Cortesia da SIC (2022) |
1. "Despojos de guerra": série de 4 episódios, está a passar
na SIC, durante o mês de outubro. No passado dia 6
foi a estreia da série, com a exibição do 1º episódio ("A informadora", 51' ). Publicam-se os primeiros comentários dos nossos leitores, António Rosinha e Valdemar Queiroz.
Sinopse:
No auge da guerra colonial em Angola, uma comerciante e o marido avisavam a PIDE (polícia política) quando os guerrilheiros iam à sua loja abastecer-se de mantimentos. Sebastiana Valadas revela qual era o seu nome de código, quanto recebiam pelas informações e como prendiam os “turras”. Depois da descolonização, um deles ajustou contas e mandou prendê-la.
"Com recurso a imagens de arquivo extraordinárias e pela primeira vez submetidas a um processo de colorização inédito em Portugal", a série documental "Despojos de Guerra" é uma coprodução da Blablabla Media com a SIC, tendo o o apoio à inovação audiovisual do ICA – Instituto do Cinema e Audiovisual. A realização é da jornalista Sofia Pinto Coelho cuja equipa contactou o nosso blogue para cedência de algumas imagens e contactos.
Vd, também artigo no Expresso, de 18/2/2022.
Entretanto, apareceram já, no nosso blogue, alguns comentários sobre a série e este primeiro episódio, que parilhamos com os nossos leitores, na montra grande (*).
(i) Antº Rosinha (**)
Antº Rosinha, II Encontro Nacional da Tabanca Grande, Pombal, 2007. Foto: LG |
Valdemar, esta pequena reportagem sobre a senhora comerciante, que atraiçoou o comandante do MPLA [João Sebastião Arnaldo de Carvalho, "Tetembwa", comandante adjunto da 4ª Região do MPLA] , já bem nos finalmentes da nossa guerra [, em 1972] , dá um pouco para entender as enormes diferenças entre o que se passava em Angola durante 13 anos e o inferno da Guiné.
Embora a reportagem vá buscar as lembranças dos massacres do Norte com a UPA do 15 de Março de 1961, que foi mesmo e apenas na região dos Bacongos, mas que apesar de esse partido UPA/FNLA ainda hoje apenas continue nas eleições com 1%, continua sempre na nossa memória aqueles massacres, mas que não teve nunca a ver com esta região do Luso, que a senhora da galinha [Sebastiana Valadas] que estava a mais de 1000 Km.
Também trabalhei nesta região pela Junta de Estradas. A povoação de Cassai Gare, que tem uma estação dos caminhos de ferro de Benguela, é uma região onde nunca houve guerra a sério, ou seja a UNITA andava por ali mas bem controlada pelos Flechas e PIDE, e já quase no fim uma franja do MPLA instalou-se na vizinha Zâmbia, dizia-se que seria a "facção Chipenda". Mas seria em número tão reduzido e com pouco armamento, que não se lhe conheceu qualquer actividade.
De notar que medido no Google Earth, de Cassai Gare até à fronteira mais próxima (Catanga) são 150 km, mas se for para a fronteira da Zâmbia que vai pelo Cazombo, são mais de 300 Km.
Portanto, esse grupo atraiçoado pela senhora da galinha já demonstrou muita audácia onde dominava a UNITA e mesmo esta não andava muito à vontade porque os Ganguelas não gostavam deles.
Valdemar, vou dar uma informação sobre esses comerciantes que durante os treze anos de guerra em Angola, em todo centro, sul, litoral sudoeste e interior sudeste (Congo à parte) falavam em geral mais que um idioma, que era uma arma de defesa muito importante.
O angolano naquele tempo vivia em tribos muito fechadas umas das outras e falava apenas a sua língua e mal o português.
É o que me cumpre informar sobre o que vi na SIC e o que me lembro há mais de 45 anos, e o que vi no Google Earth, onde se reconhecem as casas dos comerciantes já meio em ruinas.
7 de outubro de 2022 às 00:16
(ii) Valdemar Queirox (foto à esquerda) (ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70):
Antº. Rosinha, não dá para comparar a guerra na Guiné e o que se passava na extensa Angola.
A galinha pareceu-me um galo. A senhora tinha naquele lugar, junto da estação, quase a família toda, ficou sozinha mais outra e nunca lhes fizeram mal, nem com um dedo.
Estes comerciantes "colons" eram conhecidos por serem informadores dos dois lados, e tanto uns como outros sabiam disso.
O meu compadre, casado com a madrinha do meu filho, teve durante muitos anos um restaurante no norte de Angola, junto da fronteira com o Congo e zona de implantação da UPA/FNLA. Dizia que camionistas faziam milhares de quilómetros para ir lá comer bife à ...(não me lembro). Tínhamos grandes discussões por ele ser salazarista, mas tinha uma bandeira da FNLA.
A realização da reportagem arranjou a coisa de maneira a não ferir suscetibilidades.
7 de outubro de 2022 às 02:59
(iii) Antº Rosinha;
Valdemar, a Guiné não tinha nenhuma comparação com Angola, no entanto o grande sonho de Cuba e União Soviética era alcançar primeiro Angola e depois África do Sul.
E taticamente, usaram o ponto fraco e mais fácil e mais barato e com menos riscos, a Guiné-Bissau.
E mesmo depois da independência usavam a Guiné e Cabo Verde para apoio logístico para aquela guerra de 28 anos em Angola. Essa, sim, guerra africana a sério.
Mas essa dos comerciantes, e toma atenção, os camionistas que faziam milhares de quilómetros por um bife. Camionista era uma profissão considerada como se fosse uma especialidade, em Angola, tinham a mesma fama de jogar com pau de dois bicos.
Em geral ser-se Camionista era ser dono do próprio camião e que no Congo da UPA deslocava-se em coluna militar mas no resto de Angola viajava por conta e risco e até contrabando fazia para os países vizinhos com mercadorias sem "guia", vez por outra apanhados pela polícia.
Essas duas actividades, comerciantes e camionistas, tipo caixeiros viajantes, é que foram no meu entender os grandes colonialistas à portuguesa, contacto total com as etnias porque o resto não passávamos de uns funcionários à espera do tempo passar.
Mas não pensemos que esses comerciantes "do mato" e os camionistas, durante a guerra não estavam conectados com os Governadores de distrito e com a PIDE e com os Chefes de posto.
Essa gente comprovadamente eram aqueles que melhor sabiam utilizar a Psico, a maneira deles, e como sabiam utilizar os idiomas tribais, conseguiam pôr os clientes a fazer-lhe a protecção que precisavam.
E como em 1961 aconteceu com a UPA no Norte o tal terrorismo, que a mulher do galo fala nisso, serviu de lição e dali para a frente tudo ficou de pé a trás.
Eu e centenas de colegas das Estradas, outros de Geologia e Minas, e várias outras missões, também agrónomos, corríamos tudo, mas olho no burro olho no cigano, e onde houvesse comerciantes estacionavamos sempre, e até se pernoitava e pedíamos conselhos.
Essa insignificante reportagem da mulher com o galo, é muitíssimo elucidativa de um dos pormenores que se passavam em Angola.
Quase incompreensível para quem tenha vivido a guerra da Guiné, e até para muitos milhares de portugueses que apenas viveram nas cidades de Angola.
O povo não tinha a mínima fé nos 3 movimentos, 3 sem falar nas facções do MPLA que depois se viu a mortandade do 27 de maio de 1977 entre eles.
Era o povo que nos segurava, 13 anos fabulosos "escandalosamente" que eu vivi.
Evidentemente que enquanto houvesse uma mina na estrada estávamos em guerra.
Mas o mais perigoso para a tropa, onde ficou muita gente, foi aquelas estradas para pequenas velocidades, mas que os unimog guiados por jovens motoristas largavam-se, até eu andei aos trambolhões.
7 de outubro de 2022 às 12:09
(iv) Valdemar Queiroz:
Então, quer dizer que aqueles milhares de jovens que morreram na guerra da Guiné, em Angola e Moçambique foi para defesa dos interesses dos EUA, e não teve nada a ver com o barrete salazarado do Portugal de Rio de Onor a Timor ...e quem se lixou foram os mexilhões da costa vicentina?|
7 de outubro de 2022 às 13:44
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(*) Vd. poste de 6 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23677: Agenda cultural (818): "Despojos de guerra", série em quatro episódios, de 40' cada, sobre a guerra colonial: estreia hoje na SIC, no Jornal da Noite
(**) António Rosinha:
(i) ) beirão, tem mais de 130 referência no nosso blogue;
(ii) é um dos nossos 'mais velhos' e continua ativo, com maior ou menor regularidade, a participar no nosso blogue, como autor e comentador;
(iii) andou por Angola, como topógrafo, nas décadas de 50/60/70, do século passado;
(iv) fez o serviço militar em Angola, sendo fur mil, em 1961/62;
(v) diz que foi 'colon' até 1974 e continua a considerar-se um impenitente 'reacionário' (sic);
(vi) 'retornado', andou por aí (com passagem pelo Brasil, já sem ouro, nem pedras preciosas...), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência';
(vii) o seu patrão, o dono da TECNIL, era o velho africanista Ramiro Sobral;
(viii) é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho'';
(ix) pelo seu bom senso, sabedoria, sensibilidade, perspicácia, cultura e memória africanistas, é merecedor do apreço e elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, fazendo gala de ser 'politicamente incorreto' e de 'chamar os bois pelos nomes';
(x) a ele poderá aplicar-se o provérbio africano, há tempos aqui citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado debaixo da árvore a fumar o seu cachimbo".