após toda esta sessão de bengaladas, a admiração mútua jamais esmoreceu. É assim entre gente que cuida com estrénuo rigor a verdade dos factos.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21815: Historiografia da presença portuguesa em África (249): Da Senegâmbia à Serra Leoa, pela mão de Suzanne Daveau (Mário Beja Santos)