sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22884: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXIV: Dazhai, província de Shanxi, China, 1977





Dahzai... China profunda, China toda


Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2021) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. C
ontinuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74. Texto e fotos recebidos em 23 de dezembro último.


Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais;  autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas ao mundo, em cruzeiros. É membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem já 300 referências no blogue.
 




Dazhai, província de Shanxi, China, 1977


Recordo 大寨 Dazhai, pequena aldeia entre montanhas escalavradas, na província de Shanxi, durante anos bandeira vermelha da agricultura na China porque, em 1964 Mao Zedong lançou o slogan 农业学大寨 Nongye xue Dazhai, ou seja, “na agricultura aprender com Dazhai”.

Com Deng Xiaoping, foi o fim dos desvairos maoístas, das denominadas comunas populares, cresceu a responsabilidade no campo e a criação de riqueza. Dazhai foi silenciosamente lançada para o caixote do lixo do comunismo, tendo-se transformado num estranho pólo turístico, “vermelho” para os velhos nostálgicos do comunismo duro e puro.

Cheguei a Dazhai em Setembro de 1977, com 30 anos de idade, ainda meio maoísta e com um caixote cheio de ingenuidade sínica. No meu diário  – um achado de que muito me orgulho, no meu inédito Diário de Pequim 1977-1983, a publicar um dia –, anotei o que mais me impressionou em Dazhai.

Venho em viagem paga pelas Edições de Pequim a meia dúzia de estrangeiros que lá trabalham. Tenho direito a ruanwoche 軟臥車, ou seja “carruagem cama fofa”. Aprendi que, além desta, existem mais três tipos de carruagens, a yingwoche 硬臥車, ou seja, “carruagem cama dura” com sessenta beliches separados por tabiques, mais o “banco fofo”, almofadado e o “banco duro”, de pau, onde viaja a maioria dos chineses.

Por companheiro – somos apenas dois nas couchettes –, tenho um sudanês enorme, perto de dois metros de altura, de nome Ahmed Kehir, com feições de quase branco e pele negra. Pertence ao Partido Comunista do Sudão, vive exilado na China há doze anos, disseram-me ser poeta, trabalha na revista semanal Pequim Informação, edição em árabe e deve o bom tratamento que lhe é concedido ao facto de, há não sei quantos anos atrás, ter aparecido numa fotografia divulgada por toda a China ao lado de Mao Zedong, em amena cavaqueira com o grande timoneiro.

Comigo, a conversa, em mau inglês. A situação política em Portugal, em África. Pois.

Acordo com a claridade a romper pela janela da carruagem. Lá fora, no lusco-fusco do novo dia, montanhas esventradas, o comboio a avançar, lento e comprido. Túneis, incontáveis curvas e o trem de ferro serpenteando, atravessando pontes, ladeando aldeias penduradas na rocha. A paisagem é bonita, mas bruta. Há desfiladeiros, ravinas, tudo em grande. Isto é a China amarela, China e mais China.

Depois, um autocarro velho e gasto avança para os sessenta quilómetros de estrada até Dazhai. Caminhos estreitos, cheios de camionetas, carroças, carretas com os homens substituindo os animais de tiro. Camiões carregados de carvão, uma das maiores riquezas de Shanxi, motocultivadores barulhentos e fumegantes com um atrelado pequeno transformado em viatura de transporte. Sempre demasiada gente, na berma da estrada mal alcatroada ou a trabalhar nos campos.

Estamos em Dazhai. O chinês da província Shanxi, nestas terras ásperas e ingratas, amalgamou tudo, o suor, o sofrimento, o céu azul, o vento, as tempestades, a alegria, a vida e a morte. Aqui em Dazhai entendo melhor. Os camponeses, na labuta do dia a dia, mergulham na terra, fazem-na sua, são parte deste pó de loess que, depois de tanta luta e suor, lhes dá o pão, o trigo, o milho, o milhete, o sorgo, o algodão, e um dia acolherá os seus corpos.

Dazhai fica a 1.050 metros de altitude, sujeita à permanente erosão das águas e do vento. A pouca terra existente é, ano após ano, arrastada pelas chuvas e pelas enxurradas. As encostas ficam secas, delapidadas e pedregosas, lugares estéreis onde nada cresce. É preciso ir buscar a terra do loess ao fundo dos vales, subi-la, fixá-la nos socalcos também abertos pelas mãos dos homens, construir muros, abrir canais de irrigação. Onde existiam colinas carcomidas pela erosão do tempo vejo agora largas plataformas com 200 ou 300 metros onde amadurece o sorgo, o milho, onde cresce o pão deste povo.

Fico a saber que Jiang Qing, quarta esposa oficial e viúva de Mao Zedong, uma criatura bem pouco amada pelo povo chinês, membro proeminente do chamado “bando dos quatro”, visitou Dazhai em 1975, há apenas dois anos atrás, tendo trazido desde Pequim, no comboio, em carruagem especial, dois cavalos para se passear montando as elegantes cavalgaduras pelos caminhos da aldeia. As crianças da terra diziam que tinha chegado o circo. Os camponeses consideraram isso um insulto e não perdoaram a Jiang Qing. A toda poderosa senhora mandou-o cavar profundos abrigos subterrâneos, prevendo a eventualidade de Dazhai sofrer um bombardeamento atómico. No local que Jiang Qing lhes indicou para os abrigos, as gentes da terra acabaram por construir uma série de pocilgas para a criação de porcos.

À noite, solitário, na cama confortável do quartinho camponês meio suspenso sobre os telhados da aldeia, impressionado com esta terra, escrevo um poema:


Enrijece o milho,
amadurece o sorgo,
florescem laranjeiras.
Os camponeses de Dazhai
transmutam colinas em planícies,
encostas pedregosas em socalcos férteis,
vales inóspitos em searas de trigo.
As raízes vão buscar vida ao loess
adubado com estrume e com sangue,
o suor de cada um é o sémen
circulando no ventre da terra.
Os corações pulsam
ao ritmo da paisagem fecundada,
os meninos, brincam estudam, cantam,
a China cresce.
Mais fácil olhar a montanha que subi-la,
quanto mais elevada mais vasto o horizonte.
Mas haverá sempre outra montanha, mais alta,esperando os homens.

António Graça de Abreu

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22883: Parabéns a você (2023): Mário Lourenço, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAV 2639 (Binar, Pete, Bula, Ponta Consolação e Capunga, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22880: Parabéns a você (2022): Paulo Santiago, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22882: Manuscrito(s) (Luís Graça) (208): "Janeiro, gear; Fevereiro, chover; Março, encanar; Abril, espigar; Maio, engrandecer; Junho, aceifar; Julho, debulhar; Agosto, engravelar; Setembro, vindimar; Outubro, revolver; Novembro, semear; Dezembro, nasceu Deus para nos salvar".

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Lourinhã > Natal de 2021 > Um dos 60 presépios de rua > Hall da igreja paroquial da Lourinhã... A minha neta, Clarinha, também se quis associar à "festinha do menino Jesus", deixando, com a maior das inocências, junto às ovelhinhas,  a boneca de trapos, "Clara", e o "João Ratão"... O Natal, se ainda tem magia, é para as crianças...Nós, há muito que perdemos a "inocência", espero bem que não tenhamos perdido de todo a capacidade de "maravilhamento"... (por exemplo, quando "revisitamos" a nossa infância).


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O Natal de há 70 anos quando o Pai Natal 
ainda não tinha morto o Menino Jesus...


(...) 33. E no Natal ?!... Lembras-te do Natal, quando ainda o Pai Natal não tinha morto o Menino Jesus ?! E ainda não havia luzinhas, “made in China”, a não ser as das velas ou do candeeiro a petróleo ?!…

Não, não havia o stress de Natal que há hoje, na cidade grande... Não havia nada disso na aldeia onde tu nasceste há mais de 7 décadas. Ainda o Pai Natal não existia, pelo menos o Pai Natal da Televisão e dos centros comerciais. Não havia televisão, nem eletricidade nem centros comerciais. Muito menos corrida às compras, com medo que o mundo acabasse, o bacalhau desaparecesse, e as estantes do hipermercado ficassem vazias...

Ia-se à missa do Galo, à meia noite em ponto, na igreja do Castelo, tumular, tudo escuro como breu, e só depois, a tiritar de frio, de regresso a casa, logo ali, na Rua dos Valados ou do Castelo,  a 200 metros, é que se bebia o cacau quente e se comiam os coscorões, o arroz doce e as filhós de sangue de galinha!...

Só não gostavas era dessa parte do sacristão passar imagem do Menino Jesus ao longo dos bancos corridos e dar a beijar, aos fiéis, o seu pezinho, lambuzado… (Não dizias, mas já então achavas que era uma santa… porcaria!)

Mas nem por isso o Natal deixava de ter magia. Punha-se o sapatinho, limpo, engraxado, na chaminé, para no dia seguinte, de manhã cedo, ir recolher a(s) prenda(s) do Menino Jesus.

E só de manhã, cedo, é que te levantavas, em alvoroço, para saber a prenda que o Menino Jesus te deixara, no sapatinho, na chaminé, por detrás do fogão a petróleo, de marca Hipólito: um lenço, umas peúgas, um chupa-chupa, um brinquedo de chocolate, embrulhado em tosco papel de prata! ... 

O Menino Jesus “que era tão pobre como nós”, dizia a tua catequista, mas a verdade é que ele já tinha uma fábrica de chocolates e de chupa-chupas, além de outra de fazer meias, o que fazia confusão aos putos naquele tempo. Como é que ele podia distribuir tantas guloseimas e tantas outras prendinhas, por tantas chaminés e por tantas ruas da tua aldeia ?

Parca prenda para quem fora todo o ano um menino bem comportado, temente a Deus, cumpridor dos seus deveres, amigo dos seus pais e manas, diligente, obediente e inteligente!...

Os meninos ricos tinham sempre muito mais prendas, mesmo que dessem muitos erros de ortografia e muito menos soubessem, como devia ser, a tabuada e o catecismo.

(...) 20. Havia o ouro, o incenso e a mirra, os três reis magos, mais os seus camelos, e um deles era o “pretinho da Guiné” (. Sabias lá tu onde era a terra dele!...O teu pai dizia que era lá longe, para lá de Cabo Verde… Mas devia ser também longe, da Guiné até Belém. Ainda não havia, naquele tempo, o globo terrestre azul Frost, com luzinha lá dentro para o teu pai apontar com o dedo a minúscula ilha de São Vicente.)

Havia o presépio, havia a água benta. Como tu gostavas de fazer o sinal da cruz na tua testa com a água benta que estava à entrada da igreja, numa pia de pedra cheia de musgo ou verdete, aonde mal chegavas. Havia quem molhasse com ela a ponta da língua: sabia a água choca, e a limo, diziam-te os outros meninos da catequese. Nunca a provaste, como medo de apanhar uma doença. (Mas como é que te podia fazer mal se era água santa ?!, inquietava-te o “caixa d’óculos” que ajudava à missa, alternando contigo, só para pôr à prova a tua fé inabalável.)

Ah!, o incenso, ligeiramente enjoativo das missas, mas pior ainda era o cheiro das velas a arder. E pior ainda a pregação do pregador franciscano que nunca mais acabava, em dia de sermão e missa cantada, e o povo a bocejar de tédio, e a fazer as contas à vida, à décima a pagar nas finanças, e à côngrua para o senhor vigário, e ao sulfato para sulfatar a vinha do Senhor, ao medo que guardava a vinha, e à roupa na barrela que era preciso estender ao sol… Ou a pedir a graça do Santo Antonino para proteger o porquinho. Ou à Nossa Senhora de Fátima para livrar o rapaz que estava lá em casa de, depois das sortes e da tropa, ir parar à India e, mais tarde, a Angola, Guiné ou Moçambique.

E, se calhar, havia também quem tivesse maus pensamentos, como o Frasco do Veneno. Sim, tinha maus pensamentos, confessava-te ele, só não dizia asneiras, dentro da igreja, com medo de ser fulminado por um raio do Espírito Santo, em dia de trovoada, ou por uma língua de fogo ao pôr-do-sol, atravessando uma das janelas com vitrais.

Ah!, e a seca do terço mariano no mês de maio (que te perdoe a Nossa Senhora de Fátima, por invocares o seu nome em vão!, acrescentaria a tua mãe, se te ouvisse)…

Havia, enfim, o sagrado e o pagão, a lavoura, os lavores, masculinos e femininos, o solstício do inverno e o solstício do verão, e tudo a isto, ou só a isto, se resumia o acanhado palco do teatro da vida que te coubera em sorte. Sorte pequena, nunca te calhará a grande. A grande, essa, só poderia ser o céu, no fim da vida, se até então vivesses na graça de Deus, afiançava o padre vigário. E tu acreditavas, porque tinhas fé. E mal de ti quando a perderes, ameaçava-te o confessor. E tu estremecias de terror, só de ouvir as suas maldições.

E era a tua mãe quem, numa velha máquina de costura, Singer, te fazia os lençóis, os lenços, as camisas, os calções e as cuecas e o resto da roupa, incluindo a domingueira, a de ir à missa. A tua e a das tuas manas.

Eram poucos os prazeres da vida. E muitas as canseiras. O teu pai sabias-as de cor, mesmo não sendo lavrador como os seus fregueses ou o ti’Dolfo. Comprava todos os anos o “Borda d’Água” e lá ia soletrando contigo…"Janeiro, gear; Fevereiro, chover; Março, encanar; Abril, espigar; Maio, engrandecer; Junho, aceifar; Julho, debulhar; Agosto, engravelar; Setembro, vindimar; Outubro, revolver; Novembro, semear; Dezembro, nasceu Deus para nos salvar". (...)


Luís Graça 

(Excertos de um manuscrito com memórias poéticas da infância, que este ano pode dar livro...se arranjar editor!)
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Guiné 61/74 - P22881: Colóquio - O Regimento de Cavalaria N.º 6 na Guerra Colonial: Perspetivas Locais e Globais - levado a efeito no passado dia 23 de Novembro de 2021, em que participaram os ex-Alf Mil Cav Ernestino Caniço, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 e Francisco Gamelas, CMDT do Pel Rec Daimler 3089 (Ernestino Caniço)


Mensagem do nosso camarada Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, Fev 1970/DEZ 1971, com data de 31 de Dezembro de 2021:

Caros amigos:
Realizou-se em 2021.11.23 no auditório da Universidade do Minho o Colóquio “O Regimento de Cavalaria N.º 6 na Guerra Colonial: Perspetivas Locais e Globais”.

No programa em anexo, constava uma sessão subordinada ao tema “Vivências e Testemunhos Cruzados do Regimento de Cavalaria N.º 6 na Guerra Colonial”, integrando uma Mesa Redonda com Antigos Combatentes mobilizados pelo Regimento de Cavalaria Nº 6.
Uma vez que o nosso contacto com o Sr. Comandante do RC 6 (Coronel Miguel Freire) partiu do Blogue, foi-me solicitado pelo Carlos Vinhal que fizesse um apanhado e considerações sobre o evento.[1]

O objetivo desta sessão é ajudar a compreender, pelo testemunho pessoal, a dimensão humana, mas também a técnico-militar, do que foi cumprir o serviço militar com uma mobilização num pelotão de reconhecimento Daimler para um dos teatros de operações.
A participação de ex-combatentes no painel, foi precedida de entrevistas moderadas pelo Sr. Comandante do RC 6 e pelo Professor Francisco Mendes da Universidade do Minho.
Compete-me realçar que na receção para as entrevistas em que participei eu e o camarada e amigo Francisco Taveira, fomos acolhidos com elevação, nomeadamente com tratamento principesco por parte do Sr. Comandante do RC 6, Coronel Miguel Freire.



Os ex-combatentes que participaram no painel foram apresentados por ordem cronológica de prestação do serviço militar pelo Sr. Comandante do RC 6:

- O antigo Tenente Mário Sampaio Nunes que foi Comandante do Pel Rec 1166. Este pelotão esteve em Moçambique, entre fevereiro de 1967 e março de 1969, e o então Alferes Sampaio Nunes comandou o pelotão, em rendição individual, entre dezembro de 1967 e fevereiro de 1969, por passagem à disponibilidade por doença do anterior comandante de pelotão. Hoje é um oficial do exército reformado, com 77 anos de idade.

- O antigo Alferes Ernestino Caniço que foi Comandante do Pel Rec 2208 e que esteve na Guiné entre janeiro de 1970 e dezembro de 1971. Hoje é um médico reformado, mas ainda a exercer, com 77 anos de idade.

- O antigo Alferes Francisco Gamelas que foi Comandante do Pel Rec 3089 e que esteve na Guiné entre novembro de 1971 e outubro de 1973. Hoje é um engenheiro reformado, com 72 anos de idade.

- O antigo 1.º Cabo Bernardino Lima que foi Condutor/Apontador de Daimler no Pel Rec 3083 que esteve na Guiné de novembro de 1971 a outubro de 1973. Hoje é um fiel de armazém reformado, com 71 anos de idade.

Podemos considerar a sessão um putativo sucesso, face ao surgimento de alguns indícios, como os comentários enaltecedores de representantes de instituições militares e civis.

Não posso deixar de enfatizar a presença maioritária (e intervenções) dos estudantes de história da Universidade do Minho, com o anfiteatro repleto, demonstrando um interesse (para mim inesperado) da juventude por esta temática.

Permito-me por fim evocar uma frase do Sr. Comandante do RC 6, Coronel Miguel Freire: "Foi para mim um imenso orgulho e engrandecimento humano ter privado com cada um de Vós, por ocasião da preparação do nosso Colóquio de 23 de novembro".

Renovo os votos de um ótimo 2022, já com algum remanso do “Cobicho”

Um abraço,
Ernestino Caniço

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Nota do editor

[1] - Vd. poste de 10 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22531: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (88): O Regimento de Cavalaria n.º 6 de Braga, juntamente com a Universidade do Minho, está a organizar um colóquio e uma exposição (a acontecer em 18NOV21) sobre o esforço de mobilização do RC6 em PelRec Daimler para os três Teatros de Operações. Procura-se antigos CMDTs Pel Rec Daimler para possível colaboração no evento

Guiné 61/74 - P22880: Parabéns a você (2022): Paulo Santiago, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22871: Parabéns a você (2021): António Ramalho, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22879: Fichas de unidades (23): BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), CCAÇ 3398 (Buba), CCAÇ 3399 (Aldeia Formosa), CCAÇ 3400 (Nhala)

 

Guião do BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73) (Há um erro de impressão no canto superior esquerdo: CCC em vez de BCAC). Imagem da preciosa coleção do incontornável Carlos Coutinho, grande parte da qual está disponível no portal UTW, Dos Veteranos da Guerra do Ultramar. (Com a devida vénia...)

Batalhão de Caçadores nº 3852

Identificação: BCaç 3852

Unidade Mob: BC 10 - Chaves

Cmdt: TCor Inf António Afonso Fernandes Barata | TCor Inf José Fernando de Oliveira Barros Basto | 

2º Cmdt: Maj Inf José Fernando de Oliveira Barros Basto | Maj lnf Raul Pereira da Cruz Silva

OInfOp/Adj: Maj Inf Raul Pereira da Cruz Silva (acumulava)

Cmdts Comp: CCS: Cap SGE Augusto Ferreira | CCaç 3398: Cap Inf Filipe Ferreira Lopes | CCaç 3399: Cap Inf Horácio José Gomes Teixeira Malheiro | CCaç 3400: Cap Inf Gastão Manuel Santos Correia e Silva | Cap Mil Inf Manuel de Sousa Moreira

Divisa: "Viver-Lutar- Vencer"

Partida: Embarque em 26Jun71; desembarque em 2Jul71 | Regresso: Embarque em 1Set73 (CCaç 3398), 2Set73 (CCaç 3399), 6Set73 (Cmd e CCS) e 8Set73 (CCaç 3400)

Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 5 a 31Ju171, no CIM, em Cumeré, seguiu com as suas subunidades para a região de Aldeia Formosa em 01 e 2Ago71, a fim de efectuar o treino operacional e sobreposição com o BCaç 2892.

Em 26Ago71, assumiu a responsabilidade do Sector S2, com sede em Aldeia Formosa e abrangendo os subsectores de Empada, Mampatá, Buba, Nhala e Aldeia Formosa. 

De 14Jun72 a 8Dez72, a área da península do Cubisseco foi atribuída ao CDMG  [Comando de Defesa Marítima da Guiné] para actuação operacional das suas forças.

Em 22Jan73, o subsector de Empada foi transferido para a zona de acção do BCaç 4510/72. 

De 13Mai73 a 26Jun73, foi reforçado pelo BCaç 4513/72 e suas subunidades, com vistas à intensificação do esforço de contrapenetração no sector. 

A partir de 27Jun73 até 10Ago73, a área de Cumbijã-Colibuia-Nhacobá foi atribuída temporariamente ao BCaç 4513/72. 

As suas subunidades mantiveram-se sempre integradas no dispositivo e manobra do batalhão.

Com as subunidades que lhe foram atribuídas na sua zona de acção, desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, reconhecimento e de vigilância e controlo da fronteira e das linhas de infiltração do inimigo, particularmente do corredor de Missirá e das passagens do rio Grande de Buba.

Impulsionou e coordenou a execução dos trabalhos de realojamentos das populações recuperadas e da sua promoção socioeconómica, em particular em Colibuía e Afiá, garantindo ainda a segurança, protecção e apoio da construção e reparação dos itinerários logísticos, com especial destaque para as reacções a fortes e frequentes flagelações a aquartelamentos e aldeamentos situados junto da fronteira.

Dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 1 morteiro, 1 metralhadora ligeira, 4 pistolas-metralhadoras, 6 espingardas, 2 lança-granadas foguete, 172 granadas de armas pesadas e a detecção e levantamento de 34 minas.

Em 10Ago73, foi rendido no Sector S2 pelo BCaç 4513/72 e recolheu, em 14Ago73, a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

***

A CCaç 3398, após o treino operacional e a sobreposição com a CCaç 2616 desde 1Ago71, assumiu a responsabilidade do subsector de Buba em 26Ago71.

Em 15Ago73, foi rendida pela 1ª Comp/BCaç 4513/72 e recolheu, em 19Ago73, a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

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A CCaç 3399, após treino operacional e sobreposição com a CCaç 2614 desde 1Ago71, assumiu a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa em 26Ago71.

Em 13Ago73, foi rendida pela 3.ª Comp/BCaç 4513/72 e recolheu, em 15Ago73, a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

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A CCaç 3400, após treino operacional e sobreposição com a CCaç 2615 desde 03Ago71, assumiu a responsabilidade do subsector de Nhala em 26Ago71, tendo destacado pelotões para reforço das guarnições locais de Buba, de finais de Set72 a finais de Nov72, de Mampatá, de finais de Jan73 a meados de Jun73 e de Colibuia, a partir de meados de Jun73.

Em 18Ago73, foi rendida pela 2.ª Comp/BCaç 4513/72, seguindo para Buba e no dia seguinte para Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações: Tem História da Unidade (Caixa n.º  94 - 2.ª Div/4.ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pp. 155/156.

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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22766: Fichas de unidades (22): CCAÇ 4541/72 (Caboxanque, Jemberém, Cadique, Cufar e Safim, 1972/74)

Guiné 61/74 - P22878: In Memoriam (424): Alberto Tavares de Bastos (1948-2022), ex-alf mil op esp, CCAÇ 3399 / BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73)... Natural de Vale de Cambra, onde era muito estimado, destacou-se como poeta e homem de teatro


Foto nº 1 > Alberto Bastos


Foto nº 2 > Alberto Bastos e Eduardo Jorge, ambos de perfil


Foto nº 3 > Eduardo Jorge e Alberto Bastos: falando seguramente da Guiné... Com paixão...


Foto nº 4 > Alberto Bastos e Eduardo Jorge (de costas)

Lourinhã > Vimeiro > 12 de maio de 2019 > O Alberto Basto em almoço de convívio com os nossos camaradas e grã-tabanqueiros Eduardo Jorge Ferreira (1953-2019) e Joaquim Pinto de Carvalho. Tratava-se do 39º aniversário da Associação Recreativa e Cultural do Vimeiro (ARCV), de que o nosso saudoso Eduardo Jorge era então dirigente...(Infelizmente morreria dali a escassos meses, a 23/11/2019).  

"Empatizaram logo um com o outro!", diz o Joaquim Pinto Carvalho que apresentou o Alberto ao Eduardo. "Era um homem da palavra, do teatro, da poesia... Rapidamente improvisava um verso e o declamava....Íamos a casa um do outro com alguma regularidade. Tenho vários livros dele, autografados, com dedicatória ao 'irmão' Joaquim"... No livro de poesia <i>Alguém<</i> (Chiado Editora, Lisboa, 2008, 156 pp.), escreveu-me: 'Ao meu especial amigo Joaquim A. Pinto de Carvalho com a magia  dos 'bons velhos tempos'. O autor, (assinatura ilegível), 07/10/2009".

Fotos (e legendas): © Joaquim Pinto Carvalho (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Morreu, no primeiro dia do ano de 2022, o nosso camarada  Alberto Bastos, ex-alf mil op esp, CCAÇ 3399 / BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73). (*)

A triste notícia foi-nos dada pelo Joaquim Pinto de Carvalho, ex-alf mil at inf.  CCAÇ 3398 (Buba) e CCAÇ 6 (Bedanda), 1971/73, nosso grã-tabanqueiro nº 633 (**)

Pertenciam ao mesmo batalhão, o BCAÇ 3852, e eram amigos do peito, há meio século. Estiveram em Mafra juntos e acabaram por ser mobilizados para a Guiné e para a mesma unidade. O Joaquim e a Maria do Céu estavam desolados. Telefonei, de imediato ao Manuel Gonçalves, igualmente membro da nossa Tabanca Grande (nº 776), que também conhecia o Alberto Bastos, sendo do mesmo batalhão (***). Também o João Marcelino o conheceu. Telefonei igualmente ao Joaquim Costa, da CCAV 8351.

É nossa intenção, em honra da sua memória, integrá-lo na Tabanca Grande, a título póstumo, no caso de termos o OK da sua viúva, a fisioterapeuta e empresária Trindade Bastos. Procuramos também uma foto sua do tempo da tropa e da guerra. Será o primeiro representante da CCAÇ 3399 no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. 

Poeta, desde menino e moço, foi ele o autor da letra do hino do BCAÇ 3852, datada de  12/6/1971, reproduzida no seu livro de poesia <i>Alguém</i> (LIsboa, Chiado Editora, 2008, pp. 125/126.

É também autor do poema "Na estrada do Cumbijã", dedicado ao cap mil Vasco da Gama, comandante da CCAV 8351 (Cumbijã, 1971/73), "Os Tigres do Cumbijã" (, já publicado no poste P3640), e reproduzido, a pp. 138/139, no recentíssimo livro  do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina (Guiné, 1972/74") (Rio Tinto, Lugar da Palavra Editora, 2021).

2. R eprodução de notícia do jornal "on line" "A Voz de Cambra" (com a devida vénia...)


ATUAL > Morreu Alberto Bastos, o encenador, ator e escritor de Vale de Cambra

Janeiro 3, 2022  Cristina Maria Santos

Tinha 72 anos, mais de 50 dedicados à escrita e ao teatro, onde representou mais de 200 papeis diferentes. Alberto Bastos faleceu no primeiro dia do ano de 2022.

Alberto Bastos contava mais de meio século de carreira, com um percurso marcado por várias atuações no teatro, mas também era reconhecido pela sua veia humorística fora dos palcos.

Alberto Tavares de Bastos nasceu em S. Pedro de Castelões e escrevia desde a adolescência. Publicou os livros de poemas “Bailam Flores”, em 1999; “Um Grito na Noite dos Tempos”, em 2000; e “Alguém, em 2008. Publicou a sua primeira obra de teatro “Palco da Vida”, em 2006 e a “A Máscara”, em 2015.

Alberto Bastos pisou o palco pela primeira vez aos 12 anos, em 1960, no salão da fábrica “Almeida & Freitas”. “Foi o meu batismo artístico e lembro-me de rir muito e tremer”, recordou Alberto Bastos ao Voz de Cambra, em 2020.

De 1975 a 1978, fez parte do elenco cénico do Grupo Recreativo e Cultural de Cavião e, a partir de 1993, integrou o Grupo Cénico da Associação de Promoção e Desenvolvimento de Castelões (APDC), onde foi ator e habitual encenador.

Participou em vários eventos do concelho, como; “Rusga à Sra. da Saúde”; “…da Lusitânia ao Foral”; “Queima do Galhofeiro”; Carnaval de Vale de Cambra, mas também em iniciativas em concelhos limítrofes, como por exemplo: Viagem Medieval em Terra de Santa Maria e a Feira Medieval de S. João da Madeira.

Entre muitas representações, em 2016, encenou a peça “Volfrâmio – Suor o deu, miséria o levou”, um trabalho de longa pesquisa, onde entrevistou alguns idosos que sobreviveram ao drama de outrora. “Não abandonei a arte e tenho no prelo uma nova peça em três atos, cuja publicação terá lugar quando a presente situação pandémica do país se desvanecer. Esta obra, ficará disponível para quaisquer grupos cénicos que queiram levá-la à cena”, explicou.

 O “professor Alberto bastos”, como era habitualmente chamado, aproveitou para agradecer a todos quantos o reconheceram nesta vida artística.

“Bem hajam, todos aqueles que me acompanharam ao longo deste longo percurso e ao público maravilhoso que nunca me regatearam aplauso e crítica. Obrigado”, concluiu

No primeiro dia do ano de 2022, Vale de Cambra lamenta e despede-se do artista que marcou o teatro no concelho.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 1 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22866: In Memoriam (423): Jorge Cabral (1944-2021): cerimónias fúnebres, na Igreja do Lumiar, Lisboa, hoje, a partir das 17h00 (Pedro Almeida Cabral)

Guiné 61/74 - P22877: Historiografia da presença portuguesa em África (297): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2021:

Queridos amigos,
A narrativa de Senna Barcelos, neste período posterior à Restauração, dá-nos conta das tremendas dificuldades da presença portuguesa na Guiné. Franceses e ingleses vão-se assenhoreando de porções importantes da Senegâmbia. Há mercadores em Cacheu que ditam a lei, vexam e chegam mesmo a prender o capitão-mor; a hostilidade dos autóctones é permanente, exigem tributos e prendas. Os da ilha de Santiago repontam, querem direitos alfandegários, não os deixando a Cacheu. Em Lisboa, não se sabe muito bem o que fazer quanto à criação de um presídio em Bissau. As companhias criadas para potenciar o comércio não vão durar muito tempo. E Senna Barcelos não perde oportunidade em exibir decisões régias inapropriadas, mostrar a cáfila de incompetentes e corruptos nos lugares de governação e nos negócios. Esta memória que o oficial da Marinha enviou à Academia das Ciências é uma peça fundamental no pioneirismo da historiografia guineense e permite vislumbrar, quase a olho nu, a ligação comercial, mormente no tráfico negreiro, entre a Guiné e Cabo Verde.

Um abraço do
Mário



Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (2)

Mário Beja Santos

S
ão três volumes, sempre intitulados Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense. Comenta factos com muita franqueza, não se escusa de dizer que o reinado de D. João V foi altamente prejudicial a Cabo Verde e à Guiné. É profundamente crítico também com a escolha de muitos governadores, fala com imenso à vontade de rapinas e corrupção. Inicia o seu trabalho no século XV, pouco nos detivemos aí, fomos diretamente para esse penoso período da Restauração que ele investigou com imenso cuidado, nunca escondendo que estávamos muito lentamente a sair de uma decadência profunda agravada pelo período filipino e que o cerco à Senegâmbia Portuguesa dava sinais inquietantes, franceses e ingleses infiltravam-se em territórios anteriormente ocupados por Portugueses. Comerciantes estrangeiros mercadejavam à socapa, impunha-se construir boas posições fixas, e falava-se na Fortaleza de Bissau. Igualmente este período vê aparecerem duas tentativas de criação de companhias de comércio, a de Cacheu e a de Grã Pará e Maranhão.

Enquanto nos confrontávamos em território europeu com a Guerra da Restauração, a presença francesa e inglesa é uma constante. O governador da Guiné e Cabo Verde, Veríssimo de Carvalho, alerta para o facto de os franceses quererem levantar uma feitoria da Real Companha de França em Bissau. É deste tempo que data a ideia de construir uma fortaleza em Bissau, o rei local, Bacampolco, concedia licença, em Bolor, igualmente se construía uma outra fortaleza.

Senna Barcelos é minucioso na denúncia de trafulhices, basta ler o que se segue:
“O capitão-mor era acusado de juntamente com Ambrósio Vaz, Bibiana Vaz de França e o feitor da fazenda Manuel de Sousa Mendonça prenderem à saída da missa o Capitão-Mor Oliveira, desterrando-o para Farim, onde esteve recluso num escuro corredor da casa de Bibiana durante 14 meses”. Fez-se uma sindicância, provou-se haver mais culpados, aplicaram-se punições e o autor comenta: “Cacheu estava num perfeito caos; a sua população constava de 12 pessoas, entre brancos e mulatos. Os capitães-mores que acumulavam o cargo de feitor da fazenda deixariam de o exercer quando se deu maior jurisdição a António de Barros Bezerra, porém este continuou a exercê-lo, deixando de escriturar os livros dos rendimentos reais; este mau exemplo seguiu o novo feitor, persuadido talvez que não encontraria oposição como Barros Bezerra, também partidário da ricaça Bibiana Vaz”.

A investigação de Senna Barcelos oscila em permanência na descrição de factos em Cabo Verde com os acontecimentos passados na Guiné. Em 1692 o rei decidiu que se construísse a Fortaleza de Bissau e o autor comenta: “Desde o século XV que os portugueses comerciavam em Bissau, alcançando do régulo, com engodo do negócio, o poderem levantar uma feitoria ou casa-forte para guardarem suas mercadorias. Muito antes de 1604 havia em Bissau algumas casas, porém nessa data, aparecendo ali os primeiros religiosos, catequizaram e converteram à nossa fé muitos pretos, que vieram reunir-se aos portugueses, tornando mais importante a povoação”.

Em 21 de dezembro de 1695 publicou-se legislação autorizando o Conselho Ultramarino a encarregar a Companhia de Cacheu e Cabo Verde da administração da fábrica da fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Bissau. A legislação estabelece os procedimentos: a Companhia de Cacheu e Cabo Verde pagaria a despesa, contribuindo igualmente os de Cabo Verde, tudo constaria dos livros de receita; da fortaleza haveria um capitão-mor e as embarcações que saírem da Ilha de Bissau poderão livremente vir por outro qualquer porto deste reino; a Companhia de Cacheu e Cabo Verde teria a incumbência do pagamento da folha dos oficiais da fazenda, guerra e presídio da dita ilha, etc. O rei confirma em 7 de março de 1696 este contrato.

E regressamos à descrição de atropelos e sobressaltos:
“Em 24 de Março de 1697 dizia o Capitão-Mor de Cacheu, Vidigal Castanho, que em 17 de Agosto de 1696 intentara o rei dos Mandingas, de Canicó, circunvizinho à população de Farim, dar nesta um assalto para a destituir de moradores e forros cristãos, que eram muitos, e roubar-lhes ao mesmo tempo as suas fazendas. Para este intento entrou manhosamente na povoação, envolto numa certa capa de amizade, dizendo que vinha visitar os brancos, para que a empresa lhe fosse mais fácil, pois que contava que a sua gente cairia no dia seguinte repentinamente, e a tomada da povoação se realizaria sem grande custo.
Para que esta traição não ficasse sem ser explicada, conseguiu arranjar um conflito, tentando amarrar um negro forro e cristão, o que não levou a efeito por acudirem os brancos, que lho tiraram das mãos; e como o rei empregasse resistência, auxiliado por dois filhos seus e por um dos seus soldados, foram estes mortos e aquele preso.
Estava assim declarada a guerra à povoação. Poucos eram os elementos para a sua defesa contra uma invasão de milhares de gentios, que representados por diversas tribos, mais ou menos aparentadas, não tinham compromisso algum, nem com o governo de Cacheu, nem tão-pouco com os moradores de Farim para socorrerem os moradores”
.

Seguem-se as peripécias, pede-se auxílio ao capitão-mor de Cacheu, este arma expedição, destrói-se a principal povoação dos Mandingas, os Balantas auxiliam os brancos, mas não se conseguiu chegar às aldeias Mandingas dada a quantidade de chuva. O autor comenta que a povoação de Farim era aberta, os moradores sofriam vexames sem conta e eram obrigados a pagar tributos ao rei de Canicó. O capitão-mor de Cacheu deixou Farim em estado de se defender, mandou construir baluartes e pôs artilharia.

Segue-se a descrição de um outro episódio, o autor prima pelos detalhes truculentos:
“Em 16 de Dezembro de 1715 fora nomeado governador Serafim Teixeira Sarmento, tomou posse a 6 de Abril do ano seguinte. E para Ouvidor nomeou-se Braz Brandão de Sousa em 11 de Novembro de 1717.
Estando o Senado da Câmara a governar pelo falecimento do Governador Calheiros, foi nomeado o Coronel António de Barros Bezerra. El-rei confirmou a nomeação em 2 de Agosto de 1716, ano em que se concedeu novamente aos navios que fossem a Cacheu não despacharem na alfândega de Santiago. Os resultados desta ordem inconveniente não se fizeram esperar. Como os rendimentos diminuíam, levantou-se o funcionalismo a protestar por falta de vencimentos, e neste sentido representou o governador que o atraso se devia à tal diminuição.
Em 19 de Outubro de 1717 recomendou-se em carta ao Capitão-Mor de Cacheu, António de Barros Bezerra, para evitar o comércio, que os moradores de Geba faziam em Bissau, de cera, marfim, escravos e coiros, com os estrangeiros, causando enormes prejuízos aos direitos reais, e fazer todo o possível para aqueles moradores derivarem o seu comércio para Cacheu, pagando ali os direitos. O capitão-mor respondeu não lhe ser possível obrigá-los a vir ali comerciar, e nem tão-pouco aos de Bissau, porque todos eram levantados, e quando algum manifestava desejos de vir a Cacheu mandava primeiro pedir seguro enquanto ali estivesse, para não o prenderem, e como se achavam todos seguros pelo rei de Bissau o qual não queria que fossem molestados, zombavam das ordens passadas pelos capitães-mores e nem respondiam a elas, por isso que se sentiam fortalecidos pelos gentios, bem conhecedores da pouca força de que dispúnhamos. O capitão-mor lembrava como melhor alvitre a reedificação da fortaleza de Bissau outra vez, porque com ela se evitaria o comércio que os franceses estavam fazendo. Concordou-se com a reedificação da fortaleza, mas o Conselho Ultramarino discordou com o fundamento de que Portugal não tinha meios para conservar e sustentar o presídio e também pela inconstância dos negros e reis de Bissau, motivos por que tinha el-rei mandado demoli-lo. O Conselho Ultramarino recomendava que todas as atenções deviam ser dadas a Cacheu que era a principal praça da Guiné e D. João V concordou com o parecer do Conselho Ultramarino"
.

É sem dúvida um período de franca decadência. Vamos agora dar atenção ao período de 1750 a 1777 correspondente ao reinado de D. José.

(continua)


Bibiana Vaz, grande negociante de Cacheu
Pormenor da Fortaleza de Cacheu
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22853: Historiografia da presença portuguesa em África (296): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (1) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22876: Efemérides (360): Os 50 anos da Corrida de São Silvestre no Saltinho, 1971/72 (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 2 de Janeiro de 2022, que nos traz uma reportagem da corrida de São Silvestre no Saltinho, passagem de ano de 1971 para 1972, já lá vão exactamente 50 anos.


São Silvestre no Saltinho

Na passagem de 71 para 72, ou seja, há exatamente meio século (Santa Maria, Mãe de Jesus, o tempo que já lá vai…), encontrava-me eu na CCAÇ 2701, no Saltinho, para onde fora destacado, em serviço de diligência, sete meses atrás.
Tal como em Bambadinca, onde fizera inicialmente um estágio de cerca de três meses por conta dos Serviços de Informação Militares, não houve ceia especial e, muito menos, réveillon. Mas, no primeiro dia daquele “prometedor” Ano Novo, ao toque de alvorada, toda a gente se levantou de um pulo para participar na Grande Prova de Atletismo de São Silvestre, que tinha a respetiva partida marcada para as nove da manhã, na tabanca de Sinchã Maunde Bucô.
Era uma prova com apenas cerca de 10 km, aberta a militares e civis com assento na região, com prémios apetecíveis para os cinco primeiros classificados. Não seria, pois, de estranhar a fartura de candidatos que acorreu ao ponto de partida, conforme nos documenta, embora sem zoom, a foto n.º 1 de um qualquer repórter desconhecido.
Mas, interessante, interessante, seria reunir agora os mesmos atletas e pô-los a repetir a corrida de há cinquenta anos atrás.

Lá ao fundo, em Madina Bucô, toda a gente preparada para a partida (o jipe, ao volante do qual está o Capitão Carlos Clemente, fará as vezes dos batedores da polícia)
Estes dois ciclistas (o Migueis, à civil, e um dos professores da CCAÇ2701) funcionariam como uma espécie de diretores/controladores da corrida.
O carro da comunicação social, com especial destaque para a RTS (Rádio Televisão do Saltinho). O bigodinho preto e os rayban são do Furriel Miliciano Faria (Transmissões)
Frente do carro-vassoura com meros acompanhantes da corrida (os desistentes da prova vinham na traseira da viatura, que outro lugar não mereciam); com uma folha de papel na mão, o 1.º Cabo Escriturário Simão (entretanto falecido).
Posto de controlo na linha de chegada, à entrada principal do aquartelamento (o Alves, furriel miliciano vagomestre, está sentado à mesa, pronto a verter para o papel os nomes dos atletas por ordem de chegada; de pé, a seu lado, e de AVP1 no ouvido, o Damas (Transmissões); e à frente, mais duas figuras das Transmissões, cujo nome, de momento, não me ocorre; à esquerda, sentadinho atrás do ensonado cão de guarda, o 1.º Sargento Picado, já falecido (está sepultado em Aveiro, sua terra-natal, segundo creio).
Chegada dos segundo e terceiro classificados da prova. O vencedor foi o 1.º Cabo Cosme, do Pelotão de Caçadores Nativos 53, de que não tenho imagens (com um treinador como o Alferes Paulo Santiago…)
Na imagem, um dos tais "diretores/controladores” da prova (curiosamente, apesar de se deslocar em bicicleta, chegou depois de todos os outros - areão no piso, justificar-se-ia). Se repararmos bem, estava toda a gente de tacha arreganhada, falta saber onde estava a piada: atrás do Migueis, o 1.º Cabo Lourenço; na berma da estrada, dois homens das Transmissões, o 1.º Picado (calça escura) e alguns miúdos da população do Saltinho.
Traseira do carro-vassoura à chegada, com os desistentes da prova a meio-caminho, se tanto.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22768: Efemérides (358): Cerimónia de Concessão de Honras de Panteão Nacional a Aristides de Sousa Mendes, Lisboa, 19 de outubro de 2021 (João Crisóstomo, Nova Iorque)

Guiné 61/74 - P22874: "Alfero Cabral ca mori": Lista, por ordem numérica e cronológica, das 94 "estórias cabralianas" publicadas (2006-2017) - Parte I: de 1 a 19



Guiné 61/74 > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71) > Um intelectual das Avenidas Novas de Lisboa no meio dos Mamadu > Jorge Cabral, ex-alferes miliciano de artilharia, comandante desta unidade ao tempo do BCAÇ 2852 e do BART 2917.


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 > Bambadinca > Fá Mandinga > 1969 ou 1970 > "O 1º Cabo Monteiro, já falecido. Às costas, um pequenino Alfero Cabral " (JC)... 

A par da tragédia, a guerra da Guiné foi também um peça do Teatro do Absurdo... Jorge Cabral teve o grande talento e o especial mérito de nos mostrar, com um toque de genial humor, esse outro lado da guerra, que era o nosso quotidiano de gente com um grão de saudável loucura que nos ajudou a sobreviver ao "non-sense", o não-sentido de tudo aquilo que ali fomos obrigados a representar ou viver...

Fotos (e legendas): © Jorge Cabral (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Os restos mortais do Jorge Cabral (Lisboa, 1944 - Cascais, 2021) ficam doravante no cemitério do Lumiar. Mas o "alfero Cabral ca mori", o "Alfero Cabral" não morreu... Ficará connosco, na Tabanca Grande,  e as suas "estórias cabralianas"  estarão aqui, ao alcance de um clique, sempre que as quisermos (re)ler...

Temos 94 "estórias cabralianas" publicadas, numeradas de 1 a 94. A primeira foi publicada em 6/1/2006 e última em 16/1/2017. Só parte destas "estórias" foram publicadas em livro, em vida do autor (*).  Por outro lado, lançado em plena pandemia o livro não chegou a muitos dos seus leitores e admiradores.
 
Perdõem-me a imodéstia, mas fui eu quem descobriu, acarinhou, alimentou ... esse filão de humor do mais fino quilate que são as "Estórias Cabralianas"... O título, se não erro, também foi sugestão minha, que o "alfero" logo agarrou.

Mês a mês, desde os princípios de 2006, com maior ou menor regularidade, como quem paga uma dívida a um amigo, o Jorge lá me foi mandando o seu material ... Sempre lacónica nos seus emails, dizia-me: Sai estória, aqui vai estória, para desanuviar, para desopilar... 

Uma estória aqui, outra estória acolá (sem h, como fazia questão de sublinhar, que era para ninguém as confundir com a "realidade" e levar a sério o estoriador)... E, nesse ritmo de produção artesanal a que ele nos habituou, lá a chegou  às 64 ao fim de cinco  anos...(A nº 64 foi publicada em 9/11/2010)... A uma média, portanto, de doze por ano, 1 por mês...

2006 - 16 | 2007 - 15 | 2008 - 12 | 2009 - 14 | 2010 -    7  || Subtotal= 64.

Depois,  a produção tornou-se mais espaçada, a partir de 2011 (, cicno por ano, em média):

2011 -  5 |   2012 -  6 |  2013 -  8 | 2014 - 2 | 2015 - 5 | 2016 - 2 | 2017 - 2 || Subtotal = 30.
 

Eram short stories (ou micro-contos) que lhe vinham à cabeça e que ele passava a papel e depois a computador, entre duas aulas na Universidade ou duas audiências em tribunal. Um género literário que ele cultivava como ninguém... 

Enfim, eram sempre um belíssimo pretexto para falar da sua querida Guiné e das suas gentes com quem ele, de resto, continuava a privar de perto, na Universidade Lusófona: agora filhos de ministros, de combatentes da liberdade da Pátria, ou descendentes das mais puras estirpes das aristocracias fulas, mandingas ou manjacas...

E da Guiné ele só falava com (com)paixão e ternura, através dessa criação única, e que já entrou na galeria dos imortais da blogosfera, que é o nosso "Alfero Cabral", o seu "alter-ego", romântico, apaixonado, arrebatado, esotérico, excessivo, quixotesco, rocambolesco, pícaro, delicado, temerário, extravagante, poético, sensível, absurdo... Só não é brigão nem fanfarrão, mas tem uma vaga costela do pipi das Avenidas Novas e do Vavá, misturada com a máscara do furtivo irã do pensamento mágico que poisava nos poilões das tabancas balantas (Bissaque, Mero, Santa Helena, Nhabijões...).

Desconcertante, sempre, o nosso "Alfero"!... Recordo-me de, há uns anos atrás, ele ter-me perguntado, com o ar mais sério deste mundo,  se não queria comprar, a meias com ele, a Tabanca de Finete:
- Estás a ver, a bolanha, o Rio Geba, a rede preguiceira, uma bajuda para te enxotar as moscas!... O que é que um homem quer mais quando chega a SEXA ?!

Noutra ocasião, confidenciou-me que tinha de voltar a Fá... Porquê ?
- Deixei lá uns escritos importantes, escondidos num buraco tapado por um tijolo, no alto do depósito de água, que ainda lá continua de pedra e cal!...

Nunca o ouviu queixar-se da triste sina, à boa maneira dos tugas, nem esconjurar Deus, Alá ou os irãs, sempre sabendo pelo contrário tirar o melhor prazer e sábios ensinamentos de cada momento: 

"(...) Aqui estou novamente a falar dos meus tempos da Guiné. Tempos que não foram nem os melhores, nem os piores da minha existência. Foram sim, diferentes. Como se naquele período, eu tivesse vivido numa galáxia distante, onde fui outro Jorge, se calhar mais real, se calhar mais autêntico… Claro que essa experiência me marcou e muitas vezes aquele Alfero regre ssa e faz das suas… como aliás o prova a história de hoje. (...)

Por outro lado, sempre discreto mas atento, paisano de corpo e alma, filho degenerado, desconjuntado na farda de "Alfero do Mato" que lhe enfiaram pela cabeça abaixo:

(...) "Caros Amigos, hesitei muito em mandar mais uma estória. Ainda por cima sobre esquentamentos... Mas que raio de ex-combatente sou eu, que não falo da guerra? Pergunto-me, às vezes, se lá estive? Parece que sim. Um ano em Fá, outro em Missirá (acreditem, o mesmo do Beja Santos...), doze dias em Bambadinca, e dezoito na Ponte do Rio Undunduma. Conheci muito pouco e sempre de passagem. Enxalé, Xime, Mansambo e Xitole, de partida para operações. De Bafatá, o Teófilo e as Libanesas, mais umas damas simpáticas que trabalhavam na horizontal... à entrada da cidade. Não transitei por Bolama. Nem tive IAO. De rendição individual passei em quinze dias dos cafés da Av de Roma para a Ponte do Rio Undunduma...

"Confesso que nunca percebi muito da guerra... Fui apenas um simples Alferes de Mato, que comandou Destacamentos e alinhou em todas as operações para as quais o Pel Caç Nat 63 foi escalado. Mas se não percebi então, hoje ainda percebo menos... Estou porém agora a tentar aprender no Blogue!" (...)

Logo a seguir ao seu 77º aniversário (, em 6/11/2021), falando ao telemóvel e sentindo-se um pouco mais animado (depois do "grande ronco" que foi a ida à porta da sua casa, no Monte Estoril, de um numerosa representação das suas antigas alunas, as suas queridas "almas"), ele ainda me prometeu uma derradeira "estória", a propósito de um contacto de alguém da Guiné-Bissau... Já não teve, infelizmente forças para a escrever e ma mandar...
 
Está na altura de as ler, quem as não conhece. Ou de as reler, quem as já leu no devido tempo mas mas precisa de refrescar a memória... Curiosamente, só a partir de 2008 é que os nossos leitores começaram a deixar comentários nos postes desta série...  Por exemplo, a "estória nº 29" (poste P2334, de 16/12/2007) (**), uma das mais conhecidas e populares (, tendo batido o recorde,  com um total até agora de 1738 vizualizações), não tem um único comentário...

Vamos reparar essa injustiça. É a melhor forma de homenagearmos o seu autor e nosso já saudoso camarada Jorge Cabral.


2. 
Lista das estórias cabralianas, por ordem numérica e cronológica - Parte I: De 1 a 19:


20 de Abril de 2007 > Guiné 63/7 4- P1682: Estórias cabralianas (1): A mulher do Major e o castigo do Alferes (Jorge Cabral)

(...) Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso. (...)

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1688: Estórias cabralianas (2): O rally turra (Jorge Cabral)

(...) Numa tarde de tédio convenci o motorista da viatura existente em Missirá, um humilde Unimog, a dar um passeio. Pretendia visitar o Enxalé, seguindo pela estrada de Mato Cão, pela qual não passava qualquer veículo há muito tempo. (...)


23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)

(...) O Pel Caç Nat 63 esteve quase sempre em Destacamentos. Comigo em Fá e Missirá. Antes no Saltinho, e depois no Mato Cão. Para os Destacamentos eram mandados os especialistas que a CCS [do Batalhão sediado em Bambadinca] não queria. Assim, tive maqueiros que não podiam ver sangue, motoristas epilépticos e até um apontador de morteiros cego de um olho. Tudo boa rapaziada, aliás! (...)

18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - P437: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos.

(...) Dos quatro Comandantes de Bambadinca que conheci, apenas o Polidoro Monteiro me mereceu consideração. Dos outros nem vou dizer o nome, e de dois a imagem que guardo é patética . Assim, no rescaldo do ataque ao Batalhão, lembro o primeiro, à noite, de G-3 em bandoleira, pedir-nos:- Se houver ataque, acordem-me (...).

23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - P454: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra...

(...) Penso que, já em 1971, apareceu no Batalhão [de Bambadinca], um Alferes de secretariado, corrido de Bissau, por via de uns dinheiros. Chegou acompanhado de uma dama, sobre a qual corriam os mais variados boatos. Dizia-se, calculem, que ela tinha sido uma prenda de aniversário ao Alferes, enviada pelo pai, milionário do Porto. (...)

13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - P605: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá

(...) Poucos dias faltavam para o Natal, e a tarde estava quente. Todo nu no meu abrigo, fazia a sesta, quando sou despertado por enorme algazarra misturada com os ruídos do helicóptero.-Alfero, Alfero, é Spínola! - gritam os meus soldados (...).

17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - P620: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba

(...) Finda a comissão, calculem (!), fui louvado. O Despacho do Exmo. Comandante do CAOP Dois referia, entre outros elogios, a minha “habilidade para lidar com a tropa africana e populações”, a qual me havia “granjeado grande prestígio”. Esquecido, porém, foi o essencial – evitei a dezenas de Bajudas o repúdio matrimonial e a consequente devolução do preço. Essa tão meritória actividade, sim, teria merecido, não um simples louvor, mas uma medalha (...).

13 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - P690: Estórias cabralianas (8): Fá Mandinga no Conde Redondo ou o meu Amigo Travesti

(...) Na década de 80, dava aulas nocturnas numa Escola na Duque de Loulé e costumava descer a Avenida para tomar o Metro. Eis que uma noite, me vejo perseguido por um Travesti que me grita:- Meu Alferes! Meu Alferes! Alferes Cabral!... Tomado de terror homofóbico parei, negando conhecer a criatura, de longas pernas e fartíssimos seios. (...)

20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - P707: Estórias cabralianas (9): Má chegada, pior partida

(...) Com destino à Guerra, viajei no Alfredo da Silva, quase um cacilheiro, durante doze dias. Em primeira classe, sete oficiais e uma dona puta em pré-reforma habitavam um ambiente de opereta, jantando de gravata, com a estafada dama na mesa do comando. Depois havia a valsa… Cheirava a mofo, a decadência, ao fim do Império (...).

3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro

(...) Desde que cheguei, e durante o primeiro ano, o Pel Caç Nat 63, foi pluriétnico. Mandingas, Fulas, Balantas, Manjacos, Bigajós, estavam representados. Pluriétnico e plurirreligioso, com um Manjaco, Pastor Evangélico, um Marabú Mandinga Senegalês, vários adoradores de muitos Irãs, e até alguns crentes na Senhora de Fátima, vivendo todos em Paz ecuménica, sob a batuta do Alferes agnóstico com tendências panteístas, que pensava que nada o podia surpreender (...).


4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

(...) À noite, após o jantar, nós os nove brancos do Destacamento, continuávamos à mesa, conversando. Falávamos de tudo, mas principalmente de sexo, mascarando a nossa inexperiência, com o relato de extraordinárias aventuras que assegurávamos ter vivido. O nosso motorista havia até desenhado num caderno as várias posições, indagando de cada um:- E esta, já experimentaram? (...)

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor

(...) No dia seguinte a ter ocupado Fá Mandinga, apresentaram-se no quartel as lavadeiras, cinco ou seis bajudas, todas alegres e simpáticas. Uma, Modji Daaba, chamou-me logo a atenção pelo seu porte e beleza. Bonita de cara e perfeita de corpo, possuía um ar nobre e altivo que me cativou. Imediatamente a contratei como minha lavadeira exclusiva, tendo acordado uma remuneração superior na esperança de algumas tarefas suplementares… (Periquito, ainda não sabia, que com as bajudas mandingas era praticamente impossível ir além de algumas carícias peitorais…). (...)


28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)

(...) Terminada a especialidade de Atirador de Artilharia, permaneci como aspirante, em Vendas Novas, na respectiva Escola Prática. Aí me atribuíram variadas funções, Justiça, Acção Psicológica e Cultural, Revista Literária, etc, etc, pelo que quase nunca fiz nada. Quando me procuravam num lado, estava sempre no outro…Na Justiça, creio que apenas dei andamento a um processo, enviando uma deprecada para Angola, a perguntar se o Furriel Patacas possuía três mãos. (...).



24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)

(...) Julgo que aconteceu em Março [de 1971]. O dia decorrera em Alegria. Chegara a Missirá uma arca frigorífica a petróleo, oferta do Movimento Nacional Feminino, e cedo começaram as libações.Seriam três ou quatro da manhã, sou abruptamente despertado. Tiros (?). Rebentamentos (?). Fogo! Saio do abrigo nu, e deparo com meio quartel a arder.Ataque nunca podia ser! O Tigre [Beja Santos] já estava na Metrópole, Missirá era agora um oásis de paz, vigorando um tácito pacto de não-agressão (...).

14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)

(...) Chamavam-lhe, os africanos, o furriel Barril, não sei se pela sua compleição física, se por via da fama e do proveito que ganhara como bebedor quotidiano e calmo. Estou a vê-lo ao serão, bebendo à colher, com paciência e estilo, enquanto o alferes declamava, e o maqueiro Alpiarça escrevia a uma das dezenas das madrinhas de guerra. (...)


14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa

(...) Aos Domingos vestíamo-nos à paisana e dávamos longos passeios à volta da parada, imaginando praças, avenidas, ruas, adros de igreja e até estações de comboio. Depois entrávamos na Cantina e invariavelmente pedíamos 'Um fino e tremoços' (...).


10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)

(...) Creio que foi em Fevereiro de 1971, que em Missirá, recebi a ordem de Bissau – um dos furriéis passava a ser Professor, com dispensa de toda e qualquer actividade operacional. Ponderada a situação, optei pelo Amaral , cujo porte rechonchudo e as maçãs do rosto vermelhuscas, lhe davam um ar prazenteiro e bonacheirão, nada condizente com as funções de comandante de secção combatente (...).


26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1463: Estórias cabralianas (18): O Dia de São Mamadu (Jorge Cabral)

(...) Entre os dez militares metropolitanos do Destacamento de Missirá, apenas o Alferes era do Sul e de Lisboa – um rapaz de Alvalade, passeante da Praça de Londres e frequentador do Vává. Todos os outros, furriéis, cabos, e adidos especialistas, vinham do Norte ou das Beiras. (...).


18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)

(...) Bambadinca era então para o Alferes, feito nharro de Tabanca, a Cidade. Para lá ir, fazia a barba, aprumava o seu único camuflado apresentável, munia-se de alguns pesos e, acima de tudo, preparava o relim verbal sobre ficcionadas aventuras operacionais, que iriam impressionar o Comandante. Antes de entrar no Quartel, habituara-se a abancar no Gambrinus local, o tasco do Zé Maria, bebendo, petiscando e conversando. Um dia encontrou o Senhor Zé Maria, muito preocupado. O filho adolescente que estudava em Lisboa, ia chumbar. (...)

(Continua)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de