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domingo, 31 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21828: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte XI: atividade operacional, agosto/setembro de 1967, destaque para a Op Vénus, no Morés, região do Oio


Guiné > Bissau > Brá > 1966 > CCmds do CTIG >  O Alf Mil Virgínio Briote, à esquerda, ladeado de dois dos primeiros comandos africanos, o Jamanca e o Joaquim. Esta era a 1ª equipa do seu grupo de comandos, "Diabólicos" [que, juntamente com os "Centuriões", do alf mil 'comando' Luís  Rainha, fez a primeira operação helitransportada no CTIG, em março de 1966 (*)]. 

Essta foto foi tirada em vésperas da Op Atraca. O 1º cabo Abdulai Queta Jamanca integraria depois a 3ª CCmds, cuja história temos estado a apresentar.

 
 Foto (e legenda): © Virgínio Briote  (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Brasão da 3ª CCmds (1966/68)





1. Começámos a publicar, em 17/11/2020, uma versão da História da 3ª Companhia de Comandos (Lamego e Guiné, 1966/68), a primeira, de origem metropolitana, a operar no CTIG. (Hão de seguir-se lhe, até 1974, mais as seguintes: 5ª, 16ª, 26ª, 27ª, 35ª, 38ª e 4041ª CCmds.)

O documento mimeografado, de 42 pp., que nos chegou às mãos, é da autoria de João Borges, ex-fur mil comando, já falecido (em 2005), e que vivia em Ovar. Trata-se de um exemplar oferecido ao seu amigo José Lino Oliveira, com a seguinte dedicatória:

"Quanto mais falamos na guerra, mais desejamos a paz. Do amigo João Borges".

Uma cópia pelo José Lino foi entregue ao nosso blogue para publicação. (*)




História da 3ª Companhia de Comandos
(1966/68) (**)


3ª CCmds
(Guiné, 1966/68) / João Borges
Parte XI (pp. 26-29)




16 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21774: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte IX: atividade operacional: maio de 1967: destaque para a Op Xerês

9 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21751: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte VIII: atividade operacional: março/abril de 1967: destaque para a Op White Label: golpe de mão ao acampamento de Cã Quebo, no Oio, que dispunha de abrigos de cimento

4 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21733: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte VII: atividade operacional: dezembro 1966 / fevereiro de 1967: destaque para a Op Valquíria, Catió, Cufar

27 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21699: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte VI: atividade operacional: Susana (Arame), Jababá (Flaque-Cibe e Bissilão), novembro de 1966

20 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21667: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte V: atividade operacional: Jugudul (Ansonhe e Ponta Bará), Tite (Jorge), outubro de 1966

16 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21650: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte IV: atividade operacional: Tite (Nova Sintra, Flaque Cibe, Jabadá, Jufá), setembro de 1966

10 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21628: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte III: Composição orgânica

24 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21578: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte II: Cruz de Guerra de 1ª classe; Mobilização, composição e deslocamento para o CTIG

17 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21552: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte I: "A minha história"

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21056: Tabanca Grande (494): Edgar Tavares Morais Soares, ex-Fur Mil Op Especiais da CCS/BART 3873 (Bambadinca, 1971/74), 808.º Grã-Tabanqueiro da nossa tertúlia

1. Por intermédio do camarada Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, tertuliano n.º 2 do nosso Blogue, chegou até nós esta mensagem de Edgar Tavares Morais Soares, ex-Fur Mil Op Especiais da CCS/BART 3873 (Bambadinca, 1971/74), com data de 28 de Abril de 2020, que, apadrinhado pelo Sousa de Castro, passa a partir de hoje a figurar entre os antigos combatentes da Guiné sentados à sombra do nosso poilão sagrado. 

Edgar Soares passa a ser o 808.º Grã-Tabanqueiro do nosso Blogue e escreveu o texto abaixo em memória do Tenente Graduado Comando Abdulai Queta Jamanca, Comandante da CCAÇ 21.

Carísimo! 

Escrevi este texto no dia 25 de abril em respeito à memória de um bravo homem, Tenente Jamanca da CCAÇ 21, fuzilado como todos os homens da sua Companhia, com quem partilhei várias situações de “desprezo” pela vida em defesa de uma causa que no fundo nos empurrava para aquela situação de sobreviver, “matando para não morrer”, em nome da Pátria…

Edgar Soares
Ex-Fur Mil Op Esp


Edgar Soares em Bambadinca


Edgar Soares na actualidade


Bambadinca: messe de sargentos


Uma festa em Bambadinca na messe de sargentos


Bambadinca: Equipa de futebol

********************

Hoje, 25 de abril, de 2020, também a mim me apetece contar algumas histórias das minhas vivências da época.

Como todos os Portugueses de boa memória, é obvio e natural que rejubilei com os acontecimentos e princípios que presidiram ao 25 de abril de 1974. Todavia, existe um passado que se torna sempre muito recente no meu ego, que me persegue muito profundamente e, como tal, não posso mais calar.


1.º Cabo Comando Jamanca
Como à data, 1974, denunciei, fui militar na Guiné, durante 27 meses e meio, com términos da comissão a 04 de abril de 1974, data de desembarque em Lisboa. Na Guiné, estive integrado no BART 3873, sediado no setor Leste, na região de Bambadinca. 

Do nosso Batalhão, faziam parte as Companhias CCS, CART 3492, CART 3493 e CART 3494, que ocuparam os aquartelamentos, respetivamente, de Bambadinca, Xitole, Mansambo e Xime. Em Bambadinca, tínhamos um centro de formação de tropas nativas, e, afeta à CCS, uma Companhia de Intervenção nativa, a CCAÇ 12, comandada pelo Capitão Bordalo,  ranger, que viveu os seus últimos anos em Lamego, sendo os mais graduados do continente. 

Posteriormente, a CCAÇ 12, foi rendida por uma outra companhia de nativos, na sua totalidade, a CCAÇ 21, comandada pelo magnifico Tenente Jamanca.

Ainda como tropas nativas, tínhamos múltiplos pelotões de milícias, em autodefesa, nas zonas de Mato Cão, Amedalai, Finete, Fá Mandinga, Missirá, Enxalé, no reordenamento de Nhabijões, etc…

Durante o Comando-Chefe do General Spínola, na Guiné, foi desenvolvida toda uma Acção Psicológica, junta das populações nativas e até das nossas tropas, onde destaco a máxima “Guiné de Hoje Guiné Melhor”, e mal daquele que agredisse, fisicamente ou verbalmente, um nativo… 

Mais se dizia nessa “Psico”, “juntem-se a nós, porque quando a independência chegar, vocês serão os futuros detentores do poder que vier a ser constituído”.

Foi então naquele contexto militar, e já com o General Bettencourt Rodrigues a render o General Spínola, que ali permaneci com os meus camaradas de armas. Após 15 dias do regresso, por términos de comissão, aconteceu o 25 de Abril, estando eu nesse mesmo dia, por coincidência, no Quartel do RAP 2, em Gaia, quando chegou a notícia que estava a haver um levantamento militar em Lisboa…

Muito rapidamente, notou-se o Povo a começar a vir para a rua e então logo se começaram a ouvir alguns gritos, que se foram tornando muitos: - “liberdade, abaixo o fascismo, morte à Pide…” e muitos outros slogans que as circunstâncias impunham…

Lembro-me de estar no meio de um tiroteio, na Av. Rodrigues de Freitas, frente à biblioteca, em S. Lázaro e ter socorrido uma jovem que, ao fugir tropeçou, bateu com a cabeça na berma do passeio e desmaiou. Os tiros vinham da esquadra da PSP e de uma viatura da mesma polícia que, entretanto, estava a ser apedrejada pelos populares…

Sim! Sim! Sim! Viva o 25 de Abril, enquanto movimento de uns tantos militares, “os capitães de abril”, em luta pela liberdade intelectual e moral de um Povo amordaçado no falar, no dizer, de pensamento condicionado pela censura, com toda a sua juventude refém de acontecimentos inopinados, motivados pela obrigatoriedade do cumprimento do serviço militar…

Entretanto, decorridos os primeiros entusiasmos, eis que o poder, depois de ter passado pela rua, “MFA/POVO/POVO/MFA”, é entregue aos supra interesses “manipulados e manipuláveis” dos emergentes políticos, que, com retóricas, quais as mais iluminadas, perante um povo vazio de doutrinas ideológicas, mais preparado para um seguidismo fácil, e foi assim que vimos o processo a evoluir, abruptamente, com vários ziguezagues, até ao ponto aonde eu agora quero chegar... A descolonização.

Com aquele processo de descolonização, das nossas então províncias ultramarinas, surgiu, quanto a mim, uma das maiores vergonhas da nossa história… Após guardarem os CRAVOS, eis que se fez jorrar o SANGUE dos “mártires portugueses agora anónimos” do 25 de Abril…

Sabiam que de um momento para o outro, àqueles portugueses, tropa nativa, que sempre estiveram na linha da frente, ao nosso lado, a lutar tal como nós, por ideias e ideais um tanto desconhecidos de muitos, mas que nos eram impostos, ao serviço da PÁTRIA, lhes foram retiradas todas as armas e mais elementos de defesa, pessoal e coletiva?

Sabiam que aqueles autênticos guerrilheiros foram deixados ficar para trás, pela sua Pátria de então, entregues única e exclusivamente às suas sortes, acabando, na sua grande maioria, foragidos nas matas?

Sabiam que os nossos políticos outorgantes da Independência ao PAIGC, os deixaram sem qualquer obrigatoriedade de indulto impositivo, para não terem de enfrentar os pelotões de fuzilamento, do inimigo de outrora?

Sabiam que todos aqueles que estiveram identificados como nossos tropas ou aliados, foram passados a bala, em fuzilamentos individuais e coletivos, sem qualquer possibilidade de defesa, vindo a ser sepultados uns e enterrados outros, quais campos nazis, em balas comuns, quantos deles, soldados sargentos e oficiais, “Tenente JAMANCA”, com condecorações múltiplas por atos e atitudes de distinção ao serviço da PATRIA? 

Pois tudo isto se passou e muito mais, o que considero a vergonha do “25 de ABRIL” …

Mas, reparem os comentadores e nossos historiadores, que não foram só os nossos soldados, sargentos e oficiais nativos que enterramos ingloriamente!!! Que havemos de pensar e dizer de todos aqueles que um dia também daqui partiram com os mesmos propósitos militares, ao serviço da PÁTRIA, e lá tombaram, ou regressaram, com problemas de natureza múltiplas, outros tantos com as mesmas condecorações, pelos mesmos atos de distinções??? 

Não estará na hora de nos perguntarmos, portugueses, se tudo pelo que passamos, os de cá e os de lá, valeu a pena?...

É bem capaz que os maiores culpados dos acontecimentos supra, sejam os do velho regime, “Fascismo”, até por não terem sabido ou querido resolver os problemas da independência a seu tempo!!! Na realidade, cada um por si, se me afigura que o socialismo e as outras ditas ideologias, democráticas, também não estiveram em nada melhor na gestão daquela “herança”, e bem pior, desonraram-se e desonraram historicamente todo um Povo... “Por negligência agnóstica?” Não acredito. Com certeza, outros valores que a razão ainda quer desconhecer, estiveram por detrás de todos aqueles acontecimentos…

Uma coisa é certa, toda uma geração, que também é a minha, terá que ficar com a amargura dos factos da história não contada, desvirtuada no nosso desempenho de serviço à dita PÁTRIA, ficando-nos sem dúvida, como maior consolação, as muitas amizades que ao tempo fomos acumulando, lá e cá, e que vamos alimentando nos momentos que promovemos dos sãos convívios dos velhos “guerrilheiros”…

Como dizia o Camões, para o bem e para o mal:
- “…DITOSA PÁTRIA QUE TAIS FILHOS TENS” (?)…

“Glória aos vencedores, honra aos vencidos”!...
Descansa em Paz,  JAMANCA e Todos Aqueles que te acompanharam na dita e na desdita!...

Alvarenga 25 de abril de 2020
Edgar Soares

********************

2. Comentário do editor:

Caro Edgar Soares, bem-vindo à nossa Tabanca Grande e à sombra do nosso poilão.

Como não temos lugares marcados, que estão todos de acordo com as normas de afastamento e segurança nesta época de COVID, podes entrar e sentar-te onde quiseres. Prepara os teus textos e fotos, que partilharás connosco na cadência que te convier, para que possas contribuir com as tuas memórias de guerra. 

Quem sabe, não estaremos a fazer história e a deixar aos nossos vindouros registos na primeira pessoa para que se possa fazer a história da guerra na Guiné.

O BART 3873 tem 189 entradas no Blogue, muitas delas graças ao Sousa de Castro, julgo eu, mas, como sargento da CCS, terás outras perspectivas e outras vivências a contar-nos.
Estamos ao teu dispor em luis.graca.prof@gmail.com e/ou nos endereços dos outros dois editores, Carlos Vinhal e Eduardo Magalhães, que encontrarás na aba esquerda da nossa página.

Em nome da tertúlia e dos editores, deixo-te um abraço de boas-vindas. Carlos Vinhal,
____________

Nota do editor

Último poste da série de 25 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20900: Tabanca Grande (493): José Carvalho, natural do Bombarral, com amigos na Lourinhã, ex-alf mil inf, CCAÇ 2753, "Os Barões do K3" (Bissau, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim / K3 e Mansába, 1970/72): senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar n.º 807

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14928: Manuscrito(s) (Luís Graça) (62): "I want you, dead or alive"




Vídeo (0' 06'') > Alojado em You Tube > Luís Graça


Lourinhã, Vimeiro, 18 de julho de 2015_Reconstituição histórica da batalha de 21 de agosto de 1808 e mercado oitocentista. Vídeo: Luís Graça (2015)




"I Want you, dead or alive"
por Luís Graça (*)


À memória do Umaru Baldé, (que morreu de sida e tuberculose, no terminal da morte que dá pelo nome de Hospital do Barro, em Torres Vedras);

do Abibo Jau (, o gigante do 1º Gr Comb da CCAÇ 12., fuzilado em Madina Colhido);

do Abdulai Jamanca (, cmdt da CCAÇ 21, fuzilado em Madina Colhido);

do Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015);

do Iero Jaló (, o 1º morto em combate, da CCAÇ 12, em 8/9/1969);

do Manuel da Costa Soares (, sold cond, da CCAÇ 12, morto em Nhabijões, em 13/1/1971, por uma mina A/C, sem nunca ter chegado a conhecer a sua filha);

do Luciano Severo de Almeida ( que terá morrido de morte violenta, já como paisano);

e dos demais camaradas da CCAÇ 12 e da CCAÇ 21,
brancos e pretos,
mortos em combate
ou abandonados à sua sorte,
depois do regresso a casa
ou da independência da Guiné-Bissau;

ao José Carlos Suleimane Baldé,
felizmente ainda vivo, espero,
a morar em Amedalai, Xime
(e o único camarada guineense da CCAÇ 12
a integrar a Tabanca Grande);

a todos os demais camaradas da Guiné
que ainda hoje estão (sobre)vivos.




Foderam-te, meu irmão!
Enganaram-te, irmãozinho!
Traíram-te, amigo!
Deixaram-te para trás, camarada!

Não, não era este país milenário
que vinha no cartaz de promoção turística,
com montes, vales e charnecas,
com rios, praias e enseadas,
com fama de gente patriótica,
riqueza gastronómica
e forte sentido identitário.

“I want you”,
disseram-te eles,
e tu respondestes sem hesitar:
“Pronto!”.

Meu tonto,
disseste "presente!",
mesmo sem poderes avaliar
todas as consequências presentes e futuras
da tua decisão,
em termos de custo/benefício.

Decidiste com o coração,
não com a razão,
deste um passo em frente,
abnegado e generoso,
mesmo sem saberes
onde era o distrito de recrutamento,
e sem sequer conheceres
o teatro de operações,
o estandarte,
o fardamento,
a ciência e a arte da guerra,
o comandante-chefe
ou até mesmo a cara do inimigo.

Um homem não vai para a guerra
sem fixar a cara do inimigo,
sem reconhecer a voz do inimigo,
pode ser que seja teu pai,
mãe, irmão, irmã,
vizinho, amigo,
ou até mesmo um estrangeiro,
um pobre e inofensivo estrangeiro,
apanhado à hora errada no sítio errado.

Camarada,
um homem não mata outro homem
só porque é estrangeiro,
ou só porque não pensa ou não sente como tu,
um homem não puxa o gatilho
ou saca da espada,
sem perguntar quem vem lá!

Enfim, não se mata um homem,
de ânimo leve,
gratuitamente,
só porque alguém o elegeu como teu inimigo.

Não, meu irmãozinho,
não eram estes outdoors
e muros grafitados,
ao longo da picada,
não, não era este trilho,
que era pressuposto levar-te
do cais do inferno
às portas do paraíso.

Sim, porque no final, 
meu irmão,
há sempre alguém a prometer-te
o paraíso,
o olimpo,
o panteão nacional
ou cruz de guerra com palma,
em troca da dádiva suprema
da tua vida,
do teu corpo,
da tua alma.

Todos te querem,
todos te queremos,
“I want you”,
sim, quero-te, mas por inteiro,
quanto mais não seja
para tirar uma fotografia contigo,
não vales nada
cortado às postas,
decepado,
decapitado,
ou, pior ainda,
perdido, errático,
com stress pós-traumático
sem bússola nem mapa,
apanhado à unha pelo inimigo,
ou fuzilado no poilão de Bambadinca
ou de Madina Colhido.
Fuzilado, és um cadáver incómodo,
apanhado, és um embaraço diplomático,
pior do que tudo isso,
doente psiquiátrico.



Não, não foi este destino
que compraste,
com o patacão do teu sangue, suor e lágrimas,
enganaram-te, os safados,
os generais
e os seus ajudantes de campo,
os burocratas da secretaria,
os recrutadores,
a junta médica,
os instrutores
e até os historiadores.

“Guinea-Bissau, far from the Vietnam”,
alguém escreveu no poilão de Brá
ou na estrada de Bandim,
a caminho do aeroporto, tanto faz,
“Tuga, estás a 4 mil quilómetros de casa”.
Ou então foi imaginação tua,
pesadelo teu,
deves ter sonhado com essa placa toponímica,
algures,
numa noite de delírio palúdico,
deves tê-la visto
a sul do deserto do Sará.

Alguém sabia lá
onde ficava a Guiné,
longe do Vietname,
alguém se importava lá
com o teu prémio da lotaria da história,
mesmo que em campanha
te tenhas coberto de glória!

Acabaram por te meter
num avião “low cost”
ou num barco de lata,
ferrujento,
deram-te um pontapé no cu
ou cravaram-te a tampa do caixão de chumbo.
"Bye, bye, my friend.
Fuck you, man”.
Nem sequer te desejaram
"Oxalá, inshallah, enxalé,
que a terra te seja leve!"

País de merda"...
Tinha razão o polícia, racista,
que te quis barrar a entrada
no aeroporto de Saigão
(ou era Lisboa ?
ou era Amsterdão?).

Quem disse que os polícias
de todo o mundo
são estúpidos ?
Até o polícia racista
entende o sofisma
do país de merda:
“Pensando bem,
soletrando melhor,
país de merda,
país de merda,
só pode ser o meu”.

Os gajos estavam fartos de ti,
meu irmão,
meu camarada,
meu amigo.
Os gajos pagavam-te,
se preciso fosse,
para se verem livres de ti,
vivo ou morto,
devolvido à procedência.

“I want you, alive ou dead”,
porque na contabilidade nacional
tudo tem de bater certo,
diz o cabo arvorado.
Todo o que entra, sai,
é o deve e o haver
do escriturário, encartado,
mesmo que seja merda:
“Garbage in, garbage out”,
se entra merda, sai merda.

Procuraram-te por toda a parte,
do Minho ao Algarve
do Cacheu ao Cacine,
só te queriam bem comportado,
escanhoado,
ataviado,
de botas engraxadas,
se possível herói de capa e espada,
medalhado, condecorado,
de cruz de guerra ao peito,
mesmo que viesses amortalhado.

E tu ?
Sabias lá tu
o que era a pátria,
onde ficava a tabanca da pátria,
onde começava e acabava o chão da pátria ?
Muito menos sabias
a geografia da guerra,
Aljubarrota,
Alcácer Quibir,
Vimeiro,
Waterloo,
La Lys,
lha do Como,
Guidaje,
Gadamael,
Dien-Bien-Phu,
Madina do Boé,
Ponta do Inglês,
Madina Belel...

Conhecias lá tu
da pátria a anatomia e a fisiologia ,
o intestino grosso e delgado,
o que é que a pátria comia,
o que é que a pátria defecava,
ou até mesmo o que é que a pátria sentia e pensava,
se é que a pátria deveras sentia e pensava.

Queriam-te sedado,
anestesiado,
amnésico, de preferência,
sobretudo amnésico.
alienado,
aculturado,
desformatado,
paisano,
só assim eles te queriam de volta
ao teu anódino quotidiano,

Meu irmão,
meu pobre camarada,
fizeste por eles
o trabalho sujo
que compete a qualquer bom soldado
em qualquer guerra.
Mas nem como soldado eles te trataram,
nem sequer como mercenário
te pagaram,
em espécie ou em géneros.

Afinal a guerra acabou,
como todas as guerras acabam,
até mesmo a guerra dos cem anos
teve um fim
com o seu rol de mortos, feridos e desaparecidos.
“Para quê mexer agora na merda, ó nosso cabo ?”,
pergunta o sorja da companhia.
“Boa pergunta, meu primeiro,
mas há muito já que eu não cheiro,
a guerra embotou-me os sentidos”.

Luís Graça
Lourinhã, Vimeiro, 18/7/2015,
Reconstituição histórica da batalha do Vimeiro (21/8/1808)
____________

Nota do editor:

Último poste da série > 8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14846: Manuscrito(s) (Luís Graça) (61): Poema interpretativo da batalha do Vimeiro (, dedicado ao Eduardo Jorge Ferreira)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (1): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte I (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)



[Foto à direita: Jaime Mota, 34 anos, combatente do PAIGC, natural de Cabo Verde, Pim, Ilha de Santo Antão, morto em combate, em 1974. Reproduzida,  com a devida vénia,  do sítio da Fundação Amílcar Cabral, Praia, Cabo Verde]:



1. Mensagem de 13 de Junho de 2014 às 11h01, do jornalista e escritor de Cabo Verde José Vicente Lopes:

Prezados senhores:

Chamo-me José Vicente Lopes, sou jornalista, cabo-verdiano, e tenho investigado a história recente de Cabo Verde (e um pouco da Guiné), com alguns livros já publicados, casos de Os bastidores da independência e Aristides Pereira, Minha vida, nossa história.

Recorro à vossa comunidade/préstimos para o seguinte: em 7 de Janeiro de 1974, na zona de Canquelifá, na Guiné, numa emboscada, morreu o cabo-verdiano Jaime Mota, um cubano e um guineense, do PAIGC.

Em primeiro lugar, gostaria de saber quem era o comandante do quartel dessa zona.

E,  se possivel,  também se alguém me saberá dar conta do que realmente se passou com os três individuos. O cabo-verdiano, sei, foi capturado vivo e depois morto pelos Comandos Africanos que o aprisionaram.

Grato desde já pela vossa colaboraçao me despeço atenciosamente

JVL

PS - tentei mandar a mesma mensagem para Luís Graça, mas parece que o email tem algum problema.




Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > Em primeiro plano, o Virgínio Briote e o Amadu Djaló, um e outro muito acarinhados por todos. Não sei o que é o que Virgínio, um homem sábio, europeu, estava a pensar, mas possivelmente estava a organizar a sua resposta à questão, pertinente, levantada pelo Amadau, outro homem sábio, africano:

 "Os portugueses, a alguns povos, deram-lhes novos nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos"...

Vai daqui um grande abraço fraterno para os dois, e com votos de bem sucedida recuperação, para o Amadu Djaló,  da grave crise de saúde que o levou recentemente a ser internado no Hospital Militar, no Lumiar e onde continua, em tratamento.

Foto (e legenda): © Luis Graça (2010). Todos os direitos reservados

2. No dia 8 do corrente, o nosso editor Luís Graça reencaminhou a mensagem supra, para o Virgínio Briote, com o seguinte pedido:

Tenho este assunto "emperrado" desde junho de 2014, por falta de tempo (para uma pesquisa mais demorada)... Mas gostava de responder ao jornalista José Vicente Lopes...

Na pag. 269, do livro do Amadu Bailo Djaló ("Guineense, Comando, Português", Lisboa, Associação de Comandos, 2010), há uma referência à Ação Minotauro. que se realizou em 7/1/1974 (nota de rodapé, da tua autoria, como todas as outras)..

Nessa ação o Amadu refere a morte de 3 guerrilheiros, "um cubano e dois fulas" (sic), que foram depois transportados para Canquelifá. Foram apanhadas as respetivas armas e um rádio, nosso, que tinha sido perdido em 23/12/1971...

Nesta altura, o Amadu já está na CCAÇ 21, comandada pelo tenente 'comando' graduado Abdulai Jamanca, e que foi reforçar Canquelifá (onde estava, como unidade de quadrícula, a CCAÇ 3545, comandada pelo cap mil inf Fernando Peixinho de Cristo).

O jornalista José Vicente Lopes quer apurar a verdade (e nós ainda mais) sobre o que se passou:

(i) "a 7 de Janeiro de 1974, na zona de Canquelifá, na Guiné, numa emboscada, morreu o cabo-verdiano Jaime Mota, um cubano e um guineense, do PAIGC";

(ii) "gostaria de saber quem era o comandante do quartel dessa zona" (...) também se alguém me saberá dar conta do que realmente se passou com os três indivíduos"

(iii) O cabo-verdiano, sei, foi capturado vivo e depois morto pelos Comandos Africanos que o aprisionaram"...


Apelo à tua memória e às longas conversas que tiveste com o Amadu para a elaboração do seu livro de memórias... E, a propósito, espero que ele se recomponha da situação de doença que o levou recentemente ao hospital militar...

Em tempo: pelo que conhecemos do Amadu, ele seria incapaz de confundir um fula com um caboverdiano. E. se facto, houve uma execução sumária (, coisa que me parece pouco provável), o Amadu ter-te-ia seguramente referido esse facto.  Nesse dia, Canquelifá foi atacado em força (bem como Copá), facto que é referido pelo Amadu (p. 270): os 3 corpos foram trazidos para Canquelifá e, durante um intervalo dos bombardeamentos, sepultados junto à pista de aviação...

Um abraço fraterno. Luis

PS - Tomo a liberdade de dar conhecimento ao jornalista dos factos que entretanto apurei bem como do teor desta nossa conversa. Entretanto, lê a versão, repleta de pormenores macabros, sob o título "O martírio de Jaime Mota", que o jornalista publicou, no jornal A Nação, 20/1/2014, e reproduzido no sítio da Fundação Amílcar Cabral

3. No mesmo dia, o jornalista mandou-nos a seguinte mensagem:

 Obrigado pela resposta, ainda que tardia, já que tive de avançar com o artigo publicado, como diz o texto em anexo, no jornal A Nação. O texto republicado pela Fundação Amilcar Cabral, como se terão apercebido, é meu, está muito maltratado, por gralhas, nalguns casos perfeitamente identificáveis. 

Tirando isso, este é um assunto que continua a interessar-me já que estou a escrever sobre a presença de cabo-verdianos na guerra da Guiné. Tudo indica que a operação por vós relatada, a 7 de Janeiro, é a mesma da morte de Jaime Mota, do tal cubano e mais um guerrilheiro guineense. Efetivamente, Jaime Mota era cabo-verdiano, sendo negro/mulato é possivel que tenha sido tomado por fula.  

Gostaria de ter o livro [. do Amadu Bailo Jalé,] a que se refere na vossa resposta. Como poderei obtê-lo? 

Um bom ano a todos e continuaçao de sucessos no vosso trabalho. 

JVL 

4. No mesmo dia fiz o seguinte pedido ao Virgínio Briote:

Vb:

Aqui tens a resposta do jornalista que é também o autor do artigo republicado na Fundação Amílcar Cabral... O artigo, lido por alto, parece-me muito fantasioso, baseados em fontes (?) pouco credíveis ("  dados obtidos por Joaquim Pedro Silva, Baró,  especialmente junto de um piloto português, que vivenciou aquele momento")...  

A cena da tortura e da morte do tal Jaime Mota parece-me ser "cinematográfica" demais para ser verdade... A captura, tortura e execução do Jaime Mota é, parece-me,  erradamente, atribuída ao grupo especial de Marcelino da Mata [ "Os Vingadores, que não me parece estar em Canquelifá nessa data, mas sim em março de 1974, quando é apanhada uma ambulância do PAIGC que transportava armamento].

Tu conheceste o Abdulai Jamanca, do tempo dos comandos do CTIG (1965/66)... Pergunto se era homem e militar para autorizar esta barbárie ? A CCAÇ 21 só tinha militares guineenses, incluindo graduados e quadros especialistas, alguns deles da minha antiga CCAÇ 12, já com grande experiência operacional...

Mandam as boas regras da investigação social o respeito por 2 regras básicas: (i) a triangulação de fontes e versões dos factos (princípio do contraditório); e a (ii) saturação  da informação (o que implica ouvir várias versões, e se possível complementares, dos acontecimentos) ...

Acho que é importante manter a ponte com Cabo Verde, país irmão, e neste caso com este jornalista e escritor que eu não conheço, mas que se interessa (e ainda bem!) pela historiografia da presença cabo-verdiana nas fileiras do PAIGC durante a guerra colonial na Guiné, presença sobre a qual temos falado pouco no nosso blogue. 

Seria interessanet poder mandar-lhe o livro do Amadu ou cópia da parte que lhe interessa... Que me dizes ?... Ab. Luis


5. Em conversa telefónica, há uns dias atrás o Vb prometeu fazer ume entrevista, gravada,  com o Rachid Bari, que foi soldado das transmissões da CCaç 21 e participou na Ação Minotauro. Ele vive na região de Lisboa (Belas, Sintra).  O testemunho dele já me foi entregue ontem, pelo Vb, para ser publicado no poste a seguir.

_______________

Nota do editor:

(*) Excertos de "O martírio de Jaime Mota", de José Vicente Lopes. (Reproduzidos, com a devida vénia, do sítio da Fundação Amílcar Cabral, Praia, Cabo Verde. (Seleção e fixação de texto: LG]

(...) Jaime Mota figura na galeria dos heróis cabo-verdianos tombados na luta pela independência da Guiné e Cabo Verde, sob a égide do PAIGC, gesta esta que, no caso deste arquipélago, completa, no próximo sábado, 39 anos. Os seus restos mortais foram traslados para o país natal, quinze anos depois, em 1991, juntamente com as ossadas de outros dois combatentes, Justino Lopes e Zeca Santos.

Tirando isso, fora o facto de seu nome ser patrono de um quartel militar na cidade da Praia, pouco ou nada se sabe acerca desse Cabo verdiano, Jaime Mota, nomeadamente, das circunstâncias em que a sua morte aconteceu. Até companheiros seus de armas, que com ele estiveram, pouco ou nada sabem do que aqui se vai relatar.

Osvaldo Lopes da Silva, por exemplo, de quem Jaime Mota era muito chegado, ao ponto de dar o nome desse companheiro ao seu filho, sabe apenas que o mesmo foi ferido e morto em combate. Álvaro Dantas Tavares, mesma coisa, já que a morte desse patrício deu com ele fora da Guiné. E escusado será perguntar às gerações mais novas, de 50 anos para baixo, por que razão Jaime Mota é herói cabo-verdiano.

Jaime Mota, conforme os dados recolhidos para este artigo, foi capturado vivo, a 7 de Janeiro de 1974, no nordeste da Guine, quando, juntamente com outros guerrilheiros do PAIGC, entre eles o também cabo-verdiano Amâncio Lopes, se preparava para fustigar com a sua artilharia o quartel de Canquelifá, na zona de Pirada e Pitche, região de Gabu, fronteira com o Senegal, quando, de repente, se viram sob fogo cerrado. Na hora, tombaram um artilheiro cubano e um combatente guineense. Os demais elementos, lá conseguiram escapulir, deixando para trás Jaime Mota, que terá sido atingido também. Embora não mortalmente.

Os dois cabo-verdianos Amâncio e Jaime faziam parte do grupo de antigos emigrantes de Santo Antão mobilizados em Moselle, França, para um desembarque em Cabo Verde, depois de treinados em Cuba, onde permaneceram de 1965 a 1967. Gorado o plano, o grupo de 31 cabo-verdianos, entre eles uma mulher, é encaminhado para uma nova formação, desta feita, na então União Soviética (Rússia).

A entrada de cabo-verdianos nas frentes da Guiné, sobretudo na artilharia, a par de morteiristas e artilheiros cubanos, é um dos factores que vão ajudar a imprimir à guerra naquele território um novo tipo de confrotação, até então baseada em acções típicas de guerrilha, de “morde e foge”, como diria Che Guevara. Com recurso à artilharia, os confrontos directos, quase corporais, deixaram de ter lugar, com bombardeamentos à distância, de vários quilometros, das posições do inimigo, com muito menos baixas humanas da parte da guerrilha. (...)

CANQUELIFÁ, OUTRO INFERNO

Não muito de longe de Copá, a cerca de 12 quilómetros, estava Canquelifá, onde Amâncio Lopes, Jaime Mota e outros guerrilheiros de PAIGC actuavam, com peças de artilharia. Aqui, em Canquelifá, uma outra testemunha portuguesa, também soldado, relata que, no dia 7 de Janeiro (o mesmo dia da morte de Jaime Mota, nota-se), é emboscada uma coluna de viaturas, que ia levar alimentos a um pelotão acampado no quartel de Copá, sito a 21km de Bajocunda, na qual morreram dois soldados o Sebastião Dias e o José Correia e duas (viaturas) Barliets foram destruídos: “ uma rebentou uma mina e a outra ardeu”. (..)

O DIA FATAL

Amâncio Lopes conta que, embora Jaime Mota fosse, inicialmente, de uma outra frente, integrando a unidade de Osvaldo Lopes da Silva, depois da operação Guilege, no Sul, pede para ir juntar-se a ele; Amâncio, no Leste, tendo em conta a velha amizade que havia entre os dois, desde os tempos de Mossele. “ É assim que ele chega ao Leste e faço dele meu companheiro de reconhecimento”, acrescenta Amâncio. “ No dia 3 de Janeiro de 1974, vamos para a operação de Canquelifá, que corre bem. No dia 7, voltámos ao mesmo quartel e cometemos um erro que foi fatal para Jaime e outras pessoas”. 

“Quando se ataca um quartel”, explica aquele antigo guerrilheiro, “ não é aconselhável voltar ao mesmo lugar num curto espaço de tempo, salvo se deixarmos tropas no terreno a controlar a situação. Ora, três ou quarto dias depois, regressaremos para atacar o mesmo quartel, no que fomos surpreendidos e o Jaime caiu”. 

É que, detectada a presença do grupo do PAIGC, um pelotão de comandos africanos acaba por surpreendê-lo pela retaguarda, precisamente no momento em que Amâncio, Jaime e os restantes guerrilheiros procediam à recolha de dados para mais um bombardiamneto ao quartel de Canquelifá, como atrás descrito pelas fontes portuguesas. “ Canquelifá era um lugar perigoso, aí sempre perdemos gente. Uma vez, os tugas nos tomaram um morteiro 120 mm”, recorda Amâncio Lopes.
Como atrás foi dito também, na zona, actuavam os comandos africanos, capitaneados por Marcelino da Mata, embora houvesse vários outros grupos desse tipo de unidade especialmente treinada para a contra-guerrilha.  (...)

EMBOSCADA FATÍDICA

Regressando ao fatídico 7 de Janeiro de 1974, Amâncio Lopes recorda que o Cubano – um oficial da artilharia cujo nome não se recorda - foi para a operação à revelia dos guineenses e cabo-verdianos presentes. “ Tínhamos ordens expressas de que os cubanos não podiam ir para a frente de combate. Cabral era taxativo quanto a isso: ele não queria simplesmente. Recebíamos ajuda e apoio deles, mas, para a frente, não deveriam ir, porque a guerra na Guiné era assunto nosso, dos guineenses e do cabo verdianos. Mas o cubano, nesse dia, insistiu, a pessoa que nos estava a chefiar não teve pulso para lhe dizer não, ele foi e caiu”. 

Cabral, realmente, não queria repetir o que acontecera a Pedro Peralta, um capitão cubano, preso em combate, em Novembro de 1969, no Sul da Guiné, constituindo essa a prova cabal da presença de estrangeiros nesse território, um facto explorado por Lisboa na sua propaganda contra os “comunistas” do PAIGC. Além disso, no decorrer da guerra, tinham já morrido vários outros internacionalistas cubanos, o primeiro doa quais, Félix Barriento Loparte, em 2 de Julho de 1967, no ataque do quartel de Melle, facto que provocou em Cabral “ uma profunda dor”, conforme testemunhas de Oscar Oramas.

No caso em apreços, a emboscada fatídica, segundo Amâncio, aconteceu já no fim da tarde, quando ele e os seus homens aguardavam que escurecesse um pouco mais para procederem ao bombardiamento do quartel de Canquelifá e, como era hábito, desaparecerem rapidamente do terreno. “ Sentámo-nos. Estávamos a comunicar, o Cubano sentou-se numa bagabaga (formigueiro), o Jaime sentou-se também um pouco atrás de mim, o radialista guineense também havia mais três elementos do meu staff para defenir a direcção do fogo (só na artilharia, éramos uns sete ou oito elementos). Nisso, sentimos tiros. Na fuga, eu ensaio ir numa direcção, no que um dos guineenses me grita, aflito, ‘ por ai não, camarada Amâncio, porque o tiro está a vir dessa direção!' '’

“ Invertemos a fuga; no recuo, verificámos que nem o Jaime nem o cubano estavam connosco. Mandei toda gente parar e eu disse: ‘Faltam-noe o Jaime e o cubano’. O artilheiro guineense me diz: ‘ camarada Amâncio, na direcção em que o Jaime e o Cubano ficaram, não há chance… se você quiser ficar também… Pense bem. Não podemos voltar, porque se o fizermos será a nossa morte também”. 

Chamado á razão pelos demais elementos do grupo, Amancio diz que teve de se render á evidência.

António Leite, que estava em Cundura (região fronteira da Guiné Conakry), recorda-se de se ter deslocado ao local, juntamente com um outro oficial cubano, de nome Gouveia, para se inteirarem do que se tinha passado, “ Eu e esse cubano quando lá chegamos, no dia seguinte à notícia, não encontrámos absolutamente nada, a não ser alguns rastos de presença deles e do confronto tido”.

O FIM TRÁGICO DE JAIME MOTA

Será depois do 25 de Abril que Amâncio Lopes e outros cabo-verdianos, que estiveram nessa zona da Guiné-Bissau, ficarão a saber dos pormenores do que se passou com Jaime Mota, após a sua captura. Este, segundo os dados obtidos por Joaquim Pedro Silva, Baró,  especialmente junto de um piloto português, que vivenciou aquele momento, foi capturado vivo pelos comandos, quando viram que o Jaime era cabo-verdiano, torturaram-mo, massacraram-no, de todas as formas. Indo até às últimas consequências”.

Ainda de acordo com o tal piloto, diz Baró, uma das coisas que fizeram ao prisioneiro cabo -verdiano foi abrir-lhe a barriga com punhal.

Àgnelo Dantas, que também recolheu informações sobre o episódio, já que na altura também estava no Leste como comandante, conta igualmente que na emboscada o cubano é morto de imediato, o Jaime é ferido. “ Capturado, é arrastado, torturado pelos comandos africanos e uma das coisas que lhe fizeram foi cortar-lhe os testículos”.

António Leite especifica que Jaime foi ferido numa perna e, neutralizado, os seus captores improvisam uma forquilha com galho de um arbusto, que lhe amarram ao pescoço e a arastam até ao local onde acabam por o matar.

Mas, antes disso, segundo Agnelo e Baró, o prisioneiro foi tambem chicoteado; o chicote feito de pele humana ou por genitais de hipopótamo era uma arma muito utilizada pelos comandos africanos nas suas acções. No fim desse suplício, o corpo do guerrilheiro cabo-verdiano foi esquartejado, num ritual ainda hoje comum entre certas etnias guineenses, bastando para isso lembrar o que aconteceu a Nino Vieira em 2009. 

(...) Amâncio Lopes diz que, embora o acto tenha sido cometido por comandos africanos, é ao comandante do quartel de Canquelifá, um português cuja identidade nunca consegui saber, a responsabilidade pelo sucedido. Para todos os efeitos, salienta, “ o Jaime era um prisioneiro de guerra e, nessa qualidade, devia ter sido tratado”.  (...)

ÓDIO AOS CABO-VERDIANOS

Quanto ao ódio dos comandos guineenses aos cabo-verdianos, Agnelo Dantas tem a seguinte leitura: “ Eu tenho a impressão de que todo aquele pessoal que estava do lado de lá tinha ódio aos cabo-verdianos. Os comandos, talvez mais, por que eram instruídos nesse sentido. A política do Spínola era essa, apontando Cabral sempre como cabo-verdiano”. 

Osvaldo Lopes da Silva diz que o ódio entre os comandos e os combatentes do PAIGC era recíproco. “ As posições de um lado e doutro eram muito radicais. Eu, dos anos em que lá estive, vi vários prisioneiros portugueses, brancos, que eram tratados lindamente; agora, prisioneiros comandos africanos, isso nunca vi; apanhados, eram logo despachados pela nossa gente guineense. De modo que, tendo capturado o Jaime, eles também não estiveram pelos ajustes, ainda por cima um cabo-verdiano”. 
 
UM HOMEM DE TERRENO

Recordando o velho companheiro, Amâncio Lopes diz que, até hoje, não se conforma por ter perdido naquelas condições. “ Ainda hoje, não consigo explicar como é que Jaime e Cubano forma apanhados naquilo”, lamenta. “ Eu e o Jaime éramos como dois irmãos”. Osvaldo Lopes da Silva diz-se também muito chagado a Jaime Mota. E, ainda que involuntariamente, sente-se associado á morte do velho camarada. 

“ Estivemos juntos, primeiro, no Sul, em 1969, na minha unidade; em 1970, fui para o Leste, como comandante de artilharia e ele também; depois fomos para a Marinha, em Conakry, e de lá fomos para uma formação na União Soviética; no regresso, entendemos que já não dava para voltar de novo para a Marinha, como pretendia Cabral, porque o ambiente era claramente hostil aos Cabo-verdianos. Aliás, como se vem a verificar pelo 20 de Janeiro, o centro da conspiração era lá na marinha;  juntos, fomos de novo para Sul e, em Maio de 1973, estamos na operação Guilege. Logo de seguida, depois da tomada deste quartel, vou para Gadamael e ele fica no Sul, comigo em Gadamael, sou chamado para uma missão à Líbia, da qual regresso pouco depois; nisso, nesse meio tempo, passou a constar entre os combatentes que eu tinha sido transferido para o Leste. E é assim que o Jaime larga a sua unidade, no Sul, para ir ter comigo no Leste, mas, lá chegando, não me encontra, fica junto de Amâncio, outro grande amigo dele, e vão para essa tal operação, em que ele acaba atingido” .

“ O Jaime”, conclui Lopes da Silva, “ era um bocado destemido, um pouco indisciplinado também, tanto assim que larga a unidade dele no Sul e vai para o Leste, por sua própria conta. Era um bocado senhor de si, não admitia abusos, a única pessoa que o continha era eu. Como eu, ele também não gostava de Conakry, era claramente um homem de terreno”.

Honório Chantre recorda o seu conterrâneo como um homem muito ponderado e seguro. “ O Jaime não foi tropa portuguesa, mas tinha uma formação militar muito sólida, esteve em Cuba, na União Soviética e tinha a experiência de combate adquirida no terreno da Guiné. Era um combatente, digamos, normal, mas muito seguro. Juntamente com Amâncio e o Bibino, ele tinha a quarta classe daquela tempo, feita nos anos quarenta ou cinquenta, ao contrário de alguns colegas de Santo Antão que foram alfabetizados por nós em Cuba. Sem dúvida que essa malta de Santo Antão era em grupo de homens muito especiais, desde logo, pela forma como se entregaram á luta, e o Jaime é disso um claro exemplo”, conclui. (...)

António Leite participou, com Amâncio Lopes e Eduardo dos Santos, da operação de recolha e transladação dos três cabo-verdianos. “ Fomos ao Leste e conseguimos localizar os restos do Jaime, que pouco restava. Mesmo assim, foi fácil, porque sabíamos que ele tinha um dente de ouro e encontrámos uma caveira com dente de ouro. Depois fomos recolher os restos do Justino e do Zeca Santos, que sabiamos onde estavam. Havia um outro cabo-verdiano – António Leite, o primeiro de nós a morrer na Guiné, mas dele já não encotramos nada. O local onde tinha sido enterrado, no Sul, estava transforamdo numa plantação de arroz”.

Na Praia, segundo aquela fonte, o pequeno caixão com os restos de Jaime Mota foram enviados para Santo Antão, Paul, onde foi depositado. As outras duas urnas, de Justino Lopes e Zeca Santos, essas, foram enteadas na várzea, já que ambos eram naturais de Santiago.  (...)

 (*) texto de José Vicente Lopes,

Publicado no jornal "A Nação" de 20.01.14

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13944: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XVIII: jullho de 1973: (i) mais um ataque, no Rio Geba Estreito, em São Belchior, a seguir ao Mato Cão, à uma embarcação civil, a "Manuel Barbosa"; (ii) colocação, em Bambadinca, da CCAÇ 21, como unidade de intervenção do CAOP2, comandado por Abdulai Jamanca; (iii) pemetração na mítica mata do Fiofioli.


Guiné >  Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > Rio Geba > c. 1968 >  Passagem de um barco civil, a caminho de Bambadinca, através do Rio Geba Estreito.  Fotos Falantes II, álbum do Torcato Mendonca. alf mil art, CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

Foto: ©  Torcato Mendonça  (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]




1. Continuação da publicação da História do BART 3873 (que esteve colocado na zona leste, no Setor L1, Bambadinca, 1972/74), a partir e cópia digitalizada da História da Unidade, em formato pdf, gentilmente disponibilizada pelo António Duarte (*)

[António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e não como voluntário, como por lapso incialmente  indicamos); economista, bancário reformado, formador; foto atual à esquerda].


O destaque do mês de julho de 1973 (pp. 61/63) vai para:

(i)  o ataque, no Rio Geba Estreito, em São Belchior, a seguir ao Mato Cão, à embarcação "Manuel Barbosa" (, ligada a uma comercial de Bissau, se não erro); o barco, civil,conseguiu chegar a Bambadinca com um ferido;

(ii) a colocação, em Bambadinca, da CCAÇ 21, como unidade de intervenção do CAOP2; era inteiramente composta por quadros e praças do recrutamento local, sendo comandada pelo cap cmd graduado Jamanca;

(iii) a CCAÇ 21 entra na zona de Mina / Fiofioli.


Jullho de 1973: (i) mais um ataque, no Rio Geba Estreito, em São Belchior, a seguir ao Mato Cão, à uma embarcação civil, a  "Manuel Barbosa"; (ii) colocação, em Bambadinca, da CCAÇ 21, como unidade de intervenção do CAOP2, comandado por Abdulai Jamanca; e (iii) as NT penetram na mítica mata do Fiofioli

domingo, 13 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9892: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (13): Em Bambadinca, em agosto de 1974, eu (e outros camaradas) fui sequestrado, feito refém e ameaçado de fuzilamento por militares guineenses das NT... Cerca de 40 horas depois, o brig Carlos Fabião veio de helicóptero com duas malas cheias de dinheiro, e acabou com o nosso pesadelo (Fernando Gaspar, ex-Fur Mil Mec Arm, CCS/BCAÇ 4518, 1973/74)

1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) Fernando Gaspar, ex-Fur Mil Mec Arm, CCS/BCAÇ 4518 (1973/74) (*)






Data: 11 de Maio de 2012 22:30

Assunto: Bambadinca 1974


Boa noite, Luís


Fui furriel miliciano com a especialidade de mecânico de armamento e fui incorporado no Batalhão [de Caçadores] 4518 para a Guiné... [, imagem à esquerda: emblema do batalhão, disponibilizada pelo ex-Alf Mil Joaquim Tinoco, organizador do 
 XI Almoço Convívio da 1.ª Companhia do BCAÇ 4518/73, realizado em 28 de abril de 2012, em Montemor-o-Velho].

Após o 25 de abril de 1974, fui destacado para Bambadinca para receber material militar, viaturas, armas, etc.


Em agosto de 1974 (não consigo memorizar o dia), os militares presentes no destacamento de Bambadinca (eu incluído), foram surpreendidos com a presença de dezenas de militares do denominados Comandos Africanos(tropas nossas aliadas).

Todos nós (talvez duas dezenas),  ficámos perplexos... primeiro pensámos que vinham entregar as armas (o que nos facilitava o regresso a Portugal), mas não! Fomos encostados à parede e deram um prazo de 48 horas para serem pagos da indemnização a que tinham direito, ou então, seríamos fuzilados... 

Cerca de 40 horas após o sequestro, o brigadeiro Carlos Fabião chegou num helicóptero com duas malas carregadas de dinheiro... Terminou o sequestro!

Se através do teu blogue for possível reencontrar esses camaradas de armas, ficarei muito agradecido.

Até sempre

um abraço
Fernando Gaspar

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Fernando, muito obrigado pela coragem de vires, a público, revelar esse segredo, que possivelmente guardavas há muito na tua memória... De qualquer modo, o  que nos contas - ao fim destes anos todos - e que deve ter isso um pesadelo para ti e para os demais camaradas que foram feitos reféns, já não era segredo para mim... Já aqui transcrevi, ao de leve,  uma conversa que tive, em Monte Real, por ocasião do nosso VII Encontro Nacional, com o último comandante do Pel Caç Nat 52, o alf mil Luis Mourato Oliveira, filho de mãe lourinhanse [, foto à direita].

Ele também estava em Bambadinca, sentado tranquilamente no bar de oficiais, quando ocorreram os graves incidentes a que te referes...  Foi igualmente sequestrado como tu,  e mantido como refém até à chegada do brigadeiro Carlos Fabião, que, vindo de Bissau,  resolveu o problema com patacão... 

Isto ter-se-á passado não com o Batalhão de Comandos Africanos, como tu sugeres,  mas com o pessoal da CCAÇ 21, que era comandada pelo tenente comando graduado Jamanca, e onde havia antigos militares da formação inicial da CCAÇ 12 do meu tempo (1969/71)...  Disse-me o Mourato Oliveira que, depois da negociação com o Carlos Fabião, houve grande ronco, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 21 gastaram rapidamente a massa, trocando o último dinheiro português  por rádios, roupas, motorizadas  e outros bens de consumo...

Semelhantes incidentes (graves) deram-se em Paúnca, pela mesma altura, com a malta da CCAÇ 11, já relatado pelo nosso camarada J. Casimiro Carvalho. (**)

De qualquer modo, esperamos que tanto o Fernando Gaspar como o Luís Mourato Oliveira nos possam fornecer mais pormenores destes tristes acontecimentos que poderiam ter originado um tragédia imensa,  se as ameaças de fuzilamento dos reféns fossem levadas a cabo pelos militares revoltosos da CCAÇ 21. 

O alferes comando graduado Amadu Bailo Djaló [, foto à direita,] também pertenceu a essa companhia, que era inteiramente constituída por pessoal do recrutamento local (incluindo os quadros e os especialistas). No entanto, nas suas memórias (Amadu Bailo Djaló - Guineense, comando, português: 1º volume: comandos africanos, 1964-1974. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, 299 pp.), não são evocados explicitamente os incidentes de Bambadinca (vd. pp. 276 e ss.). 

Talvez o nosso camarada Virgínio Briote [, foto à esquerda,] que o ajudou a escrever o livro, possa esclarecer o que se passou exatamente nesses dias de agosto de 1974 em que a CCAÇ 21 (ou parte do seu pessoal, possivelmente até à revelia do seu comandante, Abdulai Jamanca, que virá a ser fuzilado pelos nossos senhores da Guiné-Bissau, por altuiras do nosso 11 de março de 1975, segundo informação do Amadu Djaló, p. 281) tomou como reféns cerca de duas dezenas de militares metropolitanos que ainda restavam em Bambadinca.


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9528: Notas de leitura (336): Os Últimos Guerreiros do Império (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Janeiro de 2012:

Queridos amigos,
Recensão obriga a concisão, neste caso lastima-se a exiguidade do espaço porque há conteúdos suculentos, toca-nos o número dos heróis que dá a face pelos heróis que ficam no anonimato. Há heróis que nunca esqueceram os camaradas e a gesta da solidariedade. O importante é saber-se que já se fizeram levantamentos destes heróis e que há outros por fazer, antes que seja tarde ou que se esbata o rigor da mente. Não é de mais salientar que um elevado número destes heróis calcorreou a Guiné.

Um abraço do
Mário


Os últimos guerreiros do Império (2)

Beja Santos

O que é mais significativo nos depoimentos de militares condecorados por feitos de bravura é a desafeição, a ausência de pedantaria, o condicionalismo do ato heroico à equipa. Essa postura é ressaltada em “Os últimos guerreiros do Império” (coordenação de Rui Rodrigues, Editora Eramos, 1995), um registo de testemunhos de alguma gente valorosa. Como é evidente, há quem aproveite para fazer queixas, lamúria política, revelar azedumes. Mas no essencial encontramos ali gemas de exultação de grande camaradagem militar.

O coronel Maurício Saraiva escreve: “Resolvi passar à reforma extraordinária porque, por motivo de lei, não estava apto para todo o serviço. Ora eu perdi uma perna em combate mas não me sentia deficiente ou incapaz – um homem só fica incapaz quando perde a cabeça e eu não a perdi. Pedir a reforma custou-me bastante”. Esteve na Guiné em 1964, participou na operação Tridente, não esqueceu o Furriel Miranda, o 1º Cabo Cruz, o 1º Cabo Marcelino da Mata e o 1º Cabo Jamanca. Desembarcaram no Como sem problemas e depois veio a maré cheia, tiveram que ir fazer trincheiras mais adiante. Fez operações conjuntas com os Fuzileiros de Alpoim Calvão e com os paraquedistas. Foi depois desta operação que começou a formação dos Comandos. Diz o seguinte: “Constituímos três grupos: os Fantasmas era o meu, os Camaleões era o do Alferes Godinho e os Panteras era o do Alferes Pombo. Para mim, como para todos esses homens, foi uma autêntica honra termos sido os primeiros Comandos da Guiné. Um comandante não é ninguém sem os seus soldados. Eu tive muita vaidade nos meus soldados. E o que eu fui, foi à custa deles, com eles e por eles. Não vou referir atos isolados. Houve coisas que se passaram e que me deram condecorações e promoções por distinção; tudo isto se deve ao trabalho de um conjunto e ao verdadeiro espírito de equipa”. Só abre exceção para contar uma história que viveu na Ilha do Como. Na contagem dos militares, na hora do regresso, faltavam dois soldados. “Resolvi voltar à mata para ir buscar os soldados que faltavam. Levei comigo dois soldados, um meu e outro fuzileiro. Ao cruzar a clareira, foi um fogo infernal, mas lá conseguimos chegar à mata. O primeiro soldado que vimos estava morto. Trouxemo-lo até aos morros da baga-baga. Fomos outra vez ao outro lado e encontrámos um ferido. Era um homem enorme, um militar chamado Palha. Estava ferido na coluna e ficou paraplégico. Transportámo-lo até aos morros. Um morto transporta-se de qualquer maneira, mas um ferido é muito difícil. Uns anos depois, já eu tinha sido ferido em Moçambique, estava no Hospital Militar a fazer a barba, o homem não quis receber, eu insisti em pagar e ele disse-me que um dia eu tinha salvo a vida do sobrinho na Guiné, chamado Palha”.

Não menos tocante é a história que nos conta o Tenente-Coronel Nogueira Ribeiro esteve na Guiné de 1963 a 1966. Descreve o relevo, o fluxo das marés e o caminhar no tarrafo: “Andámos por ali enterrados no lodo até que nos apareceu um riacho cheio, havia que o transpor. A largura seria de 4 ou 5 metros e a profundidade cobria um homem de altura mediana. Quando chegou a minha vez, lancei-me, mas, devido ao cansaço e ao peso que transportava, quase fui ao fundo (meço 1,70 metros). A situação estava complicada e já me preparava para aligeirar a carga quando me sinto içado pela gola do dólman-camuflado e quase conduzido para a margem. Quem me auxiliou foi o Soldado 38, um felupe de quase dois metros: - Nosso Alfere não pode morrer, senão nosso ficar órfão. Era prática quase corrente que os comandantes tivessem um guarda-costas. Nunca quis nenhum, mas em operações anteriores reparei várias vezes que o 38, sem ninguém lhe dar ordem, assumiu-se como tal. 30 anos depois, não sei se está vivo, mas gostava de o reencontrar. Bem-hajas, 38!”.

O General Almeida Bruno realça a operação mais importante que comandou, a Ametista Real, comandava o Batalhão de Comandos Africanos, a operação destinava-se a aliviar a pressão sobre Guidage que estava isolada por terra, era impossível o reabastecimento aéreo e evacuação dos feridos. Dá conta do resultado: “O inimigo sofreu 67 mortos. As nossas tropas 14 mortos (dos quais dois alferes), onze desaparecidos, mais tarde confirmados como mortos e houve 23 feridos graves. Ao inimigo foram destruídos 22 depósitos de material de guerra”. E declara mais adiante: “Não posso nem quero deixar de dizer uma palavra sobre o que foi o destino desses homens do Batalhão de Comandos Africanos. Em 1974 estive em Londres, o Dr. Mário Soares, o Dr. Almeida Santos e com o Prof. Jorge Campinos, a negociar com o PAIGC, representado por Pedro Pires e pelo Dr. José Araújo. As indicações que levava do General Spínola eram muito claras e eram as mesmas que tinham recebido, na Guiné, o Major Carlos Fabião: aceitação pelo PAIGC de que ninguém tocava nos africanos, não só nos oficiais e sargentos do Batalhão de Comandos como nos Comandantes das Milícias. Nas nossas conversas com o PAIGC ficou sempre assente que haveria uma integração desse pessoal. Não foi isso o que o PAIGC fez. O PAIGC fuzilou barbaramente a maioria dos meus oficiais do Batalhão de Comandos”.

Marcelino da Mata é um militar que não precisa de apresentações. Tirou o curso de Comandos que foi dirigido por Maurício Saraiva. O seu relato é sempre baseado nas suas façanhas. Ganhou a Torre e Espada numa operação ocorrida em 1967: “O Comandante chamou-me e contou-me que a Companhia do Capitão Caraça, que estava a fazer operações de patrulhamento na zona da fronteira fora toda apanhada à mão pelo PAIGC na véspera – 150 homens apanhados à mão! – e que eu tinha de lá ir buscá-los. Fomos 19 homens todos muito armados, menos eu, que ia vestido com uma tanga igual às que os senegaleses usam naquela zona. Entrei na vila, cheguei perto do arame farpado do quartel senegalês e vi os nossos homens todos sentados na parada, só em cuecas. Atirei uma granada ofensiva para o meio da parada e na confusão conseguimos tirar os nossos de lá todos. A tropa senegalesa fugiu rapidamente, mas o PAIGC vinha atrás de nós. Iam nove do meu grupo à frente a escoltar os nossos e dez atrás a aguentar o tiro do inimigo – foi assim até à fronteira e ainda eram mais de 40 quilómetros”. Não esconde a sua deceção com os acontecimentos do 25 de Abril: “Quando se deu o 25 de Abril a situação na Guiné estava controlada por nós. Eu dava a volta a toda a Guiné. Só faltava destruir a base do PAIGC de Kadiaf, porque a de Fulamore já o tinha sido, e no dia 25 de Abril eu estava nessa base que se situava em território da Guiné-Conacri. Quando chegámos a Quêpe, o 2º Comandante da Unidade local informou-me que a guerra tinha acabado. Ao almoço o rádio disse que havia cessar-fogo. No dia seguinte fui atacar Kadiaf”. Ele descreve a situação da Guiné da seguinte maneira: “Havia 60 mil tropas brancos e 40 mil africanos. Só havia mil operacionais. Quem fazia operações eram os Fuzileiros Especiais, os Comandos Africanos e os Pára-quedistas. Em cada destacamento em que havia uma Companhia branca havia 45 milícias. Nos sítios onde a tropa branca não metia o nariz, eram eles quem ia… Na Guiné havia 23 Companhias de Caçadores Especiais só de africanos e no fim, quando as Companhias de brancos se vinham embora, eram substituídas por pretos. Muitos brancos iam daqui já politizados e por isso não queriam fazer operações, só disparavam se eram atacados; a maioria dos capitães milicianos que ia para a Guiné, no fim, eram comunistas”.

São relatos cintilantes, alguns, outros de grande vibração interior e há até quem explique, uma a uma, as condecorações que recebeu. São testemunhos que não podem ser ignorados pelos historiadores.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9508: Notas de leitura (335): Os Últimos Guerreiros do Império (1) (Mário Beja Santos)